Em Belém do Pará, servidores públicos ocupa as ruas para lutar por seus direitos e protestar contra a COP30

Um dia após a realização do “Leilão do Juízo Final” promovido pelo governo Lula, servidores públicos do Pará ocuparam as ruas de Belém para lutar contra o esbulho de seus direitos pelo governo de Helder Barbalho e protestar contra a realização da COP30 (veja vídeo abaixo).

O fato é que o fracasso do leilão não foi completo porque justamente os blocos da Foz do Amazonas foram arrematados, o que colocará em risco os modos de vida de povos indígenas, caboclos, ribeirinhos e marajoaras.

Assim, é que a luta dos servidores públicos do Pará acaba sendo uma síntese do enfrentamento social contra um modelo de desenvolvimento que isola, agride e renega até o direito dos atingidos de terem suas vozes ouvidos.  Nesse sentido, a luta dos servidores é uma bela demonstração de que não se pode ficar de mãos cruzadas e que a mobilização deve ser, mais do que nunca, nas ruas e avenidas das cidades brasileiras.

Brasil leiloa blocos de petróleo na Amazônia sem consulta às comunidades locais e ignora crise climática, denunciam organizações e lideranças

Da Amazônia à conferência do clima de Bonn, sociedade civil, povos indígenas e de comunidades tradicionais protestam contra o mega leilão de petróleo e gás

Lideranças indígenas protestam em frente ao Campo do Azulão, Silves, Amazônia / c: APIRA 

Fotografias de protestos na Amazônia e na Alemanha Créditos nos nomes das pastas

17 de junho de 2025, GLOBAL — Enquanto alega liderança na agenda climática internacional na conferência do clima pré-COP30 em Bonn, na Alemanha, o governo brasileiro, por meio da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), realizou o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessões nesta terça-feira – um “mega leilão” de petróleo e gás de 172 blocos, incluindo 68 na Amazônia brasileira. O processo ocorreu sem qualquer consulta ou consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas e tradicionaisda região, violando diretamente a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

No leilão, dos 47 blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, uma das áreas ambientalmente mais sensíveis do planeta, 19 foram concedidos para exploração de petróleo e gás. Foram leiloados 16.312 km² de áreas marinhas na Amazônia, distribuídos em quatro setores. Chevron e CNPC arremataram nove blocos, enquanto ExxonMobil e Petrobras ficaram com dez blocos, aprofundando a ofensiva das petroleiras sobre o bioma amazônico.

Esses blocos foram arrematados sem a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). Embora não seja condicionante, a ausência da avaliação foi apontada inúmeras vezes pelo IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente como fator dificultador do licenciamento na região. O mapeamento detalhado de uma AAAS facilitaria tanto o trabalho do órgão ambiental como o do planejamento energético, já que apontaria áreas onde a atividade petrolífera deve ser evitada devido à sensibilidade ambiental.

O leilão também descumpriu as recomendações do Ministério Público Federal (MPF), que há poucos dias entrou com uma liminar para suspender a oferta dos blocos, apontando graves falhas no processo, como ausência de estudos prévios adequados, consulta e risco de danos socioambientais irreversíveis. Além de desrespeitar os direitos dos povos e especialistas e ir na contramão do acordo global para transição dos combustíveis fósseiso governo ignora os alertas da comunidade científica mundial, que é clara: não há espaço para novos projetos de combustíveis fósseis se quisermos evitar o colapso climático.

A decisão compromete a credibilidade do governo brasileiro, que nas arenas internacionais defende compromissos climáticos, mas segue expandindo a fronteira fóssil internamente, inclusive na Amazônia, região que abrigará a conferência climática mais importante do mundo este ano, a COP30. Povos originários, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil defendem que a transição energética justa deve priorizar áreas altamente biodiversas e sensíveis, como a Amazônia, e ser construída com um plano claro, que não dependa da expansão de petróleo e gás nem do financiamento de combustíveis fósseis.
 

