Um ‘caçador de agrotóxicos’ fabricado na Argentina monitora a presença de agrotóxicos no ar

O AR-PUF permite a captação de agroquímicos no ambiente para seu estudo em um país com milhões de hectares de lavouras extensivas e uso crescente de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos

air samplerManuel Hadad, engenheiro químico, e Mariela Seehaus, pesquisadora do INTA no Paraná, com o detector de agrotóxicos AR-PUF.CORTESIA (INTA)

O EL PAÍS abre a seção América Futura para sua contribuição informativa diária e global sobre desenvolvimento sustentável. Se você deseja apoiar nosso jornalismo, inscreva-se aqui .

Por Diego Jemio para o “El País”

Há mais de 20 anos, a Argentina adotou um modelo de agroprodução extensivo com forte base em transgênicos. O país tornou-se um dos três maiores produtores de soja do mundo , atrás apenas do vizinho Brasil e dos Estados Unidos. E a atividade é a principal geradora de divisas para um país economicamente frágil.

A outra face desse modelo de produção é o impacto ambiental dos agrotóxicos, que afeta os ecossistemas, causa a perda da biodiversidade e multiplica os povoados “pulverizados . Com a ideia de realizar medições ambientais em áreas protegidas, uma equipe do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) do Paraná (Entre Ríos) criou o AR-PUF, um detector de pesticidas aéreos, juntamente com o governo da província e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da nação.

“O equipamento é um amostrador de ar de alto volume, que permite a captação de agrotóxicos presentes nessa matriz; Funciona tanto para os que estão na fase de vapor quanto para os particulados. O equipamento coleta amostras de ar com uma bomba de sucção e é esse ar que passa por filtros específicos que permitem a captação de agrotóxicos. Os filtros são então levados a um laboratório para determinação das concentrações dos agrotóxicos de interesse. Até o momento, este equipamento não é comercializado no país, portanto sua fabricação nacional permite um menor custo e maior acessibilidade para quem deseja adquiri-lo”, disse Mariela Seehaus, pesquisadora do Departamento de Recursos Naturais e Gestão Ambiental do INTA Paraná .

Um trabalho de Seehaus em Entre Ríos constatou a presença de glifosato em cidades da província. A necessidade de continuar com as medições e diagnosticar o problema a levou a promover a criação do aparelho junto com sua equipe.

“Através da minha dissertação de mestrado consegui fazer uma medição ‘indirecta’ da qualidade do ar. Nessa ocasião, foi monitorada a presença de glifosato e seu principal metabólito de degradação (AMPA) na deposição atmosférica; isto é, nas partículas que entram na superfície desde a atmosfera e que se depositam seja por seu peso ou pela ação das chuvas. O monitoramento foi realizado em 15 pontos do município distribuídos em áreas urbanas, em bairros periurbanos e no entorno de lotes agrícolas, em três momentos com diferentes intensidades de uso de agrotóxicos na área. Os resultados revelaram a presença de um ou ambos os compostos em mais de 60% dos pontos, com diferenças entre os três momentos de medição e nas três áreas em estudo”.

O desenvolvimento pode ser útil para monitorar o ar em áreas protegidas. “Consideramos importante que essas informações possam ser utilizadas por outras áreas, principalmente as relacionadas à saúde, e que sejam um insumo na hora de fazer avaliações de risco. Também no momento da avaliação pública e privada de diferentes estratégias de manejo integrado de pragas, novas tecnologias e desenvolvimentos de biosiunsumos”, diz o pesquisador.

Seehaus trabalhando com o AR-PUF.
Seehaus trabalhando com o AR-PUF.CORTESIA (INTA)

Para desenvolver o dispositivo, Seehaus não trabalhou sozinho. Ele convocou o engenheiro químico e bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) Manuel Hadad, que vinha trabalhando no desenvolvimento de aparelhos com essas características. “Em princípio, o aparelho permite saber uma informação que não existia antes: a quantidade de glifosato no ar. Esses dados eram desconhecidos. O efeito nocivo começou a ser visto no leite, no mel, nas aves, nos animais… A ideia é delimitar com critérios de medição qual é a distância que o glifosato não atinge. Essa distância não podia ser estudada porque a equipe não existia ”.

O custo de um kit AR-PUF é semelhante ao de um trazido dos Estados Unidos. De qualquer forma, a fabricação local implica economia em repasses e impostos. “O desenvolvimento custa o mesmo. A questão em um país como a Argentina é trazê-lo de fora. O custo do transporte e outras despesas associadas às transferências internacionais tornam-no três vezes mais caro. Não é tecnologia de ponta, mas conseguimos torná-la mais robusta, precisa e alinhada com o mercado local. Tem esse valor agregado”, explica o pesquisador.

Um kit de monitoramento do ar com pesticidas é apenas uma ferramenta; uma contribuição de dados que serve para sentar à mesa e discutir outro grande tema na Argentina: o mau uso de produtos químicos para uso agrícola, que vai muito além do glifosato. Um recente relatório técnico-científico, realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Nação e outros órgãos oficiais, alertou sobre o uso e os impactos da atrazina, um herbicida sistêmico seletivo autorizado na Argentina para o controle de ervas daninhas em culturas de milho, sorgo granífero, cana-de-açúcar, chá, soja, batata, algodão, trigo e girassol, entre outros. E banido em 37 países, muitos deles na União Europeia.

“A atrazina revelou-se um contaminante frequente em todos os compartimentos ambientais analisados ​​em diferentes províncias argentinas, apresentando frequências entre 50 e 100%. Além disso, muitas vezes as concentrações ultrapassam os limites permitidos estabelecidos por organismos nacionais ou internacionais. Isso permite deduzir que se trata de um poluente pseudopersistente em águas epicontinentais porque, dada a persistência da molécula, a frequência e os volumes anuais de utilização, supera-se a capacidade natural de purificação do ambiente”, detalha o relatório.

Assim, em suas conclusões, o trabalho indica que: “Identifica-se em todo o território nacional a carência de dados e informações sobre as concentrações de atrazina e seus metabólitos em alimentos, biota, águas superficiais e subterrâneas e ar, bem como estatísticas de uso, epidemiológicas dados sobre exposição, risco e impactos na saúde e falta de avaliações de risco”.

Seehaus acredita que as análises são importantes para enfrentar os problemas ambientais do país . “É preciso incorporar a comunidade na hora de pensar ou esquematizar possíveis soluções. Ter as informações que a equipe pode fornecer nos ajuda a tomar decisões e continuar avançando na definição de melhores tecnologias agrícolas, delimitação de zonas de proteção, avaliação de riscos e validação de práticas de manejo de cultivos”.

Damián Marino, professor da área de Meio Ambiente da Faculdade de Ciências Exatas da Universidade Nacional de La Plata e pesquisador do CONICET, acredita que a situação é urgente e que são necessárias “ações concretas” além das medições. “Basta percorrer os últimos 20 anos da ciência argentina para perceber: não faltam estudos, evidências e dados. O que falta é transformar essa informação científica em ações concretas, marcos regulatórios e proibições. Ou seja, políticas públicas ativas de uso do solo. Veja o documento sobre atrazina. A situação está pronta para agir, o que deve vir de diferentes setores. Falta uma regulamentação ambiental que resolva questões relacionadas à saúde pública e aos sistemas produtivos”, disse Marino,


compass black

Este escrito originalmente em espanhol foi publicado pelo jornal “El País” [Aqui!].

Bayer é processada por barrar cidadãos não americanos do acordo do Glifosato

bayer 1

Uma ponte é decorada com o logotipo da Bayer AG, fabricante farmacêutica e química alemã em Wuppertal, Alemanha, 9 de agosto de 2019. REUTERS/Wolfgang Ratta/Foto de arquivo

Por Jonathan Stempel para a Reuters

19 Jan (Reuters) – Um novo processo nos Estados Unidos acusou nesta quinta-feira a alemã Bayer AG (BAYGn.DE) de excluir ilegalmente uma agricultora da Virgínia de um acordo devido a alegações de que seu herbicida Roundup (Glifosato) causa câncer, porque ela não é cidadã dos Estados Unidos.

