Ataque ao Irã: a crise capitalista e a grande guerra que se aproxima rapidamente no horizonte

Fordow e o B-2: conheça a usina do Irã e o bombardeiro dos EUA

O ataque das forças armadas dos EUA às instalações nucleares do Irã será noticiado de diversas formas, mas certamente a melhor cobertura não virá da mídia corporativa, seja a nacional ou a global. O problema aqui é que mais do que nunca, informação é algo estratégico demais para ser compartilhado com leigas. Quem nos ensinou isso foi o geógrafo francês Yves Lacoste em seu livro “A Geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra” quando ele enuncia que existe a geografia dos bancos escolares e a leigos (a maioria de nós) e a dos Estados maiores que usam as informações geográficas para planejar as guerras que assolam o mundo para garantir o controle de matérias primas e rotas comerciais. Acima de tudo, é preciso lembrar que La Coste disse nesse livro que o “mundo é ininteligível para quem não tem um mínimo de conhecimentos geográficos“.

É preciso notar que o não menos célebre jornalista Seymour Hersh anunciou com precisão horas antes em seu blog no Substack o início dos ataques realizados contra as instalações nucleares iranianas.  Se Hersh sabia do que ia acontecer, acho difícil que não houvesse o devido nível de alerta em Teerã cujos serviços secretos são conhecidos por serem bastante alertas e possuírem agentes infiltrados em diversos serviços de inteligência do mundo. Tanto isto é verdade é que poucas horas depois, agências de notícias iranianas informaram que todo o urânio enriquecido de posse do país tinham sido movidos para outras instalações.

Como consequência da destruição das instalações, o que temos agora é provavelmente uma pulverização locacional do material enriquecido e da dispersão de parte das máquinas de enriquecimento.  Com isso, é provável que o risco dos iraniano possuírem uma bomba atômica tenha aumentado em vez de diminuir.  Com isso, aumentam as chances de uma guerra prolongada, dado que invadir o Irã não é algo factível dada as características geográficas (como geógrafo não posso deixar de notar essa ironia) que tornam o país de difícil invasão terrestre. 

Restará aos EUA e a Israel continuar jogando bombas poderosas para dobrar o Irã militarmente ou esperar que o regime iraniano seja derrubado por alguma revolta interna.  Ambas as possibilidades são cercadas de dificuldades estratégicas, mesmo porque, apesar da torcida de muitos analistas de plantão, as armas iranianas mais modernas ainda não foram usadas e provavelmente estão reservadas para outras fases da guerra que se iniciou com os ataques israelenses e ganha agora maior envergadura com a entrada aberta dos EUA no conflito.

O risco real é que outras forças comecem a se envolver no conflito, pois os interesses geopolíticas envolvidos vão muito além do trio atual. Há que se lembrar que o Irã tem a Rússia e a China como aliados estratégicos, e esses dois países não vão ficar assistindo esta situação de mãos cruzadas, ainda que suas ações não se tornem tão explícitas como as dos EUA.  Assim, ainda que não entrem diretamente no conflito, é provável que russos e chineses irão dar uma mãozinha para o Irã. E essa maõzinha virá reacheada de mísseis e drones de guerra. Com isso, está garantida a instalação de um conflito que começa regional, mas poderá se tornar rapidamente global.

Finalmente, há que se analisar toda essa situação tendo como pano de fundo a grave crise que o sistema capitalista atravessa, tanto do ponto de vista econômico, como do geopolítico. Que os EUA e a União Europeia perderam a corrida contra a China é algo evidente, o que grava os problemas vividos com a hegemonia financeira que marca o funcionamento do capitalismo no Ocidente.  Com isso, uma grande guerra se torna algo quase que inevitável, dado que em momentos de crises sistêmicas, a opção é sempre a guerra. Isto aconteceu nas duas grandes guerras mundiais, e tem toda chance de acontecer agora, ainda que não imediatamente.

Na geopolítica de crise sistêmica, as aparências enganam…e matam

Por Douglas Barreto da Mata 

Desde os primórdios, quando os ajuntamentos de pessoas começaram a disputar territórios e recursos entre si, tão importante quanto o esforço militar de cada parte, era o controle da narrativa. Se a História é a tradução da versão dos vencedores, definir quem, e como se conta essa história é crucial. Desde os papiros até os meios digitais muita confusão e distração foram produzidas, confundindo não só o senso comum, mas também acadêmicos e pessoas dotadas de acesso às informações mais, digamos, qualificadas.

A esquerda brasileira, por exemplo, está tão perdida quanto cego em tiroteio. A mídia brasileira é um caso à parte, com raríssimas e honrosas exceções. Ela não está perdida, ela está na coleira. Jornalistas brasileiros, na maioria, não pensam por si, só reproduzem o conteúdo que vem da matriz, os EUA. É um trabalho constante de sustentação de um pensamento hegemônico global, sem qualquer compromisso com verdade factual, ou intenção de pensar “fora da caixa”.

Assim, em um estranho universo, mídia e esquerda se juntam, cada qual por uma razão distinta, a primeira por burrice, a segunda por má fé, e apresentam visões muito ruins sobre o tabuleiro geopolítico, e claro, sobre os conflitos que envolvem Israel.

Sim, eu sei. Ideologicamente há argumentos para odiar Israel, desde a ideia esdrúxula de sua existência, a partir de 1948, sua posição agressiva a partir de então, e culminando com os episódios recentes, o holocausto palestino e a guerra com o Irã. Eu já disse isso aqui antes.

Uma coisa é uma posição política e afetiva a favor dos mais fracos. Outra é desconhecer a História. Apesar de serem os únicos que confrontam o império estadunidense, e terem sido alvo de agressões por muito tempo, passando pelas Cruzadas e outros embates, as sociedades islâmicas são teocráticas, ultra conservadoras e com hierarquia de classes rígidas. Não são um paraíso socialista.

Lá nos idos do início do capitalismo, e nos períodos anteriores de acumulação primitiva, o Islã reunia condições tecnológicas e científicas muito mais avançadas, e dominavam rotas de comércio cruciais (uma cena ilustrativa é o Saladin oferecendo gelo no deserto para os prisioneiros cruzados, no filme Cruzadas). Foram massacrados em um momento que a História e seus desígnios decidiu quem ia dar o salto Paes uma sociedade de produção capitalista, ou não. Se não fosse por esse motivo, o mundo ocidental não existiria como conhecemos, e talvez Hollywood fosse Meca. Por isso foram massacrados, embora a justificativa tenha sido a fé.

