Esquerda e direita, uma dicotomia que perdeu o sentido?

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Venho acompanhando declarações de uma série de jovens parlamentares que estão repetindo o mantra de que a dicotomia “esquerda/direita” não só não faz mais sentido, como cria, segundo a deputada Tábata Amaral (PDT/SP), “ameaças à democracia”  e também “rouba tempo precioso de discussões que realmente importam”.

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“Essa coisa de esquerda e direita faz muito mal para o Brasil não só porque ameaça a democracia, mas porque rouba tempo precioso de discussões que realmente importam”, disse a deputada federal Tábata Amaral em evento sobre os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro.

A esses jovens parlamentares e seus mentores políticos eu tendo a responder que não há nada que ameaça mais a democracia do que o atual estágio do Capitalismo que se caracteriza por um processo de financeirização extrema que gera um mundo marcado por outra dicotomia que vem a ser aquela entre “ultrarricos” e “megapobres”.  

Isso não quer dizer que seja desnecessária examinar com mais rigor o que está sendo definido como “direita” e como “esquerda”, pois a falta de clareza sobre o significado dos mesmos acaba contribuindo para que todos os gatos pareçam pardos, o que efetivamente não é o caso.

Aliás, quem se insurge contra essa suposta superação conceitual de esquerda e direita deveria ser mais preciso no que teria causado isso, e de quais seriam as “tais discussões que realmente importam”. 

Entretanto, se examinarmos as plataformas políticas dos pós “esquerda versus direita”, veremos que na maioria dos casos o “pedigree” das mesmas dificilmente é de viés esquerdista e, quando muito, se pode rotular como um liberalismo de esquerda, o qual nada mais é do que aquela velha tentativa de se dourar a pílula amarga da redução de direitos sociais e a imposição de formas ainda mais agudas de exploração  dos trabalhadores.

Para os que estão inquietos com a aparente falta de agudeza dos partidos que se apresentam como “esquerda”, não custa nada lembrar que esse é um reflexo da hegemonia de postulações de que a chegada do ex-presidente Lula ao poder significava a criação de uma espécie de Capitalismo sem luta de classes no Brasil.  É disso que partidos, sindicatos e movimentos sociais ainda estão tendo dificuldade de se libertar programaticamente, o que vem sendo uma barreira objetiva para a necessária reorganização das lutas sociais dentro de uma perspectiva de claro enfrentamento com as políticas ultraneoliberais que estão sendo impostas pelo governo Bolsonaro/Guedes.

E que ninguém se iluda com os discursos rasos de que não há mais sentido de se falar em esquerda e direita, pois o mundo que nos cerca mostra que nunca foi tão atual escolher um dos lados da moeda.  É que tudo indica que os enfrentamentos que estão se avolumando em todas as partes do mundo chegarão no Brasil com toda força e exuberância.   A ver!

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Lênin junto com Leon Trotsky em meio a trabalhadores simpáticos à Revolução Russa: um tempo em que não se perdia tempo em discutir se esquerda e direita são conceitos válidos para entender a realidade.

E antes que eu me esqueça, ontem se completaram os 149 anos do nascimento do revolucionário russo Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido pelo pseudônimo Lenin, e que ofereceu ensinamentos essenciais para o que seria um partido de esquerda e de suas tarefas para defender os interesses da classe trabalhadora.  Refletindo sobre o que escreveu e praticou Lenin,  talvez nunca tão estado necessitados de um partido com conteúdo programático e capacidade de ação de massas. Assim me parece que em vez de se cair em discussões estéreis, o essencial para os incomodados com a atual conjuntura é pelo menos aprender o que vem a ser esquerda e direita e, depois é claro, passar para a ação política.  

 

Celebrando os 100 anos da Revolução Russa

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No dia 25 de Outubro se completam 100 anos do início da segunda fase da Revolução Russa, movimento que colocou firmemente a classe operária russa como a principal força motriz das transformações preconizadas por Karl Marx e Friederich Engels em seus exaustivos trabalhos acerca da necessidade de que o Capitalismo seja superado.  Apesar de todos os percalços que marcaram os 100 anos desde que se deu a tomada do Estado russo sob o comando do Partido Bolchevique, a Revolução Russa ainda cumpre o papel insubstituível de nos mostrar que é possível passar da utopia à ação política concreta, e de se lutar para que a riqueza gerada pelo trabalho humano não fique concentrado nas mãos de uns poucos, enquanto a maioria sobrevive em meio a privações cada vez mais profundas.

