Marina Silva lembra da Venezuela, mas esquece do seu próprio ministério

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Marina da Silva: com força para criticar eleições alheias e fraca demais para mudar o rumo do descalabro ambiental na Amazônia

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva foi mais uma das vozes a se somar ao coro dos descontentes com o nível democrático das eleições da Venezuela. O curioso é que Marina Silva não tenha o mesmo nível de desenvoltura para cuidar das condições de trabalho dos agentes do IBAMA e do ICMBio que continuam atuando em condições péssimas, com salários defesados e planos de cargos ultrapassados.

A verdade é que Marina Silva se omite diariamente na luta pelas condições laborais daqueles que estão na linha de frente do combate contra o desmatamento e o garimpo ilegais na Amazônia, sem que esboce um mínimo de crítica ao tratamento que é dispensados aos servidores que estão na prática sob sua responsabilidade.

Sumida”, Marina Silva vira motivo de chacota na web

Aliás, não é preciso dizer que neste exato momento o Brasil passa por uma crise ambiental sem precedentes em função da ocorrência de milhares de focos de incêndio que castigam principalmente o Pantanal e a Amazônia, sem que se ouça qualquer manifestação que se aproxime ao nível de preocupação demonstrado com as eleições venezuelanas.

O fato inescapável é que a Marina Silva de hoje é uma sombra pálida daquela que entrou e saiu intacta durante o segundo governo Lula.  É que a Marina de ontem já teria saído do atual governo, mas a atual não só fica, como tem tempo para dar opinião sobre situações cuja clareza é igual a dos rios tomados pelos garimpos ilegais na Amazônia.

Greve dos Servidores Ambientais: O Dilema Político do Governo Lula

Eles nos empurraram para uma greve e agora tentam nos ameaçar com judicialização. Mas a verdade é que o governo está em uma posição delicada

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*Wallace Rafael Rocha Lopes

No sábado, 22 de junho, o site Metrópoles publicou uma matéria dizendo que, na próxima semana, a AGU acionará o STJ para decretar a ilegalidade da greve do Ibama. “Acabou a paciência. Virou mais uma questão política que de direito sindical”, afirmou um ministro do governo, sob reserva.

Quem acompanha esse processo de negociação desde o início e viu tantos verdadeiros absurdos acontecerem sabe que isso já era esperado. Eles nos empurraram para uma greve e agora tentam nos ameaçar com judicialização. Mas a verdade é que o governo está em uma posição delicada.

A pergunta que fica é: será mesmo que este governo vai assumir, diante do Brasil e do mundo, uma postura persecutória contra os servidores da área ambiental, já tão assediados e humilhados no governo Bolsonaro? Mesmo com os servidores contando com o massivo apoio de boa parte de parlamentares (de direita, de centro e de esquerda), dos movimentos sociais pela causa ambiental e animal, dos artistas e da imprensa nacional e internacional que acompanhou e continua acompanhando toda a nossa trajetória de luta pela sobrevivência?

Se isso realmente acontecer, será um choque de realidade para muita gente, inclusive para muitos de nós que acreditaram que os tempos seriam outros depois de ajudarmos a colocar Bolsonaro na lata de lixo da história e de enfrentarmos com coragem e abnegação os milicianos escolhidos a dedo por Salles e seus asseclas para frear nosso ímpeto em proteger nossos indígenas, as unidades de conservação, nossa fauna, flora, biodiversidade e toda a política ambiental que ajudamos a construir.

Eu prefiro acreditar que este governo, e aqui leia-se LULA, coloque a mão na consciência, seja minimamente coerente com sua história sindicalista e com suas nítidas pretensões de se tornar uma referência mundial na questão ambiental e climática, e determine, ainda no início desta semana, a retomada das negociações que foram encerradas unilateralmente pelo representante designado no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), sem sequer analisar nossa proposta e muito menos a contraproposta que construímos na tentativa de facilitar um acordo.

Todo esse processo de negociação começou em outubro de 2023 e de lá para cá os servidores sempre se mostraram dispostos a colaborar na construção de um acordo que considere a realidade dos dois lados da mesa, e não seja simplesmente uma imposição do “empregador” sobre o “empregado”, o que seria mais uma incoerência vexatória para um governo do dito “partido dos trabalhadores”.

Talvez seja válido lembrar que, nesses meses em que estivemos mobilizados, nós conseguimos mostrar para o mundo a relevância do nosso trabalho para o futuro de toda a humanidade, só que agora de uma outra forma. Digo de uma outra forma porque nós estamos mais acostumados a fazer isso literalmente doando nossas vidas em campo, como foi o caso dos nossos colegas Olavo, Rochinski, Raimundo, Welington, Gaspar e tantos outros. Tudo isso para que os representantes desse país possam estufar o peito cheio de orgulho na frente de chefes de Estado de outros países para dizerem “nós estamos fazendo a nossa parte e agora os países ricos precisam fazer a sua”.

Agora isso não será mais possível. O voluntarismo que fez a gente entregar os resultados de 2023, como a redução contundente do desmatamento na Amazônia, com a mesmíssima estrutura combalida que foi herdada do governo anterior, não existe mais. Agora, o que nos move é a certeza de que somente com um MMA, Ibama, ICMBio e SFB fortalecidos nós iremos parar de enxugar gelo e caminhar para uma sustentabilidade verdadeira. E isso começa com servidores públicos valorizados.

E é por isso que, mesmo que este governo continue esse show de incoerências, mesmo que toda a nossa depauperada estrutura ainda assim seja considerada essencial e que sobrevenha uma improvável decisão judicial contra um direito que também pertence aos trabalhadores e trabalhadoras da área ambiental, nossa luta vai continuar e cada vez mais fortalecida. Vão descobrir da pior forma que, do jeito que a área ambiental foi e continua sendo relegada, nós servidores só teremos condição de fazer o ordinário, e talvez nem isso. Sem o nosso EXTRAordinário, a área ambiental naturalmente morrerá por inanição. Sem o nosso sangue e suor, não tem Marina na lista de personalidades da revista Time; não tem Lula discursando bonito na COP; não tem desenvolvimento, muito menos um que seja sustentável.

Que venha o assédio judicial, moral e institucional… que venham os abusos, as perseguições e a imposição de toda a cartilha do governo Bolsonaro contra os servidores ambientais mais uma vez. Nós continuaremos aqui honrando o nosso compromisso com a sociedade e lutando para que meio ambiente e sustentabilidade sejam mais que palavras bonitas para florir discursos políticos.

*Wallace Rafael Rocha Lopes é diretor adjunto da Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), sendo analista ambiental do Ibama desde 2009, onde já atuou em diversas áreas. Compõe o quadro de Agentes Ambientais Federais e Coordenadores de Operações de Fiscalização Ambiental no Cerrado e na Amazônia. É bacharel e mestre em Engenharia Ambiental (UFT) e doutorando em Desenvolvimento Sustentável (UnB). É membro da Frente Ampla de Desenvolvimento Socioambiental (FADS).


Fonte:  Jornal GGN

Incêndios na Amazônia brasileira têm início recorde em 2024, com corte no orçamento de combate a incêndios

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A fumaça da queima de vegetação sobe em uma floresta tropical na Terra Indígena Yanomami, estado de Roraima, Brasil, 2 de março de 2024. REUTERS/Bruno Kelly/File Photo Purchase Licensing Rights

Por Jake Spring para a Reuters 

SÃO PAULO (Reuters) – A floresta amazônica do Brasil sofreu seus maiores incêndios já registrados nos primeiros quatro meses do ano, com o sindicato dos trabalhadores ambientais atribuindo na segunda-feira a culpa parcial aos menores gastos do governo federal no combate a incêndios.

O Ministério do Meio Ambiente e o  IBAMA não responderam imediatamente ao pedido de comentários.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, apostou sua reputação internacional na proteção da floresta amazônica e na restauração do Brasil como líder em política climática. A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, é vital para conter o catastrófico aquecimento global devido à grande quantidade de gases com efeito de estufa que absorve.

Uma seca recorde na região da floresta amazónica, impulsionada pelo fenómeno climático El Niño pelo aquecimento global , ajudou a contribuir para condições de seca que alimentaram os incêndios este ano.

Mais de 12.000 quilômetros quadrados da floresta amazônica brasileira foram queimados entre janeiro e abril, o maior número em mais de duas décadas de dados, de acordo com o INPE. É uma área maior que o Catar, ou quase o tamanho do estado norte-americano de Connecticut.

Os incêndios na Amazônia geralmente não ocorrem naturalmente, mas são provocados pelas pessoas, muitas vezes buscando limpar terras para a agricultura.

