Embargos remotos de áreas desmatadaspodem acelerar fiscalização ambiental no Brasil

Guia de Boas Práticas, lançado esta semana, visa dar escala à prática que faz uso de recursos tecnológicos disponíveis e acessíveis a todos

fiscalização
A quase totalidade (98%) dos mais de 200 mil alertas de desmatamento, somando 4,3 milhões de hectares, validados pelo MapBiomas Alerta entre 2019 e 2021, tinham indícios de ilegalidade. Porém apenas 7% deles, correspondendo a 27% da área desmatada, foram objeto de alguma ação — fosse ela uma autorização, embargo ou ação civil pública, por exemplo. Um dos fatores para isso é a falta de estrutura dos órgãos fiscalizadores, que ainda privilegiam as ações presenciais. Mas o cenário poderia ser totalmente diferente com o uso da tecnologia: recursos disponíveis de forma rápida e gratuita já permitem a identificação da supressão da vegetação nativa com imagens de alta resolução, permitindo o embargo remoto.

“Embargos remotos são estratégicos no nosso atual contexto em que os órgãos ambientais ainda não possuem recursos humanos e financeiros suficientes para atender com eficiência o elevado número de desmatamentos confirmados”, explica André Lima, coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS). “Hoje as tecnologias disponíveis e amplamente acessíveis oferecem duas condições fundamentais para a fiscalização remota: a confiabilidade e a atualidade das informações. Seu uso, portanto, é fundamental para que a fiscalização ambiental no Brasil alcance a celeridade necessária para combatermos a destruição de nossos biomas”, completa Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.

Para que a prática do embargo remoto se dissemine, representantes de órgãos ambientais estaduais, federais e organizações da sociedade civil se reuniram ao longo do ano de 2022 em um grupo de trabalho que discutiu os principais pontos que alimentaram a elaboração do Guia de Boas Práticas para Implementação do Embargo Remoto de Áreas Desmatadas no Brasil. O documento foi lançado nesta terça-feira, 22 de novembro, em evento promovido pelo MapBiomas, junto com o Instituto Democracia & Sustentabilidade (IDS), o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Brasil io. O lançamento aconteceu às 10h30 e pode ser conferido aqui.

O objetivo do guia é facilitar a aplicação do embargo remoto da forma mais automática possível, permitindo ações em grande escala, com impacto imediato sobre as áreas desmatadas ilegalmente. Ele é direcionado aos profissionais de órgãos ambientais e sociedade civil em geral. Sua elaboração levou em conta as normas vigentes, as tecnologias disponíveis e previstas no arcabouço legal e a experiência prática dos governos estaduais e federal na utilização do embargo remoto para fiscalização de áreas desmatadas.

O guia inclui um passo a passo para aplicação do embargo remoto em larga escala, contemplando procedimentos distintos para desmatamentos identificados em áreas inscritas e áreas não inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O fluxo de trabalho sugerido contempla o processo de identificação, confirmação e qualificação da supressão da vegetação nativa, a notificação de proprietários, a aplicação e publicação dos embargos em bases públicas, e suas devidas consequências no CAR. O guia também orienta quanto ao monitoramento permanente de áreas embargadas e procedimentos específicos para áreas e territórios de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs).

O embargo é uma “medida administrativa cautelar adotada pelos órgãos ambientais e aplicada sobre uma área para suspender atividade ilegal, paralisar a degradação ambiental e garantir a recuperação da área ou sua regeneração.” Ou seja, ele tem caráter preventivo e cautelar e impede que uma atividade degradadora continue a se perpetuar no tempo e permite que a área danificada se recupere.

Hoje, a maioria dos embargos são feitos mediante fiscalização presencial, mas a comprovação do dano ambiental que justifica o embargo pode ser feita de forma remota, por meio da análise de imagens de satélite. Com isso, a ação presencial poderá ser priorizada para os casos em que é realmente necessária, como em casos de apreensão de equipamentos, investigações e situações de conflitos de posse de terras. “Fiscalização presencial e remota podem e devem caminhar juntas. Uma fortalece e confere maior eficiência à outra”, ressalta Tasso Azevedo.

Sobre MapBiomas

O MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.

Governo Bolsonaro sucateia o MMA e coloca políticas ambientais em xeque

ricardosalles

Antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles executa projeto de desmanche das políticas de Meio Ambiente, enquanto coloca Brasil na rota de punições no comércio internacional.

Duas matérias (uma publicada pela “Deutsche Welle” e outra pelo site “The Intercept“) mostram que o governo Bolsonaro, sob a batuta do ainda ministro (ou seria antiministro?) Ricardo Salles, vem operando uma série de ações para paralisar as ações de monitoramento, aplicação de leis ambientais contra desmatadores, e de engajamento do Brasil em ações de adaptação às mudanças climáticas. Na prática, o governo Bolsonaro e seu antiministro do Meio Ambiente age para sucatear o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ao ponto de inviabilizar a atuação de seus principais órgãos, o IBAMA e o ICMBio.