A denúncia disse que Elvira Reyes-Hernandez, que usou o Roundup enquanto trabalhava em fazendas de árvores antes de ser diagnosticada com linfoma não Hodgkin em 2019, esperava compartilhar um acordo de US$ 412,8 milhões com um pagamento médio de US$ 120.000.

Mas ela disse que seus escritórios de advocacia, que ela também está processando, a dispensaram do caso por causa de sua cidadania mexicana em julho de 2021, sete meses depois de terem assinado os papéis autorizando o pagamento.

Agora representada pelo Public Citizen, o grupo de defesa fundado por Ralph Nader, a queixosa de 47 anos disse que a Bayer, seu negócio Monsanto e os escritórios de advocacia violaram a lei federal de direitos civis ao impedi-la de se recuperar de seu câncer, agora em remissão.

O processo de Reyes-Hernandez aberto no tribunal federal em Abingdon, Virgínia, busca danos não especificados e uma exigência de que a Bayer permita que cidadãos não americanos, que compreendem mais de 70% dos trabalhadores agrícolas, participem de acordos Roundup.

“Seu status de cidadania não tem nada a ver com seu direito de ser ressarcido por danos causados ​​pelos produtos da Bayer”, disse Kathryn Youker, advogada do Comitê de Advogados para Direitos Civis Segundo a Lei que ajudou a abrir o processo.

Em um comunicado, a Bayer disse que o processo de Reyes-Hernandez não tinha mérito e que ela “não era diferente” de outros requerentes inelegíveis.

“A Bayer acredita fortemente em uma cultura inclusiva, equitativa e diversificada e não tolera racismo ou discriminação”, acrescentou.

Depois que seu pedido foi rejeitado, Reyes-Hernandez encontrou um novo advogado e, em julho, processou a Monsanto no condado de St. Louis, Missouri. Seus ex-escritórios de advocacia não responderam aos pedidos de comentários.

O preço das ações da Bayer caiu 44% desde que pagou US$ 63 bilhões pela Monsanto em junho de 2018, tornando-se a maior fornecedora mundial de sementes e pesticidas, mas também herdando a responsabilidade pelo litígio da Roundup.

Em junho de 2020, a Bayer concordou em resolver grande parte desse litígio por US$ 10,9 bilhões. Em fevereiro de 2022, cerca de 107.000 das 138.000 reivindicações enfrentadas foram resolvidas ou consideradas inelegíveis .

Em junho passado, a Suprema Corte dos Estados Unidos concedeu indenizações de US$ 87 milhões e US$ 25 milhões contra a Bayer para pessoas que culparam seus herbicidas pelo câncer.

O caso é Reyes-Hernandez v Monsanto Co et al, Tribunal Distrital dos EUA, Distrito Ocidental da Virgínia, nº 23-00001.


compass black

Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela agência Reuters [Aqui!].

Infertilidade e aborto espontâneo: como a exposição a agrotóxicos afeta jovens agricultores

Pesquisas brasileiras mostram que a exposição aos agrotóxicos pode atingir tanto a saúde reprodutiva dos homens que atuam nas lavouras quanto das suas companheiras, que acabam sendo contaminadas pela convivência  

Reproductive Health | Pesticide Action Network

Schirlei Alves, especial para O Joio e O Trigo e De Olho nos Ruralistas

Rachel*, 32 anos, mora em uma região de grande produção agrícola no interior do Mato Grosso. O marido é agrônomo e tem contato direto com a lavoura. A identidade deles será preservada para evitar represálias. O casal sonha em ter filhos, mas as gestações não vinham sendo bem-sucedidas. A mulher passou por três abortos espontâneos de repetição, ou seja, interrupções gestacionais que ocorrem antes dos três meses, em um período de três anos. Até então não havia nenhuma causa aparente que justificasse a dificuldade em levar a gestação adiante. Na quarta tentativa, inundada de frustrações, a obstetra a encaminhou para a nutricionista clínica Gabrieli Comachio, que atua em outro município da região, Sorriso, conhecido como a Capital Nacional do Agronegócio.

Atenta à realidade da população local, a nutricionista solicitou exames para verificar o grau de exposição a produtos tóxicos. O teste laboratorial de colinesterase é um deles. Se o nível da enzima, que é responsável por controlar os impulsos nervosos para os músculos, estiver alterado, indica possível exposição prolongada a agrotóxicos, uma vez que as substâncias químicas podem inibir a atividade dessa enzima. De acordo com a nutricionista, como os níveis basais de colinesterase sofrem variação de uma pessoa para outra, recomenda-se o uso de um valor de referência da atividade enzimática, obtido de uma população não exposta.

Exames adicionais também são recomendados para investigar a relação com outros fatores de saúde. Comachio afirma que encontra resistência de pacientes em se submeter ao exame. Muitos, porém, se surpreendem com os resultados. A falta de orientação e consciência sobre o uso de equipamentos de proteção é uma realidade observada na sua prática clínica.

“Desde 2019, quando direcionei meus atendimentos para a área materno-infantil, tenho presenciado um número muito grande de abortos de repetição, de casais jovens com problemas de fertilidade e que precisam de um tratamento específico para melhorar os seus exames de saúde. Tenho como praxe, desde que participei do Fórum Mato Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, solicitar alguns exames, principalmente o de colinesterase”, contou Comachio.

Os resultados dos exames de Rachel e do seu marido apresentaram alterações expressivas. Embora não tivesse contato direto com a aplicação dos produtos químicos na lavoura, a mulher costumava caminhar no meio da plantação e lavar as roupas contaminadas do marido. Comachio sugeriu que os dois fizessem algumas alterações nos hábitos de vida e alimentares. O homem foi orientado a usar todos os equipamentos de proteção durante o seu trabalho de campo, como luvas e máscaras. Rachel foi instruída a evitar contato com a plantação e a fazer uso dos equipamentos de segurança ao lavar as roupas contaminadas. Além disso, a nutricionista recomendou o uso de alguns suplementos alimentares, a prática de exercícios físicos e o consumo de alimentos preferencialmente orgânicos (sem uso de agrotóxicos).

Rachel já chegou ao terceiro trimestre da gestação sem nenhum problema de saúde. Os exames indicam que ela e o bebê estão saudáveis e fora de perigo. “A paciente me contou que não havia tomado todos esses cuidados nas gestações anteriores. Então, pode ter havido impacto [com os novos hábitos]. Agora que ela está prestando mais atenção no que está comendo e cuidando com essa questão de não se expor tanto, a gente acredita que essas mudanças podem ter sido de muita valia para os resultados de sucesso na quarta gestação”, avaliou a nutricionista.

Taxa de abortos no Mato Grosso está acima da média nacional

Um estudo publicado no livro Desastres Sócio-Sanitário-Ambientais do Agronegócio e Resistências Agroecológicas no Brasil, produzido por pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais, em Saúde e Trabalho, da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/UFMT), identificou, com base em dados públicos, que nas regiões com maior uso de agrotóxicos e área plantada, as taxas de internação por aborto espontâneo são maiores.

Uma das pesquisadoras, Mariana Soares, que é sanitarista e mestre em saúde coletiva, explica que esse é um estudo epidemiológico, do tipo ecológico, que analisa um grupo de indivíduos de determinadas áreas geográficas. “Pelo fato de ela [a personagem de nossa história] residir nesse local, com um dos maiores índices de exposição a agrotóxicos; e pelo fato de a literatura demonstrar que os agrotóxicos são mutagênicos e teratogênicos, o que possibilita alterar o óvulo e o espermatozóide; a exposição pode ser um fator associado ao abortamento espontâneo”, avalia a pesquisadora.

Glifosato está entre os produtos analisados nos estudos. (Foto: Mike Mozart/Flickr)

Quando Soares fala que o agrotóxico tem potencial mutagênico e teratogênico, significa que o produto químico é um agente capaz de causar dano ao DNA e provocar doenças como o câncer ou afetar o desenvolvimento pré-natal.