Os cortes no orçamento do combate a incêndios também são parcialmente culpados, disse o sindicato dos trabalhadores ambientais Ascema em um comunicado. Eles reclamaram que o orçamento deste ano do órgão ambiental Ibama para combate a incêndios é 24% inferior ao de 2023.

Agentes do Ibama suspenderam o trabalho de campo desde janeiro em meio a tensas negociações com o governo federal por melhores salários e condições de trabalho.

A Ascema rejeitou a última oferta do governo e exigiu maiores aumentos salariais depois de mais de uma década de aumentos insignificantes e redução de pessoal.

Embora a área queimada seja um recorde para os primeiros quatro meses do ano, ela é insignificante em comparação com os incêndios no pico da estação seca, de agosto a novembro, quando uma área desse tamanho pode queimar em um único mês.

“O governo precisa entender que sem o envolvimento total dos trabalhadores ambientais, a situação prevista para este ano é uma catástrofe sem precedentes”, disse o presidente da Ascema, Cleberson Zavaski.

“Os esforços de prevenção, como a sensibilização sobre as ignições, a criação de aceiros em áreas estratégicas e a realização de queimadas prescritas, dependem da contratação de pessoas com condições estáveis”, disse Manoela Machado, pesquisadora de incêndios do Woodwell Climate Research Center. “Essas medidas influenciarão a gravidade da crise de incêndio quando as condições de seca permitirem que os incêndios se espalhem”.


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Fonte: Reuters

‘Polícia’ de combate ao desmatamento no Brasil entrou em greve – ameaçando metas climáticas

Os servidores de agências ambientais do governo federal interromperam as operações de campo e poderão interromper completamente o trabalho

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Grupo de fiscalização do Ibama encerra operação de mineração ilegal em floresta nacional brasileira em 2018. Crédito: Felipe Werneck/Ibama

Por  Meghie Rodrigues para a Nature 

No último mês, os trabalhadores das agências ambientais do governo federal estiveram parcialmente em greve: pararam de trabalhar no campo, onde realizam vigilância do desmatamento e ajudam a encerrar operações ilegais de mineração. Mas, se as suas exigências não forem satisfeitas, poderão em breve aumentar a pressão sobre o governo e parar completamente de trabalhar – o que poderá interromper a investigação que ajuda na elaboração de políticas ambientais.

Funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(IBAMA), órgão de proteção ambiental do país; o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que administra as áreas protegidas do país; e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) pedem desde 2017 mais recursos e melhores salários.

A administração do atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, emitiu no ano passado um aumento de 9% para todos os funcionários públicos depois que ele assumiu o cargo. Mas os trabalhadores ambientais não receberam aumento nos últimos sete anos, e o aumento salarial não é suficiente para conter a inflação, dizem eles. Seu sindicato, a Associação Brasileira de Carreiras Ambientais (Ascema Nacional), aponta que, de 2003 a 2023, cerca de 720 trabalhadores ambientais foram demitidos para ocupar outras funções governamentais – o que significa que os que permanecem estão sobrecarregados.

Como candidato presidencial em 2022, Lula prometeu atingir o desmatamento zero em todos os biomas brasileiros até 2030 . Para reduzir o desmatamento, as agências ambientais tiveram que reforçar as inspeções na floresta amazônica e em outros lugares. Os seus esforços até agora parecem ter ajudado: as taxas de desflorestação na Amazónia, que é crucial para conter as alterações climáticas porque absorve enormes quantidades de dióxido de carbono, caíram para o nível mais baixo dos últimos cinco anos em 2023 .

Não só estão sobrecarregados de trabalho, dizem os funcionários, mas a sua segurança também está em risco. No terreno, têm de lidar com pessoas ligadas ao crime organizado, como garimpeiros ilegais e grileiros de terras.

Bombeiros do Prevfogo/Ibama participam de operação conjunta de combate a incêndios na Amazônia em 2019.

Trabalhadores do IBAMA e do ICMBio colaboraram em operação conjunta de combate a incêndios na Amazônia em 2019. Crédito: Vinícius Mendonça/Ibama

“Por causa da baixa remuneração, temos perdido pessoal para carreiras mais atraentes, até mesmo no serviço público”, diz Alexandre Gontijo, membro do conselho de administração da Ascema Nacional e especialista ambiental da BFS. “Nossas responsabilidades aumentam enquanto o número de servidores diminui e as coisas ficam mais difíceis à medida que o trabalho se acumula. Vigilar a Amazônia, por exemplo, não é uma tarefa trivial.”

A Ascema Nacional se reunirá com representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil e do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos no dia 1º de fevereiro para discutir as demandas e se os trabalhadores irão suspender adicionalmente o trabalho administrativo.

Embora preocupados com as consequências, os pesquisadores brasileiros apoiam o movimento e apelam ao governo Lula para que invista nos seus trabalhadores. “Se o meio ambiente está no centro da política externa do Brasil, apoiar os trabalhadores na área deveria ser uma política interna fundamental”, diz Erika Berenguer, pesquisadora de incêndios na Amazônia na Universidade de Oxford, no Reino Unido. “É fundamental valorizar quem coloca o próprio corpo na linha de frente.”

Em comunicado à Nature , o Ministério da Administração brasileiro disse que realizou 21 mesas redondas no ano passado para negociar com funcionários federais de vários departamentos. Disse ainda que está trabalhando dentro dos limites orçamentários para atender às demandas.

Sentindo os impactos

Funcionários do IBAMA entraram em greve no dia 2 de janeiro, e trabalhadores de outros órgãos ambientais fizeram o mesmo alguns dias depois. O seu objectivo era trazer o governo de volta à mesa de negociações. No passado mês de Outubro, a Ascema Nacional reuniu-se com o ministério da gestão, mas não foi alcançada qualquer resolução. “O governo prometeu nos dar uma resposta em 30 a 45 dias, mas não obtivemos nenhuma”, diz Cleberson Zavaski, presidente do sindicato e especialista ambiental do ICMBio.

Cerca de 90% de todos os especialistas ambientais federais estão participando da greve parcial, diz Zavaski. De acordo com o Painel de Estatística de Pessoal do Brasil e a Ascema Nacional, há cerca de 4.800 trabalhadores ambientais ativos nas agências federais do Brasil.

Após a greve, apenas 16 fiscais ambientais permanecem em campo no Brasil, dois dos quais estão na Amazônia, segundo o sindicato. E os impactos começam a ser sentidos: os fiscais emitiram 93% menos multas ambientais na Amazônia durante as duas primeiras semanas de janeiro do que no mesmo período do ano passado.

Mudança estrutural

O fato de a greve ter acontecido durante o mandato de Lula é surpreendente para alguns. Sob o seu antecessor – Jair Bolsonaro, um líder favorável à indústria – a desflorestação na Amazónia atingiu o máximo dos últimos 15 anos e mais de 180 mil multas ambientais, no valor de 1,3 mil milhões de reais (260 milhões de dólares), foram anuladas. “A perda de recursos e os ataques públicos dificultaram muito o nosso trabalho [sob Bolsonaro], mas fizemos um esforço de resiliência para continuar trabalhando”, diz Gontijo. “Aí entrou Lula e, embora tenhamos tido apoio institucional público e o fim dos ataques, não tivemos mudança estrutural.”

Em comunicado público no início deste mês , o Ministério do Meio Ambiente, que abriga os órgãos em greve, disse que, após negociações no ano passado, enviou ao Ministério da Gestão um pedido para realizar chamadas públicas para preencher cerca de 3.300 vagas de pessoal no IBAMA, ICMBio e Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Os pesquisadores estão ansiosos para que as negociações dêem frutos esta semana. Celso Silva Jr, pesquisador de sensoriamento remoto e uso da terra do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, em Brasília, afirma que a vigilância e a fiscalização são fundamentais para reprimir o desmatamento ilegal na Amazônia. A greve suscita preocupação “porque a reversão da actual tendência decrescente [na desflorestação] resultaria numa maior perda de biodiversidade e de emissões de carbono para a atmosfera”.

DOI: https://doi.org/10.1038/d41586-024-00279-2


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela Nature [Aqui!].

Encarregados de combater o desmatamento na Amazônia, agentes ambientais brasileiros protestam contra condições de trabalho sob Lula

torasAgente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(IBAMA) inspeciona árvore extraída da floresta amazônica, em uma serraria durante operação de combate ao desmatamento, em Placas, Pará, Brasil, 20 de janeiro de 2023. REUTERS/Ueslei Marcelino//Arquivo Foto Adquire Direitos de Licenciamento

Por Jake Spring para a Reuters

DUBAI (Reuters) – Mais de 1.500 trabalhadores das agências federais  que atuam contra o desmatamento no Brasil estão exigindo melhores salários e condições de trabalho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com uma carta que assinaram e que foi revisada pela Reuters na quarta-feira.

