Retorno do MST ao Norte Fluminense acomete latifundiários campistas da síndrome de Regina Duarte

regina duarte

A ex-atriz e latifundiária Regina Duarte parece estar fazendo escola em Campos dos Goytacazes

Como estudioso dos assentamentos de reforma agrária no Norte Fluminense, sempre me pergunto o porquê da luta pela criação de mais unidades desse gênero não ser uma prioridade do governo federal, responsável constitucional pelo cumprimento da função social da terra no Brasil via o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra. Afinal, por aqui sobram grandes propriedades improdutivas e propriedades cujos donos somam dívidas vultosas com a União.  Se fosse seguido o exemplo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) que se aproveitou das dívidas existentes pelos latifundiários para criar o Assentamento Zumbi dos Palmares, a produção familiar já estaria transformando terras improdutivas em celeiros de produção de alimentos. 

Uma das razões para a paralisação da reforma agrária no Norte Fluminense, que teve a última criação de assentamento há mais de 10 anos com o estabelecimento do Assentamento Osvaldo de Oliveira em Macaé, foi a diminuição da presença do MST cujas atividades de mobilização ocorridas entre 1997 e 2007 resultaram na criação de 12 assentamentos de reforma agrária,  fato que beneficiou diretamente 1.200 pobres que puderem retornar à terra para se envolver na produção de alimentos, como já foi documentado pelo meu grupo de pesquisas na Universidade Estadual do Norte Fluminense.

Agora, após mais de uma década de paralisia, a luta pela reforma agrária está de volta com o aparente retorno do MST à região. Com isso, o que está se vendo é uma espécie de pânico das entidades ligadas ao patronato rural. Isso ficou mais que evidente em uma curiosa reunião ocorrida no dia de ontem (07/6) na sede do “Sindicato Rural” e que contou com a presença até do ilustre desconhecido senador Carlos Portinho (PL/RJ).

Lendo relatos da cobertura feita pela mídia corporativa local do evento, só posso chegar à conclusão de que a simples menção da volta do MST está causando uma espécie de síndrome de Regina Duarte  (aquela que instala medo e pavor  nas mentes e corações em face de adversários reais ou imaginados) nos latifundiários campistas ou, pelo menos em suas lideranças.  Pelo menos, é o que pode se depreender, por exemplo, da fala registrada do presidente do Sindicato Rural, que teria afirmado que “não somos favoráveis a isso. Não queremos isso por aqui, porque isso traz insegurança para a gente. A gente não consegue trabalhar, os funcionários das propriedades ficam com medo desse pessoal do MST, que ameaça de morte os funcionários e até proprietários. A gente precisa dar um freio nisso, não tem condição. A gente se sente ameaçado porque a todo momento você pode receber uma visita, com o pessoal querendo invadir a sua propriedade, sem nenhum critério para a invasão“.

Movimento Sem-Terra ocupa propriedade em Campos e enfrenta policiais -  J3News

Ocupação no Distrito de Morro do Côco serviu para disparar a síndrome de Regina Duarte nos latifundiários campistas

Aqui vale algumas observações sobre a fala do presidente do Sindicato Rural. Não haveria qualquer motivo para insegurança se as terras altamente concentradas nas mãos do latifúndio (5% das maiores propriedades em Campos controlam 59,05% do estoque de terras) estivessem cumprindo sua função social. É que os movimentos que lutam pela reforma agrária não perdem tempo com a ocupação de terras produtivas, pois sabem que jamais conseguirão sua desapropriação. Ocupação de terra se dá sempre em propriedade improdutiva o que, convenhamos, há de sobra no Norte Fluminense. Além disso, quem teve diversas lideranças assassinadas nos últimos anos foi o MST, sendo o caso de Cícero Guedes apenas o mais emblemático. Por outro lado, quem deveria ter medo dos funcionários (ou pelo menos preocupação) são os latifundiários, já que as fileiras dos que lutam pela reforma agrária estão cheias de ex-empregados que se cansaram de não receber direitos devidos e resolveram se integrar aos movimentos sociais.  E para dar um freio na situação a coisa é bem simples: que se comece a fazer o uso produtivo das terras, de preferência sem os gordos subsídios oferecidos pelos cofres públicos.