Então é, no mínimo, contraditório, a esquerda desconhecer que combater o autoritarismo israelense não faz sentido, se a escolha for autoritarismo islâmico, que são regimes que praticam o modo de produção capitalista, mais atrasados pelas razões já expostas aí em cima.

Por outro lado, a mídia nacional (sucursal da Casa Branca), bate tambor por Israel, e vende o conto do mocinho contra o bandido, reduzindo a questão a uma luta entre o mundo (ocidental) “esclarecido” e os “bárbaros” do Islã, requentando ódios medievais misturados com ressaca da guerra fria. Não, não se luta por democracia ou por valores universais no oriente médio, a disputa ali é por grana. Aliás, no mundo todo. No entanto, não é só isso.

O que está em colisão são três grandes modelos autoritários, que se colocam em blocos: O complexo sino-indo-russo e associados, aqui juntos o Irã e facções do mundo árabe, e do outro, EUA, Europa, e associados, incluindo Israel e partes do mundo árabe. A América Latina parece hesitar, mas não vai resistir muito, e deve aderir, a um ou outro bloco, no todo ou dividida. Essa parte Sul do mapa talvez seja o local de alternativas genuínas, todas abortadas, é claro, pelo esforço EUA-Europa.

O sucesso chinês e, de certa forma, os relativos sucessos russo e indiano estabeleceram um padrão a ser perseguido pelas potências ocidentais decadentes, que se ressentem do fardo “democrático”, ou seja, da impossibilidade de fazer o capitalismo sem amarras ambientais, eleitorais e de regulamentação, melhor dizendo, impondo rígidas regras para retirar “obstáculos sociais” do caminho, com planejamento verticalizado ao máximo. Se antes chineses eram conhecidos pelas cópias, hoje é o “mundo livre” que deseja o padrão chinês de gestão política do capitalismo.

Diferente da Segunda Guerra, nos dias atuais não há oposição de um suposto bloco “democrático” contra um eixo totalitário. A contenda é para saber quem será o mais autocrático. Esqueça a “vocação humanista europeia”. Essa farsa acabou na tentativa de insuflar a Ucrânia contra a Rússia (outra historinha da mídia nacional).

Mesmo desse jeito, pensando de forma pragmática, o fato é que torcer pelo Irã exige o desprendimento, em outras palavras, vontade de andar a pé e deixar uma pauta de produtos (derivados de petróleo, ou quase tudo) fora de nossa vida ocidental. É Israel que, como preposto militar dos EUA e da Europa, mantém o preço do petróleo em um patamar que nos permite viver. Dura verdade, mas é a verdade.

O Irã é um regime que existe como oposição aos EUA, mas não significa que isso nos favoreça. Talvez aqui e ali, mas não se pode confundir o regime iraniano com aquele que foi derrubado pelos EUA, em 1953, quando o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh prometeu estatizar o petróleo. Naquela época o Irã era um país secular (religião separada do Estado), que foi transformado em uma brutal ditadura pela CIA.

Na década de 1970, os aiatolás mobilizaram a resistência e o ódio, fermentando esse movimento com fanatismo religioso, e o resto todo mundo sabe. O Irã é uma analogia da nossa extrema-direita por aqui, que mistura religião, repressão de costumes, e hierarquias políticas.

Engraçado é também assistir os ultra direitistas atacando o Irã e a Palestina, quando nesses locais estão instalados regimes que esses contingentes políticos nacionais desejam instalar no Brasil Religiosos, autocráticos e ultra capitalistas.

A geopolítica, às vezes, exige deslocamentos e alinhamentos temporários, demanda sopesarmos qual é mal menor, e o que é ou não possível para alcançar um objetivo estratégico. Acima de tudo, requer bom senso. Eu leio muita gente boa por aí babando russos e chineses, imaginando um mundo cor de rosa pós EUA.

Não creio que a solução para a esquerda e para o Brasil seja mudar de dono. Ao mesmo tempo, a aversão que a extrema-direita brasileira tem pelo Islã e China, ou o amor incondicional ao EUA não se justificam.

Estudo da Lancet aponta que o número oficial de mortos em Gaza provavelmente está subestimado em 41%

gaza deathsUma mãe chora após seu filho ser morto por um ataque aéreo israelense em Deir al-Balah, Gaza, em 9 de janeiro de 2025. (Foto: Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images)

Por Jake Johnson para “Common Dreams”

Uma análise revisada por pares publicada na The Lancet na quinta-feira descobriu que o número oficial de mortos em Gaza relatado pelo Ministério da Saúde do enclave entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024 foi provavelmente uma subcontagem de 41%, uma descoberta que ressalta a devastação causada pelo ataque de Israel ao território palestino e as dificuldades de coletar dados precisos em meio a bombardeios implacáveis.

Durante o período examinado pelo novo estudo, o Ministério da Saúde de Gaza (MoH) relatou que 37.877 pessoas foram mortas em ataques israelenses. Mas a análise da Lancet estima que o número de mortos durante esse período foi de 64.260, com mulheres, crianças e idosos respondendo por quase 60% das mortes para as quais os detalhes estavam disponíveis.

Essa contagem inclui apenas “mortes por ferimentos traumáticos”, deixando de fora mortes por fome, frio e doenças.

Para chegar à sua estimativa, os autores do novo estudo “compuseram três listas a partir de dados sucessivos coletados pelo Ministério da Saúde sobre necrotérios hospitalares, uma pesquisa on-line do Ministério da Saúde e obituários publicados em páginas públicas de mídia social” e “extraíram manualmente informações de plataformas de mídia social de código aberto, incluindo páginas específicas de obituários paraGaza Shaheed, mártires de Gaza, eO Centro de Informações Palestino criará nossa terceira lista de captura e recaptura.”

“Essas páginas são espaços de obituário amplamente usados, onde parentes e amigos informam suas redes sobre mortes, oferecem condolências e orações e homenageiam pessoas conhecidas como mártires (aqueles mortos na guerra)”, escrevem os autores. “As plataformas abrangem vários canais de mídia social, incluindo X (antigo Twitter), Instagram, Facebook, WhatsApp e Telegram. Durante todo o período do estudo, essas páginas foram atualizadas periodicamente e consistentemente, fornecendo uma fonte abrangente de informações sobre vítimas. Os obituários normalmente incluíam nomes, idade na morte e data e local da morte, e eram frequentemente acompanhados por fotografias e histórias pessoais. Traduzimos postagens em inglês para o árabe para corresponder nomes em listas e excluímos mortes atribuídas a ferimentos não traumáticos.”

