A aplicação prática da teoria do Bode chega na C&T brasileira

bode

Por Marcos Pedlowski e Carlos Eduardo Rezende*

É notório o caminho destrutivo que está sendo imposto  à educação e à ciência e tecnologia (C&T), setores que têm passado por tempos muito difíceis nos últimos anos no Brasil, e especificamente, no estado do Rio de Janeiro.  Um exemplo disso é a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf ) que está há mais de um ano sem repasses para atender as suas demandas nos fornecimento de serviços  e que, por isso, passa por um dos piores momentos nos seus 23 anos de existência. Não ficam fora deste cenário a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade da Zona Oeste (Uezo). Por sua vez, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do estado do Rio de Janeiro (Faperj) não têm repassado recursos comprometendo projetos de âmbitos estadual  e nacional, mas também projetos que envolvem cooperações internacionais.

Agora, o assunto não para por aqui, o pior dos mundos continua conspirando para o naufrágio de um programa nacional na área de C&T. Depois de mais de 2 anos foram formalizados os resultados do Edital 2014 do Projeto Universal. Este anúncio permitirá a realização do pagamento dos projetos este ano ou no próximo (vamos aguardar que o desembolso ocorra efetivamente antes de celebrar!). Além disso, houve o tão esperado resultado dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) que também se arrastava há mais de um ano. Inicialmente, com aprovação de 252 projetos, depois houve a apresentação de uma nova lista contendo apenas 101 projetos. A segunda lista apresenta diversas mudanças de colocações  em relação à primeira lista, além de não respeitar o percentual que deveria ser mantido para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. O resultado do edital do INCTs pode ser acessado (Aqui!).

Em síntese, houve o crescimento de uma percepção de que o risco de não haver quaisquer desembolsos relativos aos dois editais aqui citados, o que criou um cenário de descontentamento dentro da comunidade científica. Esta insatisfação acabou gerando uma manifestação  conjunta da Academia Brasileira de Ciência (ABC), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf) (ver Aqui!), onde ficou explicita a insatisfação com as inúmeras mudanças dentro do Ministério de Ciência e Tecnologia, que foi incorporado pelo da Comunicação. A coisa ficou ainda pior porque nessa incorporação, houve o rebaixamento hierárquico de órgãos como o próprio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Essa pressão das entidades da comunidade científica acabou, coincidentemente ou não, desembocando no anúncio das liberação dos recursos financeiros que estavam sendo aguardados desde o ano passado. O interessante é que na cerimônia que marcou a liberação desses recursos o discurso foi de que estaríamos entrando numa nova era, a ponto de que esteja sendo dito que o dia 10 de novembro como um dia histórico para ciência e tecnologia brasileira. Mas será mesmo que estamos?

Voltemos por um minuto à situação da mudança de resultados no resultado do edital dos INCTs. Uma análise entre as duas listas mostra que 60% dos projetos aprovados na primeira versão foram sumariamente cortados. Além disso, não foram divulgados os recursos que serão atribuídos a cada projeto. Mas se uma distribuição uniforme  for feita entre os 101 cada projeto aprovada na segunda lista, cada um deles receberá  R$ 3,25 milhões. Mas se a primeira lista tivesse considerada, e o mesmo procedimento de distribuição fosse feita, o montante cairia para R$ 1,30 milhão por projeto.  Apesar de ocorrer uma redução significativa, a manutenção do 252 INCTs permitiria que os compromissos assumidos por coordenadores fossem honrados, e não haveria o risco de destruição de redes que estavam funcionando de forma positiva, e que agora serão paralisadas pela falta de recursos. Ainda que os dirigentes do CNPq possam argumentar que esta redução não permitira o atendimento de todas as demandas dos INCTs financiados, o fato é que um número maior de INCTs permitiria uma melhor consolidação dos objetivos estratégicos que o programa possui.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: por que aprovaram  inicialmente 252 projetos? A resposta pode ser simplória, tipo “o momento era outro e não poderíamos prever esta situação”. Mas isso agora pouco importante, visto que se fez a opção de se apoiar apenas 101 projetos, sem que os critérios de escolha tenham ficado transparentes. Uma  possibilidade alternativa a este cenário que resultou pouco transparente e incompatível com os necessários critérios de mérito, mas que lamentavelmente não foi aplicada, seria aquela em que os dirigentes do CNPq tivessem continuado a negociar com outras instâncias do governo federal para atender a lista divulgada inicialmente de forma integral em vez de formular um novo resultado, que como já foi apontado, não se deu com base em critérios claros e transparentes. 

O resultado final deste imbróglio é que se o processo de avaliação dos INCTs fosse transformado numa fotografia, esta seria de péssima qualidade. E o pior é que agora temos 151 INCTs que foram transformados em verdadeiros “bodes na sala” de visita. Resta saber se alguém vai querer resolver o cheiro que ficou.