E o elemento que permanece atual é o fato de que a classe operária quando dotada de um partido com um programa claramente estabelecido sob as bases do materialismo histórico dialético e do internacionalismo é capaz de realizar proezas como a Revolução Russa. Nada do que aconteceu ao longo do Século XX, mesmo a degeneração do estado socialista que foi fundado pelos revolucionários russos, apaga o fato de que só apoiado por um programa explicitamente orientado para superar o Capitalismo é que a Humanidade poderá chegar a um estágio superior de organização social.

E nesse aniversário, a principal saudação que deixo é para aquela multidão de cidadãos comuns que sob as bandeiras levantadas pelo partido de Vladimir Lênin e Leon Trotsky ousaram mostrar ao mundo a sua capacidade de enfrentar os inimigos mais terríveis em nome de uma sociedade mais justa e fraterna. É graças às multidões de operários e camponeses insurretos que ainda podemos manter viva as utopias que eles colocaram em marcha.

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E como disse Leon Trotsky em seu testamento, “A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente.”

Viva os 100 anos da Revolução Russa!

Para salvar a Universidade do Terceiro Milênio de Darcy Ribeiro será preciso derrotar a universidade mínima do (des) governo Pezão

A semana passada foi marcada na Universidade Estadual do Norte Fluminense por atividades que celebraram os 24 anos do início das atividades da instituição pensada por Darcy Ribeiro e materializada por Leonel Brizola. Uma das marcas desse aniversário é certamente a crise profunda em que a Uenf foi imersa pela proposta de Estado mínimo que está sendo impulsionada a fórceps na instituição pelo (des) governo Pezão. 

E não haveria como ser diferente, pois, desprovida de verbas de custeio desde Outubro de 2015, a Uenf vem tendo sua capacidade criativa sufocada pela inexistência de condições mínimas de funcionamento.  Aqui não estou falando aqui do imenso matagal que está se formando em partes do campus Leonel Brizola, nem dos muitos prédios que se encontram incompletos e sem prazo de conclusão, que tanto chocam jornalistas que pedem imagens da situação em que a Uenf se encontra neste momento (ver imagens abaixo).

Na verdade a capacidade criativa da Uenf está sendo eficazmente sufocada em algo mais essencial que são suas práticas pedagógicas nos seus cursos de graduação e pós-graduação, onde a falta de insumos básicos está reduzindo o modelo revolucionário de Darcy Ribeiro ao mero oferecimento de uma perspectiva meramente conteudista, reproduzindo o que há de pior em outras áreas degradadas da educação pública.

E mesmo a versão minimalista se encontra de colapsar a partir de Outubro quando começam a ser encerrados os projetos de pesquisa de onde estão saindo as verbas que ainda estão mantendo as atividade de ensino e pesquisa realizadas na Uenf!

É como se aos poucos, a Uenf esteja sendo desprovida do que tem de melhor, e se adequando ao minimalismo criativo e descompromisso com a sociedade fluminense que transbordam em todas as ações do (des) governo Pezão.   O pior é que até mesmo a reverência mostrada a Darcy Ribeiro por alguns que esbaldam em lágrimas, supostamente em lamento pela situação em que a Uenf  foi colocada por inimigos invisiveis e de nomes impronunciáveis, é como aquela que as filas de cidadãos russos vão prestar no Mausoléu de Lênin na Praça Vermelha em Moscou, onde o corpo do líder da revolução de 1917 permanece embalsamado apenas para ser mostrado enquanto  uma imagem pálida do seu vigor intelectual (e deste modo inofensiva). Vigor intelectual este que foi aplicado com rara eficiência na concretização da maior revolução social que o sistema capitalista já presenciou

Entretanto, o pior é que tenho visto é a tentativa de se adequar ao modelo minimalista imposto pelo (des) governo Pezão como um gesto de resistência, quando, na prática, o que tenho visto é apenas uma naturalização do processo de destruição em curso.  Essa pseudo resistência é o pior desserviço que poderia ser feito à memória de Darcy Ribeiro que nunca foi homem de resignar a nada. E certamente Darcy Ribeiro não se resignaria a ver a Uenf sendo desmantelada de forma silenciosa e covarde.

Um exemplo disso é a sinalização pública, e que antes era oferecida apenas de forma privada entre quatro paredes, de que uma das saídas para a falta de recursos estatais seria a cobrança de mensalidades dos estudantes e a venda de serviços pelo corpo docente. Se concretizadas essas duas medidas significarão o fim da universidade pensada por Darcy Ribeiro e a consumação do Estado mínimo engendrado pelo governo “de facto” que se instalou de forma ilegítima em Brasília e que está sendo aplicado na forma de um laboratório avançado pelo (des) governo Pezão no estado do Rio de Janeiro.