Representantes da sociedade civil e lideranças ofereceram os seguintes comentários:

Cacique Jonas Mura, Silves, Amazonas:

“Se o grande criador deixou esse óleo com o gás nas profundezas, distante do nosso alcance, é porque não é coisa boa, é coisa que só traz destruição, poluição, pobreza, ganância, doenças e discórdias. Trazer essa massa podre e poluente das profundezas é trazer tudo que é ruim para os nossos territórios. Amazônia livre de petróleo e gás!

Gisela Hurtado, coordenadora de campanha pela Amazônia na Stand.earth:

“Neste momento em que o mundo se reúne em Bonn para avançar soluções climáticas e se prepara para a primeira COP na Amazônia, o governo brasileiro está leiloando a Amazônia para a indústria de combustíveis fósseis. Esse “Leilão da Morte” ameaça não apenas os territórios indígenas, mas o próprio sistema climático global. Ele desafia os princípios do Acordo de Paris e a ambição da COP30. Estamos aqui para dizer: não há justiça climática sem direitos indígenas, não há transição justa sem manter os combustíveis fósseis no solo e não há futuro sustentável se a Amazônia se tornar uma zona de sacrifício. O mundo deve exigir coerência — as palavras na COP devem corresponder às ações em casa.”

Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe na 350.org:

“O tempo dirá se o Brasil terá coragem política para alinhar discurso e prática e deixar um legado verdadeiro de liderança climática – Este leilão, no ano em que o Brasil sedia a COP30, marca um momento crítico em que o governo escancara as portas para a indústria fóssil em um dos biomas mais sensíveis do planeta. São 19 blocos sem consulta prévia às comunidades indígenas e tradicionais, violando direitos constitucionais e internacionais. Essa decisão contradiz as promessas de proteção ambiental feitas por um governo eleito com essa bandeira, e fragiliza a credibilidade do país no cenário global. Em vez de liderar uma transição energética justa, baseada no imenso potencial renovável do Brasil, o governo aposta num modelo fóssil ultrapassado que compromete o futuro, bloqueia o desenvolvimento sustentável e repete erros do passado.

Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo:
“Ao mesmo tempo em que cobra ação efetiva dos países ricos na transição energética, o Brasil deu hoje um péssimo sinal para quem se preocupa com a vida e o futuro nesse planeta. Ao leiloar 19 blocos na Foz do Amazonas, uma área ambientalmente sensível e crítica para o clima global, o país joga mais lenha na fogueira da crise climática. Não será com palavras bonitas e acordos vazios que iremos salvar o mundo do cataclisma de eventos extremos cada vez mais intensos. O Brasil tem tudo para liderar a transição justa e o petróleo certamente não faz parte do futuro em um mundo em chamas.

Mauricio Guetta, Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz:

“Com o mundo próximo de atingir 1.5 graus Celsius de aquecimento, a decisão de leiloar dezenas de blocos de petróleo em áreas essenciais para o equilíbrio ecológico e climático mundial coloca o Brasil na contramão dos esforços globais contra a emergência climática, minando sua liderança na COP 30. Os danos ao clima, à biodiversidade e aos povos indígenas e comunidades tradicionais serão irreversíveis.”

Leilão do Juízo Final fracassa e atrai interessados para apenas 34 das 172 áreas ofertadas

Em certame da ANP neste 17/6 foram arrematados 19 dos 47 blocos na Foz do Rio Amazonas, 11 na Bacia de Santos, 3 na de Pelotas e 1 em Pareci. Áreas próximas a Fernando de Noronha não tiveram procura

Manifestação contra o leilão reuniu indígenas, ambientalistas e trabalhadores no Rio. Foto: Instituto Arayara

Cida de Oliveira

O leilão do governo brasileiro que pretendia entregar 172 áreas para exploração de petróleo e gás nesta terça-feira (17) acabou relativamente frustrado. Embora dirigentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) tenham avaliado como “extremamente positivo”, o certame conseguiu entregar apenas 34 do total de blocos ofertados. A princípio, o objetivo era conceder os 332 blocos disponíveis. Mas só os 172 receberam propostas ou garantias de oferta e por isso foram incluídos no certame.