Os agentes ambientais foram encarregados de executar a postura mais dura de Lula em relação ao desmatamento, um elemento-chave de sua campanha para restabelecer o Brasil como líder em mudanças climáticas, através da emissão de multas por infrações ambientais, entre outros meios.

As taxas de desmatamento na floresta amazônica brasileira caíram 50% nos primeiros 10 meses da presidência de Lula, mas os trabalhadores dizem que continuam mal pagos e sobrecarregados de trabalho enquanto Lula apregoa o seu sucesso na Conferência Climática COP28 da ONU, em Dubai.

A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, é vital para conter as alterações climáticas porque absorve grandes quantidades de gases com efeito de estufa que provocam o aquecimento global.

Os trabalhadores do IBAMA, órgão federal de fiscalização ambiental, e do  ICMBIO, agência encarregada de proteger as unidades de conservação,  acusaram Lula de “deslealdade” e disseram que suas condições de trabalho ameaçavam o combate ao desmatamento.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, nomeado por Lula, disse que os servidores tinham razão. “Boa parte dos resultados do desmatamento foram frutos do seu trabalho”, disse Agostinho à Reuters à margem da COP28.

“É uma afirmação justa da parte deles, mas trabalhamos com limitações”.

Agostinho disse que espera poder contratar mais trabalhadores no próximo ano e culpou o Congresso por atrasar as aprovações orçamentais.

O gabinete de Lula, o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente não responderam imediatamente a um pedido de comentário.

As taxas de desmatamento dispararam sob o governo do antecessor de direita de Lula, Jair Bolsonaro, que procurou abrir mais áreas da Amazônia à agricultura e à mineração, argumentando que isso tiraria a região da pobreza.

Jair Bolsonaro enfraqueceu os órgãos ambientais e os criticou abertamente por emitirem multas ambientais.

Reportagem de Jake Spring; edição por Miral Fahmy


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela agência Reuters [Aqui!].

Dossiê mostra ataques de Bolsonaro contra transparência pública e acesso a dados ambientais

Quinto relatório da série Dossiê Bolsonaro revela uma política deliberada do governo para ocultar dados socioambientais e fundiários em prol de interesses privados; casos relatados incluem negativas de acesso à informação, uso da Lei Geral de Proteção de Dados para esconder nomes de latifundiários e perseguição a servidores

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Por Mariana Franco Ramos e Bruno Stankevicius Bassi

Confira o novo relatório da série Dossiê Bolsonaro.

O caráter antidemocrático do governo de Jair Bolsonaro (PL) não se expressa apenas nas violências sistemáticas cometidas contra os profissionais da comunicação. A sonegação de informações e o esfacelamento dos mecanismos de transparência representam uma outra faceta da empreitada bolsonarista contra o interesse público.

Entre a imposição de sigilo de 100 anos a dados solicitados via Lei de Acesso à Informação (LAI) – 65 casos, segundo levantamento do Estadão – e a perseguição empreendida contra servidores públicos e jornalistas, De Olho nos Ruralistas mapeou os principais episódios de censura ocorridos no país durante os últimos quatro anos.

Os dados são apresentados ao público no relatório Um país sob censura, o quinto da série Dossiê Bolsonaro, que narra o histórico de violações do governo, relativas à pauta socioambiental e à captura do poder público pelos interesses corporativos. Confira os quatro primeiros dossiês aqui.

Com capa ilustrada pelo cartunista Renato Aroeira, o dossiê expõe o uso, cada vez mais frequente, da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para negar acesso a dados de relevante interesse público, como a lista de nomes dos indivíduos e empresas autuados por crimes ambientais ou por trabalho análogo à escravidão. O próprio observatório recebeu essa justificativa em duas ocasiões, ao solicitar dados via LAI: primeiro em um pedido, feito no dia 25 de julho, da lista de fazendeiros multados na operação Abafa, conduzida pelo Corpo de Bombeiro Militar (CBM) em 2022; e depois, na tentativa de acessar a base de dados mais atualizada do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que retirou o nome dos proprietários de terra dos arquivos.

O silenciamento de servidores e de profissionais de imprensa, aliado à ocultação de dados sobre os últimos quatro anos de governo, faz parte de uma estratégia mais ampla de Bolsonaro – e dos aliados no setor privado – para esconder seus crimes e privar as futuras gerações de parte importante de nossa história recente.

Você pode acessar o dossiê completo [Aqui!].

Sob o comando de Salles, Ibama e Icmbio restringiram dados

Uma análise da plataforma Fiquem Sabendo nos microdados de pedidos de informação divulgados pela CGU mostrou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recusou mais informações e dificultou o acesso a processos em 2019, 2020 e 2021.

O principal motivo citado foi justamente o de que a informação solicitada estaria classificada como sigilosa nos termos da LAI (32% das negativas), seguido por “pedido exige tratamento adicional de dados” (15%), que é quando o órgão alega não ter capacidade de processar toda a informação pedida. Conforme o levantamento, a proporção de pedidos negados mais do que duplicou desde o início da vigência da lei.

Ricardo Salles deu início à “lei da mordaça” nos órgãos ambientais. (Foto: Reprodução)

Entre as perguntas não respondidas, há solicitações que pedem acesso a dados sobre operações contra o desmatamento na Amazônia Legal, número de ações de fiscalização realizadas pelo órgão, gastos do Grupo Especializado de Fiscalização do Ibama e o relatório da Petrobras sobre as manchas de petróleo no litoral nordestino.

Sob o mesmo argumento, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) negou acesso até mesmo aos dados básicos das pessoas físicas e jurídicas autuadas em Unidades de Conservação. “Eles mandaram uma lista, mas tirando os nomes das empresas, com o argumento de que a LGPD protegia”, relatou Luiz Fernando Toledo, diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e cofundador da Fiquem Sabendo. “É um problema de administração pública somado à burocracia comandada pelo governo atual, que não incentiva a transparência”, complementa.

Essa diretriz de impossibilitar o acesso a dados relevantes sobre temas ambientais foi, em grande parte, traçada pelo ex-ministro Ricardo Salles, hoje candidato a deputado federal em São Paulo, pelo PL. “Quando o presidente Bolsonaro entrou, o Salles começou a fazer ataques violentos e, ainda em janeiro de 2019, ele deu uma entrevista para a Folha dizendo que os dados não eram suficientemente precisos”, conta Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essa visão é corroborada por uma servidora do ICMBio que, temendo represálias, pediu para não ser identificada: “É uma tentativa de censura muito desmedida, que vem desde 2019”.

Galvão foi demitido do órgão em agosto de 2022, após a divulgação de dados de desmatamento na Amazônia que desabonavam o discurso que Bolsonaro e Salles tentavam emplacar internacionalmente. Hoje candidato à Câmara pelo PV-SP, o ex-diretor do Inpe deseja criar uma “bancada da ciência”, conforme noticiado pelo observatório: Candidatos defendem ambiente e alertam para as mudanças climáticas“.

Incra removeu dados de sua base fundiária

No Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a situação não é diferente do que ocorre no Ibama e no ICMBio. Em agosto deste ano, o órgão retirou o nome dos proprietários de terra de sua base de dados mais atualizada, o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef).

Incra impossibilitou acesso aos nomes de proprietários de terras no Sigef. (Foto: Reprodução)

Informações que eram públicas até então, como código do imóvel, número do processo, data e área, não estão mais disponíveis no site Acervo Fundiário, frequentemente acessado por pesquisadores e jornalistas. Um servidor da autarquia, que pediu para não ser identificado, apontou também a falta de divulgação interna dos atos normativos e a ausência de comunicação direta com a imprensa por parte das assessorias das superintendências regionais como problemas.

“A gente descobriu que em agosto de 2021 o órgão revogou diversas normas sem divulgação interna”, destacou. “No máximo acontece a publicação no Diário Oficial da União (DOU), ou seja, se você não abrir todos os dias, não vai ficar sabendo”. De acordo com ele, em outros momentos a publicação era bastante divulgada por e-mail e na rede eletrônica interna. “Há um avanço no fato de os processos serem eletrônicos, mas há um cerceamento da informação”.