O grupo de autores — que inclui acadêmicos do Reino Unido, Estados Unidos e Japão — disse que as descobertas “mostram uma taxa de mortalidade excepcionalmente alta na Faixa de Gaza durante o período estudado” e destacam “a necessidade urgente de intervenções para evitar mais perdas de vidas e esclarecer padrões importantes na condução da guerra”.

Estabelecer uma contagem precisa do número de pessoas mortas no ataque de 15 meses de Israel à Faixa de Gaza, que começou na esteira de um ataque mortal liderado pelo Hamas, foi extremamente difícil devido ao bombardeio incessante e à destruição da infraestrutura médica do enclave pelo exército israelense. Também há dezenas de milhares de pessoas que se acredita estarem desaparecidas sob as ruínas de casas e edifícios em Gaza.

O estudo da Lancet observa que “a escalada das operações militares terrestres israelenses e os ataques a instalações de saúde interromperam severamente” os esforços de coleta de dados das autoridades de Gaza. Antes de 7 de outubro de 2023, o MoH “tinha alcançado boa precisão na documentação de mortalidade, com subnotificação estimada em 13%”, observa a nova análise, e seus números foram amplamente considerados confiáveis .

Mas desde que Israel lançou sua resposta catastrófica ao ataque liderado pelo Hamas, os legisladores e líderes dos EUA que apoiaram o ataque de Israel — incluindo o presidente Joe Biden — lançaram abertamente dúvidas sobre os dados do ministério. Atualmente, o MoH estima que mais de 46.000 palestinos foram mortos desde 7 de outubro de 2023.

No mês passado, o Congresso dos EUA aprovou um amplo projeto de lei de política militar que incluía uma disposição impedindo o Pentágono de citar publicamente como “autoritários” os números de mortes do Ministério da Saúde de Gaza. Biden sancionou a medida em lei em 23 de dezembro.

“Esta é uma anulação alarmante do sofrimento do povo palestino, ignorando o custo humano da violência contínua”, disse a deputada Ilhan Omar (D-Minn.), que votou contra a legislação, ao The Intercept após a aprovação da medida pela Câmara.


Fonte: Common Dreams

Guerra em Gaza: The Lancet estima que mais de 186 mil palestinos podem ter sido mortos no atual conflito

Contagem de mortos em Gaza: difícil mas essencial

gaza

Por Rasha Khatib,  Martin McKee e Salim Yusuf para o “The Lancet”

Até 19 de junho de 2024, 37.396 pessoas foram mortas na Faixa de Gaza desde o ataque do Hamas e a invasão israelense em outubro de 2023, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, conforme relatado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
Os números do Ministério foram contestados pelas autoridades israelitas, embora tenham sido aceites como precisos pelos serviços de inteligência israelitas.
a ONU e a OMS. Esses dados são apoiados por análises independentes, comparando as mudanças no número de mortes de funcionários da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) com aquelas relatadas pelo Ministério,que considerou as alegações de fabricação de dados implausíveis.

A coleta de dados está se tornando cada vez mais difícil para o Ministério da Saúde de Gaza devido à destruição de grande parte da infraestrutura.

O Ministério teve que aumentar seus relatórios habituais, com base em pessoas morrendo em seus hospitais ou trazidas mortas, com informações de fontes confiáveis ​​da mídia e socorristas. Essa mudança inevitavelmente degradou os dados detalhados registrados anteriormente. Consequentemente, o Ministério da Saúde de Gaza agora relata separadamente o número de corpos não identificados entre o número total de mortos. Em 10 de maio de 2024, 30% das 35.091 mortes não eram identificadas.

Alguns funcionários e agências de notícias usaram esse desenvolvimento, projetado para melhorar a qualidade dos dados, para minar a veracidade dos dados. No entanto, o número de mortes relatadas é provavelmente uma subestimação. A organização não governamental Airwars realiza avaliações detalhadas de incidentes na Faixa de Gaza e frequentemente descobre que nem todos os nomes de vítimas identificáveis ​​estão incluídos na lista do Ministério.

Além disso, a ONU estima que, até 29 de fevereiro de 2024, 35% dos edifícios na Faixa de Gaza foram destruídos,portanto, o número de corpos ainda enterrados nos escombros é provavelmente substancial, com estimativas de mais de 10.000.

Conflitos armados têm implicações indiretas na saúde além do dano direto da violência. Mesmo que o conflito termine imediatamente, continuará a haver muitas mortes indiretas nos próximos meses e anos por causas como doenças reprodutivas, transmissíveis e não transmissíveis. Espera-se que o número total de mortos seja grande, dada a intensidade deste conflito; infraestrutura de assistência médica destruída; escassez severa de alimentos, água e abrigo; a incapacidade da população de fugir para lugares seguros; e a perda de financiamento para a UNRWA, uma das poucas organizações humanitárias ainda ativas na Faixa de Gaza.

Em conflitos recentes, tais mortes indiretas variam de três a 15 vezes o número de mortes diretas. Aplicando uma estimativa conservadora de quatro mortes indiretas por uma morte direta para as 37 396 mortes relatadas, não é implausível estimar que até 186 000 ou até mais mortes poderiam ser atribuídas ao conflito atual em Gaza. Usando a estimativa populacional da Faixa de Gaza de 2022 de 2 375 259, isso se traduziria em 7,9% da população total na Faixa de Gaza. Um relatório de 7 de fevereiro de 2024, na época em que o número direto de mortos era de 28 000, estimou que sem um cessar-fogo haveria entre 58 260 mortes (sem uma epidemia ou escalada) e 85 750 mortes (se ambas ocorressem) até 6 de agosto de 2024.

