Baía da Guanabara: de área paradisíaca à latrina da indústria do petróleo e gás

Diz a lenda (ou seria a história) que quando os conquistadores portugueses chegaram à Baía de Guanabara em 1502 a confundiram com um grande rio, o que veio a dar o nome à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas a despeito da eventual confusão, o encontro com aquele ecossistema causou forte impacto nos portugueses, na medida em que sua beleza só era par para a riqueza da vida marinha, fato esse que explicava o fato de existirem populações originárias que viviam do que retiravam do interior da baía.

Passados pouco mais de quinhentos anos, a Baía da Guanabara ainda me impacta, pois parte de sua beleza tem sobrevivido ao aumento exponencial das fontes de agressão ambiental ao seu rico ecossistema. Cruzar a ponte que une as cidades do Rio de Janeiro e Niterói é sempre um momento de contemplação, pois a baía ainda é bela. 

Entretanto, a realidade objetiva é que a Baía da Guanabara foi transformada em uma espécie de latrina química a céu aberto, seja pela inexistência de um sistema de esgotos sanitários que colete e trata os rejeitos urbano-industriais que são diariamente lançados “in natura” nas suas águas.  Entretanto, um elemento que agravou fortemente a degradação da Baía da Guanabara foi sua transformação em um dos principais (senão o principal) nós da indústria de petróleo e gás no Brasil, o que implicou na construção de um grande número de estruturas (ver abaixo mapa produzida pela Marinha Brasileira, prestando atenção nas linhas de cor rosa).

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Apenas à guisa de um exemplo mais detalhado é interessante ver o mapa produzido pela Petrobras mostrando a localização dos diversos terminais destinados à armazenagem de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) no interior da Baía da Guanabara (ver figura abaixo).

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Mas os riscos potenciais de explosões e vazamentos causados pela forte aglomeração de estruturas de armazenamento e transporte tem sido agravado por operações diárias de manutenção de navios e plataformas que, muitas vezes ocorrem de forma despercebida e ilegal. Tais operações despejam todo tipo de produto químico nas águas da Baía da Guanabara, sem que haja a devida fiscalização pelos órgãos ambientais (a começar pelo IBAMA).

Felizmente, por iniciativa da Associação Homens do Mar da Baía da Guanabara (Ahomar) que criou a chamada “Patrulha Ambiental da Pesca”, estamos tendo a oportunidade de ter acesso a uma documentação visual dessas operações que envolvem desde o descarte de poluentes até o fundeio ilegal de dezenas de navios  (ver vídeos abaixo)

O fato é que todo esse custo ambiental não tem como ser compensado, visto que não apenas o montante de poluição  causada pela indústria de petróleo e gás que chega na Baía da Guanabara está sendo omitido pelas petroleiras (a começar pela Petrobras) que a transformaram em uma latrina tóxica a céu aberto.  O problema é que além de ter sido transformada em uma latrina tóxica (e objetivamente em uma espécie de bomba relógio), a Baía Guanabara possui um potencial altamente explosivo, o que é exponencializado pela proximidade entre si dos múltiplos terminais que foram construídos em seu interior.

Aliás, há que se lembrar que apenas o “bairro/cidade” da Ilha do Governador possui hoje uma população estimada em torno de 200 mil pessoas que estão hoje literalmente de “cara para o gol” em caso de algum tipo de incidente de maiores proporções no interior da baía. O caso da Baía da Guanabara é um excelente exemplo empírico do que seria a “Doença Holandesa” O problema é que, talvez de forma inédita, em seu ecossistema estão hoje colocados todos os elementos (e em condição agravada) dos impactos derivados da exploração do petróleo e gás no chamado Sul Global.