Segundo o estudo, baseado em dados populacionais do IBGE, internações por aborto do SUS e de produção agrícola do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), o Mato Grosso registrou 10.073 internações hospitalares por aborto, sendo 2.700 por abortos espontâneos, com média anual de 900 abortos. Quase metade das mulheres que foram internadas por sofrerem aborto espontâneo (47,5%) tinha entre 20 a 29 anos. A taxa média de aborto variou de 0,8 a 36,2 abortos/10.000 mulheres em idade fértil, com a maior taxa correspondente ao município de Nova Lacerda. A coleta das informações ocorreu entre 2016 e 2018.

Os dados mostram que houve aumento de 5,3% entre o primeiro e último ano da análise, sendo que em 2018, a taxa foi de 9,4 a cada 10 mil mulheres. Os números poderiam ser maiores se todos os casos fossem notificados ao sistema de saúde.

“Nós temos um coeficiente bastante alto [para o Mato Grosso]. Se no Brasil a taxa de abortos espontâneos é de 4 ou 5 [a cada 10 mil mulheres], no Mato Grosso é 9. E ainda há locais no estado que chegam a 36, então, estamos falando que a nossa taxa é duas vezes [maior] do que a do Brasil e, em algumas regiões, quatro vezes maior”, avaliou o médico especialista em saúde pública e pesquisador Wanderlei Pignati.

A pesquisa também apresenta o contexto em que essas mulheres estão inseridas e levanta os dados sobre o uso de agrotóxicos nas regiões de estudo. Levando em conta as 21 culturas analisadas, os pesquisadores identificaram que a média de área plantada foi de 15,1 milhões de hectares e o consumo de agrotóxicos foi de aproximadamente 220,6 milhões de litros.

Os dez municípios com os maiores coeficientes de aborto foram: Nova Lacerda, Nova Olímpia, Pontes e Lacerda, Alto Taquari, Campo Verde, Nova Santa Helena, Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Matupá. Apenas Alta Floresta não é considerado um município de grande produção agrícola.

Outro estudo publicado em 2016 pelo Neast/UFMT apontou que a exposição paterna a agrotóxicos, principalmente quando associada à baixa escolaridade materna, pode estar relacionada a maiores taxas de malformação fetal em Mato Grosso. A explicação para a relação com a baixa escolaridade está na falta de orientação sobre os cuidados na hora de lavar a roupa contaminada, como ocorreu com Rachel*. O estudo de caso-controle foi feito a partir de prontuários de todos os hospitais de referência públicos, privados e planos de saúde que atendem gestantes em Cuiabá. Os dados foram coletados entre março e outubro de 2011. A base de casos foi formada por crianças menores de 5 anos com malformações congênitas, e o grupo “controle” foi formado por crianças da mesma faixa etária, sem malformações.

As pesquisas levam em conta o contexto social, possíveis variáveis de interferência, como hábitos alimentares e consumo de álcool e drogas e o meio ambiente. No livro, por exemplo, os pesquisadores destacam que os resíduos dos agrotóxicos têm como destino a contaminação do ar, das águas das chuvas, dos rios, mananciais e solo. “Os alimentos de consumo imediato também são afetados, como demonstram as pesquisas anteriores realizadas no estado, onde foram detectados agrotóxicos nos exames de sangue e urina de trabalhadores e no leite materno”, destaca o artigo.

Glifosato preocupa pesquisadores

O glifosato é apontado no estudo sobre abortos espontâneos como um dos agrotóxicos mais usados nas lavouras de Mato Grosso. Não por coincidência, a substância ocupa a primeira posição no ranking dos ingredientes ativos mais vendidos no país. O levantamento consta no último boletim anual publicado pelo Ibama, de 2020, quando foram vendidas mais de 246 toneladas do produto. O boletim revela ainda que Mato Grosso foi o estado que mais comercializou agrotóxicos naquele ano. A venda foi de 133.291 toneladas. O boletim de Produção, Importação, Exportação e Vendas de Agrotóxicos no Brasil, publicado pelo Ibama, é elaborado a partir de documentos autodeclaratórios preenchidos pelas empresas importadoras, exportadoras, produtoras e formuladores dos agrotóxicos.

total agrotoxicos

A primeira resolução da Anvisa que cita o glifosato é de setembro de 2010, segundo histórico de documentos da agência, disponíveis desde 2008. Hoje, há cinco ingredientes ativos de glifosato liberados para uso como herbicidas em 67 culturas diferentes, entre elas arroz, feijão, café, banana e batata-doce. A substância já foi apontada como provavelmente cancerígena pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC).

A Anvisa, no entanto, defende que as evidências científicas disponíveis até o momento “não indicam que o glifosato cause efeitos à saúde humana que sejam considerados proibitivos” para manter seu registro no Brasil. O processo de reavaliação da substância, segundo a Anvisa, contou com 19 pareceres técnicos do órgão, três pareceres externos e duas notas técnicas. Apesar do posicionamento, a Anvisa admitiu que “o ingrediente apresenta maior risco para os trabalhadores que atuam nas lavouras” e para pessoas “que vivem próximas a estas áreas”. Como solução para amenizar os problemas de saúde das pessoas mais expostas, a Anvisa propôs “medidas voltadas para o manejo do produto durante a sua aplicação e a sua dispersão”, o que inclui “ajustes e definições de limites de exposição dietética e ocupacional”.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Leomar Daroncho, que atuou entre 2012 e 2015 no Mato Grosso e colaborou com a criação do Fórum Mato Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, pondera que as orientações da Anvisa não são suficientes para proteger os agricultores, seus familiares e moradores das regiões onde há intensa produção agrícola.

“Dados do governo do Mato Grosso indicavam que o analfabetismo funcional no meio rural chegava a 80%. No Brasil, quando a Anvisa reavaliou o glifosato, o relatório registrou que 60% dos trabalhadores do campo não têm o ensino fundamental completo. Daí ela faz uma recomendação que alerta para os riscos aos trabalhadores que manuseiam as substâncias tóxicas e que deveria ser melhorada a capacitação e a conscientização, enquanto ela mesma admitiu que quem manuseia isso tem um nível muito baixo [de escolaridade]”, advertiu o procurador, que hoje está lotado no Distrito Federal.

Para Daroncho, outro fator que agrava a situação é a complexidade que envolve o uso de equipamentos de segurança e roupas impermeáveis, por vezes quentes e pesadas para agricultores que trabalham debaixo de temperaturas elevadas. Além disso, as exigências climáticas para aplicação dos produtos, descritas nas embalagens, também são complicadas: elas vão desde a temperatura adequada, até a velocidade do vento e a umidade do ar. “Na prática, essas orientações são improváveis de serem cumpridas, como a temperatura máxima de 28ºC para o glifosato. Existem regiões no Brasil que só terão essa temperatura durante a madrugada”, alertou ele.

Segundo o procurador, o Fórum, que também envolve o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, além de entidades da sociedade civil, foi criado para possibilitar o desenvolvimento de pesquisas e, a partir daí, obter e compartilhar informações e discutir possíveis ações de combate aos impactos danosos dos agrotóxicos, tanto para a saúde quanto para o meio ambiente.

Um dos desdobramentos, por exemplo, foi uma ação movida pelo MPF em 2014 contra o Estado de Mato Grosso e o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) para impedir o uso de agrotóxicos que contenham a substância benzoato de emamectina em sua composição. Na época, o MPF afirmou que a própria Anvisa não indicava o uso da substância por ser “altamente tóxica à saúde humana”.

Na ocasião, o Indea havia recebido pedidos para utilização de 63 toneladas do produto em lavouras mato-grossenses. O ingrediente foi suspenso pela Justiça. Três anos depois, porém, durante o governo de Michel Temer, a substância foi liberada e hoje é usada nas culturas de amendoim, algodão, café, ervilha, quatro tipos de feijão, grão de bico, lentilha, milho, soja e tomate. 


