Descoberto no RS um dos mais antigos precursores dos dinossauros

Paleontólogo do CAPPA/UFSM descreveu nova espécie de réptil que viveu há 237 milhões de anos

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Detalhes do “Gondwanax paraisensis” (Ilustração: Matheus Fernandes Gadelha)

Um paleontólogo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) publicou na última semana um estudo no periódico científico Gondwana Research descrevendo uma nova espécie de réptil que viveu há 237 milhões de anos. O animal traz novas pistas sobre a origem dos dinossauros. O artigo intitulado “A new ‘silesaurid’ from the oldest dinosauromorph-bearing beds of South America provides insights into the early evolution of bird-line archosaurs” pode ser acessado gratuitamente pelo link.

O surgimento dos dinossauros foi um dos processos evolutivos mais importantes da história da vida na Terra, uma vez que esses répteis dominaram os ecossistemas terrestres por mais de 150 milhões de anos. Entretanto, a ascensão dos dinossauros ainda é um tema muito desafiador de se investigar, especialmente pela escassez de fósseis de seus precursores. O Brasil é conhecido mundialmente por abrigar alguns dos mais completos e bem preservados fósseis dos mais antigos dinossauros do mundo, com aproximadamente 230 milhões de anos. Por outro lado, embora essenciais para se entender a origem do grupo, fósseis de precursores de dinossauros mais antigos ainda são muito raros.

Compreender como foram os precursores dos dinossauros poderá ajudar a entender quais as características que foram cruciais para a o seu sucesso evolutivo. Ao longo dos últimos anos, foram reportados achados desse tipo para camadas fossilíferas com aproximadamente 237 milhões de anos no Brasil. Contudo, esses fósseis são usualmente fragmentários e pouco informativos.

foto colorida quadrada com um homem de barba e camiseta branca manuseando e tendo à frente um esqueleto sobre uma bancadaRodrigo Temp Müller com o fóssil do “Gondwanax paraisensis” (Foto: Janaína Brand Dillmann)

Fósseis foram doados para o CAPPA/UFSM

Uma adição a esse cenário se deu agora com a descrição de uma nova espécie chamada de Gondwanax paraisensis. Os fósseis da nova espécie foram descobertos no município de Paraíso do Sul por Pedro Lucas Porcela Aurélio. Depois de recolhidos, os materiais foram doados por Aurélio para o Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA/UFSM) em janeiro de 2024.

Durante a triagem dos fósseis recebidos pelo CAPPA/UFSM, o paleontólogo Rodrigo Temp Müller notou alguns elementos com características interessantes. O paleontólogo levou os materiais para o laboratório e iniciou um minucioso trabalho de preparação, com uso de ácido e marteletes pneumáticos. Após dias de trabalho, parte do esqueleto de um réptil até então desconhecido foi finalmente revelada. Uma descrição formal da espécie e suas implicações foram apresentadas em um artigo científico publicado por Müller no periódico Gondwana Research. A pesquisa recebeu apoio do CNPq e INCT Paleovert.

Os detalhes do esqueleto fossilizado sugerem que o material pertence a um animal da linhagem dos dinossauros, podendo ser um dinossauro propriamente dito ou um parente muito próximo. Com aproximadamente 237 milhões de anos, esse é um dos fósseis mais antigos dessa linhagem já descobertos. Com base nas dimensões dos elementos preservados, estima-se que o Gondwanax paraisensis teria atingido cerca de um metro de comprimento. Uma vez que não foram recuperados dentes ou outros elementos cranianos, não foi possível inferir seus hábitos alimentares. Ainda assim, a maioria dos animais relacionados a ele foram herbívoros ou onívoros, o que torna bastante provável que ele também tivesse esse tipo de dieta. Quanto ao nome, “Gondwanax” significa “lorde do Gondwana”, referindo-se ao futuro domínio que os dinossauros exerceriam na porção de terra conhecida como Gondwana (região Sul do Supercontinente Pangeia). Já “paraisensis” é uma homenagem ao município de Paraíso do Sul.

