Caminho verde ou ganância em penas verdes? Estudo na Universidade de Helsinki analisa a questão da sustentabilidade ambiental no Acordo UE-Mercosul

Acabo de receber e estou compartilhando uma interessante dissertação de mestrado que foi defendida com êxito pela pesquisadora filandesa Hanna-Kaisa Sainio no Programa de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Helsinki. A pesquisa realiza uma análise sobre os limites do discurso ambiental que envolve o acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul.

A partir de uma metodologia qualitativa, Hanna-Kaisa Sainio fez uma série de entrevistas com representantes de governos, pesquisadores e membros de organizações não-governamentais para tentar três questões de pesquisa: 1) que tipo de pensamento de sustentabilidade dominou as negociações e decisões do Acordo UE-Mercosul, 2) qual foi a situação da inclusão e das perspectivas das partes interessadas , e 3) qual foi caminho de sustentabilidade escolhido para nortear o Acordo comercial UE-Mercosul.

Uma das descobertas do estudo de Sainio é que a imprecisão do conceito de sustentabilidade e as diferentes perspectivas e circunstâncias de vida que afeta seu reconhecimento, como um dos principais alvos do acordo, fazem com que os compromissos globais de sustentabilidade pareçam parte de um cenário mundial ideal, que não será de fato seguido na sua implementação prática. Em outras palavras, é a imprecisão a serviço do “greenwashing” para manter tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Outro aspecto que surgiu nas entrevistas realizadas por Hanna-Kaisa Sainio foi a natureza assimétrica dp acordo, o que resultaria não em condições mais equânimes de trocas comerciais, mas sim na manutenção da hegemonia colonial, o que seria reforçado pelo uso de tecnologia mais avançada e de restrições ambientais como alavancas para atingir esse objetivo em prol da União Europeia.

Por outro lado, um dos consensos que surgem das entrevistas de Sainio é que os compromissos ambientais do Acordo EU-Mercosul são tão vagos e podem ser interpretados de tantas maneiras que qualquer ação poderia ser chamada de sustentável.  Este é, na verdade, um problema recorrente, já que o conceito de sustentabilidade é frequentemente usado em ações de marketing sem qualquer clarificação sobre seu significado prático. Além disso, como sustentabilidade significa coisas diferentes para pessoas diferentes, e não há consenso sobre os limites do sustentável e do insustentável,  há o risco de que ocorra um alto nível de frustração com os resultados da implementação prática do acordo.

Ainda que esses sejam apenas uma síntese muito breve da pesquisa de Sainio, o que salta aos olhos é que aqui no Brasil as contradições existentes nos termos desse acordo foi muito pouco destrinchado pela comunidade acadêmica, e completamente ignoradas pelos membros do governo Lula que participaram da sua amarração final.

Quem desejar baixar a dissertação de mestrado de Hanna-Kaisa Sainio, basta clicar [Aqui!].

A posição de Lula sobre o desastroso acordo UE-Mercosul é acima de tudo hipócrita

lula eu mercosulLula se reúne com a presidente da Comissão Europeia e critica previsão de sanções no acordo Mercosul-UE. Ricardo Stuckert/PR 

Quem ouve o presidente Lula reclamando das demandas europeias por mais controle do desmatamento como condição para a assinatura final do acordo União Europeia (UE)-Mercosul pode até pensar que esse é o real problema nas negociações, mas não está nem perto de ser. 

Para quem já acompanhou minimamente os debates em torno desse acordo de livre comércio, as questões são muito mais graves e preocupantes, pois se aprovado o UE-Mercosul representará um aumento das relações neocoloniais entre os países europeus e os membros do bloco sul americano, e a piora das condições de vida dos trabalhadores de lá e de cá. 

Como negociado por diferentes governos, incluindo as distintas administrações do presidente Lula, o que teremos se o acordo for finalmente assinado será mais desindustrialização, desemprego, desmatamento e envenenamento por aqui, e mais precarização dos padrões de proteção ambiental e sanitário na Europa. Os grandes beneficiários deste acordo são as grandes corporações europeias que controlam as cadeias de insumos e equipamentos agrícolas do lado de lá, enquanto que aqui os grandes vencedores serão os latifundiários que hoje controlam a produção de grãos e carnes, enquanto que os perdedores serão os agricultores familiares e trabalhadores em geral.

Existem vários estudos interessantes feitos para oferecer análises críticas sobre os impactos devastadores do acordo UE-Mercosul. Um que me parece ser bastante acessível foi produzido pela Handel Anders! é uma coalizão de sindicatos, organizações sociais e camponesas, e cidadãos comprometidos com o comércio sustentável e justo. Intitulado “O Acordo Comercial UE-Mercosul: uma análise crítica e uma alternativa“, este relatório traz de forma didática vários dos aspectos negativos deste tratado de livre comércio.

Por que o governo Lula apoia um tratado tão ruim para o Brasil?

Uma mente menos ingênua poderá se perguntar o porquê do governo Lula estar tão empenhado em apoiar um tratado com repercussões tão ruins. A minha resposta é que, apesar de todas as cacofonias usadas para embaralhar a discussão, o presidente Lula acredita que este é o único caminho para que haja algum tipo de dinamismo na balança comercial brasileira, a ponto de salvar algumas migalhas para amenizar as graves desigualdades sociais que o modelo agro-exportador causa.

Assim, não há um espaço real para outras alternativas de inserção em uma economia globalizada cada vez mais complexa.  Esse apego a uma ideia de que temos de usar o que temos de melhor (no caso a produção em massa de commodities agrícolas e minerais) já estava presente no Neodesenvolvimentismo engendrado e aplicado nos anos em que Lula e Dilma comandaram o Brasil.  A diferença é que agora não há mais sequer a tintura Neodesenvolvimentista, e se escancara um discurso supostamente realista em prol da completa reprimarização da economia brasileira.

Obviamente como se trata de Lula há sempre um espaço de manobra para um discurso em prol de um modelo de desenvolvimento sustentável com proteção ambiental e outros quetais. Mas no frigir dos ovos, o que surge é uma versão requentada do PAC que coloca em risco áreas ainda relativamente intactas das florestas amazônicas, beneficiando grileiros nacionais e corporações multinacionais que se beneficiam do processo de destruição que a expansão das monoculturas de exportação e da pecuária bovina levam consigo.

Aos que opõe à visão de destino que Lula e seu governo carregam só resta a opção de deixar as ilusões de lado e partir para a construção de alternativas a um modelo que já se sabe está nos condenando a um futuro nada lustroso.