O lado positivo desse processo é que existem cabeças pensando outras saídas para a Uenf que não seja a aniquilação objetiva de todo o seu potencial transformador e que tantos frutos já gerou desde o início do seu funcionamento em 1993.    Assim, seja qual for o resultado da atual greve de professores e técnicos-administrativos é certo que não estaremos encerrando o bom combate pela defesa da essência criadora da Uenf. Na verdade, superada a névoa da resistência subordinada, poderemos utilizar as ferramentas do pensamento crítico para ampliarmos o debate em torno do papel social da Uenf em nossa sociedade, mantendo-se acima de tudo o seu caráter público e gratuito.

Longa vida à Uenf de Darcy Ribeiro e um imenso não à universidade mínima do (des) governo Pezão!

Lembrando Lenin

“… para a revolução acontecer não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de viver como dantes e exijam mudanças; para a revolução é necessário que os exploradores não possam viver e governar como dantes. Só quando os “de baixo” não querem o que é velho e os “de cima” não podem continuar vivendo como dantes, só então a revolução pode triunfar”. Lenin Collected Works, v. 31, p-84-85.

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Lênin e a rota de fuga de petistas

Por Aldo Fornazieri

Embora muita gente de esquerda tenha dado um adeus a Lênin ele está e permanecerá entre os maiores taticistas e estrategistas da história política. Ele está também no seleto grupo dos grandes pensadores da ação política como atividade autônoma. Junto com Antônio Gramsci, ele foi um dos poucos líderes e teóricos marxistas que tinha a clareza de que a atividade política tem sua especificidade autonomia em relação ao econômico e ao social e, por isto, é portadora de poder e força constituintes do real ou de sua transformação. Neste sentido, os dois se ligam de forma inarredável ao pensamento de Maquiavel. Gramsci o faz de forma explícita teorizando sobre o legado maquiaveliano para a política moderna. Em Lênin, esta ligação aparece de forma autoevidente no conteúdo de seus textos. Não é preciso se considerar leninista – como não me considero – para reconhecer os méritos do líder da revolução russa. 

Muitos militantes do PT, no alto de sua arrogância, e mesmo se considerando portadores da verdade e sábios da política, deveriam estudar Lênin. Não resta dúvida de que o PT agrega militantes da melhor qualidade, que podem ser encontrados entre os militantes históricos do partido e nos combativos militantes dos movimentos sociais. Mas não restam dúvidas também de que parte dos militantes se degradou política e moralmente com a chegada do partido ao poder. Mais do que isto: existe hoje uma militância neopetista adesista e mal formada politicamente que se armou com os piores vícios do oportunismo para justificar os erros cometidos pelo partido e pelo governo.

Em que pese todas as evidências de que existem erros e corrupção no governo e no partido, os neopetistas adotam duas rotas de fuga para acobertar esses males ou, simplesmente, de forma esquizofrênica, negar a realidade. A primeira rota de fuga consiste na sustentação da tese de que todas as acusações não passam de uma conspiração comandada pela grande mídia – o chamado Partido da Imprensa Golpista (PIG). Qualquer crítica dirigida ao partido ou ao governo, mesmo que ela venha de petistas ou de eleitores do partido, é desqualificada com  adjetivos e identificada como uma ação do PIG. Essa atitude corresponde a aquela dos militantes de extrema-direita, que demonizam o PT e o governo por uma rejeição irracional ao que eles representam. Ambas as atitudes são antidemocráticas e fascistizantes. Para esses militantes, a ação penal 470 (mensalão) é uma perseguição, o governo Dilma não errou na condução da economia, a Petrobras não foi dilapidada e assaltada por grupos corruptos etc.

A segunda rota de fuga consiste na justificação da corrupção, com a alegação de ela é realidade corrente, de que é preciso entrar no jogo para poder vencer eleições e governar, de que os outros partidos também são corruptos, mas são mais espertos e não se deixam pegar ou de que os programas sociais dos governos petistas compensam a corrupção. Os que adotam essa justificativa não viveram a construção do PT na oposição ou se esqueceram que o partido se fortaleceu criticando tudo isto e defendendo a ética na política.

