O que a repetição do uso da metáfora do santuário revela sobre as políticas do governo Lula para a Amazônia

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A metáfora do santuário usada à exaustão por Lula é um anteparo que esconde políticas que continuam o que Temer e Bolsonaro começaram na Amazônia

Em mais de uma ocasião, o presidente Lula tem repetido a metáfora do santuário para indicar que não pretende manter a Amazônia apartada das políticas econômicas que seu governo pretende implementar para alavancar o desenvolvimento econômico do Brasil.   Ainda que Lula continue dourando a pílula, prometendo um modelo de desenvolvimento sustentável (o que sabemos ser outra metáfora), ele fica nos devendo uma explicação clara de quem seriam os defensores da transformação da Amazônia em um santuário (ecológico, eu suponho), nem de como seriam as ações concretas do seu governo para não ampliar o processo de destruição que já ameaça a integridade e a funcionabilidade dos ecossistemas naturais amazônicos.

A realidade é que no tocante às ações concretas, o que o governo Lula tem feito e planeja fazer não tem nada de sustentável e se parece mais com uma continuidade do que foi feito nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, em uma espécie de déja vu de dias de terror.  Um exemplo concreto é a prometida pavimentação da BR-319 que segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, é uma das prioridades do governo Lula.  Acontece que existem estudos mostrando que a pavimentação da BR-319 terá um efeito devastador sobre o último grande bloco de floresta intacta na Amazônia, podendo acelerar o colapso ecológico de toda a bacia amazônica.

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Pavimentação da BR-319 deverá acelerar colapso ambiental da Amazônia, dizem cientistas

Mas a pavimentação da BR-319 é apenas um dos muitos projetos do governo Lula que ameaçam acelerar o processo de transformação da floresta amazônica em uma imensa savana, o que terá profundos impactos não apenas para o clima regional, mas do centro sul brasileiro.  O governo Lula mira a expansão de hidrovias e portos nos rios amazônicos, bem como a construção de ferrovias. Tudo isso está sendo feito de olho na ampliação da produção e exportação de soja e carne a partir da Amazônia. Como está mais do que demonstrado em incontáveis estudos científicos, pastagens e monoculturas de soja são as principais impulsionadoras de desmatamento das florestas da Amazônia e do Cerrado.

É preciso ainda lembrar que no congresso nacional avançam propostas que visam autorizar a exploração de madeira e ouro dentro de unidades de conservação e terras indígenas, muitas vezes com o beneplácito dos votos dos chamados partidos de esquerda, começando pelo PT do presidente Lula.  Se todas essas legislações forem aprovadas, o mais provável é que sejam acompanhadas de ações do governo federal para facilitar a atuação das madeireiras e empresas de mineração, e não o contrário.

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Garimpo ilegal de ouro despeja mercúrio nos rios amazônicos e ameaça a sobrevivência das florestas e dos povos indígenas

Ainda no contexto do santuário que inexiste para quaisquer medidas práticas, há que se lembrar que o governo Lula tem feito muito pouco ou quase nada para remover garimpeiros que hoje ameaçam povos indígenas em diferentes partes da Amazônia, começando pelos Munduruku e Kayapó no Pará e Yonamami em Roraima. Apesar de um início aparentemente comprometido, hoje já se vê que não apenas os garimpeiros não foram efetivamente expulsos, mas que continuam avançando com suas formas predatórias de exploração mineral, ameaçando diretamente a sobrevivência dos povos indígenas porque os esforços de remoção são, quando muito, precários. Com isso não avançam apenas as mortes de crianças, mas também a contaminação de mercúrio que emporcalha e envenena rios importantes e os peixes que são item fundamental dos habitantes da Amazônia.

Não posso esquecer aqui de mencionar os papéis inexpressivos que são cumpridos pelas ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A elas caberiam informar a Lula que inexiste fora ele próprio alguém que aborde a complexidade amazônica sob a metáfora reducionista do santuário.  Com o silêncio concordante das duas ministras, Lula desafia a lógica ao exagerar o uso de uma figura de linguagem que não tem nada a ver com o que ocorre na realidade amazônica.

Finalmente, se o presidente Lula fosse minimamente comprometido com o desenvolvimento sustentável da Amazônia ele já teria criado um fundo especial para fortalecimento das universidades e institutos de pesquisa existentes nos estados da Amazônia, a começar pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi que às duras penas realizam pesquisas fundamentais para o futuro da Amazônia. Mas até agora, essas duas instituições estratégicas continuam amargando com orçamentos insuficientes que as deixam sempre no limiar da inviabilização.