Os maiores compradores foram a Petrobras, ExxonMobil, Chevron e CNPC arremataram 19 dos 47 blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, com valor total de R$ 844 milhões. O evento do governo brasileiro, realizado a cinco meses do início da conferência do clima da ONU em Belém (COP30), leiloou também 11 blocos na bacia de Santos (SP), 3 na de Pelotas (RS) e uma na de Parecis, que fica em terra, em região se estende pelos estados de Rondônia ao Mato Grosso. E só não entregou blocos na bacia Potiguar, no litoral dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará, porque não apareceram interessados.  

O certame foi realizado em hotel na Barra da Tijuca, no Rio, sob protestos de ambientalistas, lideranças sindicais e indígenas dos povos Manoki e Paresi (MT), Kariri (PB), Tupi Guarani e Guarani Mbya (SP), Pankararé (BA) e Karao Jaguaribara (CE). Com faixas contra o chamado “Leilão do Juízo Final”, o grupo numeroso protestou contra a exploração de petróleo em territórios indígenas, sem a devida consulta livre, prévia e informada, conforme assegurado na convenção internacional 169, da OIT, assinada pelo Brasil.

Além dos movimentos, foram desprezados também os argumentos do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, que pediu a suspensão do leilão ou a exclusão dos blocos da Foz do Amazonas. E ainda os alertas e apelos de entidades socioambientalistas do Brasil e do Exterior.

Foz do Amazonas

A área que atraiu mais interesse é a bacia da Foz do Rio Amazonas, na região amazônica, onde estão 230 territórios tradicionais e 28% de todas as terras indígenas do país, já sob pressão da cadeia do petróleo. Não à toa foi alvo de disputa inclusive no centro do governo. De um lado, o presidente Lula, que defendeu abertamente, em diversos eventos, a exploração principalmente nessas áreas em busca de desenvolvimento local e mais empregos. E de outro, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que defendeu que a decisão de exploração da foz do Amazonas cabe ao Ibama, órgão vinculado à pasta que comanda. Ela acabou voto vencido em meio à grande pressão pela abertura de poços de petróleo na região, que atende também a interesses políticos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Para o MPF, entre outros problemas estão a falta de estudos ambientais necessários e de consulta prévia a comunidades locais, comuns também aos povos indígenas com territórios na região abarcada pela bacia de Perecis, que teve um bloco arrematado.

Os argumentos do MPF inclui ainda a fragilidade da base legal referente ao aval governamental. Isso porque uma manifestação conjunta assinada pelos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia sobre o tema expiram nesta quarta-feira (18). Este aspecto, aliás, é questionado também pelo Instituto Arayara, que ingressou com cinco ações civis em quatro estados contra o leilão, além de outras ações junto às comunidades atingidas.

Respiro para Fernando de Noronha e Atol das Rocas

A ANP conseguiu conceder 11 blocos da bacia de Santos (SP) e 3 de Pelotas (RS). E a exemplo do leilão de outubro de 2021, fracassou novamente ao não conseguir interessados em arrematar os da bacia Potiguar, no litoral entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Com isso, o arquipélago de Fernando de Noronha (PE) e o Atol das Rocas (RN), com suas riquezas de biodiversidade e importância ambiental reconhecidas internacionalmente, se livraram mais uma vez da ameaça e seguem protegidos dos impactos inerentes à atividade petrolífera.

O Leilão do Juízo Final ficou marcado também como um evento de implicações apocalípticas, sobretudo para as ambições do governo brasileiro de se consolidar como exemplo socioambiental para o planeta. E a busca pelo aumento da produção de petróleo expõe as contradições de um país que recentemente criou planos e legislações climáticas ambiciosas, visando afastar o Brasil dos combustíveis fósseis.