Um cessar-fogo imediato e urgente na Faixa de Gaza é essencial, acompanhado de medidas para permitir a distribuição de suprimentos médicos, alimentos, água limpa e outros recursos para as necessidades humanas básicas. Ao mesmo tempo, há uma necessidade de registrar a escala e a natureza do sofrimento neste conflito. Documentar a verdadeira escala é crucial para garantir a responsabilização histórica e reconhecer o custo total da guerra. Também é um requisito legal. As medidas provisórias estabelecidas pela Corte Internacional de Justiça em janeiro de 2024 exigem que Israel “tome medidas eficazes para impedir a destruição e garantir a preservação de evidências relacionadas a alegações de atos dentro do escopo da Convenção sobre Genocídio”.

O Ministério da Saúde de Gaza é a única organização que conta os mortos. Além disso, esses dados serão cruciais para a recuperação pós-guerra, restauração de infraestrutura e planejamento de ajuda humanitária.

MM é membro do conselho editorial do Israel Journal of Health Policy Research e do International Advisory Committee do Israel National Institute for Health Policy Research. MM foi copresidente da 6ª Conferência Internacional de Jerusalém sobre Política de Saúde do Instituto em 2016, mas escreve a título pessoal. Ele também colabora com pesquisadores em Israel, Palestina e Líbano. RK e SY declaram não haver conflitos de interesses. Os autores gostariam de agradecer aos membros da equipe do estudo Shofiqul Islam e Safa Noreen por sua contribuição na coleta e gerenciamento dos dados para esta Correspondência.

Nota editorial: O Lancet Group assume uma posição neutra em relação a reivindicações territoriais em textos publicados e afiliações institucionais.


Fonte: The Lancet

‘Não há orgulho na ocupação’: palestinos queer sobre ‘lavagem rosa’ israelense sobre a guerra em Gaza

pinkwashing 1Uma das duas imagens do soldado israelense Yoav Atzmoni que foi postada no Instagram pelo governo israelense em novembro de 2023 com a legenda: “A primeira bandeira do orgulho hasteada em Gaza”. Fotografia: @stateofisrael/instagram 

Por Emma Graham-Harrison em Jerusalém para o “The Guardian”

Israel apresenta-se como um refúgio LGBT no Oriente Médio, mas para os palestinos não oferece refúgio nem solidariedade.

Quando Daoud, um ativista queer veterano, recentemente passou por bandeiras arco-íris penduradas para o mês do Orgulho LGBT na antiga cidade portuária de Jaffa, um centro histórico da cultura palestina, foi dominado por uma onda de repulsa.

O símbolo mais famoso da libertação LGBTQ+ foi tão cooptado pelo Estado israelita que, para um palestiniano homossexual como ele, serve agora apenas como um lembrete do horror que se desenrola a apenas 60 milhas a sul.

Em Novembro passado, o governo de Israel publicou duas imagens de Gaza na sua conta nas redes sociais. Uma delas mostra o soldado israelense Yoav Atzmoni, em uniforme de batalha, em frente a edifícios reduzidos a escombros pelos ataques aéreos israelenses. Ele segura uma bandeira de arco-íris com uma mensagem rabiscada à mão: “ Em nome do amor ”.

Na segunda, ele posa ao lado de um tanque, sorrindo enquanto exibe uma bandeira israelense com bordas de arco-íris. “A primeira bandeira do Orgulho hasteada em Gaza ”, diz a legenda de ambas as imagens.

Naquela altura, os ataques israelitas mataram mais de 10.000 palestinianos em Gaza , incluindo mais de 4.000 crianças, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza. O número de vítimas já aumentou para mais de 37 mil e mais de um milhão de pessoas estão à beira da fome.

“Vi o uso repugnante de bandeiras do Orgulho em Gaza”, disse Daoud, um cidadão palestino de Israel cujo nome foi mudado. Ele pediu anonimato porque os palestinos enfrentaram prisão e perseguição por expressarem solidariedade aos civis em Gaza e por criticarem a guerra.

“Agora, neste período em que uma morte terrível paira sobre todos nós, não consigo ver a bandeira do Orgulho de outra forma. Realmente me revirou o estômago vê-los; foi revoltante”, acrescentou.

Na Parada do Orgulho LGBT em Jerusalém, em maio, as pessoas estão deitadas na rua, a maioria de jeans e shorts, segurando fotos de palestinos mortos, com outras pessoas ao seu redor, algumas segurando uma faixa com palavras em hebraico
Ativistas seguram fotos de palestinos mortos na Parada do Orgulho LGBT de 30 de maio, que viu milhares de pessoas LGBTQ+ e apoiadores marcharem por Jerusalém. Fotografia: Abir Sultan/EPA

A reação de Daoud é partilhada por muitas pessoas queer em todo o mundo, disse Phillip Ayoub, professor de relações internacionais na University College London, que investiga a intersecção da política e dos direitos LGBTQ+ .

“Aquela desconexão cognitiva de ver o que mais está na imagem – escombros que eram as casas das pessoas – e depois ver a bandeira sendo hasteada de forma comemorativa. É uma violação massiva para as pessoas que lutaram pelos seus direitos sob esta bandeira.”

Essas imagens de Gaza fazem parte de uma longa campanha internacional que os críticos chamam de “ pinkwashing porque dizem que visa reforçar o Estado israelita, ligando-o à homossexualidade, apresentando-o como uma contrapartida explícita a uma identidade palestina retratada como exclusiva e violentamente homofóbico.

Explora o apoio global aos direitos LGBTQ+ para promover uma agenda política ultranacionalista israelita e legitimar a opressão dos palestinianos, disse Sa’ed Atshan, presidente do departamento de estudos de paz e conflitos do Swarthmore College e autor de Queer Palestine and the Empire of Critique .

Esta mensagem não foi motivada por um entusiasmo genuíno pelos direitos LGBTQ+ por parte de um governo que inclui um autoproclamado “ homófobo fascista ” como ministro das Finanças, disse ele, mas foi implementada estrategicamente para fins políticos.

“O Estado israelense tem públicos diferentes”, disse Atshan. “Se se dirige a um público doméstico favorável aos LGBTQ em Israel ou no mundo, então lança este discurso cor-de-rosa tentando retratar Israel como um paraíso gay.”

Para o público homofóbico, inclusive no país e para os sionistas cristãos no exterior, “apresenta um discurso homofóbico sobre o conservadorismo religioso e a adesão aos ‘valores familiares’ e a repulsa pela homossexualidade”.

