Havan chega em uma planície marcada pela fome, e tem quem celebre

Wladimir recebe diretor da Havan e anuncia que obras do mega empreendimento  iniciam em breve - Campos 24 Horas | Seu Jornal Online.

O prefeito Wladimir Garotinho dando boas vindas a Nilton Hang que promete para “breve” a instalação de uma estátua da liberdade na planície goitacá

Tive o desprazer de assistir um vídeo em que o prefeito de Campos dos Goytacazes “faz sala” para Nilton Hang, diretor de expansão da famigerada Havan. O prefeito apresenta a chegada da Havan como uma confirmação de que em se trabalhando, a coisa vai.

Mas o que é e o que vende a Havan? A Havan é uma rede de lojas de departamento brasileiras que vende uma vasta gama de produtos nacionais e importados no varejo e atacado, incluindo vestuário, eletrodomésticos, eletrônicos, utilidades domésticas, móveis, brinquedos e alimentos, muitas delas produzidas pelo setor de produtos menos qualificados das corporações chinesas. Além disso, a Havan se notabilizou por suas grandes lojas terem fachadas inspiradas na feiosa arquitetura americana e por colocar réplicas horrorosas da Estátua da Liberdade no interior dos seus estacionamentos.

Em outras palavras, a Havan é uma dessas combinações estereotipadas que, por um lado, vende os valores morais de um potência decadente (os EUA), enquanto entrega produtos de segunda linha produzidos pela potência emergente (a China).

Eu diria que até aí ainda vá lá, pois quem quiser comprar produtos ruins por preços caros que compre. O problema é que essa chegada e a promessa minguada de empregos como se fossem grande coisa se dá em uma cidade em que uma parcela significativa, cerca de 150 mil cidadãos segundo dados da própria prefeitura, vive abaixo da linha da pobreza, e precisa encarar a fome diariamente, não como exceção, mas como regra.

Em outras palavras, a chegada da Havan não resolverá problemas cruciais, e ainda pode piorar outros, pois toda vez que uma grande loja de departamentos chega em algum lugar, centenas de pequenos estabelecimentos são fechados por não terem como concorrer.

A hegemonia política do agronegócio e o desmanche das leis ambientais transformaram o RS no epicentro da crise climática global

havan lajeado

Com a estátua da liverdade como testemunha, loja da rede Havan, construída na área de preservação permanente do Rio Taquari, é tomada pelas águas no município de Lajeado.

Não há quem assista às cenas das inundações causadas pelas intensas chuvas que se abatem no Rio Grande do Sul sem se chocar com a dimensão da catástrofe que se abate sobre centenas de municípios e milhões de gaúchos.  O maior problema é que esse evento climático extremo atual ainda deverá se estender por, pelo menos, mais uma semana com volumes de chuvas esperados na mesma escala do que já se assiste agora.

Para quem duvidava da ocorrência das mudanças climáticas com algum grau de sinceridade, bastará agora olhar para as cenas de devastação causadas pelas chuvas extremas para entender que vivemos um período em que a alteração da dinâmica atmosférica ainda causará muitas perdas de vidas, estruturas materiais e recursos naturais.  O pior é que toda essa situação já vem sendo alertada pela comunidade científica global, especialmente aqueles que estudam o clima. Para quem desejar entender como esses eventos extremos estão sendo criados, recomendo a leitura do livro “Angry Weather” da física e filósofa alemã Friederike Otto cujo grupo de pesquisas criou uma ferramenta para estimar como a clima afeta a ocorrência e a magnitude de eventos meteorológicos.

Mas se já se sabe o que está acontecendo com o clima da Terra e quais são as suas repercussões em termos das alterações das escalas de eventos meteorológicos, como pode ser possível que continuemos a parecer tão despreparados e facilmente surpreendidos quando algo como o que está acontecendo no Rio Grande do Sul neste momento?

As explicações para esse aparente despreparo não são assim tão difíceis de serem encontradas. No caso do Brasil como um todo, o que se vê é a inexistência objetiva de uma plataforma que guie ações governamentais e que estejam distribuídas no tempo e no espaço, abrangendo a participação das 3 esferas de governo (i.e., municipal, estadual e governamental). Até o momento, as análises sobre o grau de preparação para o necessário processo de adaptação climática mostram que o Brasil está muito atrasado na adoção de medidas básicas para ajustar a vida dos brasileiros ao “novo normal climático”.

A crise do RS é aprofundada pela hegemonia do (o)gronegócio bolsonarista

Uma coisa que não pode ser esquecida é que nas últimas décadas houve um avanço da agenda comandada pelo latifúndio agro-exportador no RS, o que foi agravado pela adesão dos grandes fazendeiros ao negacionismo climático, o que foi fortemente aprofundado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A hegemonia do (o) gronegócio também tem sido fortalecido no plano estadual por governos de natureza neoliberal que trataram de desmontar as estruturas que existiam para garantir a regulação ambiental no RS. Essa hegemonia também ficou ainda mais forte na Assembleia Legislativa gaúcha, onde a legislação ambiental foi enfraquecida em vários aspectos para facilitar ainda mais as atividades dos grandes produtores rurais. 

Um exemplo recente de desmanche da legislação ambiental foi a aprovação e sanção do projeto de lei 151/2023, que alterou o Código Estadual do Meio Ambiente para permitir, entre outras coisas, intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APP) para fins de irrigação. Esse projeto foi facilmente aprovado na Assembleia Legislativa e rapidamente assinado pelo governador Eduardo Leite (PSDB), o mesmo que agora aparece para reclamar por mais apoio federal, especialmente em termos de recursos financeiros. E, pasmem, essa alteração foi sancionada no dia 9 de abril de 2024!