Ainda segundo o funcionário, antigamente as superintendências produziam informações para os repórteres de forma direta. No atual governo, entretanto, os jornalistas que estão nas regionais espalhadas pelo Brasil não podem se comunicar com os veículos de imprensa. “Tudo o que forem falar, sobre qualquer pauta, tem de passar pela direção do Incra”.

“Você tem uma coisa desproporcional da interpretação da lei, de tirar informações massivas de interesse público que não têm relação com propaganda política, sobre a atuação do Estado, por conta de uma possibilidade daquilo ser mal interpretado”, comenta Danielle Belo, da plataforma Open Knowledge. “Você não pode negar o acesso a um processo administrativo inteiro por conta de um dado pessoal”.

Governo promove perseguição de jornalistas

Em junho de 2022, numa audiência pública no Senado, profissionais da comunicação denunciaram o crescimento dos ataques durante o governo Bolsonaro. De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), entre 2018 e 2021, o Brasil caiu oito posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, ocupando a 110ª posição entre 181 países analisados. Além disso, o país se tornou o 2º local mais letal para jornalistas no continente, atrás apenas do México.

Foram ao menos trinta assassinatos de profissionais na última década. Apenas no primeiro semestre de 2021, a RSF registrou 330 ataques, um aumento de 74% em relação ao ano anterior. Na avaliação de Bia Barbosa, coordenadora do Intervozes, os posicionamentos de Bolsonaro, de seus filhos e de autoridades próximas corroboram com os dados. “Nós monitoramos hashtags de hostilidade de ataques a jornalistas e comunicadores numa rede social e, em três meses, coletamos mais de meio milhão de postagens”.

Conforme a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Bolsonaro foi responsável pela maior parte das agressões a profissionais da imprensa em 2021, com 147 das 430 ofensivas denunciadas no período, que incluíram episódios de censura (140 casos) e de tentativas de desqualificar a informação (131 casos). Em relação a 2018, quando foram registrados 135 casos, o aumento foi de 218%.28

Mariana Franco Ramos é jornalista. |

|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): Tereza Cristina, Aline Sleutjes, Jerônimo Goergen, Bia Kicis, Kim Kataguiri e Coronel Tadeu tomam frente da censura ao material didático


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Este texto foi originalmente publicado pelo “De olho nos ruralistas” [Aqui!].

Luz verde para crimes ambientais

O governo brasileiro usa métodos criminosos para destruir a natureza. Uma conversa com Eliane Gomes-Alves e Cristiane Mazzetti

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A destruição da Amazônia continua

Por Ute Evers para a OXI e publicado pelo Neues Deutschland

Eliane Gomes-Alves está fazendo seu doutorado nas áreas de clima e meio ambiente. Ela está atualmente trabalhando como cientista no Instituto Max Planck de Biogeoquímica em Jena.

Cristiane Mazzetti é Gerente Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela London School of Economics and Political Sciences (LSE). Como especialista ambiental, ela trabalha com questões como desmatamento e uso do solo, principalmente por meio de campanhas e lobby. Atualmente, ela faz parte da equipe do Greenpeace Amazon como ativista sênior. A entrevista foi conduzida por Ute Evers.

Você pode nos explicar brevemente sobre o que é sua pesquisa?

Eliane Gomes-Alves: É sobre plantas, gases e clima! As plantas produzem gases comumente conhecidos como odores de plantas. Esses cheiros são, por ex. B. responsável por atrair polinizadores ou afastar predadores. Cumprida essa função ecológica, os gases permanecem no ar e passam por reações químicas que levam à produção de partículas, que por sua vez atuam como núcleos de vapor d’água, que se condensa e inicia a formação de nuvens de chuva. Portanto, há uma conexão entre o cheiro da floresta e a formação de nuvens. Minha pesquisa visa entender como as plantas liberam esses gases / cheiros e como isso varia ao longo do ano.

Você está se concentrando na Amazônia?

Eliane Gomes-Alves: Sim! A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo e um importante reservatório de carbono; a preservação da floresta contribui enormemente para a regulação do clima regional e global. Quando comecei a olhar para o meio ambiente em geral, comecei a me preocupar com questões como aquecimento global e mudanças climáticas. Então, eu queria entender como essa floresta afeta o clima.

A floresta tropical brasileira ganhou destaque internacional nos últimos anos devido aos incêndios devastadores e à política climática do presidente Jair Bolsonaro. Qual é o maior dano causado pelo atual governo?

Cristiane Mazzetti:A destruição de uma política pública que levou anos para ser construída e exigiu enormes recursos financeiros para ser projetada e implementada! O plano de ação do PPCDAm (plano de ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia legal), que conseguiu reduzir as taxas de desmatamento entre 2004 e 2012, incluiu medidas como a criação de áreas protegidas e terras indígenas ou o estabelecimento de medidas de controle. No governo de Bolsonaro, as autoridades de controle (Ibama e ICMBio) foram incapacitadas pela militarização de seus quadros, cortes orçamentários e perda de liderança na implementação dos objetivos. Nenhum projeto apresentado pelo governo brasileiro inclui a criação de novas áreas protegidas, embora existam cerca de 50 milhões de hectares de florestas públicas não designadas,

Além disso, o governo tem incentivado o crime ambiental por meio de medidas provisórias e projetos de lei que visam relaxar a proteção ambiental e legalizar o crime ambiental. Essa combinação dá luz verde à destruição, que não é facilmente reversível. Por exemplo, a ocupação ilegal e a invasão de terras públicas aumentaram porque a aplicação das leis é muito baixa, associada a propostas para abrir terras indígenas para mineração ou para flexibilizar os critérios de regularização fundiária. Os infratores sabem que não apenas não serão punidos, mas também devem ser recompensados ​​pelas mudanças no aparato jurídico.

Entre 2004 e 2012, muitos sinais foram dados para não tolerar crimes ambientais. O que foi conquistado naquela época se perde dia a dia hoje.

É assim que você vê do ponto de vista científico, Eliane?

Eliane Gomes-Alves: Com certeza! Eu vejo três razões para isso. A primeira é que o Brasil já teve uma queda nos investimentos em pesquisa, mas só piorou a partir de 2018. O valor das bolsas de pós-graduação e auxiliares de pesquisa foi reduzido, o que diminui o número de pesquisas. No Brasil, grande parte da pesquisa científica é realizada por pós-graduados. São os doutorandos e pós-doutores que constituem uma parte significativa das publicações científicas. Se o número de bolsas diminuir, diminui o número de pessoas que trabalham e produzem ciência no Brasil.

Além disso, muitos jovens são desestimulados a seguir a carreira científica na área ambiental, visto o quanto está sendo destruído e desconsiderado. Há um sentimento de impotência diante de tanta negligência e ataque à ciência. Embora o mundo todo já tenha entendido por meio da ciência que as mudanças climáticas são um fato e que afetarão gravemente a vida de muitas pessoas, o Brasil vai contra a corrente. O Brasil tem excelentes cientistas. Mas a ciência não tem valor e, portanto, não há incentivo. Dedicar-se às ciências ambientais aqui exige um certo ativismo, que nem todos estão dispostos a assumir.

Como resultado, muitos pesquisadores deixam o Brasil. Sou um exemplo disso: como brasileiro, trabalho para um instituto alemão e posso ser mais ativo cientificamente do que no Brasil. Tudo isso tem implicações de médio e longo prazo, pois a ciência só pode progredir com investimento em recursos financeiros e humanos e com o reconhecimento de sua importância.

Depois dos incêndios devastadores na floresta amazônica no ano passado, eclodiram os protestos da economia internacional. Em junho de 2020, CEOs de empresas brasileiras e internacionais, bem como participantes do setor, ameaçaram em uma carta ao governo que retirariam seus investimentos se a destruição da floresta amazônica não fosse interrompida. Quão credíveis são essas ações se entre os signatários está a gigante agroquímica alemã Bayer, que é famosa pelas exportações de venenos para o sul global?

Cristiane Mazzetti: A política anti-ambiental do governo Bolsonaro provocou reações negativas de muitos atores internacionais – alguns com críticas mais ou menos credíveis à destruição contínua de florestas e degradação ambiental.

A falta de recursos é uma das principais linhas de defesa do governo federal para justificar sua inação, mas não é verdade. Há dinheiro disponível que poderia ser desembolsado para conter o desmatamento e prevenir incêndios florestais. Um exemplo é o Fundo Amazônia com cerca de três bilhões de reais. Organizações da sociedade civil e partidos políticos já apelaram do seu congelamento ao Supremo Tribunal. O Fundo Amazônia já financiou atividades relacionadas à gestão de áreas protegidas e monitoramento ambiental.