Quando Rauda Morcos , uma cidadã palestiniana de Israel, advogada de direitos humanos e ativista premiada, ouviu que Tel Aviv planejava celebrar o Orgulho este ano, ficou chocada. “Não há sentido de humanidade em perceber que há pessoas sendo bombardeadas todos os dias em Gaza pelo seu próprio país [Israel]? E você está pedindo orgulho e direitos iguais para pessoas queer? Quem se importa neste momento se vocês têm direitos iguais [como queers]? Sinceramente, não me importo, porque se não tivermos direitos iguais aos humanos, isso não importa.”

A advogada e ativista de direitos humanos Rauda Morcos.
A advogada e ativista de direitos humanos Rauda Morcos. Fotografia: Rauda Morcos

Morcos diz que ela foi levada de volta quase duas décadas até 2006. Naquele ano houve um ataque israelense a Gaza e, como chefe de um grupo ativista palestino queer, ela fez campanha por um boicote à parada WorldPride organizada pelo Jerusalem Open House.

“Que momento errado, que momento ruim. Não só naquela época, mas agora”, disse ela. “Na verdade, é sempre a hora errada e é sempre o tema errado, porque ‘não há orgulho na ocupação ’, seja em 2006 ou agora.”

A escala de mortes e destruição em Gaza tornou a luta pelos direitos queer menos urgente para muitos palestinos LGBTQ+. “Para mim agora, a bandeira palestina deveria ser hasteada, não a bandeira do Orgulho”, disse Daoud.

O histórico de Israel em matéria de direitos LGBTQ+ inclui a proibição da discriminação com base na orientação sexual, o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no estrangeiro (embora não tenha sido legalizado no país) e a permissão da adoção por casais do mesmo sexo.

Israel tem uma classificação melhor do que a maioria dos vizinhos no índice de igualdade LGBT Equaldex , em 50º lugar globalmente. A Palestina está classificada em 146º lugar, com atos sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo legais na Cisjordânia, mas não em Gaza.

Mas a ideia de que Israel serve como um refúgio regional para a comunidade queer parece particularmente cruel e hipócrita, disseram ativistas e acadêmicos,  em um momento em que a população LGBTQ+ de Gaza não tem mais refúgio das bombas israelitas do que qualquer outro palestiniano.

“Não há nenhuma ‘porta rosa’ no muro para os palestinos queer deixarem Gaza e construírem uma vida em Israel”, disse Ayoub da UCL.

“A retórica israelense apenas torna as coisas ainda mais difíceis para os palestinos LGBTQ, porque reforça a ideia de que a condição de queer não existe em nenhum outro lugar… Ela apaga o fato de que existem ativistas palestinos, palestinos queer.”

paradaApesar da Covid, milhares de pessoas marcharam durante a Parada do Orgulho LGBT de 2020 em Tel Aviv, sede da maior parada do Orgulho LGBT do Oriente Médio. Fotografia: Jack Guez/AFP/Getty Images

Há um registro longo e bem documentado de exploração da sexualidade dos palestinianos LGBTQ+ pelos serviços de segurança israelitas na Cisjordânia ocupada e em Gaza, com resultados devastadores e por vezes fatais.

“Durante o meu curso de formação em preparação para o meu serviço nesta função designada, aprendemos a memorizar e filtrar palavras diferentes para ‘gay’ em árabe”, testemunhou um membro do corpo de inteligência de Israel há uma década .

“Se você é homossexual e conhece alguém que conhece uma pessoa procurada, e precisamos saber disso, Israel tornará sua vida miserável.”

No ano passado, um palestino de Nablus foi executado publicamente. Ele confessou colaboração com a agência de inteligência doméstica de Israel, Shin Bet, dizendo que eles usaram um vídeo dele fazendo sexo com outro homem para chantageá-lo para que se tornasse informante .

Os palestinos LGBTQ+ sofrem discriminação e abusos generalizados, tanto em público como em ambientes familiares nos territórios ocupados, afirmam grupos de direitos humanos .

Mas aqueles que atravessam clandestinamente o muro de separação dos territórios ocupados para Israel, em busca de um ambiente mais favorável aos queer, muitas vezes encontram, em vez disso, hostilidade racista, burocracia burocrática e um estado de vulnerabilidade a longo prazo.

Os palestinos queer que procuram asilo em Israel são regularmente impedidos de receber cuidados de saúde e lhes são negadas autorizações de residência. Eles lutam para ter acesso a abrigo e, portanto, enfrentam abuso e exploração , uma “vida infernal” documentada num relatório da revista +972.

tanqueA segunda imagem de Yoav Atzmoni da postagem do governo israelense no Instagram de novembro de 2023. Fotografia: @stateofisrael/instagram

Muito antes da guerra actual, Daoud percebeu que tinha pouco em comum com a maioria dos judeus israelitas queer. Ele se lembra de trazer palestinos transexuais da Cisjordânia ocupada para a praia.

A maioria passou a vida a apenas uma hora de carro do Mediterrâneo, mas foi impedida de viajar para a sua costa devido às restrições israelitas. Alguns, ao verem o mar pela primeira vez, choraram.

“Pensei: ‘O que é que tenho em comum com os homossexuais, cuja luta é conseguir que os seus parceiros da Alemanha ou de Espanha venham viver com eles aqui, quando nem sequer tenho permissão para trazer o meu familiar para uma visita [do país]. territórios ocupados]?’”, disse ele. “Não é nem o mesmo universo.”

A guerra em Gaza apenas aguçou para ele a compreensão de que, mesmo que os palestinianos queer não enfrentassem problemas tão radicalmente diferentes, há pouco espaço para uma luta conjunta com os judeus israelitas porque a maioria valoriza o seu privilégio num Estado judeu em detrimento da sua condição de queer “partilhada”. .

Muitos homólogos judeus em Israel ancoraram a sua reivindicação de igualdade na sua vontade de servir o Estado e morrer nas suas campanhas militares, em grande parte dirigidas contra os palestinianos, acrescentou.

Na verdade, eles dizem: “Estamos dispostos a participar na opressão dos palestinianos para que [o Estado] não nos oprima”, disse ele. “Eles obtiveram os seus direitos nas costas dos palestinos.”

Yahli, uma mulher judia transgênero que, no dia do Orgulho de Tel Aviv, se juntou a uma manifestação anti-guerra sob o grito de guerra “Não há lavagem de sangue em nosso nome”, partilha esta crítica à comunidade LGBTQ+ dominante em Israel.