Exposição a agrotóxicos afeta trabalhadores e suas famílias no Mato Grosso. (Foto: Reprodução)

Exposição a Agrotóxicos pode afetar qualidade do esperma

Um estudo transversal realizado com homens jovens, de 18 a 23 anos, em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, apontou que os homens rurais têm morfologia espermática mais pobre em relação aos indivíduos urbanos. O artigo foi publicado em 2017, na Revista Científica Reproductive Toxicology, cujo foco é o sistema reprodutivo. Os pesquisadores são ligados à Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz; Universidade da Serra Gaúcha; Universidade de Caxias do Sul; Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Universidade de Granada e Rede de Centros de Pesquisa Biomédica para Epidemiologia e Saúde Pública (Ciberesp), ambas na Espanha.

As informações sobre o uso de agrotóxicos e a prática da atividade agrícola, demografia, ocupação, estilo de vida e histórico médico foram obtidas por meio de questionário e amostras de sangue e sêmen foram coletadas para as análises laboratoriais. Ao menos 99 homens da área rural e 36 da área urbana participaram da pesquisa. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente. A coleta de informações e de material genético ocorreu entre 2012 e 2013.

“Considerando uma população de cerca de 800 homens na faixa etária de 18 a 23 anos residentes na zona rural de Farroupilha, uma prevalência de exposição intensa a agrotóxicos na população rural de 7%, um nível de confiança de 95%, e uma margem de erro de 5%, o tamanho mínimo da amostra para o estudo foi estimado em 90 homens jovens do setor rural”, diz o estudo.

Um dos pesquisadores, que hoje é professor da Universidade Federal da Bahia, Cleber Cremonese, explicou que os jovens da área rural tiveram produção média de espermatozóide até maior do que os jovens da área urbana, mas com pior mobilidade e formação. “Não adianta produzir espermatozóides se eles não são móveis e bem formados. O espermatozóide tem que sair com o flagelo dele se movimentando até chegar nas trompas e encontrar o óvulo. Essa é a função”, explicou Cremonese. 

Sociedade brasileira luta contra os impactos dos agrotóxicos. (Foto: Campanha Contra os Agrotóxicos)

A conclusão foi de que os agrotóxicos possivelmente não interferem na produção de espermatozóides, mas podem interferir na parte genética, uma vez que os jovens do campo apresentaram pior qualidade do esperma. “A motilidade média foi de 56% em homens da área rural, comparado a 64% naqueles avaliados da área urbana”, detalhou o pesquisador.

Para avançar nos estudos, porém, seria necessário um grande investimento, inacessível para pesquisadores brasileiros. “Eu teria que pegar o espermatozóide e avaliar a cadeia genética. Tem outros estudos no mundo que fazem isso, que têm milhões de reais para poder fazer. A gente só conseguiu avaliar características microscópicas [concentração, motilidade e morfologia], e custou muito caro mesmo assim”, completou.

Com relação à morfologia, o professor explica que a Organização Mundial da Saúde preconiza que a cada 100 espermatozóides produzidos por um homem saudável, cerca de 4% sejam bem estruturados. O estudo constatou que a morfologia dos jovens da área rural foi de 1%, enquanto que a dos jovens da área urbana foi de 2,5%.

A pesquisa também serviu de base para a tese de doutorado de Cremonese na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Os resultados foram apresentados aos agricultores de Farroupilha em um evento em 2014, organizado em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde.

*O nome da personagem, cuja identidade foi preservada, é fictício e foi escolhido em referência à bióloga e escritora Rachel Louise Carson. O seu livro Primavera Silenciosa, lançado em 1962, descreveu como os inseticidas alteravam os processos celulares das plantas, animais e seres humanos. O título é uma referência ao silêncio dos pássaros mortos pela contaminação.

Imagem em destaque (Denise Matsumoto): projeto Brasil Sem Veneno mapeia resistências contra os agrotóxicos em todo o país


compass black

Este texto foi inicialmente publicado pelo “De olho nos ruralistas” [Aqui!].

Após censura, cientista faz levantamento inédito de pesquisas brasileiras que expõem impacto dos agrotóxicos na saúde

Pesquisadora foi perseguida após experimento que contestou dose segura de agrotóxicos. Levantamento reúne 51 estudos brasileiros dos últimos seis anos que trazem evidências sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana

capa cientista

Por Schirlei Alves, especial para O Joio e O Trigo e De Olho nos Ruralistas

Quando foi convidada, em 2019, a colaborar em uma pesquisa de um colega da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a imunologista e pesquisadora científica do Instituto Butantan Mônica Lopes Ferreira não fazia ideia das barreiras que seriam impostas à divulgação da descoberta feita em seu experimento: a de que não há dose segura de agrotóxicos

Conhecida pela sua expertise em trabalhar com zebrafish – espécie de peixe cujo DNA é 70% similar ao material genético do ser humano –, ela foi contatada por um pesquisador da Fiocruz para submeter embriões de peixes à exposição de 10 tipos de agrotóxicos. “Quando ele me procurou, encarei, naquele momento, como sendo mais uma amostra que eu ia testar”.

Porém, o resultado não foi exatamente o esperado pelo colega. Segundo Ferreira, ele não quis dar publicidade ao achado, e também não autorizou a submissão dos dados para publicação. O que aconteceu foi que a dose considerada “segura” pelos órgãos de controle, causou mortalidade nos embriões de peixes. Quando diluída até mil vezes em água, os embriões apresentaram anomalias.

As substâncias submetidas ao teste foram glifosato, malationa, abamectina, acefato, alfacipermetrina, bendiocarb, carbofurano, diazinon, etofenprox e piriproxifem. Por serem usadas em larga escala no país, o resultado do experimento causou alvoroço.

Essa história coincidiu com o momento em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estava fazendo alterações na classificação dos agrotóxicos, também em 2019. Muitos dos produtos antes considerados como “extremamente tóxicos” pela agência foram rebaixados para categorias menos rigorosas. O então diretor da Anvisa, Renato Porto, e a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chegaram a dar entrevistas contestando o experimento da imunologista.   

O herbicida glifosato foi um dos agrotóxicos que teve a classificação de toxicidade reduzida pela Anvisa, embora àquela altura fosse um dos produtos classificados pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) como substância provavelmente carcinogênica para humanos; ou seja, capaz de provocar câncer. O Glifosato 480 Agripec, por exemplo, que até então era considerado pela Anvisa “extremamente tóxico” foi reclassificado para “produto improvável de causar dano”. Outra resolução, de 2020, reforçou a manutenção do uso de glifosato em agrotóxicos no país. 

De acordo com o painel de monografias de agrotóxicos da Anvisa – ferramenta que permite acesso a informações atualizadas sobre os ingredientes ativos de agrotóxicos em uso no Brasil –,  a aplicação de produtos à base de glifosato é permitida em 67 culturas, entre elas arroz, feijão, batata doce e mandioca. A mesma situação ocorre com o inseticida malationa e outros produtos.    

A própria Anvisa havia publicado, em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, uma nota alertando sobre a classificação carcinogênica de cinco substâncias, entre elas a malationa, a diaziona e o glifosato. Na época, a agência havia se comprometido a verificar os resultados dos estudos e a fazer novas avaliações sobre o uso desses ingredientes. 

A Bayer, gigante alemã responsável pela produção do Roundup, principal herbicida fabricado à base de glifosato, é alvo de uma ação movida por um casal em São Francisco, na Califórnia, que afirma ter desenvolvido câncer do sistema linfático depois de ter usado o produto por anos. A Monsanto, que criou a formulação do herbicida e o lançou mundialmente em 1974, foi condenada a pagar R$ 289 milhões ao zelador de uma escola, também na Califórnia. O homem desenvolveu câncer após entrar em contato com a substância. O veredito saiu em 2018 – ano em que a Monsanto foi comprada pela Bayer.   

Censura é respondida com ciência

Menos de um mês após divulgar o resultado do seu experimento, Mônica Lopes Ferreira recebeu um comunicado do Comitê de Ética Animal do Butantan dando conta de que ela estaria suspensa por seis meses sem direito de defesa – o que implicaria em não tocar mais os seus projetos. A justificativa foi a de que a cientista não teria submetido o experimento ao comitê, o que seria proibido. 

