Queda na locomoção e falhas no sistema imune: estudo mostra como agrotóxicos afetam abelhas nativas

Após 48 horas de exposição aos agrotóxicos imidacloprido, piraclostrobina e glifosato, insetos da espécie Melipona scutellaris apresentaram alterações morfológicas e comportamentais que podem levar ao enfraquecimento das colmeias, comprometendo a polinização e a produção de alimentos

51678O grupo de abelhas alimentado com solução contaminada caminhou menos, se movimentou mais lentamente e apresentou alterações morfológicas no corpo gorduroso (foto: Graziele Luna)

Julia Moióli | Agência FAPESP 

Estudo conduzido por pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp), Federal de São Carlos (UFSCar) e Federal de Viçosa (UFV) revelou como três agrotóxicos comumente utilizados na agricultura – imidacloprido, piraclostrobina e glifosato – afetam a espécie de abelha nativa sem ferrão Melipona scutellaris: sozinhos ou em combinação, os compostos modificam a atividade locomotora dos animais e reduzem suas defesas. Os resultados do trabalho foram publicados recentemente na revista científica Environmental Pollution.

O uso indiscriminado de agrotóxicos e suas consequências para a sobrevivência das abelhas são um tema cada vez mais debatido e estudado em todo o mundo. No entanto, a maioria dos trabalhos científicos relacionados envolve espécies europeias e norte-americanas. Aqui no Brasil, o foco tem sido espécies nativas sem ferrão, como a Melipona scutellaris, que desempenham papel vital na polinização de diversas plantas silvestres e culturas com relevância econômica.

Neste trabalho, conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP e apoiado por meio de dois projetos (17/21097-3 e 21/09996-8), um grupo de pesquisadores avaliou os efeitos subletais – ou seja, que não causam a morte – dos pesticidas imidacloprido, piraclostrobina e glifosato no comportamento, na morfologia e na fisiologia da espécie. Para isso, em laboratório, expuseram oralmente os animais às substâncias de forma isolada e em combinação por 48 horas e, em seguida, compararam os resultados aos de um grupo-controle.

O perigo desses agrotóxicos para as abelhas ficou claro: o grupo alimentado com solução contaminada caminhou menos, se movimentou mais lentamente e apresentou alterações morfológicas no corpo gorduroso, órgão relacionado ao sistema imunológico desses insetos.

“Observamos que, tanto em combinação quanto isolados, os agrotóxicos interferiram seriamente no comportamento das abelhas, causaram danos no corpo gorduroso e comprometeram as atividades tanto de proteínas importantes para o sistema imune quanto para a sobrevivência celular”, conta Cliver Fernandes Farder-Gomes, pesquisador do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSCar e primeiro autor do estudo.

Segundo Farder-Gomes, tais resultados indicam que, mesmo que essas abelhas sobrevivam à exposição, elas passarão a ter sistemas imunes deprimidos, que não funcionam adequadamente no combate a bactérias, o que pode aumentar a propensão a infecções.

“A mortalidade das abelhas sempre causa um choque, mas é importante lembrar que, muitas vezes, sobreviver aos agrotóxicos pode ser ainda mais problemático porque enfraquece e diminui as colmeias, impactando não só a produção de mel como a de frutas e legumes, por conta do déficit de polinização”, destaca Roberta Cornélio Ferreira Nocelli, professora do CCA-UFSCar, coordenadora do grupo de trabalho para o desenvolvimento de métodos para testes de toxicidade em abelhas nativas brasileiras junto à Comissão Internacional para as Relações Planta-Polinizador (ICPPR, na sigla em inglês) e coautora do trabalho.

Políticas públicas

Para complementar esses resultados e estabelecer um panorama completo dos malefícios dos três pesticidas, os pesquisadores pretendem agora analisar sua influência na expressão de outras proteínas e também testar a ação das substâncias em espécies distintas de abelhas nativas.

De acordo com Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociências (IB) da Unesp de Rio Claro, a ideia é que, por revelar impactos com consequências de longo prazo tanto na biodiversidade quanto na segurança alimentar, o estudo realizado por Farder-Gomes dê suporte aos órgãos públicos para o estabelecimento de políticas mais restritivas, como tem acontecido nas últimas décadas com outras pesquisas do Grupo de Pesquisa em Ecotoxicologia e Conservação de Abelhas (Leca) e o Grupo de Pesquisa Abelhas e os Serviços Ambientais (ASAs), liderados por ele e por Nocelli.