Além disso, a Lei do Orçamento de 2021 apresentou o menor valor para o meio ambiente em 21 anos. Bolsonaro somou seu veto à já ruim proposta do Executivo e cortou ainda mais o orçamento para as autoridades ambientais. O problema não é a disponibilidade de recursos, mas a vontade política. Deixar de usar os recursos existentes e cortar orçamentos é uma forma de minar a proteção ambiental e matar os órgãos ambientais (como o Ibama e o ICMBio) por inação. Em relação à Bayer e outras empresas exportadoras de agrotóxicos proibidos da União Européia para o Brasil, a posição de várias organizações da sociedade civil é clara. Nenhum produto pode ser exportado para outros países, cujo uso é proibido no bloco econômico!

A Amazônia como “pulmão verde do mundo” é um mito popular. Como cientista, o que você acha disso?

Eliane Gomes-Alves: Dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo é colocar todo o seu significado em uma formulação errada e simplista. Há pesquisas suficientes para mostrar que a maior parte do oxigênio global é produzida pelo fitoplâncton (algas) nos oceanos. Mas as pessoas querem respostas simples para problemas complexos. Mas a ciência não nos dá respostas simples e imutáveis. Freqüentemente, há situações em que novas descobertas derrubam as antigas, e quanto mais ciência é produzida, mais complexo se torna o seu entendimento. Existem muitas pesquisas que mostram a importância da Amazônia em termos de biodiversidade e distribuição de água. Isso de forma alguma o coloca em um nível menos importante, como se ele fosse o pulmão do mundo (o que ele não é). As razões para a conservação da floresta são inúmeras e não podem ser substituídas por um slogan que leve à desinformação. Uma imprensa de boa reputação tem a obrigação moral e ética de investigar e não divulgar informações falsas.

Quão ativos podem ser os movimentos civis pelo clima e os ativistas políticos nos tempos de Bolsonaro?

Cristiane Mazzetti: No passado (antes do governo Bolsonaro), o governo federal via a sociedade civil como um ator estratégico na formulação de políticas públicas e nas ações que ajudavam a reduzir o desmatamento. A moratória da soja foi até citada em relatórios do PPCDAm como uma medida para conter o desmatamento. Esta promessa do setor privado, assinada por comerciantes de soja, foi em resposta à pressão de campanhas da sociedade civil destacando a ligação entre soja e desmatamento florestal na Amazônia.

Atualmente, o governo não apenas interrompeu o diálogo com ONGs, movimentos rurais e povos indígenas, mas também reduziu e eliminou a participação de representantes da sociedade civil nos conselhos. Além disso, um dos rascunhos do plano de enfrentamento ao desmatamento na Amazônia continha a intenção de controlar 100% das ONGs que atuam na área. Já houve casos de denúncias, intimidações e (in) ações judiciais contra ativistas e ambientalistas. A medida tornou-se absurda quando o serviço secreto brasileiro (Abin) foi utilizado para monitorar a sociedade civil durante a conferência do clima em Madri (2019).

Eliane, você passou um tempo na Amazônia. Houve algum momento decisivo que influenciou sua abordagem de pesquisa?

Eliane Gomes-Alves: Com certeza. O conhecimento tradicional das pessoas que moram perto dos locais de teste contribuiu muito para minha pesquisa. São os locais que sabem identificar as plantas com que trabalho, que sabem se locomover na floresta e que conhecem o clima do ponto de vista empírico. Foi meu contato com o povo amazônico que me ensinou sobre a floresta, o que estudar e como fazer minhas pesquisas. Seus conhecimentos tradicionais influenciam o desenvolvimento de projetos experimentais de pesquisa e as adaptações de dispositivos que são construídos apenas para uso em regiões de latitude média, como a Europa.

Que desafios você tem que enfrentar como jovem na pesquisa?

Eliane Gomes-Alves:Os desafios são principalmente resultado do patriarcado. Eu faço pesquisas em uma área, as geociências, que ainda é dominada pelos homens. Em várias expedições, fui a única ou a única parte de um grupo muito pequeno de mulheres que participaram como cientistas. Tenho enfrentado situações caracterizadas por discriminação e preconceito, por ex. Por exemplo, não me deixar dirigir porque sou mulher, para situações reais de assédio sexual. Infelizmente, ainda é comum eu ouvir comentários que às vezes reduzem minhas habilidades cognitivas por meio do preconceito contra as mulheres; que as mulheres são vistas como menos capazes e, às vezes, degradando minha humanidade na forma de uma falta de respeito pelo meu corpo e intelecto.

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Esta entrevista foi produzida pela OXI – Thinking Business Different. OXI, que é um jornal mensal economicamente crítico que está incluído no »nd DIE WOCHE, e foi publicada pelo Neues Deutschland [Aqui!].

Novo recorde em alertas mostra que crime ditará taxa de desmate

Com Ibama desmontado, ICMBio ameaçado de extinção e ministro correndo da polícia, dados do Inpe mostram pior maio da série

Por Observatório do Clima

Os alertas de desmatamento na Amazônia em apenas 28 dias de maio atingiram a marca de 1.180 km2, um aumento de 41% em relação ao mesmo mês de 2020. É a maior área de alertas desde o início da série do sistema Deter-B, do Inpe, em 2016, e a primeira vez que o número ultrapassa 1.000 km2 para esse mês.

O dado é preocupante, porque o mês de maio marca o início da estação seca, quando a devastação se intensifica, em grande parte da região amazônica. A permanecer a tendência nos próximos dois meses, a taxa oficial de desmatamento de 2021 (medida de agosto a julho) poderá terminar com uma inédita quarta alta consecutiva. O comportamento da curva dependerá exclusivamente de quem hoje dá as cartas na região: o crime ambiental.

O regime Bolsonaro se dedica há dois anos e meio a desmontar as políticas de controle de desmatamento, enterrando o único plano que conseguiu reduzir a destruição, o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia). A fiscalização do Ibama foi manietada; como mostraram neste ano documentos produzidos pelos próprios agentes, a gestão do antiministro Ricardo Salles virtualmente parou as operações do órgão — cuja cúpula acaba de ser afastada por suspeita de operar para madeireiros.

O Instituto Chico Mendes, que fiscaliza as unidades de conservação federais, está ameaçado de extinção. A fracassada Operação Verde Brasil 2, do general Hamilton Mourão, saiu de cena em abril e não deixou nada no lugar. O plano de Salles de criar uma espécie de milícia na floresta usando homens da Força Nacional foi interrompido pelo fato prosaico de que o ministro, com dois inquéritos contra si no STF, dedica seu tempo hoje a fugir da polícia.

No acumulado desde agosto, vem caindo rápido a diferença entre a área recorde de alertas do ano passado e a deste ano: em janeiro o desmatamento em 2021 era 21% menor que em 2020. Agora a diferença é de 8%, e ainda pode cair mais.

Nesse quadro de ausência completa do governo federal, os R$ 270 milhões que o Congresso conseguiu na semana passada para a fiscalização dificilmente produzirão resultado. “O grande problema da fiscalização e do combate ao desmatamento não é apenas falta de dinheiro; o que falta é governo”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

O combate ao desmatamento está quase exclusivamente nas mãos dos Estados. O problema é que alguns governadores parecem estar do lado dos desmatadores. Em Rondônia, o Coronel Marcos Rocha (PSL), aliado de Jair Bolsonaro, deu em maio um presente aos grileiros ao reduzir duas unidades de conservação no Estado.

“O desmatamento neste ano será o que os madeireiros ilegais, garimpeiros criminosos e grileiros quiserem que seja. E, neste momento, eles não têm nenhum motivo para se controlar, já que o próprio governo federal, que deveria coibir a ilegalidade, os incentiva com atos e discursos”, conclui Astrini.

Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 68 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: http://oc.eco.br.
Informações para imprensa

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Este texto foi originalmente publicado pelo Observatório do Clima [Aqui!].

Norma imposta por Salles “paralisa Ibama”, afirmam servidores

Carta assinada por mais de 300 funcionários denuncia prejuízos “sem precedentes” com nova regra de fiscalização imposta por Ricardo Salles

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Ricardo Salles mostra onde tentará fazer captação em 2021 (Foto: MMA)

Por Felipe Werneck do “Fakebook.eco”

A fiscalização do Ibama parou. Em carta divulgada nesta terça-feira (20/04), mais de 300 servidores do Instituto afirmam que “todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado”. É uma reação à Instrução Normativa Conjunta (INC) 01, publicada no dia 14/04 pelo ministro Ricardo Salles e pelos presidentes do Ibama, Eduardo Bim, e do ICMBio, Fernando César Lorencini. A nova norma resultará em “prejuízos sem precedentes” à proteção ambiental, apontam os servidores.

