Leis flexíveis e baixa fiscalização agravaram problemas ambientais em Rondônia a partir de 2018, aponta estudo

desmatamento roArtigo analisou leis, decretos e regulamentos de 2018 a 2024 e comparou os registros com o ciclo de 2012 a 2018

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Nos últimos seis anos, políticas ambientais flexíveis, aliadas à fiscalização ineficaz, têm acelerado a degradação ambiental em Rondônia. É o que aponta um estudo conduzido na Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e publicado na “Revista da Emeron” nesta sexta (20). A pesquisa identifica novas regulamentações nocivas à natureza e às populações locais, como uma lei estadual de 2021 que reduz os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim e outra de 2020 que flexibiliza regras para licenciamento ambiental de empreendimentos agrícolas.

Essas medidas podem ter contribuído para resultados como a perda de cerca de dois mil quilômetros quadrados de áreas protegidas em Rondônia entre 2018 e 2022, conforme dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), enquanto o desmatamento em unidades de conservação do estado cresceu 20% no período. Também houve aumento de 37% nas queimadas, totalizando mais de 12 mil focos de incêndio somente em 2022, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Como agravante, a capacidade de fiscalização dos órgãos públicos minguou nesse meio tempo. A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental conta com quase 500 servidores, mas mais de 60% são comissionados. O último concurso público foi realizado em 2014.

Para entender os efeitos das políticas ambientais adotadas em Rondônia, o artigo analisou leis, decretos e regulamentos implementados entre 2018 e 2024 e comparou os registros com o ciclo imediatamente anterior, de 2012 a 2018. O trabalho avaliou seus possíveis impactos sobre o meio ambiente e as comunidades locais a partir de dados quantitativos e qualitativos relativos ao período analisado. Os dados quantitativos foram obtidos de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o IPAM e o Imazon. Já os dados qualitativos sobre conflitos agrários e invasões de terras indígenas foram acessados em documentos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Instituto Socioambiental (ISA).

O crescimento de 35% nas atividades de garimpo ao longo do Rio Madeira, um dos afluentes do Rio Amazonas, elevou os níveis de contaminação por mercúrio na região, com 92% das amostras de água analisadas excedendo os limites considerados seguros. Essas mesmas águas ainda podem ter recebido parte das mais de 350 mil toneladas de agrotóxicos utilizadas no estado em 2022, um aumento de 23% em relação a 2018 – que pode ter sido impulsionado pela aprovação da pulverização via drones a partir de 2021. “A pesquisa evidencia o processo acelerado de depredação ambiental na Amazônia, com dinâmicas de destruição e ocupação que impedem os processos de regeneração florestal, recuperação de águas e territórios”, alerta Vinicius Valentin Raduan Miguel, professor da UNIR e autor do estudo.

Além da degradação ambiental, o estudo ressalta impactos na saúde e no bem-estar social das comunidades em Rondônia. Entre 2018 e 2022, por exemplo, a incidência de malária cresceu 20%, possivelmente relacionada à maior proliferação de mosquitos devido à destruição de habitats naturais. A pesquisa constatou ainda mais de 180 invasões a terras indígenas, a remoção de mais de 300 famílias de comunidades tradicionais e cerca de 18% de todos os assassinatos relacionados a conflitos agrários na Amazônia Legal. “Um ponto importante para lidar com esse cenário é a efetiva responsabilização administrativa, civil e penal daqueles que vêm promovendo a destruição ambiental e contribuído para seu financiamento”, afirma o autor.

Segundo Miguel, é urgente interromper o atual modelo de degradação. “Um dos principais desafios é a estruturação do Estado e de mecanismos de governança focados na fiscalização e no monitoramento das redes e atores envolvidos na criminalidade ambiental”, diz. “O poder público tem a responsabilidade de revisar as formas de financiamento que incentivam a destruição ambiental, reconhecendo a possibilidade de desastres climáticos, enquanto a sociedade deve cobrar ações dos agentes públicos e acompanhar a cadeia de consumo dos produtos”, complementa o autor, indicando que seu grupo de pesquisa pretende seguir contribuindo para o monitoramento e a avaliação de políticas públicas no estado.


Fonte: Agência Bori

Associação Brasileira de Antropologia emite nota sobre o Tsulama da Vale em Brumadinho

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A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) lançou uma nota que mistura repúdio à Vale pelo Tsulama em Brumadinho e solidariedade aos que foram atingidos pelo incidente causado pela ruptura do sistema de represas de rejeitos que causou enorme perda de vidas humanas e de degradação aos ecossistemas naturais por onde a onda de lama está passando.

A nota aponta ainda a responsabilidade da Vale em relação ao Tsulama da Mineradora Samarco que destruiu o Distrito de Bento Rodrigues (Mariana, MG) em Novembro de 2015, e também causou uma verdadeira hecatombe ambiental na bacia hidrográfica do Rio Doce.

A ABA denunciou ainda a flexibilização das normas ambientais em geral, e dos procedimentos do licenciamento em específico, como atos de descaso planejado insegurança administrada que provocam cada vez mais desastres como os ocorridos em Mariana e Brumadinho.