Já em relação às demais falas, a que merece uma ênfase é o desconhecido senador Portinho.  Em uma das falas retratadas pela mídia campista, Portinho teria dito que “Eu vi aqui uma grande união, o que é muito positivo, porque geralmente dá resultado, juntando  federação, sindicatos dos produtores rurais e muitas autoridades que a gente conseguiu trazer pra esse evento (…) E aqui a gente pôde entender o problema dessa tensão no campo, que não é exclusividade da região, é do país. Infelizmente, o produtor rural está sendo muito sacrificado por políticas econômicas e por insegurança no campo (…) E eu acredito muito na força do nosso interior e aqui é o grande vetor de desenvolvimento do nosso estado”.

Ora, esse tipo de fala parece vinda de quem nunca pisou em uma área rural e chega aqui para reproduzir um discurso que passa ao largo da realidade.  Se fosse para falar de tensão no campo, haveria que abordar a criação em certos estados de milicias rurais que atacam assentados, indígenas e quilombolas para invadir terras de usufruto coletivo. É dessas milícias que parte a violência e não dos assentados e membros de comunidades tradicionais. Além disso, se tem uma coisa que o latifúndio não tem no Brasil é alguma ideia de sacrifício. Historicamente os latifundiários viveram e vivem sob as asas protetoras do estado brasileiro que lhes oferece todo tipo de regalias, desde as financeiras, entrega de maquinários e a proteção policial. Quem entende mesmo de sacrifício são os assentados de reforma agrária, indígenas e quilombolas que juntos produzem os alimentos que chegam nas mesas dos brasileiros.

Por isso tudo, essa repetina síndrome de Regina Duarte pode até servir para agitar discursos feitos em auditórios apertados, mas está longe de explicitar os reais problemas que estão borbulhando nas entranhas da sociedade brasileira, e especificamente no Norte Fluminense.  O fato inescapável é que enquanto terra improdutiva sobrando, haverá combustível pela luta pela reforma agrária. 

 

Megapecuária no Brasil: dando nome a quem controla os bois a ferro e fogo

Levantamento revela os dez maiores criadores de gado, que acumulam R$ 640 mi em multas no Ibama. Nove têm fazendas na Amazônia. Cinco envolvidos em trabalho escravo. Veja a lista de herdeiros dos latifúndios criados na ditadura

rebanho_bovino_GCOM-MT-1024x683Quase a metade do gado brasileiro (43%) é criado nos estados da Amazônia Legal (Foto: GCOM/MT)

Por Marina Rossi, na Repórter Brasil

O advogado de um dos maiores pecuaristas brasileiros não hesitou ao saber da investigação: “Qual o menor número de cabeças de gado do ranking?”, perguntou em uma chamada de vídeo. “Vou declarar que temos 100 a menos que o último colocado para ficar fora da lista”.  

Não foi possível dar uma resposta precisa ao advogado. O tamanho do rebanho dos fazendeiros  brasileiros é considerado sigiloso pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo Ministério da Agricultura. E, quando questionados, alguns dos gigantes da pecuária não respondem. Apesar da falta de transparência, a Repórter Brasil rompeu a discrição da elite do agronegócio e descobriu quem são, onde atuam e quais os problemas de empresários que estão entre os maiores produtores de gado do Brasil. 

O levantamento inédito revela que, dos dez megapecuaristas brasileiros, nove têm ao menos uma fazenda de gado na Amazônia Legal e seis deles criam todo seu rebanho no bioma. Juntos, os dez nomes, famílias ou grupos empresariais somam R$ 640 milhões em multas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)e colecionam praticamente a área da cidade de São Paulo inteira de embargos por desmatamento ilegal (1.400 km²). Autuações por trabalho escravo aumentam a lista de infrações de cinco destes fazendeiros. Veja aqui a relação completa.

