Amazônia brasileira tem mais de 80 mil pontos de garimpo, diz nota técnica do IPAM

Pico da atividade ilegal em terras indígenas ocorreu nos anos Temer e Bolsonaro; rios em ao menos 139 territórios são poluídos

destruição garimpo

Uma nota técnica publicada pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) nesta sexta-feira, 26, mostra que há 80.180 pontos de garimpo na Amazônia brasileira em uma área de 241 mil hectares – mais de duas vezes o tamanho de Belém.

Cerca de 10,5% dessa área, ou 25 mil hectares, está em 17 terras indígenas diretamente invadidas. Segundo a análise do IPAM, outras 122 estão em bacias hidrográficas garimpadas, totalizando ao menos 139 territórios e seus rios contaminados pela atividade.

Mesmo a mineração localizada fora dos limites de terras indígenas não está tão longe assim. Ocupando uma área de 84,3 mil hectares, 44% desses pontos de garimpo se fixaram em um raio de até 50 quilômetros das bordas dos territórios.

“O impacto do garimpo tem um alcance muito maior do que a área diretamente afetada por essa atividade. Com isso, os poluentes contaminam rios, solos, fauna e flora que acabam afetando a saúde dos povos indígenas da região”, diz Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM e autora.

16 vezes mais garimpo

O ápice da invasão de terras indígenas amazônicas pelo garimpo ocorreu de 2016 a 2022, identifica a nota técnica, durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. No intervalo, povos originários viram a atividade crescer 361% em seus territórios. A maior parte (78%) da área invadida por garimpeiros em terras indígenas surgiu nesse período.

A velocidade com que o garimpo chega a terra indígenas é maior do que o avanço da atividade no restante da Amazônia: de 1985 a 2022, a área garimpada cresceu 16 vezes dentro dos territórios; e 12 vezes em todo o bioma.

As terras indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami, nessa ordem, são as mais invadidas. O território Kayapó, habitado por povos Mebêngôkre e isolados às margens do rio Xingu, no Pará, tem 55% de toda a área garimpada em terras indígenas na região. Juntas, as três concentram 90% da área indígena invadida por garimpos.

Dentro das terras Kayapó, a mineração ilegal cresceu 1.339% em 38 anos. No território Munduruku, também no Pará, o aumento foi de 129 vezes no período. E na terra Yanomami, em Roraima e no Amazonas, o garimpo ampliou em mais de 20 mil vezes a área invadida, no mesmo intervalo.

Flexibilização legal

De acordo com a nota técnica, o aumento “sem precedentes” na área de garimpo em terras indígenas e na Amazônia brasileira são explicados pela “flexibilização legal no último ciclo legislativo”.

Uma análise do histórico de regulamentação das atividades minerárias, desenvolvida no estudo, revela direções diferentes adotadas pela legislação.

“Há uma disputa legal para regulamentar a atividade minerária. De um lado, mecanismos legais que buscam garantir a segurança socioambiental; do outro, tentativas de afrouxar e até desrespeitar os direitos indígenas fundamentais”, acrescenta Fellows.

Garantindo a integridade socioambiental de áreas afetadas pelo garimpo está a própria Constituição Federal, por exemplo; enquanto as “facilidades para o exercício dessa atividade”, citam os pesquisadores, se mostram na Lei da Boa-fé (Lei n° 12.844/2013) e no Estatuto do Garimpeiro (Lei n° 11.685 de 2008).

Tornar mais robusta a legislação minerária e indigenista é uma das recomendações da nota, que endossa o seguimento do Projeto de Lei n° 3.025/2023, pela implementação de um sistema de rastreio da produção e comercialização do ouro.

Os autores frisam a necessidade da desintrusão imediata de garimpos em terras indígenas, com prioridade para as mais atingidas. A criação de um plano para evitar a reincidência nos territórios é destacada, com fortalecimento de órgãos de fiscalização em ações articuladas com órgãos indigenistas, visando o respeito aos povos e suas culturas.

Leia a nota técnica (disponível para download).

Política e meio ambiente colidem no Brasil: primeiro ano de volta ao poder de Lula

O presidente de esquerda do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, enfrenta o desmatamento, as promessas de combustíveis fósseis e os compromissos com as comunidades indígenas – tudo isso enquanto tem que trabalhar com um Congresso conservador

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Um indígena observa os resultados da exploração madeireira no norte do estado do Pará, no Brasil. Crédito: Lucas Landau/Reuters

Por Meghie Rodrigues para a Nature

A promessa de alcançar desmatamento zero até 2030 estava entre as promessas feitas por Luiz Inácio Lula da Silva quando se tornou presidente do Brasil – o 39º do país – pela terceira vez em janeiro. Sob seu antecessor de direita, Jair Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia atingiu suas taxas mais altas desde 2006 – mais de 13 mil quilômetros quadrados foram desmatados em 2021. E o garimpo ilegal de ouro levou o povo indígena Yanomami, que vive nos estados de Roraima e Amazonas, a uma crise sanitária e humanitária.

Sob Lula, como é amplamente conhecido o atual presidente, “houve um senso de urgência para a construção e reconstrução da política ambiental”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, um think tank com sede no Rio de Janeiro, Brasil, que concentra-se no monitoramento e análise da política climática do país. Mas Lula, um político de esquerda, teve muitas vezes de fazer concessões durante o seu primeiro ano no poder, porque o Congresso Nacional do Brasil – o órgão legislativo federal – é controlado por uma maioria de direita.

Os observadores ainda esperam que seja dada mais atenção às questões ambientais – mas dizem que será difícil mudar a direção da viagem. Em 2023, prevê-se que o desmatamento na Amazônia atinja cerca de 9.000 quilômetros quadrados (ver ‘Desmatamento na Amazônia’), de acordo com uma análise de imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil.