Segundo Ferreira, porém, não havia necessidade de submissão naquele caso porque o trabalho não havia envolvido animais, mas, sim, embriões com até 96 horas após a fertilização. “Só pode ser considerado animal a partir de 120 horas após a fertilização”, explica. 

A cientista conseguiu reverter a decisão do comitê por meio de uma liminar na Justiça. Mas outros fatos ocorreram na sequência, como o cancelamento de convites para determinados eventos, a perda do cargo de diretora do Laboratório Especial de Toxicologia Aplicada do Butantan e a abertura de um procedimento administrativo pelo instituto,  vinculado à secretaria estadual da Saúde de São Paulo.

Trecho da liminar.

A pesquisadora afirma que “a única forma que conhece de se manifestar é produzindo ciência”. Por isso, decidiu fazer, com a colaboração de oito colegas do Butantan, uma revisão sistemática de dezenas de estudos publicados por cientistas e produzidos a partir de 27 instituições públicas brasileiras que revelam os impactos dos agrotóxicos na saúde humana. O trabalho, intitulado “Os impactos dos agrotóxicos na saúde humana nos últimos seis anos no Brasil” foi publicado em março deste ano no International Journal of Environmental Research and Public Health – uma revista científica de pesquisa ambiental e saúde pública, de acesso aberto e revisada por pares. O artigo se debruça sobre 51 estudos que foram publicados em revistas científicas.

“A revisão é para dizer que é possível trabalhar com agrotóxicos dentro das instituições brasileiras, não há problema nisso. Nós não podemos ser perseguidos, precisamos ter liberdade para trabalhar com temas tão importantes para o Brasil”, explica Ferreira.

A cientista e seus colegas identificaram inicialmente 4.141 artigos produzidos no Brasil. Mas alguns critérios de corte foram estabelecidos para reduzir o número de pesquisas que seriam revisadas. Um deles foi o tempo de publicação, de 2015 a 2021. “Escolhi publicações dos últimos seis anos, quando houve uma avalanche de agrotóxicos sendo liberados.” 

Os artigos foram coletados das bases de dados PubMed, Scopus, Scielo e Web of Science. As buscas foram feitas por meio de palavras-chave como “pesticidas”, “humanos” e “Brasil”. No primeiro filtro, 381 artigos duplicados foram excluídos. Na sequência, dois revisores fizeram um estudo duplo-cego (quando os autores não sabem quem são os revisores) e selecionaram, de forma independente, títulos, termos de indexação e resumos para identificar artigos relevantes para possível inclusão. As discrepâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. 

Em uma segunda rodada de seleção, os artigos foram lidos de forma independente por dois revisores que usaram como critérios de inclusão pesquisas desenvolvidas no Brasil envolvendo agrotóxicos, artigos em inglês ou português e pesquisas envolvendo estudos diretos em humanos ou células humanas expostas a pesticidas, incluindo relatos de casos. Os artigos que não se enquadraram nesses critérios foram excluídos.

A partir daí, foram revisados estudos de caso e dados transversais e experimentais de relatos de intoxicação em humanos em decorrência de causas ocupacionais, ambientais e acidentais. Os estudos experimentais correspondem a 76,5% dos trabalhos revisados. Além de Ferreira, assinam a revisão Adolfo Luis Almeida Maleski, Leticia Balan Lima, Jefferson Thiago Gonçalves Bernardo, Lucas Marques Hipolito, Ana Carolina Seni-Silva, João Batista-Filho, Maria Alice Pimentel Falcão e Carla Lima.

A maior parte dos estudos selecionados pela revisão são de áreas que concentram a produção de commodities agrícolas, sendo quase metade deles do Sul (46%) e 28% do Sudeste. 

Um dos apontamentos feitos pela revisão é de que os agrotóxicos não são usados apenas em culturas como a soja, o milho e o tabaco, mas estão presentes em várias outras como laranja, café, flores, banana, uva, ameixa, tomate, caqui, maçã, pêssego, morango, kiwi e vegetais.

Os agrotóxicos mais citados nos estudos foram inseticidas, herbicidas e fungicidas. Os artigos revelam mais de 20 efeitos decorrentes da exposição aos agroquímicos

Os agrotóxicos mais citados nos estudos foram inseticidas, herbicidas e fungicidas. Os artigos revelam mais de 20 efeitos decorrentes da exposição aos agroquímicos, indo desde reações agudas na pele e no sistema respiratório até doenças crônicas, incluindo anormalidades hematológicas (fatores de coagulação), infertilidade, abortos espontâneos, malformações fetais, doenças neurológicas e câncer. Mecanismos subjacentes a esses efeitos, como ações genotóxicas (alteração do DNA), neurotóxicas (nas terminações nervosas) e desreguladoras do sistema endócrino também foram detectados pelos cientistas brasileiros.

Além de apontar que o uso de agrotóxicos na agricultura está diretamente ligado à saúde humana, Mônica Ferreira e seus colegas esperam que os resultados dos artigos possam ajudar a “direcionar políticas de redução do uso dos produtos químicos e de proteção à saúde da população”. 

cientista tabela


compass black

Este texto foi originalmente publicado pelo “O Joio e o Trigo” [Aqui!].

Juventude do MST ocupa sede brasileira da Bayer para protestar contra a venda de agrotóxicos banidos no Brasil

wp-1654865342231

Na manhã desta sexta (10), a Juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a sede da multinacional alemã Bayer em Jacareí (SP). Ali  100 jovens “escracharam” a empresa que é uma das líderes mundiais  na produção de agrotóxicos. Nessa atividade os jovens do MST lembraram que a Bayer exporta para o Brasil substâncias que são proibidas em boa parte do mundo.

Enquanto os lucros da Bayer aumentam, no Brasil,  1 pessoa morre de envenenamento por agrotóxico a cada 2 dias,  e cerca de 20% dessas mortes são de  crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Paralelamente, no último período, o governo Bolsonaro liberou 1.682 agrotóxicos. 

Os jovens presentes nesta ação de protesto também lembraram que segue em trâmite no senado o  PL 6299/2002 que é mais conhecido como o  “Pacote do veneno.”  A medida traz duras alterações na legislação vigente, facilitando a venda e uso de substâncias altamente tóxicas para a vida humana e para a natureza, inclusive que são sabidamente causadoras de câncer.

Agência reguladora da União Europeia descartou evidências científicas ligando o glifosato à câncer em roedores

A avaliação positiva da Agência Química Europeia para a venda continuada da substância é falha, dizem ativistas ambientais

glifosato milharal

Um agricultor francês pulverizando herbicida glifosato em um milharal. Fotografia: Jean-François Monier/AFP/Getty Images

Por Arthur Neslen para o “The Guardian”

Oficiais técnicos da União Europeia (UE) descartaram as principais evidências científicas que ligam o glifosato a tumores de roedores em uma avaliação positiva que deram para as vendas contínuas da substância na semana passada, de acordo com um novo relatório de ativistas ambientais.

O glifosato é o herbicida mais usado no mundo e seu relicenciamento na UE se tornou um marco em uma batalha mais ampla entre ambientalistas e agronegócios sobre o futuro da agricultura.

Um estudo separado na semana passada descobriu que o glifosato estava prejudicando seriamente a capacidade das abelhas selvagens de regular a temperatura das colônias.

Enquanto isso, o relatório das ONGs diz que a avaliação da Agência Química Europeia (Echa) contém “graves deficiências científicas que questionam sua objetividade científica”, por causa de uma suposta rejeição dos resultados de 10 dos 11 estudos que ligam o ingrediente herbicida ao tumor formações.

O Dr. Peter Clausing, co-autor do relatório, disse: “Os animais expostos ao glifosato desenvolveram tumores com incidências significativamente maiores em comparação com o grupo controle não exposto – um efeito considerado como evidência de carcinogenicidade pelas diretrizes internacionais e europeias.

“No entanto, os avaliadores de risco da UE descartaram todos os achados do tumor de sua análise, concluindo que todos ocorreram por acaso e que nenhum deles estava realmente relacionado à exposição ao glifosato”.