Dez pecuaristas que estão entre os maiores do país têm, juntos, R$ 640 milhões em multas ambientais (Imagem: Disarme Gráfico/Repórter Brasil)

“A ciência mostra que a pecuária é o maior vetor de desmatamento na Amazônia”, diz Richard Smith, coordenador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) no Mato Grosso. A relação entre desmatamento, pecuária e aquecimento global é direta: a Amazônia abriga quase a metade (43%) do rebanho do país, apresenta as maiores taxas de desmatamento e concentra as cidades que lideram emissões de CO2 – o principal gás do efeito estufa. Para piorar, os bovinos liberam também o metano, outro gás relacionado ao aquecimento global.

Além de violações trabalhistas e ambientais, esses magnatas compartilham excentricidades que ajudam a entender como chegaram até aqui. A maior parte é herdeira de terras compradas com incentivo da ditadura militar; embora influentes, alguns são praticamente anônimos; há investigados por corrupção e muitos fazem parte de famílias bilionárias. A fazenda de um deles tem o tamanho de Portugal, com escola e viaduto particulares.

Na lista estão os grupos Agro SB e Bom Futuro, as famílias Vilela de Queiroz e Quagliato, as empresas Agropecuária Rodrigues da Cunha, Rio da Areia, Jacarezinho e Roncador, o empresário Claudiomar Vicente Kehrnvald e a Fazenda Nova Piratininga – apenas esta não tem infração ambiental ou trabalhista. 

O levantamento da Repórter Brasil foi elaborado a partir de diversas bases de dados: tamanho das propriedades segundo o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), documentos de transporte animal, número estimado de cabeças de gado e entrevistas com consultores do setor. Depois, estes nomes foram cruzados com multas ambientais, áreas embargadas pelo Ibama, ICMbio e órgãos estaduais e autos de infração trabalhista do Ministério do Trabalho.

Se esses magnatas colaboraram para o aumento de 22% do PIB da pecuárientre 2020 e 2021 – em plena pandemia –, no passado recente alguns deles ficaram famosos pela crueldade com que tratavam seus funcionários. Destes dez nomes, cinco foram autuados pelo Ministério do Trabalho por terem submetido, no total, 163 trabalhadores a condições análogas à escravidão entre 2000 e 2012. 

Ainda que os flagrantes de trabalho escravo desses barões da pecuária tenham ocorrido até 2012, a criação de bovinos continua sendo o setor econômico com o maior número de vítimas. De 1995 a 2021, foram 17,2 mil trabalhadores resgatados de trabalho escravo contemporâneo de fazendas de gado, ou 30% do total, segundo dados do Ministério do Trabalho sistematizados pela Repórter Brasil e Comissão Pastoral da Terra (CPT). 

Assassinatos e agrotóxicos

O município de São Félix do Xingu, no coração do Pará, tem uma população bovina de metrópole. Suas 2,4 milhões de cabeças equivalem aos habitantes de Belo Horizonte (MG), configurando o maior rebanho do país. Enquanto o número de brasileiros subiu 0,75% de 2020 para 2021, o de bovinos cresceu quatro vezes mais rápido no mesmo período, batendo o recorde de 224,6 milhões de cabeças, segundo o IBGE. No ano passado, o Brasil passou a ter mais bois do que gente.

É nesta cidade à beira do rio Xingu que a AgroSB, antes conhecida como Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, dona de um dos maiores rebanhos do país, tem uma de suas fazendas. É a campeã de desmatamento deste levantamento: a empresa já recebeu no total R$ 372,4 milhões em multas ambientais segundo o Ibama, mais do que o orçamento da Prefeitura de São Félix do Xingu para 2022 (R$ 230 milhões).

O banqueiro Daniel Dantas é CEO do grupo Opportunity, que tem empresa com um dos maiores rebanhos do Brasil, no Pará, em uma foto de 2010 (Foto: Sergio Castro/AE)

A AgroSB faz parte do grupo Opportunity, comandado por Daniel Dantas, banqueiro que ganhou o noticiário em 2008 quando foi preso (e solto) duas vezes em menos de cinco dias pela Polícia Federal no âmbito da Operação Satiagraha (que investigou desvios de verbas públicas e crimes financeiros). 