Um exemplo bizarro dado pelo “The Intercept” tem a ver com a quantidade de madeira ilegalmente extraída e apreendida por fiscais do IBAMA que passou de 25.000 metros cúbicos em 2018 para inexpressivos 40 metros cúbicos nos primeiros 4 meses de 2019. Como já existem evidências mostrando que o desmatamento aumentou na Amazônia, há algo de fundamentalmente errado acontecendo com o processo de fiscalização, e a matéria do “The Intercept” mostra que o arauto da impunidade é obviamente Ricardo Salles.

Já a matéria da “Deutsche Welle” mostra que sob o comando de Ricardo Salles,  as políticas de combate às mudanças climáticas tiveram um corte de 95% de seus recursos bloqueados. Dos R$ 11,8 milhões antes previstos para o programa, que tem como um de seus objetivos reduzir emissões, restaram menos de R$ 600 mil. Com isso, além de paralisar uma série de projetos e inviabilizar o necessário processo de ajuste às mudanças climáticas (que objetivamente Ricardo Salles nega existirem) está colocando em risco o aporte de verbas internacionais que viriam na forma de contrapartidas aos investimentos brasileiros nessa área.   A “Deutsche Welle” mostra que só com a Alemanha há o risco de uma perda de 5 milhões de euros apenas em um programa, o Adapta.

FUMAÇA

Paralisação da fiscalização ambiental está contribuindo para aumento drástico do desmatamento e emissões de CO2 a partir da Amazônia.

A resposta de Ricardo Salles às críticas, incluindo as vindas de uma reunião realizada por ex-ministros do Meio Ambiente, é de fazer cara de paisagem como se não estivesse fazendo nada de errado. Aliás, a partir de algumas declarações de Salles, errados estão os que apontam para o evidente processo de precarização do MMA e do aumento dos crimes ambientais em todo o território brasileiro.

exministros

Ex ministros do Meio Ambiente se reunem para denunciar desmonte da governança ambiental no Brasil. (foto: Nelson Almeida/AFP)

Uma coisa que Salles e seus patrocinadores parecem esquecer é que o resto do mundo não é tão desinformado sobre o que está acontecendo no Brasil como eles gostariam que fosse. A carta assinada por 602 pesquisadores na revista Science cobrando uma atitude pró-ativa da União Europeia sobre o desmantelamento da governança ambiental foi apenas uma pequena sinalização do que está sendo preparado para isolar o Brasil e impor fortes restrições à compra de nossas commodities.

Como o Brasil está cada vez mais dependente do seu setor primário para gerar reservas de moedas fortes, o governo Bolsonaro deverá ser chamado às falas sobre o que está permitindo, e até incentivando, que ocorra em termos de desmatamento e degradação ambiental na Amazônia.  O problema é que com o ministério das Relações Exteriores nas mãos de Ernesto Araújo, os sinais que já estão sendo emitidos fora do Brasil estão sendo solenemente ignorados, o que cedo ou tarde nos colocará diante de barreiras comerciais que não serão resolvidas facilmente. O pano de fundo disso será o aprofundamento da recessão econômica e do desemprego. Nada muito animador para um país que hoje já apresenta níveis quase intoleráveis de desemprego e de estagnação econômica.

Quem acompanha este blog poderá até achar que estou sendo chato e repetitivo em minhas análises sobre as repercussões que ainda virão por causa da quebra da governança ambiental e do retorno a um conjunto de práticas que retrocedem o Brasil a pelo menos os anos de 1970. Entretanto, quando o pior se confirmar, pelo menos os leitores deste blog não poderão se dizer surpresos.  É que o que está sendo feito por Ricardo Salles no MMA terá repercussões, duras repercussões sobre o Brasil.  E quando isto acontecer ele não terá outro remédio a não se retornar à sua insignificância.  

A pergunta que não quer calar: quem fiscaliza a fiscalização ambiental?

global

O artigo abaixo é de autoria de Dener Giovanini, “ambientalista e documentarista cinematográfico”, que mantém o blog “Reflexões ambientais” no site do O Estado de São Paulo. Ainda que eu possua diferenças pontuais com o que está apontado neste artigo, já que o inferno ambiental brasileiro não começou em 2003, creio que há um acerto na análise do que eu classifico, não como trevas, mas como um vigoroso processo de regressão da legislação ambiental brasileira.

Além disso, creio que o problema é mais profundo e vai muito além do sucateamento do Ibama e do ICMBio, visto que a precarização dos órgãos ambientais está bastante evidenciado na maioria dos estados brasileiros, muitos quais não são governados pelo PT, mas por partidos que se dizem de oposição, ou fingem que são da situação, como é o caso do PMDB.

Eu também diria que uma parte considerável dos danos ambientais que estão ocorrendo neste momento, vejam o caso do Porto do Açu, decorre da supremacia de uma visão de crescimento econômico “a ferro e fogo” na qual o Estado brasileiro cumpri um papel determinante. 

Mas independente de eventuais pontos de discordância com o texto, reconheço que a centralidade da discussão que o mesmo enseja. E o pior é que o PT, como corretamente aponta Dener Giovanini, e o ex-ambientalista Carlos Minc é uma franca demonstração disso, lamentavelmente deixou para trás qualquer preocupação com o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento que incluísse a proteção ambiental como um dos seus pilares.

