Estudo da Nature analisa mais de 4.000 espécies e mostra que é preciso grandes áreas de floresta para preservar diversidade

Plantação de cana-de-açúcar localizada na mata atlântica em Alagoas; estudo mostra que grandes extensões de floresta não perturbada são melhores para abrigar a biodiversidade

Florestas grandes e intocadas são melhores para abrigar a biodiversidade do que paisagens fragmentadas, de acordo com um novo estudo publicado na revista Nature.

Há consenso entre ecólogos de que a perda de habitat e a fragmentação das florestas reduzem a biodiversidade nos fragmentos remanescentes. No entanto, há debate sobre a priorização da preservação de muitas áreas pequenas e fragmentadas ou de grandes paisagens contínuas. O estudo liderado pelo ecólogo brasileiro da Thiago Gonçalves-Souza, da Universidade de Michigan, chega a uma conclusão sobre esse debate que já dura décadas.

“Fragmentação é prejudicial. Este artigo mostra claramente que a fragmentação tem efeitos negativos sobre a biodiversidade em diferentes escalas. Isso não significa que não devamos tentar conservar pequenos fragmentos quando possível, mas precisamos tomar decisões sábias sobre conservação”, afirma Gonçalves-Souza.

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Michigan, da Universidade Estadual de Michigan e mais dez universidades brasileiras, entre elas Unesp, USP, UFPB e Unicamp. Eles analisaram 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas em 37 locais ao redor do mundo.

O objetivo foi fornecer uma síntese global comparando diferenças de biodiversidade entre paisagens contínuas e fragmentadas. Os pesquisadores descobriram que, em média, as paisagens fragmentadas tinham 13,6% menos espécies na escala do ponto de coleta (chamada pelos autores de “escala da mancha”) e 12,1% menos espécies na região (chamada de escala da paisagem).

Além disso, os resultados sugerem que espécies generalistas —aquelas capazes de sobreviver em diversos ambientes— são as que predominam nas áreas fragmentadas.

Os cientistas investigaram três tipos de diversidade nesses locais: alfa, beta e gama. A diversidade alfa se refere ao número de espécies em um fragmento específico, enquanto a diversidade beta mede a diferença na composição de espécies entre dois locais distintos. Já a diversidade gama avalia a biodiversidade de toda a paisagem.

Gonçalves-Souza usa um exemplo para ilustrar o conceito: ao dirigir por campos agrícolas no Norte do Espírito Santo, pode-se notar pequenos fragmentos de floresta entre as plantações de cana ou pastos com criação de gado. Cada fragmento pode abrigar algumas espécies de aves (diversidade alfa), mas a composição dessas espécies pode variar de um fragmento para outro (diversidade beta). Já a biodiversidade total da paisagem—seja composta por fragmentos ou por uma floresta contínua—representa a diversidade gama da região.

“O cerne do debate é que algumas pessoas argumentam que a fragmentação não é tão ruim porque, ao criar habitats isolados, geramos composições diferentes de espécies, o que pode aumentar a diversidade gama”, explica Gonçalves-Souza. “Por outro lado, argumenta-se que, em áreas contínuas e homogêneas, a composição de espécies é muito semelhante.”

No entanto, pesquisas anteriores não compararam adequadamente paisagens fragmentadas e florestas contínuas, afirmou Gonçalves-Souza. Por exemplo, alguns estudos analisaram apenas um componente da diversidade ou compararam um pequeno número de florestas contínuas com dezenas de fragmentos.

“Nossa pesquisa mostrou que, ao utilizar dados padronizados e controlar a distância entre fragmentos, a fragmentação do habitat tem efeitos negativos sobre a biodiversidade,” diz o coautor Mauricio Vancine, ecólogo e pesquisador de pós-doutorado da Unicamp. “Isso tem implicações teóricas para a Ecologia e, mais importante, reforça que a fragmentação não pode ser vista como benéfica para a conservação das espécies.”

Para corrigir essa limitação, os cientistas levaram em conta as diferenças na amostragem entre diversas paisagens. Eles descobriram que a fragmentação reduz o número de espécies em todos os grupos taxonômicos e que o aumento da diversidade beta nas paisagens fragmentadas não compensa a perda de biodiversidade na escala da paisagem.