Além da multa por desmatamento, a AgroSB também esteve envolvida em problemas trabalhistas e criminais. Em 2012, auditores fiscais encontraram, em uma fazenda com 200 km de extensão, quatro trabalhadores em condições análogas à de escravos. No ano seguinte, um agricultor foi assassinado em outra propriedade da empresa, o que motivou a abertura de um inquérito criminal e outro trabalhista. 

Quatro anos depois, dois trabalhadores rurais que viviam com 150 famílias na ocupação de uma outra fazenda do grupo, em Piçarra (PA), foram assassinados. Uma das vítimas já havia denunciado a presença de pistoleiros no local, segundo a CPT. O crime está sendo investigado até hoje pela Polícia Civil do Pará. 

Por meio de nota, a AgroSB diz que nunca foi autuada por trabalho escravo, citando um processo na Justiça do Trabalho em que o juiz a teria inocentado de submeter “seus empregados a condições degradantes”. O processo judicial, no entanto, não invalida a infração administrativa feita pelo Ministério do Trabalho. 

A empresa disse ainda que o funcionário foi morto por conta de um briga com um colega de trabalho e que desconhece o assassinato dos dois sem-terra. Com relação às multas ambientais, ela diz que é “reconhecida por seu comprometimento zero com desmatamento (sic)”. O grupo diz não ter “responsabilidade nos desmatamentos ocorridos em suas propriedades”, pois metade dos casos teria ocorrido em propriedades “invadidas por terceiros”. “Centenas de milhões de reais em multas ambientais já foram canceladas pelo Ibama e poder Judiciário”, afirma a nota. Leia a resposta na íntegra.

Outro grande pecuarista que atua também no sudeste do Pará e igualmente tem envolvimento em conflito por terras é o fazendeiro Claudiomar Vicente Kehrnvald, ou Mazinho, como é conhecido na região. O pecuarista, que já foi dono de frigoríficos e madeireiras, acumula quase R$ 20 milhões em multas ambientais. Além disso, é investigado pelo Ministério Público Estadual do Pará e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por conta de um episódio de pulverização aérea de agrotóxicos em uma comunidade vizinha, em que adultos e crianças sofreram com os sintomas da intoxicação. A suspeita da promotoria é que o pecuarista teria realizado a ação, em 2021, para expulsar as famílias do local. 

A área onde esses assentados vivem foi palco da maior chacina rural desde Eldorado dos Carajás. Em 2017, policiais civis e militares mataram dez trabalhadores sem-terra que ocupavam a fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco (PA). Na época, Kehrnvald arrendava parte da propriedade e estava tentando comprá-la. Ele chegou a ser ouvido no inquérito policial, que foi concluído em 2021 sem apontar os mandantes. Procurado, o fazendeiro não se manifestou.

A pecuária é o principal vetor de desmatamento na Amazônia (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

Latifundiários e herdeiros

Outra característica comum aos megapecuaristas brasileiros é serem herdeiros de terras. Muitas dessas famílias são do Sudeste e Sul do país e adquiriram áreas na Amazônia com incentivos da ditadura militar, criando grandes latifúndios. 

“Esse sonho de ocupar a Amazônia com a agropecuária vem desde o Brasil Império”, conta Nathalia Capellini, historiadora e pesquisadora em ditadura militar na Amazônia no Instituto Superior de Genebra. 

A primeira tentativa de ocupação ocorreu no Estado Novo (1937-1945), quando Getúlio Vargas lançou a “Marcha para o Oeste”. Mas foi só na ditadura militar (1964-1985) que o Estado investiu recursos em políticas de ocupação, diz a historiadora. “O governo levou grandes empresários para passear de barco pela região e dizer que eles teriam todas as vantagens caso aceitassem investir ali”, conta. 

É neste contexto que muitos agricultores e fazendeiros, como Pelerson Soares Penido, fundador do grupo Roncador, chegaram à Amazônia. Originário de Minas Gerais, Penido fundou uma fazenda em Querência (MT) que hoje tem quase 100 mil hectares e é administrada pelo neto, Pelerson Penido Dalla Vecchia. 