Importância do Brasil no cenário internacional

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Fêmur do “Gondwanax paraisensis” (Foto: Rodrigo Temp Müller)

Gondwanax paraisensis foi classificado como membro do grupo denominado “Silesauridae” devido a características diagnósticas presentes no fêmur (osso da coxa). Contudo, existe um debate sobre a posição que os “silessaurídeos” ocupavam na árvore evolutiva dos dinossauros. Alguns pesquisadores acreditam que esses animais podem ter sido precursores muito próximos dos dinossauros, enquanto outros sugerem que, em vez de precursores, eles eram dinossauros verdadeiros. Esse conflito de hipóteses ocorre justamente porque os “silesaurídeos” apresentam características típicas de dinossauros, mas também possuem algumas que ainda parecem bastante primitivas.

Essa condição é observada nos elementos ósseos de Gondwanax paraisensis. Por exemplo, o fêmur não apresenta uma das principais cristas para ancoragem de músculos, que é comum em dinossauros. Já o seu sacro (região que conecta a cintura com a coluna) parece bastante avançada, uma vez que apresenta mais vértebras do que outros “silessaurídeos” com idade similar. Essa incomum combinação de características pode indicar que o Gondwanax paraisensis locomovia-se de maneira distinta dos outros precursores dos dinossauros. Ainda, a ocorrência do Gondwanax paraisensis em camadas fossilíferas que já haviam revelado outros fósseis de “silessaurídeos” indica que esses dinossauromorfos
foram bastante diversos, mesmo durante as fases iniciais da evolução do grupo.

A descoberta do Gondwanax paraisensis em rochas com aproximadamente 237 milhões de anos na região central do Rio Grande do Sul destaca a importância do Brasil no cenário internacional do estudo da origem dos dinossauros. Enquanto há cerca de 10 anos os fósseis de dinossauros eram comemorados com enorme entusiasmo pelos paleontólogos que realizavam escavações no Rio Grande do Sul, hoje eles se tornaram
mais abundantes, levando os pesquisadores a buscar vestígios ainda mais antigos, como o Gondwanax paraisensis. O achado demonstra que, além de preservar alguns dos dinossauros do mundo, o Brasil também abriga fósseis dos répteis que marcaram o início da história evolutiva dos dinossauros, revelando detalhes até então desconhecidos dessa trajetória que transformou os ecossistemas terrestres durante a Era Mesozoica.

Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica

Os restos fósseis do Gondwanax paraisensis, assim como uma série de outros fósseis, estão depositados no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA/UFSM) que fica localizado no município de São João do Polêsine. O município faz parte do Geoparque Quarta Colônia
Unesco. No centro de pesquisa há uma exposição de fósseis que pode ser visitada sem custo.

Fonte: CAPPA/UFSM


Fonte: UFSM

A corrida para salvar fósseis expostos pelas enchentes recordes no sul do Brasil

Com a continuação das chuvas intermitentes, paleontólogos do sul do Brasil estão trabalhando para extrair ossos de dinossauros e outros antes que sejam danificados

Uma equipe de pesquisa do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia, no sul do Brasil, escava um sítio fóssil. Crédito: Janaína Brand Dillmann 

Por Meghie Rodrigues para a Nature

A chuva pode ser uma amiga ou inimiga para os paleontólogos. Ela pode lavar o solo ou erodir rochas, potencialmente revelando fósseis emocionantes , ou pode fazer com que espécimes delicados já expostos se desintegrem.

Em nenhum lugar isso é mais verdadeiro agora do que no sul do Brasil. Em maio, enchentes devastadoras no estado do Rio Grande do Sul revelaram pedaços de ossos de pelo menos 35 animais antigos, incluindo um esqueleto de 233 milhões de anos que está entre os fósseis de dinossauros mais antigos do mundo. Mas chuvas intermitentes e condições úmidas desde então têm feito pesquisadores correrem para recuperar outros espécimes menores e mais vulneráveis ​​que também são preciosos.