 

E quem fiscaliza a fiscalização ambiental?

Por DENER GIOVANINI

Desde que o Partido dos Trabalhadores assumiu os destinos da nossa nação em 2003, passamos a viver um período de trevas ambientais. “Nunca na história desse país” tão pouco se fez pelo meio ambiente. Marina Silva e suas “mãos de tesoura” picotou o Ibama e compactuou durante anos e anos com os retrocessos ambientais do PT, nos legando uma gestão ambiental destroçada. Depois foi embora dizendo que não tinha nada a ver com isso. Carlos Minc foi para o pasto prender uns “boizinhos piratas” e também naufragou. Izabella Teixeira continua fazendo o que sempre fez desde que assumiu o Ministério do Meio Ambiente: nada! Lambança após lambança, os avanços conquistados até 2003 foram se perdendo. Se na economia a situação não é boa, no meio ambiente ela é trágica. Da Silva a Teixeira só existiu o vácuo. O caos.

Não faltaram oportunidades para que a presidente Dilma corrigisse o rumo. Não o fez porque não quis. Não o fez porque não teve competência e capacidade. Lula e Dilma entrarão para a história como os piores governantes na área ambiental do Brasil moderno. E todos que colaboraram com essa desastrosa agenda– por conveniência ou omissão – são tão responsáveis quanto.

A falência das nossas políticas ambientais fica clara quando vemos órgãos como o IBAMA e o ICMBIO acéfalos e sem norte, buscando desesperadamente manter o pouco de credibilidade que lhes restam.

A direção do IBAMA tem uma rotatividade de motel. Nos últimos quatro anos teve cinco presidentes. E o que lá dentro se faz com a biodiversidade brasileira também tem muita similaridade com o que em motel se faz.

Antigamente visto e apreciado pela sociedade como um órgão público com renome e respeito, o IBAMA que se vê hoje não passa de um arremedo. O IBAMA é a cara do Brasil. E a grande maioria de seus funcionários é a cara da sociedade brasileira: uma gente que não aguenta mais sofrer pressão e instabilidade organizacional. São funcionários que sistematicamente são desestimulados e acuados, tendo que conviver com a desordem emanada do Ministério do Meio Ambiente e da sua própria direção. Os bons e comprometidos funcionários (como aqui já dito, a maioria) são testemunhas do ocaso de uma instituição que já foi um orgulho poder servir.

E nada retrata mais fielmente a agonia e despreparo do órgão do que a sua Diretoria de Fiscalização. A atuação daqueles que nós, brasileiros, deveríamos confiar a proteção dos nossos recursos naturais é mais do que pífia. É vergonhosa, ineficaz e ineficiente. Os cabeças da fiscalização apenas fingem – através de espetáculos midiáticos – fazer o que a incompetência lhes impede.

Organizam comboios de viaturas para fiscalizar mantenedores de fauna devidamente registrados e credenciados no órgão, mas deixam o tráfico de animais correr solto na internet e nas feiras livres do país. Empunham pistolas e fuzis contra humildes trabalhadores rurais, mas se acovardam diante dos crimes praticados por grandes corporações. Fazem alarde quando apreendem um passarinho numa gaiola, mais viram a cara para os seus próprios Centros de Triagem, que se transformam em campos de extermínio de animais silvestres por falta de estrutura e recursos. Se vangloriam de incendiar caminhões apreendidos, enquanto cidades inteiras desaparecem sob a fumaça de queimadas. Lamentavelmente, os agentes de fiscalização que honram os seus cargos estão cada vez mais ganhando a antipatia da sociedade, por conta de um modelo de atuação grotesco, gestado e administrado por meia dúzia de incapacitados.

Se não fosse a atuação da Polícia Federal contra os crimes ambientais, o quadro seria ainda mais grave. Graças ao esforço do DPF ainda nos resta alguma esperança de ação contra os bandidos que o IBAMA finge não ver.

A gestão do ICMBIO em nada se difere do IBAMA.

A ausência de um plano estratégico de conservação da biodiversidade brasileira relegou a maioria dos nossos Parques Nacionais ao total abandono. No Brasil de hoje, as Unidades de Conservação se transformaram em áreas isoladas da sociedade. São apenas ilhas cercadas pelo descaso.  E nada além disso.

Todos, absolutamente todos os avanços que foram conquistados na agenda ambiental brasileira, desde a Constituição de 1988, estão se perdendo num ritmo assustador.

Precisamos de coragem para mudar. Precisamos que os próprios agentes públicos responsáveis pela gestão e fiscalização ambiental do nosso país reajam e denunciem os desmandos a que são cotidianamente submetidos. E cabe a sociedade apoiar e valorizar essa atitude.

Vamos definitivamente separar o joio do trigo.

Vamos definitivamente mostrar quem é contra e quem é a favor do Brasil.

Roosewelt-Pinheiro

Servidores do Ibama e ICMBIO protestam contra retrocessos ambientais. Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

FONTE: http://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/dener-giovanini/e-quem-fiscaliza-a-fiscalizacao-ambiental/