
Tenho acompanhado com algum ceticismo a atual onda de críticas e indignações acerca dos gastos municipais com os ditos shows, especialmente agora que o ex- superintendente da Fundação Trianon, Prof. João Vicente Alvarenga decidiu, digamos, botar tardiamente a boca no trombone (grifo meu) sobre gastos que ocorreram na atual gestão da prefeita Rosinha Garotinho. E que não me confundam com um apologético do poder cultural dos shows, pois acho este tipo de dispêndio inútil e contrário ao estabelecimento de uma política de democratização da cultura e do lazer.
Aliás, já me dispus a examinar a questão do lazer e as políticas públicas municipais nessa área em duas ocasiões. Na primeira vez, o resultado foi a defesa de uma dissertação de mestrado no Programa de Políticas Sociais há 10 anos sob o título de “Políticas de lazer e segregação sócio-espacial: o caso de Campos dos Goytacazes-RJ“. Ali a hoje mestre Denise Rosa Xavier examinou a realização de shows na administração de Arnaldo França Vianna, e de com havia um favorecimento para as classes médias e altas no acesso aos shows com artistas “top de linha” realizados então no Jardim São Benedito, enquanto o destino dos pobres eram espetáculos com artista de menor quilate no Farol de São Thomé. Em 2011, no primeiro mandato da prefeita Rosinha Garotinho, voltei a orientar outro trabalho, agora uma monografia de graduação no curso de Ciências Sociais do hoje bacharel Michel Loreto, cujo título foi “A questão da oferta de lazer em áreas urbanas segregadas: um estudo de caso na Comunidade Tira Gosto, Campos dos Goytacazes, RJ.” E o que encontramos foi uma quase repetição do mesmo padrão de ações pontuais que ignoraram o direito dos mais pobres de terem o mesmo tipo de lazer garantido aos segmentos mais privilegiados da população. E sim, com a realização de shows aos quais os pobres continuaram tendo dificuldade de acessar!
Em outras palavras, entre os criticados de ontem e que criticam hoje, há a persistência de uma visão de lazer segregado onde a realização de shows é apenas um instrumento de perpetuação da desigualdade sócio-espacial que historicamente existe na cidade de Campos dos Goytacazes. E mais, se examinarmos quem estava no comando no passado e no presente, vamos verificar uma grande coincidência de personagens que apenas se alternam nos papéis de oposição e situação, dependendo principalmente do atendimento (ou não) de determinados interesses.
Assim, que atire o primeiro saco de confetes quem nunca gastou dinheiro público em shows e outros quetais. Depois disso, podemos começar a discutir a formulação de políticas culturais que impeçam o desaparecimento de um amplo rol de manifestações culturais que hoje agonizam no esquecimento oficial.
E que venham logo os investimentos que impeçam o extermínio cultural do Jongo, da Cavalhada, da Mana-Chica e dos Boi-Pintadinhos!