Somando-se à urgência está a natureza sem precedentes das enchentes. Entre 27 de abril e 27 de maio, a capital do estado, Porto Alegre, viu cerca de 66 centímetros de chuva — quase metade do que normalmente acontece em um ano, e muitas outras cidades em todo o estado também foram inundadas. Alguns sítios paleontológicos ainda estão debaixo d’água.

“Se os paleontólogos não estiverem presentes para coletar o material quando ele começar a aparecer, corremos o risco de perder parte dele para sempre”, afirma Leonardo Kerber, coordenador do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica Quarta Colônia (CAPPA) da Universidade Federal de Santa Maria, em São João do Polêsine.

Superando expectativas

Desde as chuvas de maio, o paleontólogo Rodrigo Temp Müller e seus colegas do CAPPA intensificaram o monitoramento dos locais de escavação perto de São João do Polêsine, que fica cerca de 280 km a oeste de Porto Alegre.

Um close de um fóssil de dinossauro

Paleontólogos descobriram esses ossos, pertencentes a um dinossauro carnívoro de 2,5 metros de comprimento chamado herrerassaurídeo, depois que enchentes devastaram o sul do Brasil. Crédito: Rodrigo Temp Müller

Em 15 de maio, cerca de duas semanas após chuvas torrenciais terem causado o transbordamento das margens do sistema fluvial do Rio Grande do Sul, Müller e a equipe descobriram um fóssil de 2,5 metros de comprimento de um dinossauro carnívoro e bípede pertencente à família Herrerasauridae. “Tínhamos certeza de que encontraríamos algo depois das fortes chuvas”, diz Müller, mas o espécime ainda superou as expectativas.

Os herrerassaurídeos surgiram e desapareceram durante o período Triássico (cerca de 250 milhões a 200 milhões de anos atrás) e foram os “primeiros predadores de topo a aparecer entre os dinossauros”, diz Aline Ghilardi, paleontóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal, Brasil. Eles acabariam sendo substituídos durante o período Jurássico (200 milhões a 145 milhões de anos atrás) por dinossauros maiores chamados terópodes, que incluem carnívoros bípedes e de três dedos, como o Tyrannosaurus rex .

Alguns pesquisadores argumentam que os herrerassaurídeos foram os primeiros terópodes, mas essa designação ainda é controversa. “É por isso que as descobertas do CAPPA são tão importantes — elas podem nos ajudar a resolver questões em aberto como essa”, diz Ghilardi.

Trabalhando contra o clima

Mas tem sido difícil comemorar a descoberta, diz Müller. As enchentes afetaram quase 2,4 milhões de pessoas no Rio Grande do Sul, incluindo 183 indivíduos que morreram e 27 que ainda estão desaparecidos, de acordo com autoridades locais. “Pessoas perto do local da escavação perderam suas casas”, ele acrescenta.

Desde a descoberta do fóssil, Müller e seus colegas levaram pedaços de rocha e solo contendo o espécime Herrerasauridae de volta ao laboratório para extrair cuidadosamente os ossos. Eles removeram material suficiente até agora para ficarem cautelosamente animados: eles acham que pode ser o segundo fóssil mais completo desse tipo já encontrado.

Uma foto aérea de enchentes cobrindo estradas em Porto Alegre

Inundações recordes submergiram partes da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, no início de maio. Crédito: Carlos Macedo/Bloomberg/Getty

Mas a equipe não pode relaxar ainda. Com a chuva continuando a cair intermitentemente, os pesquisadores ainda estão correndo para salvar fósseis de muitos animais menores — aqueles que geralmente não fazem manchetes, mas que ainda são importantes. “Todo mundo gosta de dinossauros grandes”, diz Kerber. Mas “a maior diversidade de espécies está sempre entre os animais menores”. Esses fósseis ajudam os paleontólogos a reconstruir como as espécies evoluíram e a descobrir detalhes sobre os ambientes em que viveram.