*Carlos Eduardo Rezende é professor titular e chefe do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf

Ciranda promovida pelo CNPq na lista de projetos aprovados no edital dos INCTs deve aumentar descontentamento da comunidade científica nacional

 

chairs

Como já foi reportado por este blog (Aqui!), o maior programa na área de Ciência e Tecnologia (C&T) do Brasil, o dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) está sofrendo nos últimos meses o maior esvaziamento desde a sua implantação em 2008. Na minha postagem do dia 17 de Outubro, notei minha estranheza em relação à divulgação feita  pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnológico (CNPq) do edital voltado para a renovação do financiamento dos INCTs, afirmando que:

Pois bem, o edital ficou aberto entre 10 de julho a 15 de setembro de 2014, com a data para divulgação dos resultados a partir de março de 2015 e implementação em 6 de abril de 2015. Os resultados só saíram em maio de 2016 e até no momento, obviamente, nada foi implementado, quando para surpresa de uma grande maioria o CNPq em reunião, em 5 de outubro do presente, com Diretores Científicos das Fundações Estaduais de Ciência e Tecnologia acordam em liberar apoio apenas a 100 projetos, ver comunicado abaixo, dentre os 252 que foram aprovados e a lista divulgada na página no CNPq.”

Para minha surpresa e de tantos outros pesquisadores que aguardavam notícias sobre o início dos recursos, o CNPq divulgou no dia 26 de Outubto uma suposta “lista final” contendo 101 projetos que serão efetivamente financiados. Entretanto, como já havia notado no dia 17 de Outubro:

… chama atenção que a lista divulgada, não apresentou previamente um posicionamento claro de 1 a 252 assim como uma pontuação objetiva onde pudéssemos saber sobre os 100 primeiros classificados. Porém, isto não seria relevante se neste momento o CNPq e os representantes das FAP não tivessem tomado esta decisão, pois foram aprovados 252 e estes deveriam ser claramente apoiados e suas propostas devidamente honradas, mesmo que para isto usassem um corte linear.

Agora, conferindo a lista apresentada no dia 26 de Outubro  com a que foi divulgada em Maio de 2016, verifiquei que 7 projetos, que não estavam entre os 101 melhor ranqueados ,foram incluídos na segunda lista, passando a fazer parte do seleto grupo que será financiado pelo CNPq e pelas FAPs.

Desse fato decorre duas perguntas básicas: por que foram foram alterados os posicionamentos destes projetos na “lista final” de aprovados do CNPq, e  quais foram os critérios utilizados para  houvesse essa mudança no ranqueamento?

Agora o mais peculiar nesse processo de ciranda as cadeiras foi a nota lançada pelo CNPq (Aqui!), onde se reconhece o mérito do conjunto de propostas aprovadas em Maio, e como prêmio de consolação os “mandatários” do CNPq propõem um “Selo INCT” aos grupos de pesquisa que vão ficar literalmente chupando os dados.  Segundo o raciocínio de certo sábio do esporte brasileiro, eu pergunto:  já perguntaram aos 141 outros coordenadores se este reconhecimento  meramente protocolar interessa de fato? Além disso, quais seriam as obrigações legais para quem aceitar receber o tal “Selo INCT”?

cnpq

Um ponto que chama especial atenção é  o caso do Rio de Janeiro, estado onde foram aprovados 15 projetos INCTs, incluindo um coordenado pelo próprio Diretor Científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), o professor da UFRJ, Jerson Lima Silva. Como existe a “Carta de Salvador” que regula a interação federal e estadual, que rege a cooperação entre as FAPs, e que estabeleceu as relações de investimentos nestas duas escalas, noto com curiosidade genuína que a Faperj apresenta uma proposta de aporte de recursos que implica numa relação de 1:1  (ou seja a Faperj investirá o mesmo valor que foi aportado pelo CNPq) na contrapartida  ao aporte de recursos federais(em comparação a SP 1:1; PE e BA 2:1; e CE e PI 3:1). O problema é que a Faperj não vem honrando o pagamento de incontáveis projetos de pesquisa aprovados em vários editais importantes, tais como Cooperações Internacionais, PRONEX, Projetos Temáticos, etc. Além disso, em que pese a sua inadimplência com os pesquisadores fluminenses, a Faperj continua  abrindo editais, o que fato aumenta a sua inadimplência com os cientistas do estado do Rio de Janeiro. Assim, como esperar que a Faperj possa cumprir a sua promessa de investir nos INCTs numa relação 1:1?

Posso afirmar ainda persistem algumas dúvidas como foram realizados os cortes financeiros dos projetos? Por exemplo, existiu um critério de regional? Além disso, o  que será cobrado das FAPS em termos de ?

Essa ciranda na lista de projetos aprovados pelo CNPq deverá gerar (compreensivelmente) o clamor por transparência por parte da comunidade científica nacional, pois quando se vê  cientistas de reconhecida competência em posição de direção nas políticas de ciência e tecnologia, o mínimo que se espera é a divulgação de informações claras e objetivas.

Também é importante notar que não é possível aceitar que depois de se ter alcançado um bom nível de desenvolvimento que se permite que a falta de projeto político para ciência e tecnologia deste país comprometa a sustentação do que já foi construido. E cá entre nós, o que se espera dos cientistas representam a comunidade científica nestes órgãos é o respeito à liturgia do cargo e da sua formação acadêmica, a aplicação de métodos de avaliação e aprovação que não estejam submetidos a desvios ditados por conveniências e práticas pouco transparentes. 

De toda forma, não posso deixar de desejar vida longa aos INCTs, com uma política de financiamento que seja feita de forma democrática e transparente.  Pode parecer sonho, mas o que seria a ciência sem a possibilidade de projetar um futuro que seja guiado por compromissos com o que ela nos oferece de melhor?