Projeto pioneiro que vai analisar impacto do CO2 atmosférico na Amazônia inicia testes

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Foto: JOÃO M ROSA

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Começou nesta sexta (26) a primeira fase de testes do AmazonFACE, projeto que irá simular um aumento na emissão de gás carbônico (CO2) em 50% na composição atmosférica atual para medir os impactos causados por essa mudança climática na floresta amazônica. Isso será feito por meio de “torres de CO2” — e a primeira delas, construída em Campinas (90km da capital paulista), acabou de ser concluída.

A proposta é entender como o aumento de CO2 atmosférico pode afetar a resiliência da floresta amazônica e a biodiversidade que ela abriga. Trata-se tanto de avaliar a contribuição da Amazônia para o clima global (através da regulação da ciclagem de carbono e da água para a produção de chuvas), mas também de verificar se a floresta amazônica terá a capacidade de se manter no futuro.

“É o primeiro experimento desse tipo em qualquer floresta tropical do mundo”, explica David Lapola, um dos coordenadores do projeto e pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp.

Nesta primeira fase, o experimento contará com 32 torres de CO2   a serem instaladas na floresta — como a que acaba de ser testada em Campinas — de 35 metros de altura, 2m x 2m de base e peso estimado em 1,6 tonelada de alumínio. A altura é equivalente a um prédio de dez andares, suficiente para ultrapassar a copa das árvores da floresta Amazônica. As torres serão distribuídas em dois anéis com 30 m de diâmetro, cada anel com 16 torres.

Cada torre de CO2 injetará diariamente cerca de três toneladas de CO2 no interior das parcelas experimentais, expondo a vegetação a uma concentração atmosférica de CO2 cerca de 50% acima da concentração atmosférica atual de gás carbônico. Como explica Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e também coordenador do AmazonFACE, um único voo internacional de longa distância, ida e volta, num avião de grande porte, emite o equivalente à emissão de CO2 que será emitido pelo AmazonFACE durante um ano do experimento.

Após a conclusão da produção e montagem da primeira torre de CO2,  começam os testes da tecnologia FACE (Free-Air Co2 Enrichment, na sigla em inglês).  A expectativa é de que até o final de 2022, as 32 torres estejam concluídas e que se dê início à instalação na reserva florestal de pesquisa do Inpa, em Manaus (AM). Com a conclusão da instalação das torres de CO2, o experimento poderá ser iniciado.

Os coordenadores do AmazonFACE explicam que o CO2 liberado para a execução da pesquisa no meio da floresta, bem como em todas as etapas de produção das torres será compensado na forma de reflorestamento.

O AmazonFACE é um programa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), executado sob a coordenação institucional do Inpa e da Unicamp e com cooperação internacional. Em 2021, o programa recebeu o financiamento de 2,25 milhões de libras (cerca de R$17 milhões) do governo britânico, por meio do Met Office, o serviço Nacional de Meteorologia do Reino Unido, e o repasse será feito através de um acordo com o Inpa e a Unicamp, com possibilidade de novos aportes anuais. O projeto conta também com o investimento de R$32 milhões de Ação Transversal do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). De acordo com o Secretário do MCTI, a assinatura do acordo para o financiamento da próxima etapa do projeto deve ocorrer ainda em agosto. 


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Em vitória da ciência, juíza suspende liberação da cana na Amazônia e no Pantanal

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Em uma vitória contra os esforços do governo Bolsonaro de permitir a expansão da monocultura da cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal, a juíza federal Jaíza Pinto Praxe, da 7a. Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas, suspendeu a vigência do Decreto 10.084/2019 de autoria do presidente Jair Bolsonaro, o qual revogou o Decreto 6.961/2009 que até impedia que isso acontecesse.

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A decisão da juíza Jaíza Pinto Fraxe atende a um pedido pelo Ministério Público Federal no Amazonas ajuizou uma ação civil pública contra a União para revogar o decreto presidencial que autorizou a plantação de cana-de-açúcar na Amazônia.  Em sua ação, o pediu que a Justiça Federal determinasse que não fosse editado novo decreto sobre o tema até que se demonstre, por meio de estudos técnicos e científicos, que a medida não compromete o dever de proteção do meio ambiente.

E aqui mora o detalhe em que a ciência brasileira mostra o seu valor.  É que a apuração do MPF foi iniciada a partir de representação do doutorando Lucas Ferrante, do Programa de Ecologia do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa),  que estava acompanhada de um publicação da revista Science, principal período científico do mundo em co-autoria com o respeitadíssimo pesquisador amazônico, Philip Fearnside.

Com base no artigo da Science, o MPF apontou para as evidências científicas de possíveis danos ambientais irreversíveis que podem ser causadas pela cultura da cana na Amazônia sobre a biodiversidade e os serviços ambientais prestados por ela, com impactos sobre o abastecimento de água e agricultura em várias regiões do país.

