Grandes bancos são responsáveis pela maioria dos US$ 20 bilhões em financiamento destinados a empresas de petróleo e gás que estão destruindo a Amazônia, mostra estudo

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Belém, Brasil, 25 de julho de 2023. Oito grandes bancos norte-americanos, europeus e brasileiros estão contribuindo para a destruição da Amazônia e do clima, sendo responsáveis pela maior parte do financiamento do setor de petróleo e gás em acordos diretamente ligados a atividades no Peru, Colômbia, Brasil e Equador, de acordo com uma pesquisa divulgada hoje pela Stand.earth e pela Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), antecedendo a Cúpula da Amazônia, que será realizada em Belém no próximo mês.

O relatório Capitalizing on Collapse (“Os lucros do colapso”), elaborado por pesquisadores premiados do Stand.earth Research Group, detalha como o JPMorgan Chase, Itaú Unibanco, Citibank, HSBC, Banco Santander, Bank of America, Banco Bradesco e Goldman Sachs concederam mais de US$ 11 bilhões em financiamento às atividades de exploração de petróleo e gás na Amazônia nos últimos 15 anos, de 2009 a 2023. Embora representem apenas 5% dos bancos na base de dados, eles são responsáveis por 55% do total estimado de US$ 20 bilhões diretamente direcionados para a região. Dos oito bancos, seis têm sede nos EUA ou atuam por meio de suas subsidiárias norte-americanas e operam acordos na região, enquanto dois bancos brasileiros – Itaú Unibanco e Banco Bradesco – estão fortemente ligados a projetos específicos do setor de petróleo e gás no país.

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Figura 1. Embora representem apenas 5% dos bancos na base de dados, esses 8 grandes bancos representam 55% do financiamento direto estimado nos últimos 15 anos. O JPMorgan Chase encabeça a lista da destruição na Amazônia com 10% do financiamento direto, ou US$ 1,9 bilhão.

Bancos como o JPMorgan Chase, que encabeça a lista com 10% do financiamento direto (US$ 1,9 bilhão), lucraram com o setor de petróleo e gás nos últimos 15 anos, apesar de a ameaça de um colapso na Amazônia ter aumentado drasticamente no mesmo período. A floresta tem sofrido com a fragmentação, o desmatamento e as queimadas, a tal ponto que os cientistas alertam que ela pode estar chegando a um ponto de não retorno ecológico desastroso. Décadas de queima e vazamentos associados ao setor de petróleo e gás poluíram os cursos d’água e o solo na Amazônia, deixando as comunidades Indígenas doentes, reduzindo seus meios de subsistência e violando seus direitos. E, como o financiamento criou novas oportunidades de expansão, o setor impulsionou as emissões de carbono na atmosfera à custa de um futuro seguro para o clima.

Os estudos de caso incluídos no relatório Capitalizing on Collapse ilustram como cada um desses grandes bancos esteve envolvido em acordos que expandiram a produção de petróleo e gás na Amazônia, incluindo seu envolvimento no projeto da maior bomba de carbono da Amazônia, o Complexo Parnaíba, capaz de liberar duas gigatoneladas de carbono ao longo de sua vida útil. De acordo com a Agência Internacional de Energia, essa expansão não é compatível com a meta de manter o aquecimento global sob controle, apesar de os compromissos climáticos dos bancos afirmarem que estão alinhados com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C.

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O relatório Capitalizing on Collapse também revela os bancos que financiam empresas envolvidas na exploração de petróleo e gás na Amazônia, o que é conhecido como financiamento indireto, dificultando o rastreamento do dinheiro. O relatório explora como a falta de transparência nos dados financeiros e a fragilidade das políticas bancárias de risco socioambiental (ESR) podem criar condições para que o financiamento seja destinado à produção de combustíveis fósseis, mesmo quando os bancos assumem compromissos explícitos com o clima, os direitos humanos e a biodiversidade.

Com a reunião dos líderes governamentais em Belém, na Cúpula da Amazônia, a ser promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 8 e 9 de agosto, para discutir como proteger a região, fortalecer as lideranças Indígenas e proteger os valores ambientais, o relatório Capitalizing on Collapse demonstra que os bancos têm um papel fundamental a desempenhar no futuro, que não incluem a destruição da Amazônia. A iniciativa de proteção regional liderada pelos Povos Indígenas, Amazônia para a Vida: Proteger 80% até 2025, também menciona a necessidade de abandonar os investimentos em combustíveis fósseis como uma das principais medidas para o sucesso da empreitada.