Os menores ossos de animais, grandes e pequenos, também são uma preocupação. Eles são os primeiros a desaparecer quando a chuva atinge um local de escavação, diz Juan Cisneros, paleontólogo da Universidade Federal do Piauí em Teresina, Brasil. “Eles são raros e mais difíceis de encontrar.” Ossos do ouvido em pequenos répteis, por exemplo, podem ter apenas milímetros de comprimento, mas eles revelam muito sobre o cérebro de um animal e quão inteligente ele pode ter sido.

Tesouro

Cerca de uma semana atrás, os pesquisadores do CAPPA descobriram o crânio de um bebê rincossauro — um réptil herbívoro com bico de papagaio que podia crescer em média até cerca de 1 metro de comprimento e dominou a Terra durante o Triássico médio ao final (247 milhões a 200 milhões de anos atrás). Embora esses fósseis de rincossauros sejam abundantes, Müller diz, “eles são importantes exatamente porque são abundantes”. Em particular, eles desempenham um papel estratigráfico na pesquisa porque marcam locais do Triássico, ele acrescenta. “Onde há um rincossauro, provavelmente haverá um herrerassaurídeo.”

A região rica em fósseis onde os paleontólogos estão trabalhando abriga 29 sítios de escavação, 21 dos quais a equipe do CAPPA conseguiu acessar desde as enchentes, de acordo com Müller e Kerber. Quatro ainda estão quase completamente submersos.

Uma coisa que funciona a seu favor é que o CAPPA é muito próximo. “Não precisamos planejar longas viagens de escavação, mas podemos estar no campo toda semana”, diz Müller. O próximo desafio que os pesquisadores enfrentarão é o que fazer com todos os fósseis que estão recuperando — o centro não tem um museu. “Seria importante ter um, não apenas para armazenar os fósseis que encontramos”, diz Kerber, “mas também para educar a população local sobre o quão rica é sua região”.

doi: https://doi.org/10.1038/d41586-024-02794-8

Como um dinossauro brasileiro desencadeou um movimento para descolonizar a ciência fóssil

dinossauro triássico

Um paleontólogo examina um fóssil de dinossauro do período Triássico (cerca de 250 milhões a 200 milhões de anos atrás) no Brasil. Crédito: Carl de Souza/AFP via Getty

Por Mariana Lenharo e Meghie Rodrigues para a Nature

Em dezembro de 2020, um artigo na revista Cretaceous Research enviou ondas de choque pela comunidade de paleontologia 1 . Descreveu uma espécie de dinossauro que os autores chamaram de Ubirajara jubatus – o primeiro dinossauro encontrado no Hemisfério Sul a exibir o que provavelmente eram precursores das penas modernas. O fóssil de 110 milhões de anos havia sido coletado no Brasil décadas antes – mas nenhum paleontólogo brasileiro jamais tinha ouvido falar dele. Os autores do artigo eram da Alemanha, México e Reino Unido.

A prática também pode privar as nações de conhecimento e patrimônio, dizem pesquisadores. “Os fósseis são especiais para nós”, diz Allysson Pinheiro, diretor do Museu Paleontológico Plácido Cidade Nuvens em Santana do Cariri, Brasil, perto de onde foi encontrado o U. jubatus . “Temos literatura, artes e ofícios e música baseados neles.”

Ao contrário dos incidentes anteriores, porém, a publicação de Ubirajara provocou uma revolução.

Por meio da campanha no Twitter #UbirajaraBelongstoBR, pesquisadores brasileiros protestaram contra o artigo, que acabou sendo retirado, e pediram a devolução do fóssil. O espécime de Ubirajara está atualmente localizado no Museu Estadual de História Natural Karlsruhe, na Alemanha, mas autoridades dizem que o museu está envolvido em negociações para enviá-lo de volta ao Brasil.