Um gráfico de barras mostra que o desmatamento no território da “Amazônia Legal” do Brasil variou durante os quatro presidentes mais recentes do país, atingindo o pico durante o mandato de Jair Bolsonaro.

Fonte: Painel INPE TerraBrasilis, consulte go.nature.com/485uk9m

Em outubro, o Brasil atualizou os compromissos assumidos em relação às mudanças climáticas junto às Nações Unidas. Em 2016, o Brasil propôs reduzir as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em comparação com os níveis de 2005. Agora, propõe cortar as emissões em 2025 e 2030 em 48% e 51%, respetivamente.

Em contrapartida, quando Bolsonaro chegou ao poder em 2019, o seu governo manteve os cortes de emissões propostos em 2016, mas trabalhou com uma estimativa mais elevada das emissões de 2005. Unterstell diz que a política de Bolsonaro teria resultado em um aumento nas emissões em comparação com o plano original. Agora, com um compromisso atualizado, o país está a retomar o caminho nesta frente, diz ela.

No entanto, novas políticas são frequentemente ignoradas pelos madeireiros, por isso as agências ambientais e o governo do Brasil devem encontrar formas de combater rapidamente a exploração madeireira ilegal. O INPE opera o DETER, um sistema de detecção de desmatamento em tempo real que se baseia em dados de observação de sensores a bordo do satélite sino-brasileiro de recursos terrestres CBERS-4 e do satélite indiano IRS-R2. Com base nas imagens capturadas, o INPE envia alertas ao órgão ambiental brasileiro, IBAMA, para permitir ações rápidas de aplicação da lei no terreno. Atualmente o DETER é usado para monitorar dois dos seis biomas do Brasil. Além da floresta amazônica, o DETER monitora o Cerrado, uma vasta e diversificada savana que abriga as nascentes de alguns dos maiores rios da América do Sul e que carece de muitas das proteções legais de que a Amazônia desfruta.

De acordo com o DETER, a parte do Cerrado coberta por alertas de exploração madeireira deverá atingir um recorde em 2023 de cerca de 7,6 mil quilômetros quadrados – uma estimativa que é cerca de 1 mil quilômetros quadrados a mais do que em 2018, quando o INPE começou a registrar esses alertas para o bioma . Tal aumento mostra a necessidade de políticas mais eficientes e abrangentes para proteger o Cerrado, diz Unterstell.

Incompatibilidade política

Em Junho, o Congresso aprovou uma lei que os ativistas temiam que enfraquecesse as protecções tanto para o ambiente como para as comunidades indígenas. A legislação retirou a responsabilidade pelo registo de terras rurais e pela gestão de águas residuais do ministério do ambiente, entregando as duas áreas a outros ministérios. A lei também retirou do Ministério dos Povos Indígenas o poder de demarcar terras indígenas, entregando-o ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Pedro Jacobi, pesquisador de governança ambiental da Universidade de São Paulo, Brasil, diz que Lula foi forçado a aceitar essas mudanças. Em vez de arriscar um conflito no Congresso, diz Jacobi, Lula prefere concentrar-se em agendas-chave, como a economia e os programas sociais. Somente o Partido Liberal, de direita, de Bolsonaro representa 96 dos 513 representantes na Câmara dos Deputados após as eleições de 2022.

Este descompasso entre o governo e o Congresso estende-se especialmente à estratégia energética do Brasil – na opinião de Unterstell, o elefante na sala da política ambiental. Apesar de ter um secretariado para a transição energética, o país não tem uma política de transição energética, diz ela, e precisa de uma “estratégia rápida, completa e justa, com uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, uma data clara de início e fim, e um planeje alcançá-lo.”

Vista aérea de um pedaço de terra desmatado na floresta amazônica

Destruição da floresta tropical causada por incêndios no norte do Brasil em 2019. Crédito: Carl de Souza/AFP via Getty

Em Agosto, o Ministério das Finanças do Brasil lançou um plano de transformação ecológica como parte do programa de aceleração do crescimento do país, conhecido como PAC – um conjunto de políticas para impulsionar o investimento privado e público em infra-estruturas para criar empregos e reduzir as desigualdades regionais. O plano centra-se no desenvolvimento social e económico verde e inclui uma transição energética verde como um dos seus pilares principais. Mas “mesmo tendo uma componente energética, o plano fica aquém de uma política de transição energética adequada”, afirma Suely Araújo, especialista sénior em políticas públicas do Observatório do Clima, uma coligação de organizações da sociedade civil focada na política de alterações climáticas. no Rio de Janeiro.

A maior parte dos investimentos do PAC para a transição energética e a segurança irão provavelmente para as indústrias do petróleo e do gás. Dos 565,4 mil milhões de reais (116 mil milhões de dólares) atribuídos à transição energética e à segurança, o petróleo e o gás deverão receber 360,2 mil milhões de reais. E a maior parte desse dinheiro – 324 bilhões de reais – é destinada à produção e ao desenvolvimento de combustíveis fósseis.

Debates em torno dos combustíveis fósseis

De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil, as importações de gás natural caíram quase pela metade em 2022 em comparação com o ano anterior. Mas as importações de petróleo aumentaram quase 70% durante o mesmo período, o valor mais elevado desde 2015.

O próprio Brasil foi o nono maior produtor de petróleo do mundo em 2022 e o oitavo maior consumidor de produtos petrolíferos. Unterstell saúda o surgimento de uma discussão mais ampla sobre o petróleo e a transição energética no Brasil. “Este é um assunto difícil que temos que enfrentar”, diz ela. “Existe uma política agressiva para transformar o Brasil no quarto maior produtor mundial de petróleo até o final desta década. Certamente não podemos parar de produzir petróleo da noite para o dia, já que 8 dos 26 estados do país dependem fortemente das suas receitas”, mas, com a energia limpa a ficar mais barata e o mundo a precisar de eliminar gradualmente a produção e o consumo de petróleo, isto não funcionará. no longo prazo, ela diz.