“Muitas pessoas na comunidade queer são atraídas pela ideia de obter aceitação sendo úteis nacionalmente e submissas ao Estado”, disse Yahli. “Não porque somos seres humanos, mas porque prestamos serviço.”

Essa visão da identidade nacional queer foi proeminente no Orgulho LGBT de Tel Aviv este mês. O desfile habitual foi cancelado devido a um concerto silencioso à beira-mar que incluía apelos à libertação de reféns e celebração dos israelitas queer servindo nas forças armadas, mas não houve menção aos civis palestinianos mortos em Gaza.

As histórias partilhadas no evento incluíram a decisão de uma mulher transexual de não mudar a sua identidade de género oficial para que ainda pudesse servir nas reservas e lutar em Gaza.

Morcos fica perplexo com os israelenses que descrevem seu país como um refúgio democrático para a comunidade LGBTQ+ em uma região hostil, especialmente quando a tolerância real raramente se estende além dos limites de Tel Aviv, dizendo: “Como você pode se orgulhar de sua democracia para queers que então oprime? milhões de palestinos?”


 

No contra-ataque iraniano a Israel, o que mais importa é a mensagem

ataque iraniano

No dia 01 de abril, Israel bombardeou a embaixada iraniana em Damasco, capital da Síria, e matou pelo menos um general, além de causar a destruição generalizada do edifício. A resposta ocidental capitaneada pelos EUA foi um misto de passar a mão na cabeça de Benjamin Netanyahu que ordenou o ataque com uma forte preocupação com a reação iraniana que iria inevitavelmente acontecer.

Passadas menos de duas semanas, a resposta iraniana veio em um mistura de drones militares, mísseis balísticos e mísseis de cruzeiro. Logo após o fim do bombardeio, o governo de Israel veio a público dizer que havia interceptado 99% das armas iranianas, o que implicaria que o esforço iraniano teria sido facilmente neutralizado.

Após estes acontecimentos, este domingo deverá ser repleto de reuniões políticas, incluindo uma do Conselho de Segurança da ONU, onde a maioria aliada aos EUA deverá apoiar as reclamações israelenses, causando a emissão de declarações de denúncia ao regime iraniano. Essas declarações terão efeito próximo de zero, na medida em que China e Rússia deverão vetar qualquer resolução condenando o Irã.

A preocupação real é, na verdade, com a eventual resposta de Israel que poderá optar por contra-atacar o território iraniano, como é desejo antigo de Benjamin Netanyahu que necessita ampliar o seu arco de guerra para não ser defenestrado do cargo de primeiro-ministro, o que deverá ser seguido pelo seu aprisionamento por motivos crimes do colarinho branco para os quais existem provas suficientes para sua condenação pela justiça israelense.

Uma coisa que vem sendo dita é que o ataque iraniano, além de ter sido telegrafado para quem poderia impedir o sucesso do ataque (no caso os EUA, o Reino Unido, França, e também Israel), também utilizou armas que não estão na linha de frente do arsenal da república islâmica. Esses dois fatos são vistos como uma falta de desejo (ou hesitação) dos iranianos em iniciar uma guerra ampla com Israel, visto como mais poderoso e recheado de aliados ainda mais poderosos (a começar obviamente pelos EUA).

Esse é um raciocínio que despreza o fato de que a simples decisão do Irã de atacar o território israelense é algo que desafia frontalmente o status quo vigente pelo menos desde a derrota árabe na breve guerra do Yom Kippur em 1973. A verdade é que esse ataque, em meio à resistência palestina em Gaza, acaba demonstrando que Israel não é mais visto como invencível e que pode sim ser desafiado militarmente. Esse não é um desdobramento qualquer, pois se essa percepção de fraqueza se sedimentar, o que não faltará no Oriente Médio vai ser gente querendo realizar ataques contra alvos israelenses, seja dentro de Israel ou fora dele.

O que está posto pelo contra-ataque iraniano é um aumento exponencial da volatilidade política não apenas do ponto de vista regional, como também global. É que a economia global já vinha sendo perturbado fortemente pela ação das milícias iemenita Houthi que vem afetando o trânsito de navios comerciais no Mar Vermelho, uma região vital para o comércio internacional.

A questão que fica é se teremos ou não uma guerra regional ampliada a partir do contra-ataque iraniano.  Eu diria que apesar dos desejos do primeiro-ministro israelense, a questão palestina vai acabar pesando contra essa possibilidade. É que com os pés atolados em Gaza, a abertura de uma frente mais ampla contra o Irã, obrigaria aos principais patronos de Israel, os EUA, a entrarem diretamente no teatro de guerra.

De toda forma, a bola agora está com Benjamin Netanyahu, o que certamente não contribui para gerar uma expectativa de apaziguamento para a situação explosiva que ele mesmo criou. 

Atirando em pessoas famintas na Faixa de Gaza

Dezenas de pessoas são mortas em Gaza enquanto se aglomeram para entrega de alimentos

gaza convoyDiz-se que a imagem do exército israelita mostra pessoas em torno de camiões de ajuda em Gaza.  Foto: AFP/DISPOSIÇÃO /IDF

Por Cyrus Salimi-Asl para o “Neues Deutschland” 

Dezenas de pessoas foram mortas no caos e nos tiroteios em torno de um comboio de ajuda humanitária na Faixa de Gaza na manhã de quinta-feira. A autoridade de saúde controlada pelo Hamas acusou o exército de Israel de atacar uma multidão na cidade de Gaza que esperava por ajuda. Diz-se que 104 pessoas morreram e 760 ficaram feridas. A informação não pôde inicialmente ser verificada de forma independente. O exército israelense disse que vários residentes se aglomeraram em torno dos caminhões que chegavam com suprimentos de socorro para saqueá-los. Dezenas de pessoas morreram e ficaram feridas em consequência de empurrões e atropelamentos.

De acordo com uma investigação inicial dos militares, cerca de dez pessoas foram atingidas por tiros disparados por soldados israelenses , informou o Times of Israel. Um porta-voz do governo israelense já havia descrito as mortes palestinas durante a distribuição de ajuda como uma tragédia, informou o canal de notícias saudita “Al-Arabiya”, dizendo que, de acordo com as descobertas iniciais, as mortes foram causadas por motoristas de caminhão que se misturaram à multidão. .