Alguns bancos se mobilizaram para lidar com sua cumplicidade na destruição da Amazônia. Em maio de 2022, o BNP Paribas se comprometeu a não mais financiar ou investir em empresas que produzem a partir de reservas de petróleo e gás na Amazônia ou que desenvolvem infraestruturas relacionadas, tornando-se o primeiro grande banco a adotar a exclusão geográfica do petróleo e gás na floresta amazônica. Em dezembro de 2022, o HSBC alterou suas políticas para excluir todos os novos serviços de financiamento e assessoria a qualquer cliente para a exploração, avaliação, desenvolvimento e produção de projetos envolvendo petróleo e gás no Bioma Amazônico. Esses dois bancos, juntamente com alguns outros, estão dando sinais importantes de que precisam estar dispostos a rever sua relação com a destruição da Amazônia e tomar medidas para gerenciar esse risco.

O relatório é acompanhado pela primeira base de dados pública em que se pode pesquisar todos os bancos envolvidos com o setor de petróleo e gás na Amazônia por meio de financiamentos diretos e indiretos. A base de dados Amazon Banks Database baseia-se em pesquisas anteriores realizadas pelo Stand Research Group sobre financiamento ao comércio e políticas de ESR dos bancos. A base de dados é uma lista abrangente dos bancos envolvidos em acordos de subscrição de empréstimos e títulos para empresas envolvidas na exploração e produção (upstream) e no armazenamento, comércio e transporte (midstream) de petróleo e gás na Amazônia. Essa base de dados estará disponível publicamente a partir de 25 de julho em Exit Amazon Oil and Gas.

O Stand Research Group ganhou recentemente o Prêmio Keeling Curve na categoria de finanças, em reconhecimento à sua liderança e inovação em pesquisas financeiras, políticas e sobre a cadeia de fornecimento na Amazônia. Essa base de dados e o relatório fazem parte desse esforço. A pesquisa na base de dados também embasou a análise sobre o financiamento na Amazônia incluída no relatório Banking on Climate Chaos (“Financiando o caos climático”), de 2023.

Angeline Robertson, Pesquisadora Líder do Stand Research Group:

“Essa pesquisa premiada destaca que os bancos têm um papel fundamental a desempenhar na mudança da economia energética por trás da crise climática. A Amazônia é uma região fundamental para que os bancos apresentem políticas globais ousadas que possam cumprir a intenção de defender os direitos humanos, proteger a biodiversidade e manter o aquecimento global em 1,5 °C. De acordo com a orientação da Agência Internacional de Energia, não deveria haver nenhuma nova produção de petróleo e gás se quisermos ficar abaixo de 1,5 °C, mas continuamos a ver financiamentos bancários para a expansão da exploração de petróleo e gás na maior floresta tropical do mundo.”

Fany Kuiru, Coordenadora Geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA):

“A expansão do petróleo na Amazônia é uma ameaça latente aos territórios Indígenas e aos ecossistemas vitais no Peru, Equador, Brasil e Colômbia, mas também coloca em risco dezenas de Povos Indígenas isolados, cuja existência depende da integridade de seus territórios. A degradação e o desmatamento combinados nos colocam diante de um iminente ponto de não retorno que, para nossos povos, se traduz em doenças crônicas como consequência da contaminação, na perda de nossa soberania alimentar devido a metais pesados encontrados nos peixes e na água que bebemos e na violência sistemática contra aqueles que defendem nosso lar. Os bancos, financeiras e outras empresas que investem na região e cujos lucros são derivados da exploração de petróleo são cúmplices da morte de nossas lideranças, de nossas culturas e de nossos modos de vida. Pedimos que os maiores investidores bancários deixem a Amazônia imediatamente.”