No início deste ano, um debate em torno de uma licença ambiental para um poço exploratório de petróleo na foz do rio Amazonas gerou tensão entre organizações governamentais. Em maio, o IBAMA rejeitou o pedido de licença, alegando que a avaliação de risco feita pela Petrobras, a multinacional petrolífera estatal, apresentava várias falhas técnicas.

A empresa recorreu e agora a licença depende de uma avaliação do impacto que o tráfego de e para uma plataforma de petróleo terá nas comunidades próximas, a ser feita pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (um órgão separado do Ministério dos Povos Indígenas). No início de outubro, a concessão de uma nova licença ambiental para a Petrobras explorar águas profundas próximas ao estado do Rio Grande do Norte despertou esperanças de que o mesmo poderia acontecer em breve na foz do Amazonas. Em setembro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pediu mais celeridade no processo.

O panorama geral e os caminhos a seguir

A atitude do presidente Lula tem sido importante para sinalizar uma mudança de direção, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, em entrevista à Nature em setembro. “Ele tem dito que quer uma matriz energética totalmente limpa e isso tem funcionado no sentido de que o Brasil pretende atingir o desmatamento zero em 2030”, disse Silva. O Brasil também assumiu compromissos climáticos e trabalhou para liderar discussões internacionais para orientar as mudanças, porque o que acontece globalmente ecoa no país, acrescentou ela.

Os impulsionadores do desmatamento e as estatísticas em torno dele são diferentes em 2023 do que eram em 2003, e o novo Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) do país enfrentará desafios que não existiam para o mesmo há duas décadas, diz Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas – um grupo de especialistas inspirado no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – que reúne e avalia informações científicas para produzir relatórios de avaliação nacionais e outros documentos que cobrem temas de mudanças climáticas específico para o Brasil.

Lançado em 2004, durante o primeiro mandato de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente do Brasil, o PPCDAm supervisiona a vigilância e os processos por crimes ambientais, bem como a gestão de terras públicas na Amazônia brasileira. Entre 2004 e 2012, conseguiu reduzir em 83% o desmatamento do bioma. Em junho, o governo brasileiro anunciou uma versão atualizada do programa.

“O crime organizado e o tráfico de drogas explodiram na Amazônia, mas mesmo assim vemos taxas de redução do desmatamento comparáveis ​​a 2005”, diz Nobre, quando esses crimes não eram tão flagrantes. Um aspecto positivo do PPCDAm reformulado, diz ele, é que “ele dá uma ênfase importante ao desenvolvimento sustentável na Amazônia”.

Isto é crucial para efeitos duradouros, diz Unterstell. “Se não houver alternativa económica, os resultados não serão sustentáveis ​​a longo prazo e a aplicação da lei será falha”, afirma ela. “Aqueles que estão hoje envolvidos na desflorestação devem ser capazes de fazer uma transição justa para uma economia viável e que preserve as florestas.”

Quando a Nature perguntou a Silva sobre a posição aparentemente contraditória do Brasil em reduzir o desmatamento e ao mesmo tempo investir em combustíveis fósseis, Silva disse: “Todo mundo quer resolver o problema dos combustíveis fósseis, mas infelizmente a humanidade ainda não pode viver sem eles. A China não poderá renunciar a estas fontes tão cedo – o mesmo acontece com a Índia. Até a União Europeia, com todos os seus esforços, atravessa uma situação muito complexa face à guerra [da Ucrânia]. É importante que tenhamos uma visão geral.”

DOI: https://doi.org/10.1038/d41586-023-04042-x

Este artigo faz parte do Nature Spotlight: Brazil , um suplemento editorialmente independente. Os anunciantes não têm influência sobre o conteúdo.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela Nature [Aqui!].

Genocídio Yonamami: resultado do uso da floresta amazônica como um campo de concentração a céu aberto

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Quando visitei a Universidade de Helsinki logo após a eleição de Jair Bolsonaro para presidir o Brasil entre 2019-2022 disse aos presentes que a minha maior preocupação era com o destino dos povos indígenas que viviam na Amazônia, pois estes estariam na linha de frente dos projetos de destruição que haviam sido fartamente anunciados pelo presidente eleito em sua campanha vitoriosa.

Ao longo dos últimos quatro anos, tal como previ, o que vimos de forma difusa foram as informações de invasões em todas as terras indígenas amazônicas, mas com especial ênfase nas terras dos Munduruku no Pará e dos Yonamami  em Roraima, onde milhares de garimpeiros ilegais se instalaram para destruir as florestas em busca de um ouro, contaminando rios e estabelecendo o terror dentro dos territórios.

Assim, aqui e ali, reportagens espaçadas da mídia corporativa acrescidas de denúncias das organizações indígenas informaram sobre a gravidade da situação apenas para darem de enfrentar com o incentivo tácito do governo Bolsonaro às invasões e ao terror instalado nas terras indígenas.

Agora, com o novo governo instalado, imagens mais claras do que se configura em uma tentativa explícito de extermínio estão emergindo (vejam imagens abaixo), forçando o presidente Lula a ir ver pessoalmente as consequências da política arrasada que foi cometida contra o povo Yonamami em Roraima (ver imagens abaixo).

A verdade é que até agora o uso do termo genocídio para definir as ações de Jair Bolsonaro durante a crise sanitária causada pela pandemia da COVID-19 poderia ser visto como um exagero retórico, o que está surgindo sobre a situação dos  Yonamami não tem nada de retórico e assume tons de um nível de barbárie humana que não possui outra definição possível,  na medida em que houve uma ação deliberada para deixar aquele povo originário abandonado nas mãos de milhares de criminosos, sem qualquer proteção do Estado brasileiro. 