Inea vistoria fábrica de lubrificantes poluidora na Ilha do Governador que transporta produtos perigosos por vias urbanas e áreas residenciais

 Em fevereiro de 2019, o Baía Viva denunciou risco de desastre ambiental ao ministério público e ausência de plano de contingência no caso de um desastre ambiental

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Finalmente após 2 anos da denúncia feita no dia 28 de Fevereiro de 2019 pelo Movimento Baía Viva à 4ª. Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro na Capital, durante o carnaval, finalmente o Instituto Estadual do Ambiente (INEA-RJ) promoveu uma vistoria na fábrica de lubrificantes MOOVE, localizada na Ilha do Governador (RJ), onde há anos moradores denunciam intensa poluição no bairro e que também vem afetando a Baía de Guanabara; além da inexistência de planos de contingência específicos em caso de um eventual desastre (sinistro) na Ilha do Governador; ausência de monitoramento ambiental (poluição do ar, água e do solo)  e de controle de produtos perigosos na fábrica e do transporte de milhões de litros por dia de produtos perigosos e infláveis.

Ecologistas e moradores alertam há anos que não houve, até o momento, uma efetiva avaliação dos riscos de origem tecnológica para saúde e segurança da população, dos riscos de contaminação do solo e da água subterrânea e do risco de poluição por óleo nos corpos hídricos (Baía de Guanabara e estuário do Rio Jequiá).

Em despacho feito no dia 26/07/2019 à página 152 do Inquérito Civil MPRJ No. 2019.00221439, o Promotor de Justiça Pedro Rubim Borges Fortes do Ministério Público Estadual, destaca que: “A resposta apresentada pelo INEA revela que, de fato, não existe um plano específico daquele órgão para eventual sinistro na Ilha do Governador, nem uma prática de controle e monitoramento de produtos perigosos e uma análise específica de risco de desastre tecnológico naquele local.”

“Ora, no caso específico da Ilha do Governador, conforme bem salientado pelos comunicantes na representação, deve ser considerada a elaboração de um plano específico que considere o isolamento típico de uma ilha, bem como a acumulação de atividades de alto grau de risco de desastre tecnológico – aeroporto internacional, refino e transporte de combustíveis, porto de atracação de navios, etc.”

Na vistoria realizada em 15/02/2021, o órgão ambiental estadual (INEA-RJ) constatou a emissão de gases poluentes em valores acima do tolerado e vazamento de óleo dos enormes tanques na área interna (piso da fábrica) com risco de contaminação do solo. A Moove é uma empresa do grupo Cosan, que pertence ao empresário bolsonarista Rubens Ometto Silveira Mello que é Presidente do Conselho de Administração da COSAN Lubrificantes e Especialidades S.A.

O Baía Viva solicitará amanhã (18/02/2021), através de uma 2ª. Representação judicial, que o Ministério Público notifique imediatamente os atuais Secretários municipais de Meio Ambiente, Eduardo Cavaliere Gonçalves Pinto, e de Planejamento Urbano, Washington Menezes Fajardo, já que por anos a Prefeitura do Rio de Janeiro tem agido de forma omissa, negligente, com leniência e conivência o que caracteriza crime de prevarização por parte de autoridades municipais e estaduais diante da conhecida presença perigosa deste mega empreendimento industrial altamente poluidor numa Área Residencial da cidade (bairro da Ribeira), o que comprova a existência de um “zoneamento inadequado”, além da falta ou inexistência de um Plano de contingenciamento adequado para desastres tecnológicos na Ilha do Governador, bairro que concentra em seu território e no seu entorno várias áreas de riscos: em parecer da Coordenadoria de Planejamento e Projetos AP-3, da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), datado de 09 de Julho de 2019, a então Secretaria Municipal de Urbanismo, Fernanda Maria da Silva Fernandez Tejada, informou ao MP Estadual que:…“a atividade desenvolvida no local não é compatível com o Zoneamento Urbano do bairro da Ribeira” que desde a década de 1970 é regulado pelos decretos 322/1976 e 2108/1979 que tratam do Regulamento de Zoneamento do Município do Rio de Janeiro e não permite a expansão industrial neste bairro residencial.

Mais informações: Sérgio Ricardo (Baía Viva)

Tel. (21) 99907-5946 (WhatsApp)

Site: www.baiaviva.com

Ambientalista e morador, Sérgio Ricardo traça cenário sombrio sobre da Ilha do Governador