Além disso, coloca em xeque sua credibilidade internacional, como lembrou o Instituto Arayara. “A ausência de consulta às comunidades e o avanço sobre áreas sensíveis abrem caminho para judicialização e protestos globais”, afirmou a organização em diagnóstico do risco socioambiental desse 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP. O documento, que conta com a participação de observatórios do setor de petróleo e gás, destaca a sobreposição de muitos blocos a áreas de altíssima sensibilidade ambiental e sociocultural, o que acende um alerta entre cientistas, ambientalistas e comunidades tradicionais.

Contra o Acordo de Paris

Já a organização WWF e o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) lembraram que essas novas licenças de exploração petrolífera, na prática, contrariam o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. O tratado estabelece metas globais para a redução das emissões de gases do efeito estufa e para limitar o aquecimento global a patamar abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Isso para conseguir limitar o aumento a 1.5°C. 

Riscos e desastres ambientais são inerentes à extração petrolífera. Foto: Wikimedia Commons

Os riscos de vazamento e derramamento de petróleo devido à extração e o transporte ao longo da costa brasileira são questões também apontadas pelas organizações. Em especial na região da Foz do Rio Amazonas, onde estão ecossistemas marinhos ricos e vulneráveis, há graves impactos socioeconômicos às comunidades locais. Para completar, segundo as entidades, que revisaram pesquisas científicas sobre o tema, faltam no país ações de monitoramento e rastreamento de derramamento de óleo ao longo da costa. E as medidas nesse sentido, quando são tomadas, têm sido ineficazes nas áreas afetadas.

Além disso, as organizações chamam atenção para o aspecto econômico: a maioria dessas novas reservas deverá levar mais de uma década para entrar em operação comercial. Ou seja, começará a produzir após o pico da demanda por petróleo e gás, previsto para os próximos quatro anos, antes que comecem a decolar as políticas climáticas acordadas na COP28, sediada em Dubai, em 2023. Na ocasião os governos concordaram em triplicar a capacidade de energia renovável. E de dobrar a eficiência energética até 2030, para além da transição dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia. A China, por exemplo, maior importadora de petróleo do mundo, já atingiu platô na demanda por combustíveis derivados do petróleo.

Prejuízos a curto prazo

As entidades estimam que, em meio a essa dinâmica, a produção desses novos poços terá início tarde demais, muito provavelmente ficando encalhado. E as operadoras, que não deverão conseguir recuperar seu investimento, buscarão atenuar suas perdas caso os preços de mercado permanecerem acima de seus custos operacionais por barril de petróleo extraído. “Portanto, uma primeira medida racional para o governo seria suspender todas as novas licenças de exploração”, defendem a WWF e outras organizações em documento publicado na última semana.

Outra preocupação das organizações no campo econômico, com impactos sociais, é que a Petrobras planeja investir US$ 97 bilhões em petróleo e gás entre este ano e 2029. A justificativa é que “o setor de petróleo e gás é crucial para uma transição energética justa, inclusiva e equilibrada e para a segurança energética do país”. “O valor é seis vezes maior que seus gastos com descarbonização e diversificação de seus negócios. Isso vai na contramão do que espera a sociedade sobre a empresa brasileira”.

Aliás, conforme pesquisas de opinião, os brasileiros em geral defendem que a gigante brasileira tenha papel de liderança na transição para a energia renovável. Ou seja, de deixar para trás a produção de combustíveis fósseis causadores do aquecimento global e, por tabela, das mudanças climáticas. No entanto, para as organizações, a empresa está atrasada em relação àquelas com melhor desempenho climático no setor de petróleo e gás. “O governo brasileiro pode traçar um caminho mais seguro restringindo a expansão do petróleo e do gás, redefinindo o mandato da Petrobras e transferindo os fluxos financeiros do petróleo e do gás para a energia limpa”, defendem.