A INC 01 alterou o processo de cobrança de multas ambientais. Até o fim da manhã, 319 servidores haviam assinado a carta. O grupo afirma que não foi chamado para participar da construção e que foi surpreendido pela nova norma. Entre as mudanças, os servidores agora são obrigados a apresentar relatórios antes de uma ação fiscalizatória, e não depois, como ocorria até então, e têm prazos considerados impossíveis de cumprir – o prazo de cinco dias é mencionado 12 vezes na norma. Em casos de flagrante, o fiscal não poderá lavrar a multa antes de emitir um relatório, que deverá ser submetido para aprovação de um “superior hierárquico”, avaliam servidores. No Ibama e no ICMBio, cargos de chefia foram loteados com pessoas indicadas pela atual gestão, que não são servidores concursados, como os policiais militares de São Paulo escolhidos por Salles para comandar a fiscalização.

Na carta, os servidores também relatam que muitos estão pedindo para deixar a função de fiscal porque não têm condições mínimas de trabalho. “Todos os servidores que assinam a presente carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias, Ibama e ICMBio, que não providenciaram os meios necessários junto aos sistemas e equipamentos de trabalho disponíveis para o exercício da atividade de fiscalização ambiental federal, análise e preparação para julgamento de processos de apuração de infrações ambientais”, alerta o grupo. “Isso representa um verdadeiro esvaziamento da força de trabalho da fiscalização ambiental federal, sendo de conhecimento que já é pequena tal força de trabalho diante das dimensões continentais do país e os crimes ambientais que vêm crescendo de forma exponencial nos últimos dois anos, fato comprovado pelo aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia.”

A atual gestão reconheceu que não tem como cumprir a nova norma ao enviar dois ofícios circulares com orientação geral para que seja seguida a norma anterior, que foi revogada. “Por óbvio, consideramos que se trata de orientações irregulares, uma vez que estão em conformidade com norma que já não existe no ordenamento, o que fere o princípio da legalidade do ato administrativo, posto que, mesmo estes atos sendo discricionários da administração pública, eles são dirigidos pelos princípios que conduzem o direito”, afirmam os servidores na carta.

De acordo com o grupo, essas orientações “soam como tentativa de dividir com os servidores a responsabilidade pelas sérias consequências causadas pela publicação (da nova norma)”.

Em reunião virtual com servidores, o policial militar nomeado para coordenar o setor de apuração de infrações ambientais no Ibama, o tenente-coronel Wagner Tadeu Matiota, afirmou que a norma será mantida e que se trata de uma “evolução” em relação à regra anterior. “É uma mudança cultural, de paradigma”, declarou. Ele ameaçou adotar medidas contra servidores que não seguirem as novas orientações.

Durante a reunião, o coronel ouviu de um servidor que a INC 01 foi apresentada de forma “sorrateira”. “Vocês conseguiram paralisar o Ibama”, disse outro servidor ao coordenador.

“Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e que todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado frente ao ato administrativo publicado. O resultado imediato e inevitável é a potencialização da sensação de impunidade, que é apontada como uma das principais causas do aumento do desmatamento na Amazônia, bem como de outros crimes ambientais no país”, escreveram os servidores.

A denúncia dos servidores é feita na antevéspera da cúpula climática convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, na qual se espera um discurso de Jair Bolsonaro. Integrantes governo afirmaram a veículos de imprensa que o líder do regime brasileiro faria um “gesto explícito” ao presidente americano, supostamente no sentido de compromissos com a redução do desmatamento e a proteção do clima, prioridade de Biden.

Leia abaixo a íntegra da carta:

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO IBAMA E À SOCIEDADE BRASILEIRA

Nós, servidores do Estado Brasileiro, da carreira de especialistas em meio ambiente, pautados pelo dever de lealdade à instituição a qual servimos, bem como pelo compromisso assumido pela execução da Política Nacional de Meio Ambiente e um serviço público de qualidade, nos dirigimos ao Sr. Presidente do IBAMA, por ser a autoridade máxima da autarquia, e à sociedade brasileira, para a qual prestamos nossos serviços, para nos manifestar a respeito da publicação da Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO Nº 1, de 12 de abril de 2021, esclarecendo os prejuízos sem precedentes à devida proteção ambiental do país dela decorrentes.

Primeiramente, é válido lembrar que os servidores já vêm alertando a administração do IBAMA e o governo federal das medidas necessárias para que a política pública ambiental atenda os preceitos a nós confiados pela sociedade brasileira, como se comprova na Carta dos Servidores nº 384/2019/SUPES-TO e Manifestação Técnica nº 2/2020-NMI-CE/DITEC-CE/SUPES-CE. Embora os servidores não tenham sido convidados a participar da construção dessa nova norma, condição que tem se repetido com frequência na atual gestão, listamos e discorremos sobre as inovações por ela trazidas para que o Presidente do IBAMA e a sociedade tenha ciência, pelo olhar dos servidores, da situação atual frente à nova ordem administrativa que se apresenta.

É importante dizer que os servidores viram com perplexidade a paralisação de todo o processo sancionador ambiental ocasionado pela publicação desta norma. As medidas necessárias para implementação das mudanças trazidas junto aos sistemas corporativos não foram tomadas previamente pela administração central do IBAMA e ICMBio, antes da entrada em vigor da INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021. Em face disso, todos os servidores que assinam o presente carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias, IBAMA e ICMBio, que não providenciaram os meios necessários junto aos sistemas e equipamentos de trabalho disponíveis para o exercício da atividade de fiscalização ambiental federal, análise e preparação para julgamento de processos de apuração de infrações ambientais.

Todo este embaraço acabou resultando na orientação formal de alguns gestores junto ao IBAMA Sede para que os servidores continuem utilizando os sistemas da forma em que se encontram disponíveis e que permaneçam seguindo o rito processual da Instrução Normativa Conjunta revogada, a saber INC MMA/IBAMA/ICMBIO 02/2020. Por óbvio, consideramos que se trata de orientações irregulares, uma vez que estão em conformidade com norma que já não existe no ordenamento, o que fere o princípio da legalidade do ato administrativo, posto que, mesmo estes atos sendo discricionários da administração pública, eles são dirigidos pelos princípios que conduzem o direito.

Tais orientações, esposadas no Ofício-Circular nº 1/2021/DICAM/CNPSA/SIAM (nº SEi 9719852) e Ofício-Circular nº 10/2021/COFIS/CGFIS/DIPRO (nº SEi 9723046), na verdade soam como tentativa de dividir com os servidores a responsabilidade pelas sérias consequências causadas pela publicação dessa INC pela atual gestão do MMA, IBAMA e ICMBio que sem qualquer medida prévia para garantir seu cumprimento, criou um ambiente de insegurança jurídica e administrativa para todos os servidores envolvidos neste rito, fiscais, técnicos, analistas ambientais e administrativos. Por isso, invocando o princípio da precaução, seguiremos aguardando as administrações do IBAMA e ICMBio evoluírem para a disponibilização dos meios para que o trabalho seja realizado conforme a norma válida.

Com isso, para evitar responsabilização aos servidores e de forma preventiva, estes estão apresentando suas razões no presente documento, à administração das autarquias executoras, IBAMA e ICMBio, para exercer o direito de recusa em iniciar procedimentos com a norma vigente e, muito menos com norma administrativa revogada, tendo em vista que não há meios disponíveis para o cumprimento dos prazos e, com o não cumprimento, há sanções previstas na Lei Federal 8.112/1990, podendo até o servidor ser demitido. Num completo descompasso com a situação das autarquias executoras da Política Nacional de Meio Ambiente, que vem sofrendo há anos com a diminuição no quadro de servidores, ao invés de realizar concurso público e assim prover os cargos vagos, a administração aprova norma que, sem meios para cumprir, pode levar a demissão de mais servidores.

Diante do patente risco de demissão e por não estarem de acordo com todo o imbróglio trazido pela INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021, alguns servidores já entraram com pedido de saída da Portaria 1.543/2010 que os designa para função de fiscais e há uma movimentação crescente de novos pedidos. Isso representa um verdadeiro esvaziamento da força de trabalho da fiscalização ambiental federal, sendo de conhecimento que já é pequena tal força de trabalho diante das dimensões continentais do país e os crimes ambientais que vêm crescendo de forma exponencial nos últimos dois anos, fato comprovado pelo aumento do desmatamento e queimadas na Amazônia.