O saldo até agora é de pelo menos 500 crianças Yonamami mortas por causa de doenças e outras tantas por causa da presença de garimpeiros em um território que deveria estar sendo protegido e não estava sendo. Resta saber as consequências legais que resultarão contra os responsáveis por este genocídio em solo amazônico.

Polícia Federal investiga empresa que movimentou R$ 16 bi em ouro ilegal

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A Polícia Federal realizou ontem (7/7) uma megaoperação de combate à extração e ao comércio ilegais de ouro na Região Norte, com mandados de busca e apreensão e de prisão preventivas em sete estados. Dividida em três operações simultâneas (batizadas de Ganância, Golden Green e Comando), a ação é resultado de uma investigação de mais de um ano da PF sobre movimentações bilionárias do grupo empresarial, além da atuação de empresas de transporte aéreo para retirada do ouro dos garimpos.

De acordo com investigadores da PF, a empresa Gana Gold (atual M.M.Gold) “esquentava” o ouro extraído ilegalmente em garimpo na Amazônia Brasileira, facilitando sua comercialização com licenças inválidas. O dinheiro era lavado de diversas formas, inclusive através da criação de um criptoativo (token) próprio de uma das empresas envolvidas no esquema, com a finalidade de justificar os valores advindos da ação criminosa, como se fossem investimentos de terceiros. Entre 2019 e 2021, o grupo movimentou mais de R$ 16 bilhões, com um lucro superior a R$ 1 bilhão. Agência BrasilBandFolha e Valor, entre outros, repercutiram a ação da PF.

Por falar em garimpo, o InfoAmazonia destacou a resistência dos Povos Indígenas da Terra Raposa Serra do Sol, em Roraima, contra invasores interessados em explorar ouro na região. Nos últimos anos, as comunidades indígenas perderam o apoio da FUNAI e da Polícia Federal no trabalho de desintrusão da reserva, o que impulsionou a circulação de garimpeiros; estima-se que cerca de 4 mil estejam atualmente na área, de maneira ilegal. Em face à omissão governamental, os próprios indígenas estão se organizando em patrulhas para enfrentar e expulsar os garimpeiros, queimando balsas, apreendendo equipamentos e barracos e vigiando a reserva.

“As lideranças decidiram realizar essas ações de combate ao garimpo porque eles [garimpeiros] prejudicam muito a nossa população e a nossa Terra”, contou uma liderança Wapichana, que pediu anonimato por medo de represálias dos criminosos. “[Os garimpeiros] poluem o nosso rio com óleo, trazem bebidas e drogas. Não queremos viver dentro de uma Terra Indígena com essas situações”.

O problema do garimpo deve piorar caso a polêmica lei sancionada pelo governo de Roraima nesta semana, que proíbe a destruição de maquinário de garimpo apreendido em operações de fiscalização, saia do papel. O Globo informou que, além do Ministério Público Federal, o partido Rede Sustentabilidade também está acionando a Justiça para evitar a aplicação da nova lei. A legenda pediu ao Supremo Tribunal Federal a suspensão da matéria e o julgamento de sua constitucionalidade.


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Este texto foi originalmente publicado pelo ClimaInfo [Aqui!].

 

Nota do WWF-Brasil sobre assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira

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O que todos nós temíamos aconteceu: a Polícia Federal confirmou na noite desta quinta (15/6) que encontrou “remanescentes humanos” que provavelmente são do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian. Eles foram mortos na região do Vale do Javari, na Amazônia, e dois suspeitos já estão presos: Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, e Amarildo da Costa Oliveira, o ‘Pelado’.

O WWF-Brasil vem, em primeiro lugar, expressar sua solidariedade e seu apoio às famílias, aos amigos e aos colegas destes defensores da floresta.

O nível de violência aplicada a Bruno e Dom explicita como a Amazônia está à mercê da lei do mais forte, sob a qual a brutalidade é a moeda corrente. Isso eleva nossa indignação com a situação na qual os povos da floresta e seus defensores foram deixados pelo Estado brasileiro. Enquanto nos discursos oficiais “a Amazônia é nossa” e “não abrimos mão de nossa soberania”, na prática o que vemos são assassinatos brutais sem esclarecimento ou punição e o domínio territorial, baseado na coerção e na violência, por diversos criminosos: narcotraficantes, garimpeiros, grileiros, madeireiros ilegais, caçadores e pescadores ilegais. As declarações reiteradas do presidente da República de que é preciso escolta para transitar numa região onde há forte presença militar há muitos anos confirma que a tão proclamada soberania não existe: o Estado abandonou a Amazônia por conta de um projeto sem sentido de destruição da floresta e de extermínio de seus povos.

Temos visto uma série de assassinatos impunes, ou melhor, sem esforço ou empenho do Estado para esclarecer e punir. No caso de Dom e Bruno, houve inclusive relutância em iniciar as buscas. É o descaso do governo com a Amazônia e os defensores de seus povos e da floresta que permitiu o assassinato de Dom e Bruno e também de inúmeras pessoas que dedicaram suas vidas à proteção dos povos indígenas: Ari Uru Eu Wau Wau, Paulino Guajajara, Maxciel Pereira dos Santos, Zé do Lago e família. O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata ativistas ambientais, segundo levantamento da ONG Global Witness.

É notório que nos últimos anos todas as instâncias de proteção aos povos da floresta e ao meio ambiente vêm sendo sistematicamente desestruturadas e desacreditadas. A violência contra eles aumentou exponencialmente nos últimos três anos e nada tem sido feito – muito pelo contrário, pois há no Governo Federal, conforme estudo divulgado esta semana, um projeto de destruição da Funai, órgão que deveria zelar pelos direitos indígenas, e no Congresso projetos de lei que fragilizam ainda mais a proteção a esses povos.