Por isso, as entidades recomendam que o governo brasileiro tome medidas para prevenir prejuízos decorrentes do encalhe. É o caso de brecar a emissão de licenças de exploração de combustíveis fósseis, além de eliminar gradualmente as licenças de desenvolvimento, “começando com os ativos com maior probabilidade de se tornarem encalhados sob vias de baixo carbono”. E que incentive a Petrobras a transferir os fluxos financeiros do petróleo e gás para a energia limpa. Que impeça novos campos com exploração em andamento, o que pode evitar perdas entre US$ 12 e 35 bilhões em ativos encalhados para a Petrobras, isso dependendo da velocidade da transição energética. Além disso, que crie condições para diferentes tecnologias e empresas de energia por meio da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis e das regulamentações de sustentabilidade das instituições financeiras. 

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Brasil leiloará direitos de exploração de petróleo meses antes de sediar a COP30

A venda de uma área de 56.000 milhas quadradas deve prosseguir apesar da oposição de grupos indígenas e ambientais

Uma plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro

Uma plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro. A maioria das concessões é para áreas offshore, mas algumas são para a bacia amazônica. Fotografia: Bloomberg/Getty Images

Por Constance Melleret para o “The Guardian”

O governo brasileiro está se preparando para realizar um leilão de exploração de petróleo meses antes de sediar a cúpula climática da ONU, Cop30, apesar da oposição de ativistas ambientais e comunidades indígenas preocupadas com os impactos ambientais e climáticos dos planos.

A Agência Nacional de Petróleo (ANP) do Brasil vai leiloar os direitos de exploração de 172 blocos de petróleo e gás, abrangendo 146.000 km² (56.000 milhas quadradas), uma área mais que o dobro do tamanho da Escócia, a maior parte dela offshore.

O “leilão do juízo final”, como os ativistas o chamaram, inclui 47 blocos na bacia amazônica, em uma área sensível perto da foz do rio que as empresas de combustíveis fósseis consideram uma nova fronteira petrolífera promissora .

O leilão é fundamental para os planos do Brasil de se tornar o quarto maior produtor de petróleo do mundo, uma ambição apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que argumenta que a receita do petróleo trará desenvolvimento econômico e financiará a transição energética.

Mas uma ampla gama de grupos, incluindo ambientalistas, promotores federais e até mesmo sindicatos de trabalhadores do petróleo , estão pressionando para que a rodada de licitações seja cancelada, citando estudos de avaliação ambiental inadequados, a violação dos direitos indígenas e a incompatibilidade do aumento da produção de petróleo com os compromissos climáticos do Brasil.

A Agência Internacional de Energia diz que o desenvolvimento de novos campos de petróleo e gás é incompatível com os esforços globais para atingir emissões líquidas zero até 2050.

O Instituto ClimaInfo do Brasil calculou que a queima de petróleo e gás de todos os 172 blocos em oferta, caso avancem para a fase de produção, pode levar à liberação de mais de 11 bilhões de toneladas de CO2 equivalente — o equivalente a mais de seis anos de emissões do poluente setor agropecuário do país, ou 5% das emissões que a humanidade ainda pode produzir para manter o aquecimento global dentro de 1,5°C.

Somente as áreas da bacia amazônica poderiam liberar 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente .

“Este leilão está representando ameaças realmente sérias e graves para a biodiversidade, as comunidades e o clima”, disse Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, uma organização da sociedade civil que entrou com cinco ações judiciais contra o leilão da próxima semana.

Muitos dos blocos de exploração de petróleo em oferta possuem estudos de avaliação ambiental desatualizados ou próximos do vencimento. Alguns se sobrepõem a territórios indígenas ou áreas de conservação, incluindo reservas marinhas ao redor da paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. Arayara também argumenta que a ANP não avaliou de forma transparente a real extensão das emissões de gases de efeito estufa da exploração e da possível produção futura de petróleo e gás nessas áreas.

A Bacia Amazônica está no centro do debate sobre o futuro da exploração de petróleo no Brasil. A Petrobras, estatal petrolífera, passou anos tentando obter uma licença ambiental para perfurar ali, e Lula pressionou o Ibama para que a licença fosse concedida.

As áreas que seriam afetadas pela perfuração offshore e atividades relacionadas em terra incluem recifes de corais sensíveis e comunidades indígenas que dizem não ter sido devidamente consultadas.