Sete dos estudos em animais são apoiados por dados históricos de controle, e cinco deles mostram que camundongos e ratos desenvolveram mais de um tipo de tumor, diz o relatório. Em quatro dos estudos com roedores, o número de tumores aumentou à medida que a dose de glifosato aumentou, acrescenta.

Linfomas malignos, tumores renais e hepáticos e ceratoacantomas de pele foram encontrados nos estudos, disse o professor Christopher Portier, especialista cuja análise informou o novo relatório da Health and Environment Alliance.

“O glifosato alimenta o câncer”, disse Portier, especialista convidado do painel da Organização Mundial da Saúde (OMS) que descobriu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno para humanos” em 2015.

“Não importa como você olhe, há evidências mais do que suficientes de carcinogenicidade, e essas evidências atendem aos critérios para classificar o glifosato como uma substância com potencial carcinogênico para humanos”, disse ele.

A decisão da Echa de não aplicar nem mesmo uma classificação de carcinogenicidade secundária – usada onde as evidências são limitadas – foi “incompreensível”, disse o relatório.

A última revisão da Echa seguiu de perto as recomendações feitas por um “Grupo de Avaliação do Glifosato ” composto por especialistas de quatro países – França, Holanda, Hungria e Suécia.

O parecer completo do comitê de avaliação de risco (RAC) da Echa, que prepara o cenário para uma decisão mais definitiva da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (Efsa) no próximo ano, será publicado em meados de agosto.

Mas um resumo online conclui que “não se justifica” classificar o glifosato como cancerígeno, embora seja tóxico para a vida aquática e cause sérios danos aos olhos.

A agência de produtos químicos diz que seu RAC produziu uma “revisão completa e completa” de todos os estudos relevantes, incluindo os artigos que encontraram tumores em camundongos e ratos.

Um porta-voz da Echa disse: “Os resultados dos estudos realizados com o glifosato não foram descartados, mas não foi estabelecida uma relação causal entre a exposição à substância e a incidência de tumores observados”.

Vários reguladores contestaram a descoberta de carcinogenicidade da OMS para o glifosato, incluindo a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar da UE e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA .

O glifosato foi originalmente desenvolvido pela empresa de agronegócios americana Monsanto, que foi vendida para a gigante química alemã Bayer por US$ 63 bilhões (£ 50 bilhões) em 2018.

Esse acordo levou a Bayer a pagar a conta de uma série de disputas judiciais em andamento sobre as supostas ligações do glifosato com o linfoma não-Hodgkin. Nos dois anos e meio após a Monsanto perder seu primeiro processo judicial nos EUA sobre o pesticida RoundUp, a participação da Bayer caiu 45% . O Wall Street Journal descreveu a aquisição como “um dos piores negócios corporativos” dos últimos tempos.

Utz Klages, porta-voz da Bayer , saudou a avaliação da Echa, observando que também não classificou o glifosato como tendo toxicidade para órgãos-alvo específicos, ou como sendo uma substância mutagênica ou reprotóxica.

Ele disse: “Continuamos convencidos de que temos uma forte base científica para uma aprovação renovada do glifosato, que continuaria a fornecer aos agricultores e usuários profissionais uma tecnologia importante em uma abordagem integrada de manejo de ervas daninhas.

“Os herbicidas à base de glifosato desempenham e continuarão a desempenhar um papel importante na agricultura sustentável e no portfólio de produtos da Bayer.”

A atenção no debate do glifosato na Europa agora mudará para a próxima avaliação da Efsa do produto químico, que disse na semana passada que seria publicada em julho de 2023, um ano depois do planejado.

A UE deve decidir se deve relicenciar o produto até 15 de dezembro de 2022 , embora também seja possível uma extensão temporária da licença existente.


compass black

Este texto foi escrito inicialmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian”  [Aqui!].

Um brinde ao glifosato

Críticas à decisão da Agência de Produtos Químicos da União Europeia (UE) de classificar o herbicida da Bayer/Monsanto como »não cancerígenos«

beck´s

Um gole da garrafa nem sempre é fácil de digerir, especialmente quando vem “batizada” com glifosato

Por Ralf Wurzbacher para o JungeWelt

A lista é longa: glifosato em frutas, legumes, pão, queijo, mostarda e massas. Não importa o que esteja na mesa, quase nunca falta uma porção extra deste herbicida. Não é realmente novidade: a substância tóxica também é encontrada na cerveja alemã, como a revista de consumo Öko-Test mais uma vez relatou em sua edição de junho. Doze das 50 Pilseners examinadas continham vestígios de glifosato, incluindo gigantes da indústria como Beck’s, Flensburger, Krombacher e Jever. Porque as quantidades não ultrapassam os valores máximos permitidos na União Europeia, os candidatos passaram a linha de chegada com o rótulo “recomendado”. Bem, então aplausos!

A Coordenação Contra os Perigos da Bayer (CBG) também lista a última decisão da Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) como uma “decisão flagrantemente errada” de classificar o agrotóxico como não cancerígeno “apesar das evidências esmagadoras”. No início da semana passada, a autoridade anunciou que manteria sua posição anterior “após uma revisão abrangente das descobertas científicas”. Segundo o estudo, o herbicida de amplo espectro pode causar sérios danos aos olhos e prejudicar a vida aquática, mas não é cancerígeno. Ao fazê-lo, a ECHA mais uma vez “desconsiderou a classificação da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde OMS, que certificou o medicamento em 2015 como ‘provavelmente cancerígeno para humanos'”.

A avaliação da agência é considerada inovadora no processo contínuo de avaliação de risco para o ingrediente ativo de controle de pragas vendido pela subsidiária da Bayer, a Monsanto. A aprovação, concedida pela última vez em 2017, termina em 15 de dezembro de 2021. Há muitas indicações de que a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) e a Comissão Europeia seguirão a votação da ECHA e recomendarão que os estados membros permitam o uso da toxina vegetal por mais cinco anos. Já em meados de maio, a Comissão indicou que a aprovação existente seria prorrogada até o outono de 2023 devido ao extenso procedimento de teste. “Como resultado do adiamento, a Bayer agora pode revender um pesticida com status incerto por cerca de um ano e, assim, embolsar mais um milhão de euros”, destacou Stelzmann.

A aliança europeia “Ban-Glyphosate” expressou fortes críticas aos eventos da semana passada. “Mais uma vez, a ECHA confiou unilateralmente em estudos e argumentos da indústria”, afirmou em comunicado. Uma meta-análise recente do Instituto de Pesquisa do Câncer de Viena de 35 estudos relacionados a negócios classificou “apenas dois como confiáveis” e 18 como “não confiáveis” devido a desvios significativos das diretrizes de teste aplicáveis. Além disso, a ECHA tratou apenas da substância ativa, mas não do produto final da Monsanto/Bayer, o “Roundup”. Este contém uma variedade de ingredientes com alto potencial de risco na opinião de muitos cientistas.

Isso inclui o bioquímico Helmut Burtscher-Schaden, da organização austríaca de proteção ambiental Global 2000. É muito alarmante ver a ECHA repetir o seu “erro” de há cinco anos. Para julgar dessa maneira, era preciso “ignorar ou descartar achados tumorais significativos em cinco estudos de carcinogenicidade em camundongos e outros tantos em ratos”, disse ele na quarta-feira passada. “Isso só é possível se você violar as diretrizes relevantes e os regulamentos aplicáveis ​​da UE.”


compass black

Este texto foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo jornal “JungeWelt” [Aqui!].

Bayer segue lucrando muito, graças à alta demanda por glifosato

Novo balanço anual do Grupo Bayer: aumento de vendas, bilhões em lucros com produtos tóxicos e prejudiciais ao clima

bayerConsequências fatais para o meio ambiente: o herbicida da Bayer é um verdadeiro matador de abelhas. Foto: Steffen Schellhorn/epd/imago

Por Jan Pehrke para o “JungeWelt”

“O ano financeiro de 2021 foi operacional e estrategicamente bem-sucedido”, anunciou o Bayer Group na terça-feira. As vendas aumentaram 8,9% para 44 bilhões de euros. No entanto, em onze bilhões de euros, um pouco menos do que no ano anterior permaneceu. A empresa culpou “custos de produção mais altos e efeitos cambiais negativos significativos”.