Fóssil Ubirajara jubatus.

O fóssil Ubirajara jubatus provocou indignação entre paleontólogos e cidadãos brasileiros. Crédito: Felipe L. Pinheiro

Ainda mais significativo, o incidente levou paleontólogos e associações de paleontologia em toda a América Latina a unir forças para acabar com a prática. O movimento crescente está até atraindo o interesse de cientistas da Mongólia e de outros países além da América Latina que são afetados pela paleontologia colonial.

Juliana Sterli, presidente da Associação Paleontológica Argentina de Buenos Aires, descreve o episódio de Ubirajara como a “última gota”. “Em situações anteriores, não nos expressávamos”, diz ela.

Consciência global

Um dos frutos do movimento tem sido a publicação de artigos em periódicos examinando a extensão do colonialismo paleontológico na América Latina e em outros lugares. Em março, por exemplo, um relatório 2 revisou décadas de artigos descrevendo fósseis do México e do Brasil. Os autores analisaram quase 200 estudos publicados entre 1990 e 2021 e descobriram que mais da metade não incluía pesquisadores locais. Dos fósseis brasileiros descritos, 88% foram armazenados fora do Brasil.

Alguns na comunidade, no entanto, contestaram as descobertas do jornal. Martill diz que o artigo “é um estudo pseudocientífico com um conjunto de dados altamente selecionado”, e acrescenta que ignora as práticas dos paleontólogos dos EUA e se concentra em pesquisadores europeus. Martill foi coautor de artigos destacados pela pesquisa.

No passado, quando questões de colonialismo científico eram levantadas com colegas em países ricos, os incidentes eram atribuídos a ocorrências anedóticas, diz ele. “Agora que isso foi publicado em uma revista científica, não há mais como ignorá-lo.”

Jeff Liston, presidente da Associação Europeia de Paleontólogos de Vertebrados, com sede em Edimburgo, Reino Unido, e estudou o comércio ilegal de fósseis na China, diz que a comunidade científica está ciente das questões relacionadas à paleontologia colonial há algum tempo – mas o debate nos últimos anos trouxe a discussão para um público mais amplo.

No artigo de março 2 , por exemplo, os pesquisadores descobriram que nenhum dos estudos que revisaram relatou ter permissão para levar os fósseis para o exterior. “Um grande passo seria solicitar as devidas autorizações para estudar o material que estão colocando na revista”, diz Karen Moreno Fuentealba, presidente da Associação Chilena de Paleontologia, com sede em Santiago. “Certamente seria uma maneira de impor um comportamento científico adequado.”

Alguns periódicos, como Paleontology , já adotaram políticas que exigem que os autores respeitem as leis locais ao coletar e exportar amostras. “ O PLoS ONE foi um dos primeiros periódicos a ter um conjunto muito rígido de diretrizes éticas em termos de ter que mostrar licenças de coleta e exportação”, diz Liston. (A Nature também tem esse tipo de política ; a equipe de notícias da Nature é editorialmente independente de sua equipe de periódicos.)

Uma aliança latino-americana

Pesquisadores latino-americanos também aumentaram a conscientização global sobre a paleontologia colonial em conferências internacionais. Em dezembro passado, Cisneros apresentou pesquisa no terceiro Congresso Virtual Paleontológico anual, no qual ele e sua equipe analisaram o impacto da campanha #UbirajaraBelongstoBR. A hashtag se tornou um trending topic no Twitter no Brasil entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, após a publicação do artigo Cretaceous Research .

“Não apenas os comunicadores científicos envolvidos na conversa, mas também influenciadores do mundo dos jogos, artistas e mídia deram grande atenção”, diz Aline Ghilardi, paleontóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal, Brasil, que criou a hashtag.