“Nós, indígenas, estamos sendo arrasados ​​por esse processo, não estamos sendo vistos nem ouvidos”, disse Edmilson Oliveira, coordenador de um grupo de lideranças indígenas que se opõem publicamente às atividades de exploração na costa norte do Brasil.

Lucas Louback, gerente de campanha e advocacy da Nossas, uma das organizações que exigem o cancelamento do leilão, disse: “Milhares de pessoas já estão dizendo não à exploração de petróleo na Amazônia e o governo brasileiro precisa ouvir. A poucos meses da COP30 , continuar apostando no petróleo é uma contradição gritante.”

“A Amazônia está perigosamente perto de um ponto de inflexão, e apegar-se a esse modelo empurra o Brasil e o mundo para mais perto do colapso climático.”


Fonte: The Guardian

Lei do Juízo Final: cresce resistência à extração de petróleo junto a áreas protegidas     

A duas semanas do leilão que pode trazer efeitos desastrosos à Amazônia, territórios indígenas, Fernando de Noronha e Atol das Rocas, organização vai à Justiça em cinco estados; Ministério Público Federal recomenda a suspensão

Arquipélago de Fernando de Noronha, referência mundial em biodiversidade, está entre as áreas que deverão ser prejudicadas em caso de atividade petrolífera nas proximidades. Foto: CCintra/Wikimedia Commons 

Por Cida de Oliveira

A poucos meses do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, o governo leva adiante seu projeto para ampliar no país a exploração de petróleo, causador do aquecimento global e das nefastas alterações do clima em todo o mundo. E vai além em sua sanha, incluindo unidades de conservação e povos indígenas na mira dos impactos diretos e indiretos. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), autarquia ligada ao Ministério das Minas e Energia, marcou para o próximo dia 17 de junho leilão que deve ofertar 172 blocos em todas as regiões do país.

Entre eles, 47 da Foz do Rio Amazonas, com impactos sobre a Amazônia; 17 blocos da Bacia Potiguar, que deverá trazer sérios danos inclusive para o arquipélago de Fernando de Noronha, no litoral de Pernambuco, além do Atol das Rocas, no do Rio Grande do Norte. Mas nesse pacote tem ainda outros seis blocos na Bacia do Parecis, que se estende de Rondônia ao Mato Grosso. Ali o potencial é de agravamento dos ataques aos direitos dos povos indígenas. Aliás, pelo cronograma oficial, essas últimas áreas serão as primeiras na ordem do leilão.

Embates jurídicos

Os prejuízos à biodiversidade e aos povos originários dessas regiões todas, cujos direitos são assegurados em convenção internacional, bem como a ilegalidade do aval governamental ao leilão, constam do conjunto de Ação Civil Pública protocolado na Justiça Federal de quatro estados nesta quarta (28), pelo Instituto Internacional Arayara. Em todas elas a entidade pede a suspensão do certame no dia 17 e a declaração de ilegalidade do aval do governo para o leilão em grande parte dos blocos. Ou seja, sustenta que 68% dos blocos estão sendo oferecidos sem base jurídica legal, já que são autorizadas em documento interministerial que expira no dia seguinte, 18 de junho.

E em cada ação foca na defesa da garantia dos direitos das áreas específicas. No caso da ação referente à Bacia Potiguar, pede a anulação definitiva da licitação desses blocos e o respeito aos pareceres técnicos e normas socioambientais. E aponta estudos que alertam para os altos riscos socioambientais a Fernando de Noronha e Atol das Rocas, áreas reconhecidas internacionalmente por sua biodiversidade.

Os advogados apelam também ao fato de que a exploração petrolífera compromete a resiliência climática do país em plena crise ambiental global. E que os riscos de vazamentos e proliferação de espécies invasoras, como o coral-sol, no Nordeste, representam impactos irreversíveis à biodiversidade e ao turismo da região. São esses ecossistemas de recifes que sustentam atividades econômicas, como a pesca e o turismo sustentável.