Todd Paglia, Diretor Executivo da Stand.earth:

“O relatório Capitalizing on Collapse mostra claramente que os bancos precisam parar de financiar projetos envolvendo petróleo e gás na Amazônia. A plataforma pela exclusão geográfica para abandonar a exploração de petróleo e gás amazônicos (Exit Amazon Oil and Gas) aponta para um dos pilares da iniciativa Amazônia para a Vida: 80 X 2025 e é um caminho claro para os bancos enviarem o sinal de que querem investir no futuro da Amazônia, não em seu colapso. Ao implementar a exclusão de investimentos problemáticos em petróleo e gás em toda a Amazônia, abandonando acordos e relacionamentos que causam destruição e investindo no desenvolvimento econômico ecológico, apoiado pelos Povos Indígenas na região, bancos como JPMorgan Chase, Itaú Unibanco e Citi têm a chance de estar do lado certo da história.”

April Merleaux, Gerente de Pesquisa, Equipe de Clima e Energia, Rainforest Action Network:

“O relatório Capitalizing on Collapse destaca uma importante pesquisa sobre o financiamento bancário destinado à extração de petróleo e gás no bioma amazônico. O caminho mais seguro para manter o aumento das temperaturas globais abaixo de 1,5 ˚C é promulgar os princípios do CLPI (Consentimento Livre, Prévio e Informado) para os Povos Indígenas. A proteção dos direitos humanos e a manutenção dos combustíveis fósseis no solo nos afastarão do Caos Climático. Mas esse relatório mostra que os bancos – inclusive os grandes bancos dos EUA, como o Bank of America e o JPMorgan Chase – estão indo na direção oposta, financiando a destruição nessa região vital. Capitalizing on Collapse lança dúvidas sobre as promessas de zerar as emissões de carbono feitas pelos bancos.


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Este texto foi inicialmente publicado pela Stand.Earth [Aqui!].

Consultora da Shell demite-se, acusando empresa de ‘danos extremos’ ao meio ambiente

Caroline Dennett diz em vídeo que tomou decisão por causa de ‘conversas duplas sobre o clima’

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Consultor da Shell desiste dramaticamente por causa da ‘conversa dupla’ da empresa sobre o clima – vídeo

Por Alex Lawson para o “The Guardian”

Um consultor sênior de segurança deixou de trabalhar com a Shell após 11 anos, acusando o produtor de combustível fóssil em um vídeo público bombástico de causar “danos extremos” ao meio ambiente.

Caroline Dennett afirmou que a Shell “desconsiderava os riscos das mudanças climáticas” e exortou outros na indústria de petróleo e gás a “ir embora enquanto ainda há tempo”.

A executiva, que trabalha para a agência independente Clout, encerrou sua relação de trabalho com a Shell em uma carta aberta aos seus executivos e 1.400 funcionários. Em um vídeo de acompanhamento, postado no LinkedIn, ela disse que havia desistido por causa da “conversa dupla sobre o clima” da Shell.

Ben van Beurden, CEO da Royal Dutch Shell
Chefe da Shell enfrenta rebelião de investidores por pacote salarial de £ 13,5 milhões
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Ela disse: “A ambição de segurança declarada da Shell é ‘não causar danos’ – ‘Meta Zero’, como eles chamam – e parece honroso, mas eles estão falhando completamente nisso.

“Eles sabem que a extração contínua de petróleo e gás causa danos extremos ao nosso clima, ao meio ambiente e às pessoas. E não importa o que digam, a Shell simplesmente não está diminuindo os combustíveis fósseis.”

Dennett disse ao Guardian que “não poderia casar esses conflitos com minha consciência”, acrescentando: “Eu não poderia mais suportar isso e estou pronta para lidar com as consequências”.

A Shell era um “grande cliente” do negócio de Dennett, especializado na avaliação de procedimentos de segurança em indústrias de alto risco, incluindo produção de petróleo e gás. Ela começou a trabalhar com a Shell após o derramamento de óleo da BP Deepwater Horizon em 2010, que abalou a indústria.

“Não posso mais trabalhar para uma empresa que ignora todos os alarmes e descarta os riscos das mudanças climáticas e do colapso ecológico”, disse ela. “Porque, ao contrário das expressões públicas da Shell em torno do zero líquido, eles não estão diminuindo o petróleo e o gás, mas planejando explorar e extrair muito mais.”