Abaixo segue a nota da ABA em sua íntegra.

 

Nota de Repúdio da ABA ao Desastre da Vale em Brumadinho-MG  e de Solidariedade Aos Atingidos

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por meio do seu Comitê Povos Tradicionais, Meio Ambiente e Grandes Projetos, vem a público manifestar o seu pesar pelas vítimas do desastre ocasionado pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. A ABA se solidariza com os atingidos, familiares das vítimas e toda a população de Brumadinho e de Minas Gerais pela ocorrência de mais esta brutal tragédia que ceifou centenas de vidas humanas, aniquilou existências e a vida na bacia do rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte.

Três anos se passaram desde o desastre da Samarco, que tem a Vale como uma de suas associadas. Vidas e ambiente foram destruídos em Mariana e a bacia do Rio Doce comprometida por mais de 600 Km até a foz no litoral Capixaba. Comunidades tradicionais, pescadores, agricultores, povos indígenas entre outros foram prejudicados por esse desastre e lutam até os dias atuais pela justa reparação e a reconstrução de suas vidas. A Vale barganha o reconhecimento dos danos e sua reparação, enquanto seus acionistas e os da BHP Billinton, outra associada da Samarco, não deixaram de receber os seus dividendos em outras partes do mundo. Sabemos que os desastres não se esgotam no evento catastrófico que os enseja, mas perduram por muito tempo, através do sofrimento social imputado às vítimas pelas infindáveis e inconclusivas negociações. A história se repete em Brumadinho. Uma barragem da Vale se rompe e leva consigo centenas de vidas humanas, a maioria de trabalhadores da própria empresa.

Ao longo de décadas, antropólogas e antropólogos brasileiros têm empreendido esforços na compreensão da lógica desenvolvimentista que alimenta as escolhas econômicas e as práticas do Estado, tendo como ênfase os grandes projetos de infraestrutura associados à hidroeletricidade, ao agronegócio e à mineração. As situações etnográficas revelam que comunidades tradicionais, povos indígenas e classes populares em geral têm seus direitos ambientais, culturais, territoriais e humanos flagrantemente violados. Invariavelmente, os agentes dessa violação são os responsáveis pelos empreendimentos privados orientados para a acumulação de capital, tal como na produção de commodities minerais. As práticas governamentais do Estado têm desempenhado papel essencial, de apoio aos interesses predatórios e expropriadores do capital. São várias as formas pelas quais o Estado realiza esse papel, e a concessão de licenciamentos ambientais, não raro mediante a desconsideração de pareceres técnicos e dos protestos das populações vilipendiadas, é uma das principais. Ao longo dos anos, observamos a naturalização do desbalanço dos direitos territoriais dos diferentes grupos sociais, o que enseja a desproteção continua dos lugares mais ameaçados, e a sua exposição a desastres recorrentes e cada vez mais catastróficos.

Os estudos demonstram, assim, que os conflitos ambientais e os desastres que muitas vezes os acompanham resultam de falhas graves da governança ambiental, tanto no que concerne às normativas (leis, regras, instituições), quanto ao modus operandi que alimenta sua operacionalização. Vê-se, por um lado, uma falta de controle dos órgãos governamentais em relação ao cumprimento das leis vigentes, uma legislação robusta que vem sendo solapada por mecanismos desreguladores e por propostas de crescente flexibilização. Por outro, uma governança corporativa incapaz de garantir o planejamento e a gestão sustentável e socialmente responsável dos empreendimentos.

A ABA denuncia a flexibilização das normas ambientais em geral, e dos procedimentos do licenciamento em específico, como atos de descaso planejado insegurança administrada que provocam cada vez mais desastres, colocando em risco a vida de humanos, não-humanos e dos ecossistemas. Repudia a impunidade dos culpados, as manobras políticas que tornam a participação da população frente às obras que ameaçam suas vidas cada vez mais difícil e inócua. Repudia o jogo da mitigação e da compensação ambiental que tem “adequado” formalmente os megaprojetos econômicos perante a burocracia, enquanto as localidades se tornam espaços de vulnerabilidade e risco para os que ali vivem há dezenas e centenas de anos, com seus modos de ser e fazer.

A ABA exige que as responsabilidades civis e criminais por mais esse desastre de trágicas dimensões sejam apuradas de forma ágil e rigorosa, para que haja uma punição exemplar dos responsáveis. É preciso que se faça justiça. Os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana e ao longo do Rio Doce, permanecem ainda hoje reféns de um jogo infindável de negociações que protela a justa reparação dos danos. Que as protelações cessem imediatamente, e que o mesmo jogo não se repita em Brumadinho.

Por fim, a ABA se soma a outros setores da sociedade brasileira para exigir o fim das barragens de rejeitos, que ameaçam pessoas, comunidades e ecossistemas inteiros. A vida deve ser critério prioritário na avaliação da viabilidade dos empreendimentos minerários.

Brasília/DF, 29 de janeiro de 2019.