No setor farmacêutico, o anticoagulante Xarelto, que representou mais de dez por cento das vendas totais de 4,7 bilhões de euros, e o medicamento para os olhos Eylea garantiram que as caixas estivessem cheias. Graças ao SARS-CoV-2, a divisão de produtos sem receita também teve um bom desempenho. A multinacional Leverkusen tinha apenas algumas pílulas coloridas para oferecer aqui, mas aparentemente isso era suficiente. “O aumento do foco na saúde e prevenção em conexão com a pandemia de COVID-19 levou a um aumento significativo da demanda, especialmente na categoria de suplementos nutricionais”, explicou o grupo. No entanto, a liderança espera poder se beneficiar  do coronavírus de uma maneira muito mais abrangente.

A corporação global está apostando nas vacinas de mRNA abrindo as portas para seus métodos de tratamento de engenharia genética, que até agora sofreram com problemas de aceitação. “Se tivéssemos feito uma pesquisa pública há dois anos e perguntado quem estava disposto a fazer terapia genética ou celular e injetá-la em seus corpos, provavelmente 95% das pessoas teriam dito não. Essa pandemia abriu os olhos de muitas pessoas para inovações de uma maneira que não era possível antes”, regozijou-se recentemente o chefe farmacêutico da Bayer, Stefan Oelrich, na “Cúpula Mundial da Saúde” em 24 de outubro de 2021.

A  Bayer também registrou receita adicional no segmento agrícola. Aqui registou um volume de negócios total de 20 mil milhões de euros. “No caso dos herbicidas, os aumentos de preços dos produtos que contêm glifosato tiveram um efeito particularmente positivo”, informa a empresa. O componente controverso dos chamados herbicidas compõe a maior parte dos 5,3 bilhões de euros que esses fundos arrecadaram no total. A escassez de oferta forçou os agricultores a gastar mais dinheiro no produto. Por um lado, o furacão Ida paralisou a produção nos locais de Luling e Soda Springs por cerca de seis semanas e, por outro lado, menos glifosato veio da China. Normas ambientais mais rígidas – além de tudo, o herbicida z. B. um verdadeiro assassino de abelhas – levou a um estrangulamento da produção.

A empresa ainda não encerrou o caso do glifosato seis anos após o primeiro processo. Segundo ele, ainda estão pendentes acordos com 31 mil vítimas.  A Bayer não apenas se recusa a compensar os afetados e remediar os danos ambientais, mas continua a bombear o agente tóxico e prejudicial ao clima no mercado mundial porque traz bilhões em lucros”, comentou a “Coordenação contra os Perigos da Bayer” no balanço anual.

A gigante do agro vê “evoluções encorajadoras” na disputa legal. Caso contrário, a gerência pensa que está tudo bem. “Progresso em nossas metas de sustentabilidade” anunciou o CEO Werner Baumann. De fato, as emissões de gases de efeito estufa caíram 11,5%, para 3,17 milhões de toneladas. Mas é provável que a paralisação de seis semanas na produção de glifosato tenha contribuído pelo menos tanto quanto o aumento da compra de eletricidade de fontes renováveis ​​de energia. Além disso, um maior uso de energia primária e a maior dependência do carvão arruínam o equilíbrio climático. A multinacional também poluiu o meio ambiente em outras áreas. Produziu mais esgoto, mais lixo tóxico, mais monóxido de carbono e mais fósforo. Mas os mercados financeiros não estão interessados ​​nesses números.

color compass

Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo JungeWelt [Aqui!].

Extinction Rebellion faz manifestação na sede da Bayer para protestar contra práticas comerciais da empresa

Grupo Bayer Monsanto é um dos maiores criminosos ambientais do mundo, criticaram os ativistas

Xr BayerO slogan “Rebel for Life” é baseado no slogan da Bayer “Science for a Better Life”. Foto: nd/Louisa Theresa Braun

Por Louisa Theresa Brown para o Neues Deutschland

Um grupo de cerca de 15 pessoas atravessou a Müllerstrasse na esquina da Fennstrasse em Wedding na manhã de sexta-feira, quando o sinal verde ficou verde. Quando a luz ficou vermelha, eles pararam ao longo de toda a pista e estenderam faixas que diziam “rebelião animal” e “Não há planeta B”. Um caminhão e vários carros pararam bem na frente deles e buzinaram, mas a rua continuou bloqueada e o tráfego começou a diminuir.

Cerca de 35 ativistas do movimento ambientalista Extinction Rebellion estão bloqueando a entrada do gigante químico Bayer Monsanto em Berlin-Wedding desde as 8h, bem como a rua em frente. O tráfego é bloqueado na Müllerstrasse. Esquina da Fennstr.! PROTEÇÃO DE ESPÉCIES AGORA! #WHES22 #voranbringen
 

A poucos metros da Müllerstrasse, em frente à estação de metrô Reinickendorfer Strasse, outros ativistas do movimento de proteção ambiental Extinction Rebellion (XR) já ocuparam a entrada da sede da empresa química Bayer Monsanto. Cinco deles escalaram a fachada do prédio ecologicamente correto pintado em verde, enquanto tinta de uranina, sinais amarelos com símbolos de perigo químico e abelhas “mortas” de madeira estão espalhadas na neve. A Bayer Monsanto é um dos maiores criminosos ambientais do mundo. Estamos perdendo milhões de espécies de insetos por meio dos negócios de corporações como a Bayer”, disse Annemarie Botzki, da equipe de imprensa da XR.

A Bayer, empresa com sede em Leverkusen, que assumiu o controle do grupo norte-americano Monsanto em 2016, é uma das maiores fabricantes do herbicida glifosato, o chamado herbicida total, conhecido sob o nome de “Roundup”. Ele mata todas as plantas que não foram geneticamente modificadas e são usadas principalmente na agricultura industrial – embora seja extremamente prejudicial ao solo, à água, aos animais e às pessoas. Nos EUA, milhares de pessoas que atribuem o câncer ao contato com o Roundup já estão processando a empresa. “A Bayer Monsanto ganha dinheiro destruindo o solo e espécies moribundas”, diz a ativista da XR Judith . Ela mora ao virar da esquina “e eu me aborreço com essa empresa de merda todos os dias”.

Com a campanha, a XR está exigindo um programa imediato de proteção de espécies do novo governo federal. “O governo tem a responsabilidade de parar as corporações que estão destruindo nossos meios de subsistência. Isso inclui a proibição do glifosato”, diz Annemarie Botzki. O Ministro Federal da Agricultura Cem Özdemir (Verdes) deve impulsionar isso a nível europeu. Este ano, a UE quer decidir se o glifosato pode continuar a ser usado. A licença atual expira em dezembro de 2022. De acordo com o relatório das Nações Unidas sobre diversidade biológica, a Alemanha já perdeu cada uma das metas de biodiversidade estabelecidas para 2020.

“É um sinal de um sistema quebrado. A biodiversidade é nosso sustento”, diz Judith. No entanto, ela enfatiza que os funcionários da Bayer não devem ser acusados ​​disso e pede ao governo de Berlim que crie outros empregos para que os trabalhadores não tenham que ganhar a vida com um poluidor ambiental. No entanto, um palestrante pediu aos funcionários da empresa que “olhassem para a verdade”.

O bloqueio da rua já foi liberado pela polícia, e todos os cerca de 40 ativistas agora se reuniram em frente à entrada da Bayer e afundam no chão coberto de neve para “morrer”. Ao se fingirem de mortos, eles querem chamar a atenção para o fato de que “primeiro os animais morrem, depois os ecossistemas e depois nós humanos também”, disse o ativista XR ao microfone. “Por favor, saia deste sistema!” ele grita. Embora o protesto não tenha sido registrado, a polícia o aprovou como um encontro político. Os ativistas, alguns deles fantasiados de abelhas e outros animais, agora estão dançando a música dos Bee Gees “Stayin’ Alive” e “Your fault” dos “The Doctors”.