A consultora, que realiza pesquisas internas de segurança e está sediada em Weymouth, Dorset, reconheceu que era “privilegiada” por poder ir embora e “muitas pessoas que trabalham em empresas de combustíveis fósseis não têm tanta sorte”.

Ela pediu aos executivos da Shell que “olhem no espelho e se perguntem se realmente acreditam que sua visão de mais extração de petróleo e gás garante um futuro seguro para a humanidade”.

No final de 2020, vários executivos da Shell em seu setor de energia limpa saíram em meio a relatos de que estavam frustrados com o ritmo da mudança da Shell para combustíveis mais verdes.

Seu anúncio ocorre na véspera da AGM da Shell em Londres na terça-feira. Seus planos de redução de emissões serão discutidos na reunião em que o grupo ativista holandês Follow This pressionará para que as políticas da empresa sejam mais consistentes com o acordo climático de Paris. O conselho da Shell disse aos investidores que rejeitem a resolução do grupo que pede que estabeleça metas climáticas mais rigorosas.

O investidor da Shell, Royal London, disse que pretende se abster na votação das propostas de transição climática da empresa.

O presidente-executivo da Shell, Ben van Beurden, pode enfrentar uma rebelião dos investidores contra seu pacote salarial de £ 13,5 milhões na AGM depois que o consultor de investimentos Pirc pediu um voto contra.

Um porta-voz da Shell disse: “Não tenha dúvidas, estamos determinados a cumprir nossa estratégia global de ser uma empresa líquida zero até 2050 e milhares de nossos funcionários estão trabalhando duro para conseguir isso. Estabelecemos metas de curto, médio e longo prazo e temos toda a intenção de atingi-las.

“Já estamos investindo bilhões de dólares em energia de baixo carbono, embora o mundo ainda precise de petróleo e gás nas próximas décadas em setores que não podem ser facilmente descarbonizados.”

A Shell também enfrenta a perspectiva de um potencial imposto inesperado para financiar cortes nas contas das famílias depois que o setor de energia divulgou lucros enormes alimentados pelo aumento dos preços de mercado, levando os partidos da oposição a pedirem ao governo que imponha uma taxa única.

Na segunda-feira, o maior produtor de petróleo e gás do Mar do Norte se manifestou contra uma taxa única, argumentando que levaria a indústria a aprovar menos projetos.

A executiva-chefe da Harbour Energy, Linda Cook, disse ao Financial Times: “Uma carga tributária mais alta tornará mais desafiador para novos projetos de petróleo e gás atender às taxas de investimento, o que significa que menos projetos serão sancionados.

“Este é um momento em que a indústria está sendo incentivada a aumentar a produção doméstica de petróleo e gás do Reino Unido e apoiar uma transição energética ordenada”.

Harbour disse ao governo que planeja investir US$ 6 bilhões no Mar do Norte ao longo de três anos, enquanto a indústria argumenta contra o imposto. O Guardian revelou este mês que Cook recebeu um “olá dourado de £ 4,6 milhões da empresa.


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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Organizações alertam para impactos ambientais e socioeconômicos da concessão de blocos de petróleo e de gás natural da ANP

No edital há garantias mínimas de R$ 10 mil para exploração de petróleo por sete anos, ONGs contestam

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A Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizará, na próxima quarta-feira (13 de abril) às 9h, a sessão pública do 3º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão (OPC), licitação para concessão de contratos de blocos de exploração ou reabilitação e produção de petróleo e gás natural. O leilão oferta 379 blocos exploratórios para concessões localizados em dez estados brasileiros: Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que 32 dessas áreas estão localizadas em alto mar (offshore) e 347 blocos terrestres. 

“Essa rodada é um total absurdo, pois o edital líquida blocos que podem ter garantias de ofertas a partir de 10 mil reais. Estão loteando o nosso subsolo a preço de banana, em plena crise climática,” argumenta o engenheiro Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto ARAYARA. As organizações do terceiro setor que atuam na área questionam o leilão especialmente por desconsiderar os povos tradicionais, que têm seus direitos garantidos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada no país por meio do Decreto no 5.051/2004. 

