Carne bovina e couro contaminados da Amazônia podem ter sido exportados para a Uniao Europeia (UE)
(São Paulo, 15 de outubro de 2025) – A pecuária ilegal tem devastado os territórios de pequenos agricultores e povos indígenas no Pará, estado que sediará a COP30 deste ano, afirmou a Human Rights Watch em relatório divulgado hoje. A JBS, maior empresa de carnes do mundo, pode ter exportado para a União Europeia carne bovina e couros produzidos com gado proveniente de fazendas ilegais na região.
O relatório de 86 páginas intitulado ” Contaminado: A Exposição da JBS e da UE a Violações de Direitos Humanos e Desmatamento Ilegal no Pará, Brasil “ detalha como pecuaristas se apropriaram ilegalmente de terras e devastaram os meios de subsistência de moradores legais no assentamento Terra Nossa e na Terra Indígena Cachoeira Seca, afetando seus direitos à moradia, à terra e à cultura. A análise da Human Rights Watch de fontes oficiais mostra que fazendas ilegais nessas áreas vendiam gado a diversos fornecedores diretos da JBS.
“A JBS ainda não possui um sistema para rastrear seus fornecedores indiretos de gado, apesar de ter prometido que o implementaria já em 2011”, disse Luciana Téllez Chávez , pesquisadora sênior de meio ambiente da Human Rights Watch. “Sem ele, a empresa não pode cumprir seu compromisso de eliminar o desmatamento de suas terras.cadeia de mantimentosaté o final de 2025.”
Por meio da análise de autorizações de transporte de gado emitidas pelo governo do estado do Pará, a Human Rights Watch identificou cinco casos em que fazendas ilegais em Terra Nossa e Cachoeira Seca forneciam gado para fazendas fora dessas áreas protegidas e, posteriormente, essas fazendas vendiam gado para frigoríficos da JBS. As fazendas de gado investigadas nesses territórios são ilegais segundo a legislação federal brasileira.
A agência de reforma agrária do Brasil criou o assentamento rural Terra Nossa para pequenos agricultores em 2006. As famílias deveriam cultivar a terra, colher frutas e nozes da floresta tropical – que inicialmente constituía 80% do assentamento de 150.000 hectares – e vender seus produtos nos mercados locais.
No entanto, fazendeiros têm invadido ilegalmente a Terra Nossa. Eles têm retaliado violentamente contra aqueles que se opõem a eles. Em 2023, 45,3% do assentamento havia sido convertido em pasto.
A partir de 2016, a agência de reforma agrária realizou um levantamento do assentamento, encontrando 78,5% da área ocupada ilegalmente. No entanto, durante anos, não tomou medidas para remover as fazendas ilegais. A agência está considerando um plano para dividir o assentamento e revisar seu status, o que provavelmente perpetuaria a impunidade para criminosos ambientais.
Em Cachoeira Seca, o povo indígena Arara depende da floresta tropical em seu território de 733.000 hectares. O governo federal é legalmente obrigado a remover ocupantes não indígenas. Em vez disso, fazendeiros estabeleceram mais fazendas de gado ilegais, reduzindo assim a disponibilidade de caça e produtos florestais, restringindo a movimentação dos povos indígenas em seu próprio território e minando seus direitos culturais. Cachoeira Seca registrou a maior área desmatada em uma terra indígena na Amazônia brasileira em 2024.
A JBS não rastreia sistematicamente seus fornecedores indiretos e não pode garantir que gado contaminado não tenha entrado em seucadeia de mantimentos, afirmou a Human Rights Watch. Não há exigência federal para rastrear o gado individualmente enquanto ele se move pelas diversas fazendas no Brasil.
Em correspondência com a Human Rights Watch, a JBS afirmou que monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para garantir que cumpram sua política de compras. A empresa também declarou que, a partir de 1º de janeiro de 2026, será obrigatório que os fornecedores diretos forneçam informações sobre seus fornecedores.
O governo do Pará anunciou que estabelecerá um sistema individual de rastreabilidade de gado até 2026, e autoridades informaram à Human Rights Watch que, de forma geral, suspenderão a emissão de autorizações para movimentação de gado em florestas protegidas. O governo federal anunciou um plano para implementar um sistema nacional individual de rastreabilidade de gado até 2032. Dada a dinâmica transfronteiriça do comércio ilegal de gado, uma implementação lenta do sistema federal provavelmente sabotará o progresso, afirmou a Human Rights Watch.
Os países da UE devem aplicar o Regulamento de Produtos Livres de Desmatamento a partir de janeiro de 2026. A lei proibiria a comercialização de produtos bovinos no mercado da UE se fossem originários de terras desmatadas após 2020 ou se a produção violasse as leis nacionais do país de origem. Os legisladores da UE estão discutindo o adiamento da aplicação em um ano. Um atraso permitiria que commodities contaminadas continuassem a fluir para o mercado único e colocaria em questão o compromisso da UE em combater sua pegada global de desmatamento, afirmou a Human Rights Watch.
A Human Rights Watch analisou dados comerciais entre 2020 e 2025, descobrindo que Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Espanha e Suécia importaram carne bovina dos municípios que abrigam as instalações da JBS identificadas neste relatório, enquanto a Itália foi um importante destino para produtos de couro.
O governo brasileiro deve remover fazendas ilegais e buscar indenização contra os responsáveis pela ocupação e uso ilegal de terras nas comunidades afetadas. O governo federal também deve acelerar a implementação e a aplicação efetiva de um sistema de rastreabilidade do gado.
A JBS deve tomar medidas para remediar qualquer fraude fundiária, desmatamento ilegal ou abusos de direitos humanos aos quais a empresa possa ter contribuído – mesmo que involuntariamente – em Terra Nossa e Cachoeira Seca.
“Combater o desmatamento e as violações dos direitos humanos inerentes às cadeias de fornecimento de gado é uma responsabilidade compartilhada entre vendedores e compradores”, disse Téllez Chávez. “O Brasil e a UE devem trabalhar juntos para proteger a floresta tropical e defender os direitos das comunidades que dela dependem.”
Fonte: Human Rights Watch