Colada ao Parque Indígena do Xingu, onde vivem 16 etnias, a Fazenda Roncador afirma investir em tecnologia para garantir sustentabilidade, tentando deixar para trás uma gestão obsoleta, mas semelhante a dos grandes pecuaristas, que inclui uma caminhada tortuosa de degradação ambiental e trabalhista. Em 2004, 28 camponeses foram resgatados de mão de obra escrava na Roncador, que também já levou R$ 2,8 milhões em multas ambientais entre 1993 e 2008. 

Por meio de nota, o grupo afirma que a fazenda Roncador “não guarda mais relação com o cenário encontrado pelo MPT em 2004”. Na época, foi celebrado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que a empresa diz ter cumprido. A companhia diz ainda que seu modelo de gestão passou por “importantes transformações” e que hoje conta com “código de conduta, canal de denúncias, política socioambiental e uma declaração pública de não desmatamento e não exploração”. Sobre as multas ambientais, a Roncador afirma que apresentou “sua defesa e teve sua regularidade ambiental reconhecida”. Leia a resposta na íntegra.

A marcha rumo à Amazônia também levou a tradicional família de pecuaristas Vilela de Queiroz, de Barretos, no interior de São Paulo, para criar gado na maior floresta tropical do mundo. A primeira fazenda da família, a Guaporé, foi adquirida em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).

Claudiomar Vicente Kehrnvald, que já foi dono de frigoríficos e madeireiras, acumula quase R$ 20 milhões em multas ambientais (Foto: Reprodução/Facebook)

Hoje, as fazendas do grupo fundado em 1957 também estão espalhadas pelo Tocantins, Pará, Rondônia, Goiás e São Paulo. Os negócios cresceram tanto que a família atua na cadeia completa da carne, dona de grandes fazendas de gado e, ao mesmo tempo, de um dos maiores frigoríficos do país. Fernando Galletti de Queiroz, filho do patriarca Edivar Vilela de Queiroz, é CEO do grupo Minerva desde 2007. 

A família também tem histórico de mão de obra escrava. Foi na pequena Chupinguaia (RO) que auditores fiscais encontraram em 2008 cinco trabalhadores irregulares em situação degradante: eles tomavam banho e bebiam água no mesmo córrego em que lavavam louças e roupas, inclusive as utilizadas para aplicação de agrotóxicos. 

Procurada, a Agropecuária Vilela de Queiroz não respondeu à reportagem.

Outro episódio relacionado a trabalho escravo dos megapecuaristas repercutiu internacionalmente: o flagrante na Fazenda Brasil Verde, no Pará, de propriedade da família Quagliato, onde 85 trabalhadores foram resgatados em 2000. Até hoje, eles convivem com o medo e o trauma. “Me considero livre hoje, mas ‘livre’ que nem animal de cativeiro, que você solta e o bicho tem medo de pisar no mato”, disse um dos trabalhadores em 2017, quase duas décadas após o resgate.

O caso foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016, que pela primeira vez condenou um país por escravizar pessoas – justamente o último do continente americano a abolir a escravidão. Em 2019, o MPF apresentou uma acusação criminal contra João Luiz Quagliato Filho. A Justiça aceitou a denúncia e o tornou réu, juntamente com o então gerente da fazenda. O advogado que defende João Luiz Quagliato no caso afirmou à Repórter Brasil que os argumentos “estão expostos no processo, que inclusive está em fase de instrução”. 

Originária de Ourinhos (SP), a família Quagliato é dona de diversas fazendas espalhadas pelo Pará. Além da Brasil Verde, estão as Colorado e Rio Vermelho, onde ao menos três áreas de propriedades do grupo já foram embargadas pelo Ibama, que também aplicou um total de R$ 150 milhões em multas ambientais.

A reportagem não localizou a família Quagliato. 

Sobre os demais empresários mencionados neste especial multimídia, o grupo Jacarezinho disse que desconhece o valor de R$ 7,9 milhões em multas ambientais: “Já tivemos conversões de dívidas que foram pagas com serviços ambientais – mapeamento dos rios – junto a entidades, como universidades.” A Agropecuária Rio da Areia afirmou que “não há nenhum real de multa [ambiental] consolidada até o momento”, já que o fato de haver uma autuação não quer dizer que tenha havido infração. 