Outra preocupação trazida pela INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021 está relacionada aos prazos impostos para os procedimentos, desde a fase de constatação da infração pelo fiscal em campo, até as fases de análises e julgamentos de infrações administrativas, sendo mencionado 12 (doze) vezes o prazo de 05 (cinco) dias na norma. Embora isso transpareça interesse pela celeridade do processo, tal preocupação cai por terra em outros dispositivos, uma vez que, segundo a norma, mesmo que o agente constate a infração em flagrante, este não deverá lavrar a multa ou qualquer outro termo e sim emitir um relatório, sendo que não há prazo para emissão da análise deste relatório pela autoridade hierarquicamente superior, concluindo-se que não há incômodo normativo para a conclusão da fase de persecução.

O fato é que a tecnologia atual disponível foi concebida para que a multa e os termos sejam lavrados pelo fiscal assim que constatada a infração, sendo o processo instaurado imediatamente e de forma automática após aprovação do relatório pelo coordenador da operação de fiscalização em campo, regra esta que garante toda a lisura e transparência necessárias. Neste sentido, sendo obrigatório o uso do Auto de Infração Eletrônico pelos fiscais e não havendo harmonização entre a tecnologia disponível e a norma vigente e publicada, e, não se vislumbrando alternativa para a execução do trabalho, resta configurado um verdadeiro constrangimento e embaraço, que afeta os fiscais e, por consequência, toda a nossa sociedade, que espera ver o resultado do cumprimento do nosso dever.

Em apertada análise, estas imposições se configuram em verdadeiro obstáculo à atividade de fiscalização ambiental federal, encontrando abrigo no art. 69 da Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) com rebatimento no seu regulamento através do art. 77 do Decreto Federal 6514/2008, que tipifica como infração ambiental administrativa a conduta de “obstar ou dificultar a ação do Poder Público no exercício de atividades de fiscalização ambiental”.

Em suma, as inovações trazidas para a instauração de processos de apuração de infrações (conforme art. 15 da INC 01/2021), traz na autoridade hierarquicamente superior a existência de uma espécie de censor, com ampla e irrestrita discricionariedade, no âmbito dos órgãos de fiscalização ambiental federal, IBAMA e ICMBio; dada a comprovação de que todo ato praticado, toda propositura de apuração de ilícito e imposição de sanções pelos fiscais, deve ser validado por esta figura administrativa, apresentando um pressuposto que todo trabalho realizado pelo fiscal deva ser saneado. Consideramos isso significativamente inovador e estranho aos resultados comprovados das atividades de fiscalização ambiental feitas por nós, servidores do IBAMA e ICMBio imbuídos na função de fiscais, além de ser uma regra que inviabiliza ações de combate ao desmatamento na Amazônia, ações de fiscalização de pesca em mar aberto e zona costeira, de combate às infrações contra a fauna, entre outras, realizadas de forma costumeira em áreas remotas pela fiscalização ambiental federal.

Os processos de apuração de infrações ambientais evoluiu para a forma eletrônica e, para isso os órgãos executores, IBAMA e ICMBio, vem desde 2012 investindo em capacitação dos servidores, compra e desenvolvimento de software, compra de equipamentos, com recursos que giram em torno de milhões, cujo objetivo é consolidar e fazer funcionar o rito processual de forma eletrônica e célere. No entanto, com a publicação da INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021, apenas um ano após a publicação da norma anterior, todo esse investimento feito terá que sofrer revisões, o que demandará considerável tempo de criação, desenvolvimento e implantação. Baseado na última mudança de sistemas feita em 2019, para a realização de todos os ajustes haveria necessidade de no mínimo um ano de trabalho e mais recursos financeiros dos órgãos, frente a um orçamento disponibilizado pelo governo federal cada vez menor.

A propósito, causa estranheza aos servidores essas adequações frequentes e justamente quando todo o rito processual estava se consolidando para atender as ações de fiscalização, análise e julgamento de processos, conciliação, conversão de multas e recuperação ambiental. Todo este imbróglio resultou num verdadeiro apagão no rito processual de apuração de infrações ambientais constatadas pelo IBAMA e pelo ICMBio em todo o país.

Por isso, reafirmamos publicamente o compromisso de permanecermos firmes no combate aos delitos ambientais e em protegermos o meio ambiente brasileiro para as presentes e futuras gerações, sempre no estrito cumprimento da legislação ambiental vigente, necessitando para isso também um comprometimento imediato e inequívoco do governo e seus gestores com o fortalecimento das instituições e das normas ambientais, e não o contrário, como vem sendo feito.

Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e que todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado frente ao ato administrativo publicado. O resultado imediato e inevitável é a potencialização da sensação de impunidade, que é apontada como uma das principais causas do aumento do desmatamento na Amazônia, bem como de outros crimes ambientais no país

Desta forma, rogamos à toda a sociedade o apoio necessário para que haja, por parte dos gestores do MMA, IBAMA e ICMBio, uma atitude com vistas ao equacionamento do quadro de paralisação total imposto pela publicação da INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021 e para que não nos lancem convite em assumir riscos no cumprimento de atos sem a existência de norma vigente que nos ampare. Como já dito, isto é irregular, ilegal e configura mera tentativa de arrefecer uma crise administrativa sem precedentes que se instalou com a alteração da norma.

(assinado eletronicamente)

SERVIDORES DA CARREIRA DE ESPECIALISTAS EM MEIO AMBIENTE

Principais mudanças e inovações da INC MMA/IBAMA/ICMBIO 01/2021:

Conforme art. 6º, I – Absolvição, foi retirada da norma os contornos necessários para as autoridades se utilizarem deste instituto, antes muito bem delineados os conceitos na norma revogada e que a distinguiam da nulidade, gerando dúvidas se a absolvição será utilizada apenas quando levada pela improcedência do auto de infração e/ou com a comprovada inexistência da infração que fora apontada pelo fiscal ou se será um ato discricionário da autoridade competente.

Conforme art.6, IV – Autoridade hierarquicamente superior, é possível verificar uma tendência em centralizar maior poder decisório nessa figura administrativa, a qual está acima dos fiscais, inclusive durante uma operação de fiscalização, para decidir pela lavratura da multa e outros termos e somente após aprovação de relatório do fiscal (cf.art. 6, XXI), decidir pela abertura do processo de apuração de infração ambiental (cf.art.15, § 2º). Após a abertura do processo, essa autoridade hierarquicamente superior decidirá sobre as medidas cautelares aplicadas pelo fiscal como apreensões e embargos (cf.art. 8º), mais uma vez revisará o processo de apuração de infração ambiental (cf.art.15, § 3º), e validará o ato fiscalizatório. Essa inovação, de validação de todo ato fiscalizatório, deixa claro que a administração concluiu que há vícios nos procedimentos lavrados e que, agora, submetidos a esta autoridade hierarquicamente superior, os sanariam, o que não corresponde à verdade. Tal personalidade administrativa também ficaria responsável pela decisão de manutenção de eventuais medidas de apreensão, suspensão e embargos emitidos (cf.art.34).

Conforme art. 6, XII – Relatório de fiscalização, o mesmo foi definido como documento de propositura de processo sancionatório e é colocado anterior à lavratura da multa e demais termos. A norma também não deixa claro em que plataforma eletrônica será feito tal relatório, tendo em vista que, mesmo utilizando o sistema de gestão documental SEI, há necessidade de se abrir um processo administrativo, não tendo como figurar apenas em propositura fora dos sistemas oficiais. Extrai-se que o fiscal deve fazer um relatório avulso, sem abrir processo de apuração de infração ambiental. Após, o interessado deve ser notificado a prestar esclarecimentos junto ao órgão ambiental, e só posterior a manifestação do interessado ou não, a autoridade hierarquicamente superior é quem decide se este deve ser autuado. Com isso, a demanda retorna ao fiscal para continuidade dos procedimentos e emissão da multa somente se autorizado. Do contrário, a autoridade hierarquicamente superior, pode encerrar o processo mesmo com infração ambiental constatada e documentada pelo fiscal. Ocorre que, com as ferramentas e sistemas corporativos existentes não há agasalho para essa ação, no caso de operações de fiscalização de campo em que a multa deve ser feita no momento em que é constatada a infração, o rito se inicia com a emissão da multa e demais termos, sendo o relatório emitido posteriormente por uma regra do sistema atual. Ademais rito proposto na norma é inexequível para ações nacionais, em que o fiscal sai de sua lotação em todo país para o combate ao desmatamento na Amazônia ou no Cerrado, por exemplo, devido à quantidade de fases incorporadas e à demora inevitável entre a constatação da infração e a emissão da multa e outros termos. A norma também inviabiliza flagrantes, pois o fiscal não terá autonomia para decidir sobre a lavratura de multas, apreensões e embargos no momento da ocorrência. Também deixa uma lacuna com relação a quem seria a autoridade a quem o fiscal deve manter essa relação administrativa, se o coordenador operacional, o Chefe da Divisão Técnico-Ambiental (DITEC) local ou da sua lotação, ou até mesmo o coordenador da Coordenação de Operações de Fiscalização Ambiental do Ibama Sede em casos de ações nacionais, pois é ele quem emite a Ordem de Fiscalização.