“Em algum momento, os caminhões ficaram sobrecarregados e os motoristas, que eram de Gaza, atacaram a multidão, matando, até onde sei, dezenas de pessoas”, disse o porta-voz Avi Hyman aos repórteres. Esta informação também não pôde ser verificada.

No entanto, à medida que a tarde de quinta-feira avançava, esta declaração oficial israelita foi-se tornando cada vez mais fraca. Vários meios de comunicação israelitas relataram, citando fontes do exército, que, por uma razão desconhecida, parte da multidão se aproximou dos soldados que coordenavam a importação dos camiões, colocando-os assim em perigo. “A multidão abordou as forças de uma forma que representava uma ameaça para as tropas, que responderam com fogo real”, disse uma fonte israelense anônima à AFP, segundo a Al-Arabiya. Vários meios de comunicação social também relataram, citando o exército, que palestinianos armados dispararam contra alguns dos camiões. Os militares inicialmente dispararam tiros de advertência para o ar e dispararam contra as pernas daqueles que se aproximaram dos soldados de qualquer maneira.

O correspondente Bernard Smith, reportando de Jerusalém Oriental para o canal de TV “Al-Jazeera”, disse que os militares israelenses “inicialmente tentaram culpar a multidão”. Mais tarde, “após alguma insistência”, os israelitas disseram que as suas tropas se sentiram ameaçadas e responderam abrindo fogo.

De acordo com o jornalista da Al Jazeera Ismail Al-Ghoul no local, os tanques israelenses avançaram após abrirem fogo e atropelaram muitos dos mortos e feridos. “ É um massacre , além da fome que ameaça os cidadãos de Gaza”, disse ele.

O Times of Israel relata que cerca de 30 caminhões chegaram à costa da cidade de Gaza no início da manhã. Milhares de palestinos correram em direção às vans. Diz-se que um vídeo do exército mostra o ataque.

Um residente local chamado Mahmud Ahmed disse à Agência de Imprensa Alemã que as pessoas queriam receber caminhões com suprimentos de ajuda humanitária do sul da Faixa de Gaza na manhã de quinta-feira para receber farinha e outros alimentosAinda estava escuro. De repente, tiros teriam sido disparados. De acordo com a testemunha ocular de 27 anos, granadas também teriam sido disparadas. O morador inicialmente fugiu, mas voltou ao amanhecer, informou. Quando regressou, o palestino viu vários cadáveres no chão. Esta informação também não pôde ser verificada de forma independente.

O coordenador de ajuda emergencial da ONU, Martin Griffiths, disse estar horrorizado. “Mesmo depois de quase cinco meses de hostilidades brutais, Gaza ainda pode nos chocar”, escreveu ele na plataforma X (antigo Twitter). “A vida está desaparecendo da Faixa de Gaza a um ritmo alarmante.”  

Com agências


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Os aproveitadores da guerra: empresas que alimentam o ataque israelense a Gaza

Revelando as engrenagens corporativas da guerra: um olhar abrangente sobre as empresas por trás da devastadora campanha militar de Israel em Gaza

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Por Alexis Sterling para o “Nation of Change” 

À medida que a poeira assenta sobre Gaza, as reverberações da ofensiva israelita, apoiada por espantosos 3,8 mil milhões de dólares em ajuda militar anual dos EUA, ecoam globalmente. Esta ajuda constitui a espinha dorsal de um arsenal sofisticado, reforçado ainda por um pacote de guerra de 14,3 mil milhões de dólares solicitado pela administração Biden. Estes números não são apenas números; representam uma tábua de salvação de armamentos, um fluxo de poder destrutivo que remodelou a paisagem de Gaza e do seu povo.

O governo dos EUA facilitou a transferência de uma imensa variedade de armas para Israel. No primeiro mês e meio após a declaração de guerra de 7 de Outubro, mais de 15.000 bombas e 50.000 projéteis de artilharia chegaram às mãos israelitas. O sigilo que envolve estas transferências realça a natureza sensível deste apoio, um tema frequentemente deixado de fora do discurso público e da supervisão do Congresso.

Durante os ataques das “Espadas de Ferro” de Outubro-Dezembro de 2023 a Gaza, Cisjordânia, Líbano e Síria, numerosas empresas foram identificadas por fornecerem armas e equipamento militar a Israel. Esta lista inclui empresas que desempenharam um papel significativo nestes ataques, fornecendo vários tipos de armamento e apoio.

Os gigantes corporativos por trás do conflito

  • Boeing : Este titã aeroespacial fornece a Israel jatos F-15, helicópteros Apache e uma série de bombas, incluindo aquelas usadas no bombardeio devastador do campo de refugiados de Jabalia, em Gaza.
  • Caterpillar : Suas escavadeiras blindadas, há muito um símbolo do poderio militar israelense, foram fundamentais na invasão terrestre, facilitando o caminho da destruição.
  • BAE Systems : A empresa sediada no Reino Unido fornece o obuseiro de artilharia M109, uma arma que tem trovejado por Gaza, disparando projéteis que incluem munições de fósforo branco proibidas.
  • Elbit Systems : O maior fabricante de armas de Israel fornece uma gama de armas, desde drones a projéteis de artilharia, desempenhando um papel fundamental nas estratégias de vigilância e ataque em Gaza.
  • General Dynamics : Esta empresa é a única produtora da série de bombas MK-80 e projéteis de 155 mm, as munições primárias que cobrem Gaza em explosões.
  • General Electric : Os motores da GE alimentam os helicópteros Apache, um componente chave nos ataques aéreos de Israel.
  • Lockheed Martin : Como maior negociante de armas do mundo, os jatos F-16 e F-35 da Lockheed Martin tornaram-se sinônimos dos céus de Gaza. Os seus mísseis Hellfire têm sido uma marca do conflito actual.
  • Northrop Grumman, AM General, Ford, Oshkosh, Toyota : Essas empresas fornecem veículos blindados e caminhões, essenciais para operações terrestres e transporte de tropas.
  • AeroVironment, Skydio, XTEND : Essas empresas de tecnologia fornecem a Israel drones de última geração, acrescentando uma dimensão crítica às capacidades de vigilância e ataque de Israel.
  • Empresa de manufatura da Colt, Emtan Karmiel : Esses fabricantes de armas de fogo equipam as forças israelenses com rifles e armas de assalto, essenciais tanto para operações de defesa quanto para operações ofensivas.
  • Indústrias Aeroespaciais de Israel : Uma empresa estatal, desenvolve sistemas de armas sob medida, incluindo drones usados ​​extensivamente no conflito.
  • Plasan, MDT Armor (Shladot) : Especializados em veículos blindados leves, os produtos dessas empresas atuam tanto em funções ofensivas quanto de reconhecimento.
  • ThyssenKrupp, Nordic Ammunition Company : Empresas estrangeiras contribuindo com navios de guerra e munições, aumentando a diversidade do equipamento militar de Israel.