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É interessante notar que no ano passado,  Lucas Ferrante também foi co-autor de outro artigo na Nature, outra das maiores publicações científicas do mundo, onde foram tratados os problemas que derivariam da implantação de plantas de biocombustíveis dentro da Amazônia.

Em um momento em que se sabe do avanço explosivo do desmatamento na Amazônia, a decisão da juíza Jaíza Pinto Fraxe é efetivamente uma boa notícia. E o melhor é que esta decisão está ancorada em pesquisa publicada em revista de excelência incontestável. Um belo exemplo de como a ciência pode servir aos interesses nacionais, mesmo contrariando os governantes de plantão.

A previsão sombria de Philip Fearnside para a Amazônia em 2020

PHILIP FEARNSIDEEm entrevista à revista Science, o pesquisador do Inpa, Philip Fearnside, fez previsões sombrias para a Amazônia em 2020. 

O pesquisador de origem estadunidense Philip Fearnside trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) desde 1978 e ao longo de mais de quatro décadas de pesquisa contribuiu para um amplo e compreensivo entendimento das causas das mudanças do uso da terra e da cobertura vegetal nos biomas amazônicos. Dentre de sua formidável carreira acadêmica, Fearnside publicou quase 400 artigos científicos que demonstram seu conhecimento capilarizado sobre os processos e atores que estão transformando a maior floresta tropical no mundo numa mistura de pastagens, monoculturas para exportação e terras abandonadas por incapacidade de sustentarem sequer gramíneas.

Em uma entrevista realizada pelo jornalista Herton Escobar publicada no dia 22 de Novembro pela revista Science, do alto de sua posição de grande autoridade científica, Philip Fearnside nos informa que o ano de 2020 será um ano ainda pior para os biomas amazônicos, pois ele estima que os níveis de desmatamento se sobressairão aos desastrosos números acumulados para o primeiro ano de vigência do desmanche ambiental prometida em campanha eleitoral e realizado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Segundo Fearnside, as perspectivas para 2020 são sombrios já que os dados do PRODES para o próximo ano incluirão o desmatamento ocorrido desde agosto, que agora totaliza pelo menos 3929 km2, com base no sistema de monitoramento DETER.  Fearnside relacionou esse padrão de avanço do desmatamento ao fato de “que nada mudou no discurso da administração presidencial e o desmantelamento das instituições ambientais do país continua“. Além disso, Fearnside afirmou que as “várias estradas, barragens e outros projetos planejados na Amazônia levarão a mais desmatamentos“.

As previsões de Fearnside talvez tivessem ainda mais sombrio se, no momento da entrevista, ele soubesse do plano mirabolante do presidente Jair Bolsonaro de autorizar a exportação de toras madeiras retiradas da Amazônia. Essa predisposição de Bolsonaro é particularmente alarmante porque facilitará a comercialização de madeira extraída ilegalmente, especialmente em áreas de proteção ambiental e reservas indígenas.  Um detalhe nessa questão é que poucos países do mundo irão aceitar esse tipo de commodity dadas as fortes regulações existentes. O problema é que determinados países, um bom exemplo é a China se tornem grandes consumidores de madeira amazônica  “in natura“, pois possuem demanda aquecida em meio a padrões ambientais mais frouxos.

madeira ilegalMadeira apreendida pela Força-Tarefa Amazônia em operação feita em Ajuricaba (AM) Imagem: Divulgação 

Outro aspecto que Fearnside não teve oportunidade de apreciar é o fato de que a expansão privilegiada da fronteira do desmatamento são aquelas áreas onde processos de degradação como extração ilegal de madeira e incêndios florestais já “prepararam” grandes áreas para formas rápidas e mais baratas do corte raso da vegetação. E como a quantidade de áreas degradadas estão avançando tão rapidamente quanto as desmatadas, essa combinação poderá trazer números ainda mais expressivos de perda da floresta nativa na Amazônia.

O interessante é que o alarme soado por Fearnside está caindo em ouvidos mocos na mídia corporativa nacional.  Essa disposição de ignorar o alarme possivelmente se explica pelo alinhamento dos proprietários dos grandes veículos da mídia ao projeto de recolonização que o governo Bolsonaro está tentando impor ao Brasil.  Assim, ainda que existam notáveis exceções, a posição em relação ao desastre que está se desenvolvendo na Amazônia é de uma postura cúmplice de ignorar alarmes e manter a desinformação que está permitindo ao governo Bolsonaro desmantelar rapidamente os comandos de comando e controle que existiam até janeiro de 2019 e sepultar, sem direito a velório, as estruturas de governança ambiental estruturadas a partir da Conferência de Estocolmo de 1972.