Além da biodiversidade, Gonçalves-Souza diz que a fragmentação das paisagens também compromete sua capacidade de armazenar carbono. “Ou seja, a fragmentação não apenas reduz a biodiversidade, diminuindo a diversidade alfa e gama, mas tem implicações para a prestação de serviços ecossistêmicos como o estoque de carbono.”

O pesquisador espera que o estudo ajude a comunidade conservacionista a superar o debate sobre paisagens contínuas versus fragmentadas e focar na restauração de florestas. “Em muitos países, restam poucas florestas grandes e intactas. Portanto, nosso foco deve estar no plantio de novas florestas e na restauração de habitats cada vez mais degradados. A restauração é crucial para o futuro, mais do que debater se é melhor ter uma grande floresta ou vários fragmentos menores.”


Fonte: Agência Bori

Desmatamento fragmenta Amazônia e isola quase um quarto da floresta

fire degradationDesaparecimento de corredores ecológicos impede a livre circulação de animais em busca de alimento, acasalamento, migração em épocas de seca ou refúgio de incêndios florestais

Por ClimaInfo

Uma área de 193 milhões de hectares da Floresta Amazônica, quase do tamanho do território do México, foi isolada pelo avanço do desmatamento e da mineração na região. São milhões de hectares de cobertura amazônica cercados por terras agrícolas, pastagens, minas e estradas, o que acaba com a conectividade ecológica, impedindo a interação entre habitats.

É o que mostra um estudo da Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas (RAISG) e Aliança NorAmazônica (ANA) que será apresentado na COP16, na próxima semana, que foi antecipado pela AFP. O levantamento usa dados de satélite obtidos entre 1987 e 2022 pelo MapBiomas, informam O GloboCarta CapitalIstoÉ e 18horas, e ainda aponta que outros 108 milhões de hectares também correm o risco de ficar isolados.

O desaparecimento dos corredores ecológicos impede a livre circulação dos animais em busca de alimento, acasalamento, migração em épocas de seca ou refúgio de incêndios florestais. Isso ameaça não apenas a sobrevivência dos animais, mas também toda a cadeia ecológica, desde a dispersão de sementes de árvores, parasitas do solo e pólen nas flores, até o equilíbrio das populações determinado por predadores, alerta o relatório.

A falta de conexão não só mudará a Amazônia de ecossistema florestal para campos sujos empobrecidos, mas pode acelerar a chegada do ponto de não retorno da floresta, explicou o biólogo Néstor Espejo, que participou do estudo. A degradação irreversível afetaria diretamente os 47 milhões de habitantes da Bacia Amazônica nos 9 países pan-amazônicos, bem como as populações andinas que são abastecidas com sua água, enfatizou Adriana Rojas, que liderou o trabalho.

Os efeitos negativos não são apenas locais. A fragmentação pressiona a capacidade dos ecossistemas amazônicos de regular os ciclos de vida do oxigênio, da água doce e do clima global. Ou seja, todo o planeta paga a conta da destruição da Floresta Amazônica, por conta de seu importante papel na regulação climática em todo o mundo.

Em tempo

 Lei do retorno: o desequilíbrio climático provocado pelo desmatamento na Amazônia gerou um prejuízo de US$ 1,03 bilhão na produção de soja e milho na região de 2006 a 2019, aponta novo estudo da UFMG. Em média, as perdas anuais foram de US$ 73 milhões, informa a Folha. Os pesquisadores analisaram o impacto da destruição da floresta no clima da Amazônia e descobriram que, desde 1980, há um atraso na chegada da temporada de chuvas e redução no volume anual, além de aumento nas temperaturas. Com isso, a soja é plantada mais tarde, e a safrinha de milho, cultivada na mesma área após a colheita da soja, não tem tempo suficiente para se desenvolver plenamente.

ClimaInfo, 17 de outubro de 2024.


Fonte: ClimaInfo

20% de desmatamento é só um dos problemas na Amazônia. Talvez seja o menor

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A recente polêmica envolvendo as críticas do presidente Jair Bolsonaro sobre os dados gerados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento (também conhecido como corte raso) na Amazônia brasileira tem servido para obscurecer o fato de que existem outros mecanismos de alteração da qualidade e da quantidade da cobertura vegetal.