Liston observa esses resultados positivos, mas diz que também houve resultados negativos. Membros do público ameaçaram os cientistas e instituições envolvidas na pesquisa de Ubirajara . A conta do Instagram do museu de Karlsruhe atraiu mais de 10.000 comentários – muitos deles negativos – e foi excluída em 2021.

Em julho, um painel discutirá o colonialismo científico no Congresso Latino-Americano virtual de Paleontologia de Vertebrados. O objetivo, segundo Cisneros, é promover uma verdadeira cooperação entre os paleontólogos. “Não queremos que pesquisadores de outros países parem de trabalhar aqui. O que esperamos é que as parcerias sejam mais justas e recíprocas. E que nossas leis sejam respeitadas, assim como respeitamos as leis de outros países.”

Paleontólogos trabalham na preservação dos esqueletos de mamutes encontrados durante uma recente escavação em Zumpango, no México.

Paleontólogos no México trabalham para preservar esqueletos de mamutes encontrados durante uma escavação em 2020. Crédito: Rodrigo Arangua/AFP via Getty

Martill diz que não tem problemas em cooperar com pesquisadores locais, mas tem dúvidas sobre até onde o movimento irá para revisar o campo. “Deveríamos [colaborar com parceiros locais] quando, digamos, um fóssil brasileiro está em uma coleção alemã há muitos anos?” ele pergunta, além de se perguntar se procurar especialistas simplesmente para adicionar colaboradores locais pode levar ao tokenismo. “Acho que isso deve caber aos autores que fazem a ciência para decidir quem é um autor.”

É importante reconhecer que os padrões éticos hoje são diferentes dos do passado, mesmo na América Latina, diz Elizabeth Chacón Baca, presidente da Sociedade Mexicana de Paleontologia, com sede em San Nicolás de los Garza. No México, por exemplo, os fósseis costumavam ser oferecidos como presentes por líderes políticos ou acadêmicos a seus pares internacionais. “O interesse científico deve prevalecer”, diz ela. “Devemos proteger e defender [nosso patrimônio], mas sempre com um tom de diálogo aberto.”

Efeitos de ondulação

Os paleontólogos latino-americanos esperam que seus esforços tenham um impacto além de seus países. De acordo com um estudo publicado em dezembro passado por Ghilardi e outros 3 , os países mais afetados pela ‘ciência do pára-quedas’ — publicações que não mencionam a colaboração local — são República Dominicana, Mianmar e Namíbia . Nos dois primeiros, em particular, pesquisadores estrangeiros se interessaram por inclusões fósseis em depósitos de âmbar.

O colonialismo paleontológico “costumava ser uma discussão entre amigos e colegas entre duas sessões de uma conferência”, diz Devapriya Chattopadhyay, paleontólogo do Instituto Indiano de Educação e Pesquisa Científica em Pune e coautor do estudo. Agora, “está recebendo um pouco de atenção merecida”.

“Estou muito animado com todo esse movimento, especialmente no Brasil”, diz Bolortsetseg Minjin, fundador e diretor do Instituto para o Estudo dos Dinossauros da Mongólia em Nova York. Ela ajudou a repatriar fósseis de dinossauros retirados ilegalmente da Mongólia e vê paralelos entre seus esforços e a campanha para repatriar o dinossauro Ubirajara .

Minjin defende fortemente que os fósseis permaneçam em seus locais de origem. “Na Mongólia, os fósseis estão fora do país nos últimos 100 anos”, diz ela. “Agora estamos diante de um problema: como encontrar a próxima geração de cientistas?” Quando as crianças não crescem vendo os fósseis como parte de sua herança e não são expostas ao conhecimento que as empolga, diz ela, há pouca motivação para se tornarem cientistas.

doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-01093-4


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Este artigo foi originalmente escrito em inglês e publicado pela revista Nature [Aqui! ].