Não podemos deixar de destacar que a perda das vidas de Dom e Bruno está no contexto de morte da própria Amazônia. Só em maio deste ano os números de queimadas e desmatamento bateram recordes na Amazônia – as queimadas tiveram 184% de crescimento em relação à média do mês de maio dos últimos dez anos e perdeu 2.867 km de florestas entre janeiro e maio, batendo recorde de devastação pelo terceiro ano consecutivo. Nunca estivemos tão perto do ponto a partir do qual a floresta não consegue mais se sustentar. O Painel Científico da Amazônia já apontou que 17% da floresta foram desmatados e outros 17% encontram-se degradados. Apesar disso, volta e meia entram na pauta do Congresso Nacional projetos de lei que favorecem a destruição da maior floresta tropical do planeta, da qual depende o regime de chuvas que garante o abastecimento de água e energia elétrica do nosso país e do qual nossa agropecuária depende. Matar a Amazônia é matar o Brasil – um Brasil que morreu um pouco com o assassinato de Bruno e Dom.

A Amazônia morre cada dia de forma cruel e desumana, diante dos nossos olhos, assim como aqueles que a protegem, aqueles que cuidam e se esforçam em manter a floresta em pé. Diante desta nova tragédia, é necessária uma apuração rígida para identificar se há outros envolvidos, dado os indícios de relação entre este crime e o narcotráfico na região. É preciso também que este caso tenha uma punição exemplar, que se tornem referência no combate à impunidade na região, dominada pelo crime. Não menos importante: o governo precisa cumprir seu papel com ações concretas que previnam novos massacres, como a retirada dos invasores da TI Yanomami, Uru Eu Wau Wau e nas demais terras indígenas invadidas. Não é aceitável que a Amazônia continue como terra sem lei, sem controle e atuação do Estado, vitimando seus defensores.

Violência na floresta: relatório Yanomami mostra rotina de terror imposta por garimpeiros

Organização checou relatos com dados oficiais do distrito de saúde, comprovando a cronologia dos episódios narrados

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Crateras abertas por garimpeiros em terra Yanomami. Bruno Kelly /Hutukara Associação Yanomami
Por Redação RBA

São Paulo – A Hutukara Associação Yanomami divulgou hoje (6) comunicado em que relata que a comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, em Roraima, vive um violento e trágico histórico desde 2017, com o assassinato de um homem conhecido como C. Sanumá, durante uma briga com garimpeiros. O lançamento coincide com coletiva à imprensa da Polícia Federal, afirmando que as investigações sobre a denúncia de estupro seguido de morte de uma menina Yanomami, até o momento, levam a crer que não houve crime contra indígenas na comunidade de Aracaçá. E que a apuração, que ainda não foi concluída, tampouco encontrou indícios da morte de outra criança, que teria sido jogada em um rio.

Conforme relatado à Hutukara, o indígena C. Sanumá tinha duas esposas e, após sua morte, ambas ficaram em situação de “extrema vulnerabilidade”, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpo. Uma delas se suicidou logo após a morte do marido. Uma das filhas dos indígenas, de 16 anos na época, teria sido vítima de seguidos abusos após ser levada a se prostituir em um acampamento próximo a Aracaçá. A menor engravidou e sua criança morreu em 2019, com poucos meses de vida. Segundo certidão de óbito, a causa foi traumatismo intracraniano. 

Os abusos frequentes teriam causado uma deficiência física permanente na jovem, que teria engravidado de um garimpeiro conhecido como “Pastor”, que teria levado a criança para a cidade. “Desesperada, tirou a própria vida se enforcando”, suicídio confirmado em certidão de óbito de 2021. 

Segundo o relatório, “a sequência de tragédias que marcaram a família apresenta um cenário na aldeia de Aracaçá de casos generalizados de abusos e violência”. “A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente. Os fatos narrados corroboram a percepção dos Yanomami da região de Palimiu que, em 2021, relataram o receio de que vivessem uma tragédia similar à de Aracaçá, que estava levando ao desaparecimento desta comunidade”.

Yanomami sob ataque

A Associação Hutukara reforça os dados alarmantes que constam do relatório “Yanomami Sob Ataque”, que apontam aumento de 46% das áreas destruídas em 2021, com incremento de 1.038 hectares a cada ano, chegando a um total acumulado de 3.272 hectares.

“As denúncias sobre Aracaçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual praticamente metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores”, afirma a nota da Hutukara. A organização Yanomami defende a condução de uma apuração mais ampla e  aprofundada do histórico de violências vivido pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. 

“Por se tratar de um povo indígena que vive conforme seus costumes tradicionais e falante de sua língua ancestral, esse trabalho exige a participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia e com domínio da língua, e durante tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem”. 

A Hutukara reforça a urgência da retirada dos garimpeiros do território para o restabelecimento do bem estar dos indígenas. “Precisamos impedir a tragédia humanitária que está se passando com os Yanomami. Queremos ver nossas famílias novamente saudáveis e em segurança. (…) Precisamos do comprometimento do poder público e do apoio da sociedade para a proteção das Terras Indígenas, da terra-floresta, e das vidas indígenas.”

Yanomami e a contaminação por mercúrio

A região de Waikás, onde está localizada Aracaçá, é onde a exploração do garimpo mais avançou conforme o documento Yanomami Sob Ataque, divulgado em abril pela própria Hutukara. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de Aracaçá estava contaminada com níveis altos de mercúrio, metal tóxico ao sistema nervoso central usado por garimpeiros para extrair ouro.