Há ainda que se falar que na esteira dessa hegemonia, os latifundiários gaúchos avançaram na destruição do bioma Pampa cujas áreas desmatadas, transformadas em monoculturas ou pastagens, estão agora sendo incapazes de cumprirem suas funções ecológicas, incluindo a capacidade de estocar águas das chuvas.

Assim, não há nada de natural na catástrofe que se abate sobre o RS, havendo responsáveis que podem ser facilmente identificados e responsabilizados. Aliás, quanto mais tempo se levar para que se faça o devido ajuste de contas, maiores continuarão a ser os impactos do tipo de evento climático extremo que se abate neste momento sobre a população gaúcha.

O RS como o epicentro da crise climática global

Oito meses depois, Muçum está embaixo d'água novamente; veja fotos | GZH

Para quem achava que a crise climática global ia dar suas caras em algum lugar bem longe do Brasil, sempre apresentado como “protegido por Deus e bonito por natureza”.  A verdade é que tudo indica, especialmente a partir das contribuições científicas do grupo de pesquisas liderado Friederike Otto, o nosso país será um dos epicentros da crise climática global, muito em função das grandes modificações que estão sendo causadas nos nossos biomas florestais por um latifúndio agro-exportador que não possui qualquer preocupação com a crise climática, cuja maioria de seus membros nega existir.

E dado o que vem acontecendo nos últimos anos, com alternância de secas e chuvas extremas, o RS se tornou o epicentro dentro do epicentro. É que no RS existem todos os elementos de sinergia que irão potencializar as repercussões desastrosas das mudanças climáticas. 

Somente uma mudança radical nas formas de gestão ambiental irão desacelerar a crise socioambiental que engole o RS neste momento.  Porém, antecipo que antes que algo possa começar a ser feito, há que se quebrar a hegemonia política do (o) ogronegócio e a remoção das políticas neoliberais que hoje tornam o meio ambiente uma presa fácil desse setor.

MPF pede afastamento da presidente do Iphan após fala de Bolsonaro sobre o órgão não “dar dor de cabeça”

Pedido se dá em ação popular para anular nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra por falta de qualificação técnica para o cargo

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O Ministério Público Federal (MPF) requereu, no âmbito da ação popular 5028551-32.2020.4.02.5101, o imediato afastamento, em caráter liminar, da atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, até o julgamento de mérito. O pedido se dá pelo surgimento de nova confissão do chefe do Poder Executivo, com prova vídeo documental, demonstrado o vício de finalidade na prática do ato administrativo.

Na última quarta-feira, 17, em evento realizado na Federação das Indústrias do Estado de São (Fiesp), o presidente Jair Bolsonaro confessou que a indicação para o Iphan tinha como finalidade “não dar dor de cabeça” para o governo. Segue a transcrição da fala do presidente que foi gravada e transmitida pelos meios de comunicação:

Também, há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com PH. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente [risos].”

Com o surgimento dessa nova prova video-documental, para o MPF, não há oposição de dúvida razoável sobre o desvio de finalidade na nomeação e posse da atual presidente do Iphan.

“No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de ‘não dar mais dor de cabeça’ para o Presidente da República e seu círculo de ‘pessoas conhecidas’”, analisa o MPF.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é uma das mais antigas instituições federais brasileiras, e tem por função precípua “promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional” (Lei Federal no 378/1937).

Ação popular

Em junho do ano passado, a Justiça concedeu liminar para suspender a nomeação de presidente do Iphan, após o MPF se posicionar, em ação popular, pela nulidade do ato administrativo por desvio de finalidade e falta de capacitação técnica. Além disso, o MPF apurou que o marido de Larissa, Gerson Dutra, teria integrado a equipe de segurança particular do Presidente da República durante a campanha eleitoral, o que indicaria possível desvio de finalidade na nomeação de pessoa não qualificada para a função pública. 

Larissa não atende os requisitos estabelecidos nos Decretos Federais 9.238/2017 e 9.727/2019, que exigem dos nomeados “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo”, e também experiência profissional mínima de cinco anos em atividades correlatas e título de mestre ou doutor na área de atuação.

Larissa Rodrigues Peixoto Dutra é graduada em Turismo e Hotelaria pelo Centro Universitário do Triângulo, e cursa atualmente pós-graduação lato sensu em MBA executivo em gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva, na Faculdade Unileya. Para o MPF, ela não possui formação acadêmica compatível com o exercício da função, uma vez que não obteve graduação em história, arqueologia, museologia, antropologia, artes ou outra área relacionada ao tombamento, conservação, enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional.

No entanto, contra a decisão liminar, os réus interpuseram os agravos de instrumento 5006698-41.2020.4.02.0000 e 5006708-85.2020.4.02.0000, os quais foram deferidos pela 8ª Turma Especializada do TRF2, em acórdão datado de 20 de outubro de 2021.

Confira o pedido do MPF em: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/docs/pr-rj/acao-popular-presidente-o-iphan-pedido-de-liminar/view 

Saiba mais em: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/mpf-pede-afastamento-da-presidente-do-iphan-apos-fala-de-bolsonaro-sobre-o-orgao-nao-201cdar-dor-de-cabeca201d/view