O Grupo Bom Futuro disse que não vai se pronunciar. Claudiomar Vicente Kehrnvald não quis responder às questões enviadas diretamente a ele. A Agropecuária Rodrigues da Cunha, assim como a Nova Piratininga, não foram localizadas. Este espaço está aberto para ser atualizado caso essas empresas queiram se manifestar.

“O setor de criação de bovinos para corte é o que ainda mais tem nomes na ‘lista suja’ do trabalho escravo, competindo com a produção de carvão”, alerta Mauricio Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, referindo-se ao cadastro semestral divulgado pelo governo. “Pode ser um costume para economizar com esse tipo de trabalho, mas também tem o fato de haver poucos fiscais e poucas punições”, lamenta.

 


Este texto foi inicialmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!  ].

Passando a boiada, Governo Bolsonaro tenta incluir garimpeiros e pecuaristas na lista de comunidades tradicionais

Proposta foi feita por secretaria ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves

Damarees-FlickProposta de incluir garimpeiros e mineradores teria vindo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves. Foto: Willian Meira/MMFDH.

Por Cristiane Prizibisczki para o

A proposta do Governo Federal de reconhecer garimpeiros e pecuaristas como “povos e comunidades tradicionais”, tornada pública na noite da última terça-feira (7), gerou reações contrárias de especialistas, entidades representativas de populações tradicionais e internautas. A proposta constava na pauta oficial da 11º Reunião do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CONPCT), órgão vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Membros do Conselho dizem que a inclusão do tópico foi equivocada e que sua retirada da pauta foi solicitada por eles à secretaria executiva do colegiado.

O documento com a pauta da reunião do CONPCT, que aconteceu entre ontem e hoje (7 e 8/12), foi feito pela Secretaria Nacional de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial. Segundo apurou ((o))eco, o reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas já havia sido uma demanda desta Secretaria em reuniões anteriores do colegiado.

De acordo com Carlos Alberto Pinto Santos Candidato, presidente do CONPCT e membro da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos e Comunidades Tradicionais (Confrem), a solicitação inicial dos membros da sociedade civil no Conselho era para que um Grupo de Trabalho fosse criado antes de qualquer reconhecimento de grupos específicos.

Print da pauta da reunião que circulou nas redes sociais
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“Estou aqui para falar da circulação errônea hoje de uma proposta de pauta do CONPCT que levou muita gente a acreditar que hoje iria se fazer o reconhecimento de dois grupos que, a princípio, pleiteiam junto à secretaria executiva do conselho esse reconhecimento […] gostaria de informar que a pauta hoje não se tratava dessa questão. A pauta que foi proposta para o Conselho Nacional era a de composição de um grupo de trabalho que tratará de procedimentos para reconhecimento de novos segmentos de povos e comunidades tradicionais pelo CONPCT”, explicou Carlos Candidato, em áudio enviado para grupo de comunidades tradicionais a qual ((o) eco teve acesso.

Em conversa por telefone com ((o))eco, Carlos Candidato explicou que na reunião desta quarta-feira o Grupo de Trabalho citado no áudio foi, de fato, estabelecido. Ele será formado por quatro representantes da sociedade civil e um representante do governo. Também serão convidados representantes da Defensoria Pública da União, do Ministério Público, da academia e de outros grupos de comunidades tradicionais.

“O que a sociedade civil no CONPCT propôs foi a criação deste GT, que irá discutir ao longo de um ano quais seriam os ritos e procedimentos a serem considerados [no processo de reconhecimento de novos grupos]. Isso nós conseguimos fazer, justamente para não ir direto analisar o caso de um Grupo A ou Grupo B”, disse.

“Optamos por seguir os preceitos que defendemos: consulta prévia, ampla, livre e informada, respeitando os direitos, a questão da identidade, da cultura, respeitando justamente aquilo que levou a gente a ter um conselho pelo qual lutamos tanto. Não vamos tratar de reconhecimento nenhum [no momento]”, complementou Carlos Candidato.

(o))eco questionou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sobre a inserção específica dos grupos de garimpeiros e pecuaristas na pauta da reunião, mas a até o fechamento da matéria não obteve resposta.