O número sombrio de mais de 20.000 palestinos mortos em Gaza é um lembrete claro da eficiência brutal da guerra. Este número inclui pelo menos 7.700 crianças, cujas vidas foram extintas num conflito que não poupou ninguém. O bombardeamento israelita, marcado pela sua intensidade e amplitude, não só custou vidas, mas também deixou uma marca indelével nas infra-estruturas de Gaza, tornando vastas áreas inabitáveis.

No meio das ruínas, o desafio da entrega de ajuda humanitária avulta. O enclave sitiado, que enfrenta a deslocação e a destruição de infra-estruturas civis, é uma crise humanitária de proporções monumentais. O mundo observa como os esforços para fornecer ajuda são dificultados a cada passo, um testemunho do impacto de longo alcance da guerra.

A guerra galvanizou protestos em todo o mundo, com vozes exigindo um cessar-fogo cada vez mais altas. Notavelmente, muitas destas vozes vêm de dentro da comunidade judaica, um sinal do crescente descontentamento e do dilema moral enfrentados pelos apoiantes de Israel em todo o mundo.

A AFSC, uma organização Quaker com raízes profundas na região, tem manifestado o seu apoio a um embargo total de armas a grupos militantes israelitas e palestinianos. A sua posição é clara: a guerra e os ataques a civis nunca abrirão um caminho para a paz ou a segurança, tanto para os israelitas como para os palestinianos. A necessidade de um cessar-fogo permanente e de um compromisso com uma paz justa e duradoura na região é fundamental.

À medida que analisamos as consequências deste último capítulo de um conflito de longa data, o papel das empresas cotadas torna-se evidente. As suas contribuições, sob a forma de armamento avançado e equipamento militar, facilitaram uma guerra que deixou cicatrizes profundas em Gaza e no seu povo.

Nas palavras de Noam Perry do AFSC, “A escala da destruição e dos crimes de guerra em Gaza não seria possível sem transferências massivas de armas dos EUA”.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela “Nation of Change” [Aqui!].

Hospital bombardeado em Gaza e a pergunta que não quer calar: quem tem a capacidade militar para tal destruição?

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As cenas de horror vindas do Hospital al-Ahli al-Arabi  na cidade de Gaza impressionam pela letalidade da explosão que ceifou a vida de pelo menos 500 pessoas, incluindo uma grande quantidade de mulheres e crianças.  O governo  israelense que inicialmente reclamou para si o bombardeamento, agora tenta jogar a culpa nas costas do grupo Jihad Islâmica que teria cometido um erro e lançado para a área do hospital  um foguete que era destinado para Israel.

O presidente dos EUA, Joe Biden, comprou a versão do governo israelense e teria afirmado que a explosão seria responsabilidade do “outro time”, em uma espécie de metáfora esportiva macabra destinada a culpar os palestinos pelo incidente mortal.

O problema para o governo de Israel e seus aliados estadunidenses tem a ver com a escala de destruição que foi imposta ao edifício que abrigava o hospital al-Ahli al-Arabi, pois os grupos palestinos não são possuidores de armamentos capazes de tamanha destruição. Se esse fosse o caso, a escala de destruição dentro de Israel já seria muito maior do que é.

Mas como em guerras a primeira vítima é a verdade, certamente teremos nos próximos dias uma onda de matérias jornalísticas confirmando a tese israelense. Mas aí que aparece a questão: qual lado deste conflito que tem a capacidade militar para tamanha destruição?

Conflito Israel/Palestina e mais uma cobertura enviesada da mídia corporativa

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O agravamento do conflito entre Israel e as forças da resistência palestina que teve como estopim a inesperada invasão e bombardeamento do território israelense por forças combinadas dos grupos Hamas e Jihad Islâmica tem mais um capítulo de uma cobertura enviesada (obviamente em prol de Israel) por parte da mídia corporativa nacional e global.

Ao não oferecer a devida base para a origem e sustentação de um conflito que está centrado na reação palestina à crescente perda de território, inclusive na Cisjordânia ocupada, o que acaba sendo apresentada é uma versão precária que apenas contribui para a demonização dos palestinos, como se do outro lado existissem paladinos da democracia no Oriente Médio.

https://youtu.be/YQq0HLCex4M?si=SPZnX663eeSvhWVr

O fato é que desde 2007 quando o Hamas forçou a retirada das tropas israelenses, a denominada Faixa de Gaza, incluindo a cidade de Gaza, tem sido submetida a um cerco implacável, com a negação de serviços básicos como água e esgoto, mas também hospitais e escolas.  Dentro da Faixa de Gaza, tudo é tratado como alvo legítimo por Israel, sempre com a cobertura generosa dos grandes jornais e demais veículos da mídia corporativa, e que tem como resultante um balanço altamente desproporcional entre o número de mortos e feridos de cada lado (ver imagem abaixo).

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Com esse ataque inesperado e eficiente, a liderança do Hamas e da Jihad Ilâmica certamente sabem que a reação israelense que conta com forças militares formidáveis será implacável, repetindo bombardeamentos de escarumuças anteriores. O problema para Israel e os seus apoiadores confortavelmente sentados em capitais do mundo industrializado é que esse cálculo já deve ter sido feito pelas facções palestinas.

Disso tudo o que se pode prever é que os esforços em andamento para a normalização das relações diplomáticas entre Israel e os estados árabes que o circundam vai ser postergada por tempo indeterminado. Com isso, Hamas e Jihad Islâmica já terão atingido o seu objetivo mais importante, deixando todo o Oriente Médio em compasso de espera.

Quanto à cobertura da mídia corporativa a este novo capítulo sangrento do conflito palestinos e israelenses, o melhor mesmo é não usá-la para firmar julgamentos na maior parte dos casos. É que não estamos sendo informados, mas apenas recebendo propaganda disfarçada de informação.