
Não sei quantos leram algo sobre a vida do fundador da Sociologia brasileira, Florestan Fernandes, mas sua trajetória de vida parece ter saído de um daqueles livros do surrealismo, tamanha são suas façanhas ao longo de seus 75 anos de vida. No meu caso, li duas biografias excelentes e passei por uma parte pequena de sua obra para poder escrever um capítulo de livro sobre a relação de Florestan Fernandes com o MST. Com base nas minhas leituras sobre Florestan, eu sempre digo para os meus alunos na Uenf que ele mereceria uma disciplina só sobre ele para que os futuros cientistas sociais formados na instituição pudessem ter a devida apreciação não apenas pela grandeza da sua obra, mas pela sua incrível contribuição ao entendimento da persistência, resistência e generosidade que um cientista deve ter para ser realmente capaz de contribuir com a sociedade onde vive.
Uma das obras mais centrais para o entendimento da sociedade brasileira que foi escrita por Florestan Fernandes tem o título de “A integração do negro na sociedade de classes“, e nela ele analisa a dificuldade histórica da integração do negro na sociedade capitalista brasileira após a abolição da escravatura. A tornar evidente, a persistência da desigualdade e a falta de preparação para uma nova realidade. Florestan demonstrou que, sem acesso a trabalho, prestígio e segurança em condições de igualdade, o negro foi relegado a posições inferiores, sem ter suas aptidões plenamente aproveitadas. Para ele, somente uma transformação social profunda e a luta pela superação das desigualdades de classe e raça poderiam garantir uma democracia real. Como sabemos bem, a transformação social profunda mencionada por Florestan ainda está longe de acontecer neste país e, principalmente, nesta cidade.
Florestan Fernandes me veio à mente após pensar mais um pouco e conversar com quem entende do riscado sobre a prisão do dirigente do Partido dos Trabalhadores de Campos, Gilberto Gomes, pela acusação de racismo. A primeira coisa que se pode dizer da acusação e prisão de Gilberto Gomes é que ele provavelmente passará à história como uma das primeiras pessoas a passarem por essa situação nesta pobre/rica cidade. Eu diria que quem procurar os registros policiais e os processos em andamento no Fórum Juiza Maria Tereza Gusmão Andrade por motivo de racismo deverá sair com as mãos vazias. E sabemos que atos de racismo devem ocorrer todos os dias.
Mas então por que essa situação envolvendo um dirigente do PT que estava participando do “Grito dos Excluídos” (e me digam qual é a cor da pele mais excluídos entre os excluídos desta cidade?). Me parece que ao colocar a pecha de racismo em quem objetivamente estava em uma manifestação que explicita a necessidade de transformação sugerida por Florestan Fernandes é uma das formas mais eficientes de se desviar a atenção da realidade que ele descreveu em 1964; justamente o ano em que sofremos um golpe civil-militar que foi desenhado para impedir qualquer avanço social em prol dos mais pobres no Brasil. Aliás, há que se dizer que Florestan Fernandes foi um dos primeiros cassados pelo Ato Institucional nº 1 que foi implementado em 9 de abril de 1964, tendo sido expulso da sua cadeira de professor na Universidade de São Paulo (USP), lugar para o qual nunca mais voltou, mesmo depois do fim do regime militar.
Então, o que fica disso é que o enfrentamento do racismo e de suas repercussões no sistema político e social brasileiro passa por entender, ao meu ver, a que e a quem ele serve.. E no caso da prisão de Gilberto Gomes, me parece que serve mais a quem mandou reprimir, mais uma vez, o “Grito dos Excluídos”.
Por mais Florestan Fernandes em nossas vidas, essa é a minha conclusão.
O assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças da rede Carrefour em Porto Alegre deixa mais uma vez nu o racismo estrutural que permeia as relações capitalistas no Brasil