No primeiro caso – colocar a culpa nos outros e fugir de suas próprias responsabilidades – tem-se aquela clássica falta de ética, pois, como alertava Weber, quem assim age não deixa revelar os verdadeiros interesses que defende. Ele sugere que se poderia tipificar como crime político a atribuição da culpabilidade aos outros e a fuga da responsabilidade própria. E note-se que essa conduta de setores petistas hoje sequer é feita em nome de uma ética das convicções, mas na ausência dela.

O segundo caso expressa uma capitulação oportunista à realidade estabelecida por um sistema corrupto e a todos os seus males. Aqui já não há nem convicções e nem causas, pois a corrupção é o puro reino da manipulação dos meios em nome de interesses pessoais ou grupais. Os neopetistas classificam como moralismo qualquer cobrança por moralidade, transparência e responsabilidade para com a coisa pública. Tal como no mundo antigo a corrupção era o maior dos males das repúblicas, ela o continua sendo nas democracias modernas.

Na verdade, o que falta ao PT como um todo e nos neopetistas em particular é o exercício da crítica e da autocrítica. E aqui é preciso retornar a Lênin. Embora ele adotasse as noções de crítica e autocrítica vinculadas a um critério de classe, na verdade, o conceito que esse par de termos expressa pode assumir uma dimensão universal e erigir-se e momento metodológico fundamental da atividade política. Crítica e autocrítica constituíam a essência da metodologia da ação partidária. A sua negação constituía o oportunismo político, assim definido pelo líder russo; “O oportunista não trai o seu partido, não lhe é infiel, não o abandona. Continua a servi-lo com sinceridade e zelo. O seu traço típico e característico é a maleabilidade instantânea do seu temperamento, a sua incapacidade para resistir à moda, a sua miopia política e falta de caráter. O oportunismo é o sacrifício dos interesses de longo prazo e essenciais do partido aos interesses momentâneos, transitórios e secundários”. Grosso modo é isso que se vê no PT quando aderiu a práticas políticas nefastas que já estavam postas antes de o partido chegar ao poder e que continuaram com o partido no poder, como evidencia o caso da Petrobras e outros casos.

Crítica e Autocrítica Como Método

Em relação à autocrítica como método permanente de retificação da ação do partido, Lênin foi categórico ao afirmar: “Ninguém poderá nos destruir, exceto os nossos próprios erros”. A partir disso passa a criticar a presunção dos partidos revolucionários que se recusam a perceber suas fraquezas, seus erros e deixam de ser transparentes. A dogmatização posterior que contaminou os partidos comunistas e a presunção de que eram portadores da verdade, foi fatal para a derrota do próprio comunismo. Se há um mérito que se possa reconhecer ao Partido Comunista Chinês é o de que não abandonou o método da autocrítica. Não é por acaso que o ex-ministro e dirigente partidário Bo Xilai foi condenado à morte por corrupção em 2013. Na semana passada mesmo, o diretor de uma empresa foi condenado à morte pelo mesmo motivo. Ou seja, o partido sabe fazer o ajuste com seus próprios erros e a autocrítica é um método aplicado no exercício geral do poder, valendo também para a condução econômica.

Para Lênin, a autocrítica, no sentido geral do termo, significava reconhecer abertamente os erros praticados, descobrir as causas que os geraram e buscar soluções e meios para corrigi-los. Assim, pode-se reconhecer na autocrítica um método inerente à estratégia da organização política, pois sem sua incorporação enquanto método permanente, a organização tende à crise interna e ao fracasso.

A crítica e a autocrítica eram entendidas por Lênin como dois momentos de um mesmo método. A crítica é necessária para que o partido seja uma organização capaz de compreender a realidade e, ao mesmo tempo, uma organização de combate. A autocrítica evita a derrota pelo erro, a presunção, o dogmatismo e a própria corrupção do partido. Para Lênin, a autocrítica era indispensável para a formação de quadros e dirigentes capacitados do partido, portadores de um caráter moral resoluto. Em termos específicos, a autocrítica é aquele ato em que o militante ou o partido, oficialmente, reconhece seus erros e suas culpas, de forma clara e pública. Dessa forma, o partido não pode ser monolítico. A sua unidade deve ser construída a partir dos seus conflitos internos, tendo por base os pontos de vista divergentes. Escamotear as divergências, negá-las, desqualificá-las é o caminho mais curto para acobertar os erros em nome de interesses escusos que, normalmente, são o combustível da corrosão moral e política do partido e de uma parcela de seus quadros e militantes.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

FONTE: http://jornalggn.com.br/noticia/lenin-e-a-rota-de-fuga-de-petistas-por-aldo-fornazieri