@XRBerlin   bloqueou a @BayerMonsanto em #Berlin hoje para chamar a atenção para o #Artensterben e a destruição do nosso #Ökosystem |e. Os ativistas pedem um programa #Artenschutz e uma proibição #Glyphosat

A ativista XR Cléo Mieulet chama então a atenção para as desvantagens de outros produtos da Bayer Monsanto. Por exemplo, o fato das sementes híbridas serem geneticamente modificadas de tal forma que os agricultores não podem mais reproduzi-las. “Então, isso os torna dependentes da corporação”, disse ela. Além disso, seriam produzidos agrotóxicos que já são proibidos na União Europeia, mas são exportados para países do Sul Global. Essas exportações deveriam ser proibidas, assim como o glifosato.

Um exemplo é o México, que proibiu o uso do herbicida a partir de 2024. A Bayer quer tomar medidas contra isso tendo como desculpa o livre comércio, porque senão perderia um de seus mercados mais importantes. “O ganho da Bayer Monsanto é a nossa perda”, diz Mieulet. No entanto, a reviravolta agrícola ainda é possível, mas precisa de mão de obra qualificada, transformação do mercado de trabalho e “uma política com espinha dorsal que assuma a associação de agricultores e a Bayer Monsanto”. A Extinction Rebellion quer continuar pressionando por isso.

Mas a política de Berlim deve finalmente agir, exige a porta-voz da XR, Annemarie Botzki. “O governo continua a construir rodovias, mas não consegue encontrar uma resposta sobre como nossos meios de subsistência, como solo e água saudáveis, podem ser protegidos”, diz ela. Botzki conta com o conselho de cidadãos climáticos, que o Senado vermelho-verde-vermelho quer convocar de acordo com seu acordo de coalizão. Aqui, o resgate dos ecossistemas para proteção do clima deve ser considerado.

Depois de três horas, por volta das 11h, a XR encerrou a ação de protesto na sexta-feira. Apenas os ativistas que tomaram conta da sacada se colocaram lá, mas foram pressionados ​​pela polícia para sair. Duas pessoas que se recusaram a fornecer seus dados pessoais foram presas. Entretanto, a Extinction Rebellion classificou a ação de alto perfil contra a extinção de espécies como um sucesso.

color compass

Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal “Neues Deutschland”  [Aqui!].

Agrotóxicos na Europa: maioria de estudos de herbicidas dados aos reguladores da UE não são cientificamente ‘confiáveis’

herbicidesGarrafas de Roundup são vistas em uma loja de jardinagem em Lille, França. Fotografia: Philippe Huguen / AFP / Getty Images

Por Carey Gillam para o “The Guardian”

Apenas dois de um grupo de 11 estudos da indústria dados aos reguladores europeus em apoio à reaprovação do ingrediente principal do herbicida Roundup são cientificamente “confiáveis”, de acordo com uma nova análise de estudos apoiados por corporações sobre o glifosato químico.

O glifosato é o herbicida mais amplamente usado no mundo e não é apenas o ingrediente principal do herbicida Roundup, mas também em centenas de outros produtos. É amplamente utilizado por agricultores no cultivo de culturas alimentares comuns.

Em um relatório divulgado na sexta-feira, pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Câncer da Universidade Médica de Viena, na Áustria, disseram que a revisão de um conjunto de estudos de segurança submetidos aos reguladores da União Europeia (UE) pela Bayer AG e uma coalizão de outras empresas químicas mostrou que a grande maioria não atendem aos padrões internacionais atuais de validade científica.

Enquanto dois dos estudos corporativos foram considerados confiáveis, seis foram considerados parcialmente confiáveis ​​e três não eram confiáveis, de acordo com o relatório.

Os estudos “confiáveis” foram de 2016 e 2020 e ambos foram patrocinados pela Monsanto , o detentor da patente original do glifosato e fabricante do Roundup. Aqueles considerados não confiáveis ​​foram feitos há mais de uma década: dois foram patrocinados pela antiga DuPont Co e um pela empresa de biotecnologia vegetal Verdia Inc.

Os estudos corporativos analisados ​​no relatório dizem respeito às propriedades genotóxicas do glifosato. As empresas afirmam que o glifosato não é genotóxico, o que significa que não causa danos ao DNA, um fator bem conhecido no desenvolvimento do câncer.

Mas Siegfried Knasmueller, o principal autor do relatório, disse ao The Guardian que não apenas a maioria dos estudos carece de qualidade, mas que a pesquisa da indústria não inclui novos e “provavelmente melhores testes para a detecção de carcinógenos genotóxicos”. Ele disse que há evidências em pesquisas publicadas de que o glifosato pode causar danos ao DNA em células hepáticas de origem humana.

Afirmou que embora vários estudos do setor estivessem “corretos do ponto de vista metodológico no momento em que foram realizados”, “não estão de acordo com a estratégia atual”.

Em julho, Knasmueller escreveu um relatório semelhante analisando 53 estudos com glifosato submetidos aos reguladores.

O novo relatório alegando falhas nos estudos corporativos do glifosato chega em um momento crítico, pois a Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA) e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) estão avaliando se renovam ou não a licença do glifosato na UE quando a aprovação atual expirar 15 de dezembro de 2022.

Em agosto, autoridades da França, Hungria, Holanda e Suécia avaliaram a questão da renovação com um relatório preliminar concluindo que o glifosato não é cancerígeno.

A ECHA e a EFSA permitiram que outras “partes interessadas” consultassem sobre a questão da renovação até 22 de novembro. A análise de Knasmueller, solicitada pelo grupo de defesa sem fins lucrativos SumOfUs, foi apresentada como parte dessa consulta.

Um porta-voz da ECHA recusou-se a comentar o relatório Knasmueller. A agência disse que iria “desenvolver sua opinião” sobre a classificação do glifosato até junho. Um porta-voz da EFSA disse que o relatório Knasmueller seria considerado juntamente com todos os outros comentários enviados como parte da consulta.

A Bayer, o registrante principal para o pedido de renovação europeu, também não fez comentários sobre o relatório.

Dois cientistas independentes questionados sobre o relatório de Knasmuller disseram que não é surpreendente que estudos feitos anos atrás possam não atender às diretrizes atuais, mas isso seria verdade tanto para estudos independentes quanto para estudos corporativos. Eles também disseram que tais estudos não deveriam ser necessariamente ignorados.

Nos últimos anos, tem havido um acalorado debate global sobre se os herbicidas de glifosato, como o Roundup, devem ou não ser restritos ou proibidos, porque algumas pesquisas científicas mostram que a exposição ao herbicida causa problemas de saúde.

Em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer da Organização Mundial da Saúde apontou vários estudos de pesquisa independentes ao concluir que havia fortes evidências de genotoxicidade com o herbicida e que o glifosato deveria ser considerado um provável carcinógeno humano .

A Bayer, que comprou o fabricante do Roundup Monsanto em 2018, nega que haja qualquer evidência válida de que os herbicidas causem câncer. Mas a empresa concordou em pagar cerca de US $ 14 bilhões para resolver litígios nos EUA movidos por mais de 100.000 usuários do Roundup, alegando que a exposição ao herbicida os levou a desenvolver linfoma não-Hodgkin. A Bayer também concordou em interromper a venda de glifosato aos consumidores norte-americanos até 2023.

O relatório de Knasmueller e seu colega Armen Nersesyan ressalta as crescentes preocupações sobre uma história de dependência regulatória das corporações para fornecer estudos de segurança sobre os produtos químicos que estão fabricando e vendendo. Um novo sistema deve ser desenvolvido para eliminar o preconceito corporativo que poderia influenciar os resultados, dizem muitos cientistas.

“O governo não deve depender de estudos do setor”, disse Peter Infante, ex-epidemiologista sênior e diretor do escritório de identificação e classificação de carcinógenos da Administração de Segurança e Saúde Ocupacional dos Estados Unidos. “Se a indústria quiser fazer estudos, ela deve colocar o dinheiro em um pool e distribuí-lo a cientistas independentes que não tenham conflito de interesses. É assim que deve ser. ”

blue compass

Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].