Referente às Diretrizes Ambientais deste certame, ainda não foram concluídas pela ANP as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), instrumento definido pelo Conselho Nacional de Politica Energética (CNPE) para o planejamento de outorga de áreas petrolíferas. Dessa forma, há blocos que estão sendo ofertados em zonas de alta sensibilidade ambiental e sem consulta às populações tradicionais destes territórios como indígenas, quilombolas e pescadores artesanais. O processo de licitação desconsiderou, inclusive, o impacto em áreas de Unidades de Conservação próximas.

Os blocos são distribuídos por 14 setores de sete bacias: dois setores de Santos, um de Pelotas, dois do Espírito Santo, três do Recôncavo, quatro do Potiguar, dois em Sergipe-Alagoas e Tucano. De acordo com as regras da Oferta Permanente, os setores definidos para um ciclo são aqueles que receberam declarações de interesse de empresas previamente inscritas, acompanhadas de garantia de oferta e aprovadas pela Comissão Especial de Licitação.

Aumento da exploração

O edital vigente da Oferta Permanente publicado em 30 de julho de 2021 contempla o total de 1068 blocos em 72 setores de 17 bacias sedimentares brasileiras: um total de 462,5 mil quilômetros quadrados (o correspondente a mais de 16 vezes o tamanho do estado de Alagoas), com 522 blocos nas bacias terrestres e 546 blocos nas bacias marítimas. Restam 1005 mil blocos que poderão receber ofertas pelas atuais 79 empresas aprovadas pela Comissão Especial de Licitação (CEL) da ANP para declararem interesse em um ou mais dos blocos e áreas ofertados no edital da Oferta Permanente. Essa modalidade licitatória da ANP permite que as empresas não esperem mais uma rodada de licitação ‘tradicional’ para ter oportunidade de arrematar um bloco ou área com acumulação marginal. 

O Brasil foi loteado pela ANP para que os blocos com risco exploratório fiquem permanentemente em oferta, ou seja, disponíveis às companhias petrolíferas no tempo que elas julgarem necessário para estudarem essas áreas antes de fazer uma oferta, sem o prazo limitado como nos editais anteriores. O Instituto ARAYARA entrará com uma representação judicial na Justiça Federal contestando a ausência da consulta a comunidades diretamente atingidas pela exploração e produção de petróleo. Entre os impactados estão colônias de pescadores artesanais, quilombolas, comunidades indígenas e outros povos tradicionais extrativistas.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) vê o assunto com muita preocupação, particularmente no que se refere à perspectiva de aumento da produção de gás natural no país e destinação do combustível para a geração de energia elétrica. “O aumento da geração de energia em termelétricas é muito grave, pois suja a matriz elétrica do país e pressiona ainda mais as tarifas da energia”, alerta o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec, Anton Schwyter.

Para a 350.org, organização global de campanhas pelo clima, este ciclo da ANP destaca-se, ainda, por agravar o racismo climático, ou seja, a piora das condições de vida de comunidades formadas majoritariamente por pessoas negras e indígenas. Dos blocos ofertados, mais de 80% localizam-se no Nordeste do Brasil, região duramente afetada pelos vazamentos de óleo que atingiram o litoral de dez estados, em 2019 e 2020. À época, o desastre ambiental impediu o trabalho, durante meses, de milhares de famílias de pescadores, marisqueiras, trabalhadores informais do turismo, entre outros grupos economicamente vulneráveis.

Consequências ambientais

A oferta de blocos de petróleo acontece logo após o lançamento da última parte do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo o documento dedicado a medidas de mitigação de mudanças climáticas, apesar da redução de emissão prevista pelos países em seus compromissos nacionais, a expectativa é que a temperatura média do planeta aumente por volta de 2,7°C neste século em relação ao fim do século XIX. Neste sentido, a queima global de combustíveis fósseis nos setores de transporte, indústria e geração termelétrica comprometem o dobro do orçamento de carbono restante para evitar um aumento da temperatura global acima de 1,5°C – meta traçada no Acordo de Paris. “Além dos compromissos nacionais não apontarem uma perspectiva suficiente de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), a expansão de investimentos e oferta de combustíveis fósseis indica uma tendência de aumento dessa atividade”, afirma Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