E o interessante é que dois destes mecanismos já são bem estudados pela comunidade científica brasileira e internacional em função dos graves prejuízos que também causam sobre a biodiversidade e os serviços ambientais associados à floresta em sua condição primária. Falo aqui da degradação e da fragmentação florestal cujos agentes responsáveis são basicamente os mesmos do desmatamento, mas variam em termos de intensidade e do foco espacial.

Mas o essencial é que degradação está muitas vezes associada à entrada de diferentes atores dentro de áreas florestais para a retirada de madeira e de minérios.  O processo de degradação pode resultar tanto em mudanças drásticas da cobertura vegetal como também em alterações que rapidamente são assimiladas pela vegetação a partir de um processo de sucessão florestal.  Nesse caso a ação de madeireiros e garimpeiros são as mais notáveis, ainda que em áreas dominadas pela agricultura familiar possa ocorrer a retirada paulatina de madeira ao longo até de várias décadas, sem que se perceba grandes mudanças nas leituras espectrais da cobertura vegetal da área afetada em função da baixa intensidade das alterações promovidas.

A fragmentação é outro processo que se soma ao desmatamento e à degradação para promover a descaracterização das áreas afetadas, promover o chamado “efeito de borda“, e acelerar as mudanças nos serviços ambientais a partir da facilitação de diversos processos, incluindo os incêndios florestais.

fogo amazoniaIncêndio florestal na Amazônia. Adaman Roman.

O fato é que todo o foco colocado pelo presidente Bolsonaro e seus ministros anti-ciência (Marcos Pontes) e anti-ambiente (Ricardo Salles e Tereza Cristina) nos dados de corte raso é um típico jogo de cena, pois, com isso, se evita uma discussão mais ampla da devastação que está em curso tanto na Amazônia como no Cerrado.  A verdade é que os ditos 20% de desmatamento total na bacia Amazônica representam uma fração minoritária das áreas que já não são possíveis de ser consideradas como “naturais”.

Uma dificuldade nos estudos relacionados às mudanças no uso e cobertura da terra na Amazônia tem sido justamente calcular a área total afetada pelos diferentes processos aqui citados (i.e., desmatamento, degradação e fragmentação).  Apesar de existirem estudos pontuais, ainda não se produziu um cálculo que possa expressar a ação conjunta de todos eles no conjunto da bacia Amazônica. Felizmente, existem estudos em preparação que irão nos trazer números globais sobre a ação combinada destes processos.

E é certo que quando os cálculos combinados se tornarem públicos, a pressão sobre o governo Bolsonaro deixará o atual debate sobre o desmatamento raso como algo que ele é, uma tentativa de desviar a atenção mundial da destruição que está em curso na Amazônia, da qual o governo Bolsonaro é um dos seus principais artífices.  A ver!

Fragmentação e seus efeitos sobre os ecossistemas florestais

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De tempos em tempos ouvimos a versão idílica de que o processo de desmatamento está controlado nas florestas brasileiras. Esse é um engano perigoso, pois como vivenciamos recentemente uma crise hídrica cujas uma das variáveis causais é justamente a remoção da cobertura florestal. Agora um estudo liderado pelo pesquisador norte-americano Nick Haddad da North Carolina State University traz luz sobre o processo de fragmentação florestal que é um dos mecanismos que ajudam a criar essa ilusão, visto que normalmente as pessoas tendem a identificar a remoção total das florestas como o único problema realmente grave nesse processo (Aqui!). 

Haddas e um grupo de colaboradores acaba de publicar na Science Advances um artigo intitulado “Habitat fragmentation and its lasting impact on Earth’s ecosystems”  que mostra como o processo de fragmentação empobrece e ameaça a sustentabilidade de ecossistemas inteiros.  Nesse artigo é inclusive abordado com algum detalhe os problemas de fragmentação que estão ocorrendo na Amazônia e no que ainda resta do bioma da Mata Atlântica. Quem tiver interesse de ler o trabalho, bastar ciclar (Aqui!).

Não custa nada lembrar que após a aprovação do lamentável Código Florestal, as taxas de desmatamento, sem qualquer surpresa, voltaram a crescer em todos os biomas florestais brasileiros. Para completa alegria de Kátia Abreu, ministra da Agricultura de Dilma Rousseff, e seus colegas latifundiários.