Não é por falta de orientações e alertas judiciais nacionais e internacionais ao governo brasileiro que a situação chegou a esse ponto. Em 2020 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares de proteção aos indígenas e, desde maio do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a proteção integral desses povos. Também há decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2020, determinando a extrusão dos garimpeiros ilegais.

Segundo o advogado Eloy Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o “governo brasileiro, de forma reiterada, vem descumprindo preceitos fundamentais dos povos indígenas”. A Apib protocolou nesta quinta-feira (5) uma peça com vários pedidos emergenciais e a denúncia de que a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em 2021, não está sendo cumprida. 

Tmbém nesta quinta-feira, a liderança indígena Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana disse à Polícia Federal que indígenas que desapareceram na região de Aracaçá teriam sido localizados longe de Aracaçá. Não foram dados mais detalhes.


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Este texto foi inicialmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

Jair Bolsonaro promove a mineração de ouro na Amazônia

Povos indígenas  temem por suas reservas, ambientalistas alertam para destruição – mas o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, promove a mineração de ouro na região amazônica

A wildcat gold miner, or garimpeiro, uses a basin and mercury to pan for gold at a wildcat gold mine, also known as a garimpo, at a deforested area of the Amazon rainforest near Crepurizao, in the municipality of Itaituba

Garimpeiro trabalhando perto de Itaituba, no estado brasileiro do Pará: extensa prospecção de ouro. Foto: Nacho Doce / REUTERS

O governo  brasileiro fala de mineração artesanal de pequena escala, mas os críticos veem empreendedores poderosos como os mentores: o presidente Jair Bolsonaro aprovou um plano para expandir a mineração de ouro na região amazônica.

Um programa criado dessa forma visa promover o maior desenvolvimento dos métodos de mineração, especialmente na região amazônica, de acordo com uma publicação no diário oficial do governo. Um segundo decreto visa dificultar a punição dos garimpeiros.

Segundo o Ministério Público, existem ligações entre os garimpeiros e o crime organizado. Confrontos armados entre garimpeiros e moradores locais também foram relatados.

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Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pela revista “Der Spiegel” [Aqui!].

Passando a boiada, Governo Bolsonaro tenta incluir garimpeiros e pecuaristas na lista de comunidades tradicionais

Proposta foi feita por secretaria ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves

Damarees-FlickProposta de incluir garimpeiros e mineradores teria vindo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves. Foto: Willian Meira/MMFDH.

Por Cristiane Prizibisczki para o

A proposta do Governo Federal de reconhecer garimpeiros e pecuaristas como “povos e comunidades tradicionais”, tornada pública na noite da última terça-feira (7), gerou reações contrárias de especialistas, entidades representativas de populações tradicionais e internautas. A proposta constava na pauta oficial da 11º Reunião do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CONPCT), órgão vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Membros do Conselho dizem que a inclusão do tópico foi equivocada e que sua retirada da pauta foi solicitada por eles à secretaria executiva do colegiado.

O documento com a pauta da reunião do CONPCT, que aconteceu entre ontem e hoje (7 e 8/12), foi feito pela Secretaria Nacional de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial. Segundo apurou ((o))eco, o reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas já havia sido uma demanda desta Secretaria em reuniões anteriores do colegiado.

De acordo com Carlos Alberto Pinto Santos Candidato, presidente do CONPCT e membro da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos e Comunidades Tradicionais (Confrem), a solicitação inicial dos membros da sociedade civil no Conselho era para que um Grupo de Trabalho fosse criado antes de qualquer reconhecimento de grupos específicos.

Print da pauta da reunião que circulou nas redes sociais
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“Estou aqui para falar da circulação errônea hoje de uma proposta de pauta do CONPCT que levou muita gente a acreditar que hoje iria se fazer o reconhecimento de dois grupos que, a princípio, pleiteiam junto à secretaria executiva do conselho esse reconhecimento […] gostaria de informar que a pauta hoje não se tratava dessa questão. A pauta que foi proposta para o Conselho Nacional era a de composição de um grupo de trabalho que tratará de procedimentos para reconhecimento de novos segmentos de povos e comunidades tradicionais pelo CONPCT”, explicou Carlos Candidato, em áudio enviado para grupo de comunidades tradicionais a qual ((o) eco teve acesso.

Em conversa por telefone com ((o))eco, Carlos Candidato explicou que na reunião desta quarta-feira o Grupo de Trabalho citado no áudio foi, de fato, estabelecido. Ele será formado por quatro representantes da sociedade civil e um representante do governo. Também serão convidados representantes da Defensoria Pública da União, do Ministério Público, da academia e de outros grupos de comunidades tradicionais.

“O que a sociedade civil no CONPCT propôs foi a criação deste GT, que irá discutir ao longo de um ano quais seriam os ritos e procedimentos a serem considerados [no processo de reconhecimento de novos grupos]. Isso nós conseguimos fazer, justamente para não ir direto analisar o caso de um Grupo A ou Grupo B”, disse.

“Optamos por seguir os preceitos que defendemos: consulta prévia, ampla, livre e informada, respeitando os direitos, a questão da identidade, da cultura, respeitando justamente aquilo que levou a gente a ter um conselho pelo qual lutamos tanto. Não vamos tratar de reconhecimento nenhum [no momento]”, complementou Carlos Candidato.

(o))eco questionou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sobre a inserção específica dos grupos de garimpeiros e pecuaristas na pauta da reunião, mas a até o fechamento da matéria não obteve resposta.

Novos reconhecimentos

A divulgação das intenções do governo ocorreu um dia após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Agusto Heleno, defender a extração de ouro na Amazônia. Heleno é responsável por 7 inéditas autorizações de pesquisa de ouro no extremo noroeste do bioma, na fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela.