O setor de energia, que contabiliza GEEs provenientes da produção e do uso de combustíveis, emitiu 393,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e) em 2020, o que representou 18% do total nacional, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Dentro desse setor, a maior atividade emissora é o transporte, responsável por 47% de todas as emissões. A produção de combustíveis contabiliza a emissão de 55 milhões de toneladas em 2020, tendo sido pela primeira vez a segunda atividade mais emissora do setor de energia. A exploração de petróleo e gás natural é um exemplo de atividade que tem crescido consistentemente devido aos novos empreendimentos no pré-sal brasileiro. “A recente publicação do IPCC enviou uma mensagem decisiva de que devemos agir imediatamente para evitar os impactos climáticos provocados pelas atividades de extração de petróleo e gás natural. Vários blocos disponíveis no leilão poderão causar danos em áreas protegidas e prioritárias para a conservação da biodiversidade brasileira. O risco de investir nessa atividade é enorme e tem consequências duradouras”, ressalta Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

A intensificação da oferta de blocos e áreas tem sido viabilizada também pelo desmonte das normas infralegais na pasta ambiental, a exemplo da PORTARIA MMA Nº 275, DE 5 DE ABRIL DE 2019. A medida destituiu o grupo de trabalho responsável por analisar a sensibilidade ambiental das bacias sedimentares antes dos leilões dos blocos de petróleo e gás. O grupo era composto por especialistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que recomendavam quais blocos eram passíveis de ir a leilão e posteriormente adentrar um processo de licenciamento. “A portaria faz com que a decisão fique a cargo apenas do presidente do Ibama, fazendo com que seja muito mais política do que técnica. Resulta que áreas altamente sensíveis aos acidentes por vazamento, aos impactos da prospecção e ao trânsito de embarcações, como os recifes de corais, áreas de reprodução de cetáceos e ecossistemas de água doce (bacias sedimentares terrestres da Amazônia), se tornam passíveis de serem leiloadas”, ressalta Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Mobilização da sociedade civil

Em 13 de abril, às 9h, em frente ao Hotel Windsor, representantes de comunidades pesqueiras e quilombolas de Sergipe e da pesca artesanal do Rio de Janeiro, ativistas da 350.org, da ARAYARA.org , do Observatório do Petróleo e Gás (OPG), Observatório do Clima (OC) , CONFREM e da Coalizão Não Fracking Brasil (COESUS). farão um protesto em frente ao hotel onde o leilão será realizado, na capital fluminense. O ato visa chamar a atenção da sociedade para a emergência climática que exige o fim da extração e dos projetos de exploração de petróleo e gás. “As comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas estão na linha de frente das mobilizações contra o petróleo e o gás porque são, em geral, as mais diretamente atingidas pelos frequentes acidentes nesse setor. Ao invés de manchar de óleo o território dessas populações, o governo brasileiro deveria investir em geração de energia limpa e socialmente justa”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.

A Oferta Permanente é a principal modalidade de licitação de áreas para exploração e produção de petróleo e gás natural no país. Nessa configuração, há ofertas contínuas localizadas em quaisquer bacias terrestres ou marítimas. Até o ano passado, ela era realizada exclusivamente em regime de contratação por concessão. Agora, será realizado o terceiro ciclo de forma diferente dos demais, onde as definições dos parâmetros poderão ser adotadas para cada campo ou bloco. O evento será híbrido (on-line e presencial) no Rio de Janeiro com transmissão ao vivo no perfil da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no YouTube: https://www.youtube.com/user/ANPgovbr.

Saiba mais sobre o processo de licitação

Para o edital da Rodada Permanente já foram realizados dois ciclos de oferta. O primeiro deles encerrou em 29 de setembro de 2021 com a assinatura de 45 contratos para concessão de 45 áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural que totalizam 16.878 km² nas Bacias de Parnaíba, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Espírito Santo onde o SES-T6AM da área Lagoa Parda Sul foi vendido por R$ 20.159,00 para a empresa Imetame Energia Ltda.  

Já em relação ao segundo Ciclo da Oferta Permanente, a ANP em 28 de junho de 2021 realizou a assinatura dos 18 contratos de concessão, relativos a 17 blocos exploratórios e uma área com acumulações marginais que juntos somam uma área territorial de 20.149 km² nas Bacias do Amazonas, Campos, Espírito Santo, Paraná, Potiguar, Tucano e Solimões que foram arrematadas por sete empresas: Shell Brasil Petróleo Ltda., Eneva S.A., Enauta Energia S.A., Imetame Energia Ltda., Energy Paranã Ltda., Potiguar E&P S.A. e Petroborn Óleo e Gás S.A.  