Falta de estudos ambientais

“Estamos diante de um possível desastre climático em um paraíso como Fernando de Noronha. A gravidade da situação nos impele a entrar na justiça e solicitar a suspensão imediata da oferta dos 16 blocos da Bacia de Potiguar. A população já está consciente, mobilizada e irá resistir a mais uma tentativa de exploração de petróleo na região”, disse a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Figueiredo. 

Os esforços do governo, que incluem a pressão sem medidas sobre a direção do Ibama no caso da Foz do Amazonas, ganhou a oposição também do Ministério Público Federal (MPF) no Pará. Nesta terça (27), divulgou recomendação à ANP pela suspensão imediata do leilão. Entre os motivos, a falta de estudos ambientais necessários e de consulta prévia a comunidades locais, conforme convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a fragilidade da base legal referente ao aval governamental.

No documento, os procuradores oferecem ainda a alternativa de exclusão dos 47 blocos na bacia da foz do Rio Amazonas do certame que está sendo chamado de “leilão do Juízo Final”. Isso porque, segundo eles, 14 blocos na mesma região foram leiloados entre 2013 e 2014, sem jamais ter entrado em atividade. O motivo é que a empresa concessionária não conseguiu demonstrar ser capaz de enfrentar um eventual vazamento de óleo e por isso não obteve o licenciamento para a operação. Caso a recomendação não seja acatada, o MPF tem a prerrogativa de adotar outras medidas mais efetivas que julgar necessárias.

Déjà-vu da gestão bolsonarista

O certame de junho próximo seria uma espécie de remake do leilão realizado em 7 de outubro de 2021. Na época, a ANP amargou o desinteresse das petroleiras pelos blocos, para o alívio de ambientalistas, pescadores e especialistas de organizações que já alertavam para a gravidade dos riscos da exploração nessas mesmas áreas hoje na mira do governo. O resultado foi também uma derrota de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente no governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. A diferença é que o apoio de Salles à perfuração de poços próximos a Fernando de Noronha e do Atol das Rocas havia sido duramente criticado pelo campo progressista. Mas atualmente muitos desses setores são bem silenciosos em relação à proposta.

A insistência da Agência Nacional do Petróleo em leiloar esses blocos, aliás, é vista por ambientalistas como “erro e equívoco”, já que nenhum deles cumpre os requisitos legais estipulados tanto pelo Brasil como por outros países. A ANP, por sua vez, afirmou que 12 empresas apresentaram declarações de interesse e garantias de oferta para participar do certame.

Ciência e comunidade contra ‘leilão do Juízo Final’

Paralelamente às ações em âmbito da Justiça, o instituto Arayara promove o diálogo com as comunidades locais afetadas. Na noite desta quinta (29), se reuniu com representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Noronha, ambientalistas, lideranças, empresários e empreendedores. Na pauta, os perigos oferecidos pelo “leilão do Juízo Final” ao arquipélago e ao Atol das Rocas, situado no litoral do Rio Grande do Norte. 

Vinicius Nora, especialista em oceanografia e gerente de operações do Arayara, explicou que as áreas que o governo federal quer entregar para exploração petrolífera estão próximos de zonas de altíssima sensibilidade socioambiental. Ou seja, sobrepostos a ecossistemas de recifes únicos, que abrigam espécies marinhas endêmicas e vulneráveis, fundamentais para o equilíbrio ecológico.

“A exploração de petróleo em uma região reconhecida internacionalmente por sua biodiversidade, destino turístico de brasileiros e estrangeiros, pode resultar em um grande desastre ambiental, com prejuízos tanto para os ecossistemas marinhos quanto para as populações vulneráveis”, destacou Nora.

Por isso, o especialista defende que a comunidade local esteja sempre em diálogo com cientistas. “A ciência está aqui, investindo horas em pesquisas e dialogando com a população para educar, sensibilizar, mobilizar e evitar mais uma tragédia por falta de responsabilidade do poder público”.