Há um mês, por recomendação da Advocacia Geral da União, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) também passou a aceitar a permanência de tradicionais em unidades de conservação de proteção integral, o que foi considerado um grande passo por essas comunidades, mas acendeu o alerta para possíveis reconhecimentos de grupos que não se enquadram na definição.

Segundo Carlos Bocuhy, especialista em gestão ambiental e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), o reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como PCTs favorece interesses econômicos degradadores.

“Atividades econômicas não podem ser consideradas indevidamente como povos tradicionais. Há uma subjetividade indesejável e perigosa nisso. Este reconhecimento sumário atribuiria aos que desenvolvem essas atividades uma proteção indevida, como se fossem minorias, e poderia levar a concessões, ao favorecimento de interesses econômicos nocivos ao meio ambiente”, diz Bocuhy.

O tema também repercutiu nas redes: “A Damares quer repaginar garimpeiros e pecuaristas que destroem a natureza e a Amazônia. Vai tentar colocar punhos de rendas na grilagem de terras”, disse um internauta. “Se não dá para tomar as terras dos povos tradicionais, vamos transformar garimpeiros e pecuaristas em povos tradicionais e os povos tradicionais que se entendam”, declarou outro usuário das redes.

De acordo com Carlos Candidato, do CONPCT, a polêmica em torno da 11ª Reunião do Conselho teve seu aspecto positivo: ela chamou a atenção para a realidade de tais comunidades. “Que isso sirva para as pessoas lembrarem que há um conselho, que existem lideranças de povos tradicionais massacradas e assassinadas todos os dias nesse país, que isso sirva para garantir os territórios e modos de vida de nosso povo”, conclui.

Resposta do governo

Em nota enviada a ((o))eco no início da noite desta quarta-feira, a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR) informou serem “inverídicas as notícias de uma tentativa do Governo Federal em reconhecer garimpeiros e pecuaristas como povos tradicionais”.

Segundo a Secretaria, o Conselho tem apenas caráter consultivo, cabendo a análise de  temas específicos e técnicos a Câmaras Técnicas e/ou Grupos de Trabalho, cuja criação é prevista no regimento do colegiado.

“À esta SNPIR chegou demanda de segmentos específicos solicitando a análise acerca do reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como povos e comunidades tradicionais. A demanda foi incluída na pauta do CONPCT pelo seu presidente, em consonância com o pleno do conselho, não tendo esta secretaria dominância sobre o procedimento […] Diante do exposto, e considerando a repercussão descabida do processo, esta SNPIR antecipa o seu entendimento de que há temeridade no reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como PCT’s, o que, julgamos, poderia se tornar um campo fértil para violação de direitos humanos”, diz trecho da nota.

Segundo a Secretaria, na reunião desta quarta-feira não foi estabelecido acordo para a criação da câmara técnica que iria avaliar a demanda dos garimpeiros e pecuaristas. “Este item da pauta será analisado em nova oportunidade”.

*Atualizada às 20h13, do dia 08/12/2021, para incluir a resposta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

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Este texto foi inicialmente publicada pelo [Aqui!].

Repressão parcial e tardia ao garimpo ilegal no Rio Madeira é o retrato mais fiel do governo Bolsonaro

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Força tarefa conjunta está queimando balsas e dragas usadas no garimpo ilegal de ouro no Rio Madeira

Ao longo da semana passada o Brasil e o mundo assistiram à formação de uma monumental formação de de dragas e balsas que reviravam o leito do Rio Madeira (um dos mais importantes tributários do Rio Amazonas) em busca de ouro, usando técnicas totalmente nocivas ao ambiente e à saúde humana. A mídia corporativa brasileira, mais uma vez, foi superada na cobertura desse episódio pelas redes sociais e por veículos da mídia internacional (especialmente o jornal inglês “The Guardian”). Se não fosse por essa ampla cobertura dos fatos que ocorriam no Madeira é bem provável que a “fofoca” formada por centenas de garimpeiros ainda estivesse lá usando técnicas rudimentais e altamente poluentes (ver vídeo abaixo).

Mas depois que a “fofoca” se tornou conhecida mundialmente, o governo federal (cujo presidente é abertamente pró-garimpeiros) está realizando uma tardia e parcial repressão aos garimpeiros ilegais, e as informações já circulando dão conta que ao menos 30 dragas e 69 balsas já foram destruídas por uma combinação de forças da Polícia Federal e do Ibama (ver vídeo abaixo).

A repressão tardia e parcial é uma marca registrada de diferentes administrações federais, mas ganhou marcas mais explícitas no governo Bolsonaro, na medida em que seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão, que vem a ser o coordenador do chamado Conselho da Amazônia Legal, ficou claramente postergando o início do processo repressivo, permitindo a fuga da maioria dos garimpeiros que agiam ao arrepio da lei no interior do Rio Madeira.

É importante que fique clara que a ação dos garimpeiros de ouro não é fruto apenas de um grupo de trabalhadores pobres que decidem partir para ações ilegais em busca de sustento financeiro para si e para suas famílias. A garimpagem ilegal de ouro na Amazônia é parte de uma ampla indústria clandestina que é capaz de movimentar maquinários, toneladas de mercúrio (um metal pesado que causa graves danos ambientais e à saúde humana). Essa indústria é controlada pelos mesmos atores que se beneficiam do desmatamento ilegal em terras públicas e que movimentam grandes volumes de recursos financeiros, sendo ainda um elo clandestino entre a exploração insustentável da Amazônia e grandes agentes da economia globalizada.

Por isso, não há como cair no conto da pirita (o ouro dos tolos) de que a repressão parcial e tardia que se faz momentaneamente vá dar conta do grave problema que o garimpo ilegal representa para a Amazônia.