Novos reconhecimentos

A divulgação das intenções do governo ocorreu um dia após o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Agusto Heleno, defender a extração de ouro na Amazônia. Heleno é responsável por 7 inéditas autorizações de pesquisa de ouro no extremo noroeste do bioma, na fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela.

Há um mês, por recomendação da Advocacia Geral da União, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) também passou a aceitar a permanência de tradicionais em unidades de conservação de proteção integral, o que foi considerado um grande passo por essas comunidades, mas acendeu o alerta para possíveis reconhecimentos de grupos que não se enquadram na definição.

Segundo Carlos Bocuhy, especialista em gestão ambiental e presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), o reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como PCTs favorece interesses econômicos degradadores.

“Atividades econômicas não podem ser consideradas indevidamente como povos tradicionais. Há uma subjetividade indesejável e perigosa nisso. Este reconhecimento sumário atribuiria aos que desenvolvem essas atividades uma proteção indevida, como se fossem minorias, e poderia levar a concessões, ao favorecimento de interesses econômicos nocivos ao meio ambiente”, diz Bocuhy.

O tema também repercutiu nas redes: “A Damares quer repaginar garimpeiros e pecuaristas que destroem a natureza e a Amazônia. Vai tentar colocar punhos de rendas na grilagem de terras”, disse um internauta. “Se não dá para tomar as terras dos povos tradicionais, vamos transformar garimpeiros e pecuaristas em povos tradicionais e os povos tradicionais que se entendam”, declarou outro usuário das redes.

De acordo com Carlos Candidato, do CONPCT, a polêmica em torno da 11ª Reunião do Conselho teve seu aspecto positivo: ela chamou a atenção para a realidade de tais comunidades. “Que isso sirva para as pessoas lembrarem que há um conselho, que existem lideranças de povos tradicionais massacradas e assassinadas todos os dias nesse país, que isso sirva para garantir os territórios e modos de vida de nosso povo”, conclui.

Resposta do governo

Em nota enviada a ((o))eco no início da noite desta quarta-feira, a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR) informou serem “inverídicas as notícias de uma tentativa do Governo Federal em reconhecer garimpeiros e pecuaristas como povos tradicionais”.

Segundo a Secretaria, o Conselho tem apenas caráter consultivo, cabendo a análise de  temas específicos e técnicos a Câmaras Técnicas e/ou Grupos de Trabalho, cuja criação é prevista no regimento do colegiado.

“À esta SNPIR chegou demanda de segmentos específicos solicitando a análise acerca do reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como povos e comunidades tradicionais. A demanda foi incluída na pauta do CONPCT pelo seu presidente, em consonância com o pleno do conselho, não tendo esta secretaria dominância sobre o procedimento […] Diante do exposto, e considerando a repercussão descabida do processo, esta SNPIR antecipa o seu entendimento de que há temeridade no reconhecimento de garimpeiros e pecuaristas como PCT’s, o que, julgamos, poderia se tornar um campo fértil para violação de direitos humanos”, diz trecho da nota.

Segundo a Secretaria, na reunião desta quarta-feira não foi estabelecido acordo para a criação da câmara técnica que iria avaliar a demanda dos garimpeiros e pecuaristas. “Este item da pauta será analisado em nova oportunidade”.

*Atualizada às 20h13, do dia 08/12/2021, para incluir a resposta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

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Este texto foi inicialmente publicada pelo [Aqui!].

Por que o compromisso de controle de emissões do Brasil na COP-26 vale uma nota de 2 dólares?

Pode-se dizer o que se disser do governo Bolsonaro, mas ele tem seus momentos de sinceridade como no exemplo da mostra do Brasil montada no local de realização da COP-26 (ver imagem abaixo).

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É que diante da hierarquia colocada no painel, fica mais uma vez evidente quem realmente manda no governo Bolsonaro são os latifundiários. De quebra, fica confirmada a impressão de que os compromissos assinados pelo Brasil no sentido de conter as emissões e o desmatamento na Amazônia e no Cerrado valem uma nota surrada de 2 dólares.

Acredita ou finge acreditar, quem quer.