Conforme art.6, a Equipe de Análise Preliminar (EAP), que constava na norma anterior, foi suprimida e junto com ela a fase de análise preliminar do processo de apuração de infração ambiental. Considerando que o IBAMA e ICMBio estruturam essa equipe no âmbito da Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (Siam) em consonância com as superintendências Estaduais, removendo servidores do Ministério do Meio Ambiente, de unidades do IBAMA e ICMBio ao longo do ano de 2020, totalizando vinte e dois servidores, com capacitação feita pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, ao longo de mais de um ano de estruturação, se perdeu todo esse aparato com essa supressão. Em consequência, todo o trabalho de instrução processual e preparação para as audiências de conciliação desenvolvido antes por esta equipe foi removido aos Núcleos de Conciliação das Superintendências – Nucam (cf.art. 45, 59, 75), que são formados via de regra, pois apenas dois servidores, um do IBAMA e um do ICMBio. Insta salientar que a mesma plataforma do auto de infração eletrônico utilizado pelos fiscais, em continuidade a abertura do processo era utilizado por esta equipe, o que representa perda do investimento realizado e novas tarefas junto aos desenvolvedores para ajustar à nova norma.

Conforme art.6, a Equipe de Condução de Audiência de Conciliação (ECAC), também foi suprimida e suas respectivas atividades também removidas aos núcleos de conciliação nos Estados (cf.art. 59, 60), que, como já mencionamos possuem em média dois servidores apenas. Esta equipe foi objeto de uma gama de capacitações por mais de um ano, posto ser este um novo rito no âmbito das autarquias, IBAMA e ICMBio e que necessitava ser implementado com segurança.

Conforme arts. 15 e 124 o servidor deverá cumprir os prazos estabelecidos na norma em vigor, sob pena de apuração de responsabilidade. Ocorre que os prazos trazidos nos diversos artigos da  INC MMA/IBAMA/ICMBIO nº 01/2021, são dissociados da realidade fática da situação dos órgão executores e envolvidos nos processos de apuração de infração ambiental em termos número de servidores, muito menos os sistemas corporativos que são utilizados atualmente estão preparados para que esses prazos sejam exequíveis.

Conforme art. 18 § 3º, o agente ambiental federal só poderá fazer entrega pessoal das multas e termos lavrados ao autuado, não podendo entregar ao representante legal do mesmo, sendo que a prática nos traz a realidade de que em inúmeras ações de fiscalização, encontram-se apenas os representantes legais, constituídos por advogados, gerentes e outros tipos de representação. Essa mudança é um obstáculo à ciência da multa, embora possa parecer que seja uma inovação ímpar e uma oportunidade de melhoria de procedimentos pela administração, não será o que irá ocorrer na prática, pois traz as demais formas de ciência da multa inclusive a do representante legal para serem feitas, apenas pelo superior hierárquico máximo da unidade do IBAMA, configurando uma demora no rito processual além de custos financeiros adicionais para a administração com envio via Aviso de Recebimento – AR do Correios.

Conforme art.49 houve a supressão dos itens III a VI, assim como o § 3º na norma atual, o que reduz também a segurança administrativa acerca dos procedimentos a serem adotados pelo fiscal e a unidade responsável pela ação de fiscalização, antes do envio do processo para análise, agora, ao Núcleo de Conciliação Ambiental das Superintendências Estaduais. O que pode acarretar a desobrigação administrativa de verificação se o processo está apto para ser enviado para fase seguinte, podendo a unidade responsável se utilizar de análise discricionária no momento do envio e acarretar em devolução para ajustes administrativos, resultando em mais tempo de rito processual e consequente demora.

Conforme o art. 99 constata-se que também foram suprimidos da nova norma interna a descrição dos requisitos necessários para julgamento do auto de infração, sendo trazido atualmente no caput apenas a definição de 30 (trinta) dias para proferir decisão fundamentada. Destarte não se espera que o autor da norma desconheça a realidade do número de processos de apuração de infração ambiental que estão pendentes no IBAMA em todo o Brasil, cerca de cinco mil. O que, com a extinção das equipes de análise preliminar e de conciliação na Sede do IBAMA, recairão suas providências iniciais para que estejam prontos para instrução e emissão de decisão administrativa, nos núcleos de conciliação, que possuem apenas dois servidores lotados em cada Superintendência, em média. Portanto, este prazo e o novo rito pode colaborar sobremaneira para a prescrição de processos de apuração de infrações ambientais, jogando por terra todo o esforço empreendido até então para contornar e minimizar o passivo processual. O mesmo prazo de 30 (trinta) dias está previsto no art. 106 para o julgamento de processos de apuração de infração ambiental.

fecho

Este texto foi inicialmente pelo “Observatório do Clima” [Aqui!].

MPF move ação por planejamento contra ocupações irregulares no interior da Rebio Tinguá (RJ)

Ação foi movida contra a Light e a Rebio; a empresa deve submeter a análise e autorização de qualquer pedido de nova instalação de energia elétrica na reserva e em sua zona de amortecimento

tingua

O Ministério Público Federal (MPF) propôs ação civil pública contra a Light Serviços de Eletricidade SA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para impedir ocupações irregulares no interior da Reserva Biológica do Tinguá (RebioTinguá) e em sua zona de amortecimento, de modo a assegurar que quaisquer pedidos de instalação de energia elétrica sejam devidamente precedidos de autorização e análise da Rebio Tinguá. Para tanto, a Light e o ICMBio devem elaborar vistoria em todas as áreas da reserva (Jaceruba, Corte de Pedra, Tinguá, Xerém e Miguel Pereira), e elaborar planejamento de atuação eficaz na prevenção de ocupações irregulares e de instalações de energia elétrica sem a devida autorização.
 
Em 2 de setembro de 2019, no âmbito do Inquérito Civil Público  1.30.017.001066/2013-76, a Light e o ICMBio se comprometeram, em reunião como o MPF, a realizar a vistoria nas áreas da Rebio em 60 dias. “Passou mais de um ano da reunião em que se definiu a necessidade de realização de vistoria para a apresentação de relatório conjunto, sendo que nenhuma informação sobre o cumprimento da medida foi apresentada, motivo pelo qual se fez necessário acionar o Judiciário”, esclarece o procurador da República Julio José Araujo Junior.
 
O inquérito, que foi instaurado em 2013, visa apurar os procedimentos adotados pela concessionária de energia ao instalar conexões de energia elétrica em casas situadas no interior da Reserva Biológica do Tinguá e em sua zona de amortecimento, nos municípios de Japeri e Nova Iguaçu, tendo em vista a Resolução nº 55/2012 do Inea e o artigo 46, parágrafo único, da Lei 9985/2000.
A Resolução nº 55/2012 estabelece o procedimento para consultas formuladas por interessados no fornecimento de serviços públicos sobre a conformidade de construção residencial, comercial, industrial ou em propriedade agropastoril às normas ambientais. Já o artigo 46, parágrafo único, da Lei 9985/2000 salienta a necessidade de prévia autorização do gestor da unidade de conservação.
 
Irregularidades
 
Diversos autos de infração emitidos contra a Light SA revelaram o descumprindo da legislação. Em Auto de Infração nº 036014-A emitido pela Rebio Tinguá , a Light SA foi autuada por instalar e fazer funcionar rede de distribuição de energia elétrica no interior da unidade de conservação, sem autorização direta de seu gestor. “Mesmo com a placa de comunicação social da Rebio Tinguá, que informa acerca da existência de uma unidade de conservação federal de uso restrito, a concessionária adentrou em seus limites e instalou rede de energia elétrica, para abastecer casas construídas irregularmente”, destaca a ação do MPF.
 
Além disso, mesmo após o acordo de setembro do ano passado com o MPF, a concessionária instalou relógio em uma residência, que é objeto de ação judicial, na Estrada do Comércio, dentro dos limites da Reserva Biológica do Tinguá.