Confira os blocos da Oferta Permanente:  https://www.gov.br/anp/pt-br/rodadas-anp/oferta-permanente/opc/arquivos/mapas/blocos-oferta-ciclo-1/mapa-geral.pdf

Contatos das assessorias

350.org – Peri Dias

+351 913 201 040 – peri.dias@350.org 

Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) – Isis Nóbile Diniz

(11) 98116-4880 – isis@energiaembiente.org.br

Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) – Silvia Alvarez  

(61) 98229-3659 – comunicacao@inesc.org.br

Instituto Internacional ARAYARA – Silvia Marcuzzo

(51) 993416213 – silvia@arayara.org

Observatório do Petróleo e Gás – Grazielle Garcia e Nicole Oliveira

(41) 984450000 e (11) 970795232 – Nicole@arayara.org nicole@naofrackingbrasil.com.br

Em frente a leilão da ANP, comunidades exigem o fim do petróleo e gás na Amazônia

Manifestantes dizem às empresas participantes que impactos sobre 47 Terras Indígenas e 22 Unidades de Conservação são inaceitáveis

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Em uma manifestação na manhã desta sexta-feira, 04 de dezembro, em frente ao hotel Sheraton da Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro, líderes indígenas, pescadores e ambientalistas da 350.org pediram o fim da extração de petróleo e gás na Amazônia.

A ação foi realizada no mesmo horário em que, do lado de dentro do hotel, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) promoveu a sessão pública de anúncio das propostas pelos blocos exploratórios disponíveis no 2o Ciclo da Oferta Permanente. Entre os blocos leiloados, 16 localizam-se na Bacia do Amazonas, dos quais três foram arrematados pela empresa Eneva.

Estudo inédito da 350.org mostra que a produção de petróleo e gás nesses 16 blocos pode provocar ou agravar impactos socioambientais consideráveis, como desmatamento, invasões e conflitos, em 47 Terras Indígenas e 22 Unidades de Conservação do entorno.

“A Amazônia representa a vida para os Povos Indígenas e para o planeta, mas o petróleo pode trazer a morte de animais, florestas e pessoas. Estamos unidos para lutar e vencer essa ameaça”, afirma Ninawá Huni Kui, presidente da Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, presente à manifestação no Rio.

Também foram leiloados blocos em outras nove bacias, com potenciais impactos em biomas terrestres e sobre a vida marinha. As pescadoras e os pescadores artesanais de Magé (RJ), que participaram da ação, se pronunciaram em defesa desses territórios em risco.

“Nas últimas décadas, vimos os estragos que a exploração de petróleo trouxe para o meio ambiente, para as mulheres e para as famílias na Baía de Guanabara. Por isso, viemos mostrar nosso apoio à luta para proteger a Amazônia e todo o Brasil dos impactos dessa indústria”, afirma Daize Menezes de Souza, diretora da Ahomar e coordenadora da Articulação Nacional das Pescadoras. 

O diretor da 350.org na América Latina, Ilan Zugman, lembrou que as pessoas mais afetadas pela crise climática, provocada pela queima de combustíveis fósseis, são aquelas que menos contribuíram para o aquecimento do planeta.

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“As empresas participantes deste leilão e a própria ANP estão agravando a injustiça climática, ao colocar comunidades tradicionais em risco e concentrar dinheiro nas mãos de poucos, já que nem mesmo os ganhos econômicos chegam aos moradores da região. Para as companhias que fazem ofertas nesses leilões, fica o lucro da exploração, mas para os moradores da Amazônia fica só o medo de vazamentos, destruição ambiental e invasões”, afirma.

A manifestação desta sexta-feira foi a primeira iniciativa da campanha Resistência Amazônica, coordenada pela 350.org e lideranças indígenas, para amplificar as vozes e potencializar as ações de comunidades tradicionais em defesa de suas terras e do clima global, frente às investidas dos setores de petróleo e gás na Amazônia.