Políticas públicas de lazer em Campos dos Goytacazes: o que é ruim sempre pode piorar

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No início de 2004 a minha então orientanda no Programa de Políticas Sociais, Denise Rosa Xavier, defendeu com grande êxito a sua dissertação de Mestrado cujo título era ” Políticas de Lazer e segregação socioespacial: O caso de Campos dos Goytacazes, RJ”.  Nas suas conclusões, Denise Xavier apontou para o fato inescapável de que pode-se
afirmar que a distribuição do lazer existente na cidade de Campos dos Goytacazes se dava então de forma centralizada e concentrada em eventos de custos elevados, privilegiando o acesso a membros da classes mais abastados, o que apenas reforçava um padrão de exclusão espacial dos mais pobres.

drosa xaiver 2004

Os campistas mais antigos irão lembrar que o período abordado no estudo foi justamente a época áurea dos shows custeados pelos royalties do petróleo que colocava os principais artistas para darem shows gratuitos no Jardim São Benedito, enquanto que os mais pobres eram empurrados para shows com artistas locais na Farol de São Thomé sob a mesma legenda do “Viva melhor, Viva Música”.  Nesse sentido, Denise Rosa Xavier pontuou com correção que aquele contexto se traduzia “em práticas aparentemente excludentes, pois ao investir em um lazer espetáculo e centralizando-o em determinados locais, o poder público acabava por reforçar a segregação socioespacial da cidade, dividindo-a de
acordo com o poder político e econômico das classes sociais que a compõem“. E mais simplesmente que tal dicotomia de locais servia apenas para reforçar a exclusão social em Campos dos Goytacazes.

viva melhor viva música

Curiosamente, passadas quase duas décadas daquela conclusão certeira, pouco ou nada sobrou no município de Campos dos Goytacazes em termos de políticas públicas voltadas para o oferecimento de equipamentos de lazer para a sua população. Nesse sentido, uma recomendação deixada por Denise Rosa Xavier em 2004 parece um prenúncio do que deveria ter sido feito e nunca foi. É que ao notar a incipiente consolidação das políticas municipais de lazer por causa da natureza elitista das ações centradas em shows, Denise Xavier apontou que seria necessário que “no âmbito da esfera pública municipal, no sentido de propiciar a população de Campos dos Goytacazes, fosse estabelecida uma politica de lazer universalista e que minimizasse as distâncias sociais existentes no município”.  

Tragicamente a inexistência de políticas de lazer de caráter universalista resultou, especialmente no âmbito da pandemia da COVID-19, na opção pela utilização de espaços ainda mais elitistas nos quais a maioria da população campista não teve qualquer possibilidade de acesso.  Diante disso, o que temos é que situações que podem ser consideradas ruins sempre possuem espaço para piorar, especialmente sob governos que se valem do elitismo para se manterem no poder.

Finalmente, se algum consolo há é o fato de que um trabalho acadêmico concluído há mais de 17 anos ainda possui a capacidade de explicar como chegamos até aqui em função da sua densidade teórica e empírica, o que apenas reforça o papel da Uenf em produzir ciência que seja útil para a criação de uma sociedade mais justa e democrática, como propunha Darcy Ribeiro.

Quem desejar ler a íntegra da dissertação de mestrado de Denise Rosa Xavier, basta clicar [Aqui!].

Que atire um saco de confetes quem nunca gastou dinheiro público em shows e outros quetais

Tenho acompanhado com algum ceticismo a atual onda de críticas e indignações acerca dos gastos municipais com os ditos shows, especialmente agora que o ex- superintendente da Fundação Trianon, Prof. João Vicente Alvarenga decidiu, digamos, botar tardiamente a boca no trombone (grifo meu) sobre gastos que ocorreram na atual gestão da prefeita Rosinha Garotinho. E que não me confundam com um apologético do poder cultural dos shows, pois acho este tipo de dispêndio inútil e contrário ao estabelecimento de uma política de democratização da cultura e do lazer.

Aliás, já me dispus a examinar a questão do lazer e as políticas públicas municipais nessa área em duas ocasiões. Na primeira vez, o resultado foi a defesa de uma dissertação de mestrado no Programa de Políticas Sociais há 10 anos sob o título de “Políticas de lazer e segregação sócio-espacial: o caso de Campos dos Goytacazes-RJ“. Ali a hoje mestre Denise Rosa Xavier examinou a realização de shows na administração de Arnaldo França Vianna, e de com havia um favorecimento para as classes médias e altas no acesso aos shows com artistas “top de linha” realizados então no Jardim São Benedito, enquanto o destino dos pobres eram espetáculos com artista de menor quilate no Farol de São Thomé.  Em 2011, no primeiro mandato da prefeita Rosinha Garotinho, voltei a orientar outro trabalho, agora uma monografia de graduação no curso de Ciências Sociais do hoje bacharel Michel Loreto, cujo título foi “A questão da oferta de lazer em áreas urbanas segregadas: um estudo de caso na Comunidade Tira Gosto, Campos dos Goytacazes, RJ.” E o que encontramos foi uma quase repetição do mesmo padrão de ações pontuais que ignoraram o direito dos mais pobres de terem o mesmo tipo de lazer garantido aos segmentos mais privilegiados da população. E sim, com a realização de shows aos quais os pobres continuaram tendo dificuldade de acessar!

Em outras palavras, entre os criticados de ontem e que criticam hoje, há a persistência de uma visão de lazer segregado onde a realização de shows é apenas um instrumento de perpetuação da desigualdade sócio-espacial que historicamente existe na cidade de Campos dos Goytacazes. E mais, se examinarmos quem estava no comando no passado e no presente, vamos verificar uma grande coincidência de personagens que apenas se alternam nos papéis de oposição e situação, dependendo principalmente do atendimento (ou não) de determinados interesses.

Assim, que atire o primeiro saco de confetes quem nunca gastou dinheiro público em shows e outros quetais. Depois disso, podemos começar a discutir a formulação de políticas culturais que impeçam o desaparecimento de um amplo rol de manifestações culturais que hoje agonizam no esquecimento oficial. 

E que venham logo os investimentos que impeçam o extermínio cultural do Jongo, da Cavalhada, da Mana-Chica e dos Boi-Pintadinhos!