Yanomami são assolados por violentas invasões de terras, fome e doenças no Brasil

Povos indígenas  estão submersos em uma crise humanitária enquanto Bolsonaro incentiva mineiros selvagens com projetos em seus territórios na floresta tropical

child 0Os Yanomami usam máscara facial enquanto participam de uma brigada de saúde do exército brasileiro no município de Alto Alegre, estado de Roraima, em junho passado. Fotografia: Joédson Alves / EPA

Por Flávia Milhorance para o “The Guardian”

Uma fotografia de uma garota Yanomami emaciada, aninhada apática em uma rede ao lado de uma panela vazia sobre o fogo apagado. Imagens trêmulas de indígenas gritando enquanto fogem em pânico ao som de tiros.

Imagens chocantes compartilhadas nas redes sociais brasileiras nesta semana destacaram uma espiral de violência, desnutrição e doenças que ameaçam devastar o povo Yanomami e seu território ancestral no estado amazônico de Roraima.

“Os Yanomami estão enfrentando uma crise humanitária, tão crítica quanto no final dos anos 1980, quando o território foi invadido por 40 mil garimpeiros ilegais”, disse a antropóloga Ana Maria Machado, integrante da Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana .

Cerca de 27.000 Yanomami vivem na reserva, que tem o tamanho de Portugal. Mas, nos últimos anos, o território sofreu uma nova invasão por cerca de 20.000 garimpeiros – conhecidos como garimpeiros. No ano passado, o afluxo causou um aumento de 30% na mineração ilegal dentro do território, além de trazer doenças infecciosas.

Nos últimos cinco anos, houve um aumento de quase 500% nos casos de malária na reserva, enquanto nos primeiros oito meses de 2020, quase 14.000 novos casos e nove mortes pela doença foram relatados .

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Uma menina Yanomami emaciada na aldeia Maimasi, estado de Roraima, libertada por um missionário católico. Fotografia: Folhapress

A pandemia de coronavírus só piorou a situação: dados do governo dizem que mais de 1.640 Yanomami contraíram COVID-19 e 13 pessoas morreram, embora os líderes indígenas digam que o número real é maior. Até o momento, 60% dos Yanomami já foram vacinados, segundo um conselho indígena.

“A mineração ilegal descontrolada, o descaso com a saúde indígena e as epidemias de malária e coronavírus criaram tensões que crescem como uma panela de pressão prestes a explodir”, disse Machado.

“Estamos enfrentando muitas dificuldades: faltam profissionais, medicamentos como a cloroquina para tratar a malária e equipamentos”, disse Júnior Hekurari Yanomami, chefe do Condisi-YY, conselho indígena de saúde.

Hekurari disse que os líderes tribais apelaram repetidamente às autoridades federais sobre as invasões de terras e a crise de saúde.

“Não temos apoio do governo federal”, disse ele. “Mas o governo tem feito de tudo para atrapalhar a saúde indígena desde 2019.”

Foi nesse ano que Jair Bolsonaro assumiu o cargo e as tensões entre grileiros, garimpeiros e indígenas aumentaram constantemente desde o início de seu governo.

Bolsonaro apoiou a legislação para abrir áreas indígenas protegidas à mineração e isso transferiria a propriedade de grandes extensões de terra para posseiros ilegais. Ele também encorajou mineiros, madeireiros e grileiros ao enfraquecer a Funai, o órgão federal encarregado de proteger a população indígena do Brasil, e alegar repetidamente que os territórios indígenas são “grandes demais”.

“O Bolsonaro dá luz verde a todos os tipos de ilegalidade nas reservas”, disse Machado.

O recente surto de violência aconteceu depois que indígenas impediram que mineiros usassem o rio Uraricoera para chegar a um de seus acampamentos. Em retaliação, os garimpeiros realizaram uma série de ataques a aldeias isoladas, onde trocaram tiros com os Yanomami.

Três garimpeiros morreram e cinco pessoas, incluindo um indígena, ficaram feridas no ataque de 24 de abril à aldeia de Palimiú, disse Hekurari, que visitou o território logo em seguida.

Em uma segunda visita à aldeia, Hekurari foi acompanhado pela Polícia Federal, que também trocou tiros com homens fortemente armados vestidos de preto. Não houve vítimas dessa vez, mas os sinais de violência estavam por toda parte, disse ele. “Vimos buracos de bala em todos os lugares, na escola, nas casas. Foi muito sério. ”

child 2Integrantes da etnia Yanomami aguardam testes do Covid-19 na terra indígena Surucucu, em Alto Alegre, no estado de Roraima, em julho passado. Fotografia: Nelson Almeida / AFP / Getty Images

A Polícia Federal de Roraima não respondeu a um pedido de comentários e a Funai disse que ainda está investigando os incidentes.

Na quinta-feira, tropas e policiais foram enviados a Palimiú para evitar novos confrontos, mas a violência já obrigou uma equipe do ministério da saúde a deixar a aldeia.

A pandemia agravou a insegurança alimentar em todo o Brasil, mas principalmente nas comunidades indígenas, onde a desnutrição já era um problema sério. Oito em cada 10 crianças Yanomami estão desnutridas, de acordo com um estudo do Unicef .

Depois que a imagem da garota Yanomami faminta se tornou viral, ela foi internada em um hospital público em Boa Vista, onde foi tratada de malária e desnutrição.

Mas, Carlo Zacquini, um missionário católico que divulgou a foto, disse que a região onde mora carece de cuidados básicos de saúde. “Existem aldeias longe das unidades de saúde que estão sem cuidados há meses, às vezes anos”, disse ele.

Zacquini, que trabalha com os Yanomami desde os anos 1960, não revelou o autor da foto, por temer represálias das autoridades.

“Liberar a foto traz riscos, mas era mais do que hora de fazer algo”, disse o homem de 84 anos.

fecho

Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].