“Nossos mais de 80 artigos e livros, entre outros trabalhos, têm sido utilizados ao longo dos anos, principalmente pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], para restringir o uso de agrotóxicos – foi o caso, por exemplo, do inseticida fipronil, que tem sido o maior responsável pela mortalidade de abelhas”, diz Malaspina.

Nocelli faz questão de destacar que não se trata de comprometer a agricultura brasileira – pelo contrário, a função dos estudos científicos é melhorá-la. “Nosso objetivo é sempre pensar em uma produção agrícola mais sustentável, harmonizando agricultura e conservação, pois só assim teremos segurança alimentar no futuro”, finaliza.

O artigo Exposure of the stingless bee Melipona scutellaris to imidacloprid, pyraclostrobin, and glyphosate, alone and in combination, impair its walking activity and fat body morphology and physiology pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0269749124004974?dgcid=rss_sd_all.


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Fonte: Agência Fapesp

Pesquisa mostra efeito letal de dois agrotóxicos sobre o sistema respiratório de tilápias

Grupo da Unesp constatou que mesmo quantidades pequenas de dois agrotóxicos encontrados em áreas de cultivo de cana podem causar a morte dos animais em 24 horas

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Foram analisadas 150 tilápias do Nilo (Oreochromis niloticus) mantidas em aquários construídos na Unesp (ilustração: Rafael Rubira/Unesp)

Mônica Tarantino | Agência FAPESP  

Os agrotóxicos parationa-metílica (MP) e imazapique (IMZ) estão entre os produtos borrifados nas plantações de cana-de-açúcar da região de Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Por causa de sua toxicidade, é grande a preocupação com o impacto dos resíduos no solo e nas águas. “Nos peixes, um dos efeitos desses produtos é a morte por asfixia”, conta o pesquisador Rafael Rubira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (FCT-Unesp).

Rubira e seus colegas analisaram os efeitos dessas substâncias nas brânquias de 150 tilápias-do-nilo (Oreochromis niloticus) mantidas em aquários construídos no laboratório da faculdade. As brânquias ou guelras são órgãos respiratórios que absorvem o oxigênio da água e eliminam dióxido de carbono.

O time de pesquisadores começou o estudo pelas brânquias por serem o primeiro ponto de contato dos peixes com essas substâncias, mas outros sistemas e órgãos, como fígado, rins e coração, estão sendo analisados. A tilápia foi escolhida por ser o peixe mais consumido no país, de acordo com o pesquisador. O critério de seleção dos pesticidas está referenciado em pesquisas anteriores que identificaram a presença de resíduos no solo e nas águas próximas às plantações e assentamentos humanos.

“Ficamos surpresos em constatar que a exposição a quantidades muito pequenas desses pesticidas, abaixo inclusive dos limites permitidos pela lei, foi suficiente para danificar as brânquias de tilápia”, afirma o pesquisador. Graduado em física, ele tem mestrado e doutorado em ciências e engenharia de materiais, com foco em metodologias sofisticadas para detectar partículas de pesticidas.

A investigação recebeu apoio da FAPESP por meio de seis projetos (21/14514-220/05423-020/16310-220/15324-020/15185-0 e 18/22214-6). Os resultados foram divulgados no Journal of Hazardous Materials.

O IMZ faz parte do grupo químico das imidazolinonas, que são herbicidas seletivos usados para combater o crescimento de certos tipos de plantas daninhas presentes no campo. Seu uso é autorizado no Brasil para as culturas de amendoim, arroz, cana-de-açúcar, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo. “Porém, é uma substância altamente tóxica, com elevada solubilidade quando lixiviada em camadas mais profundas do solo”, diz o pesquisador. A lixiviação é um processo pelo qual minerais, nutrientes ou poluentes se movem através do solo ou de um meio poroso, geralmente devido à ação da água, podendo alcançar camadas mais profundas do solo, aquíferos e recursos hídricos subterrâneos.

O MP pertence ao grupo dos organofosforados e é um poderoso inibidor da enzima acetilcolinesterase, que atua na regulação do neurotransmissor acetilcolina, causando efeitos tóxicos no sistema nervoso de animais e com potencial para danificar a pele e os olhos, entre outros sistemas corporais expostos de seres vivos.

“Permitido nos Estados Unidos, com limite de concentração de 9,3 microgramas por litro [µg/L], o MP é proibido no Brasil, mas ainda é encontrado”, relata Rubira. Vale lembrar que o Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, seguido pela China e pela Índia.

Separados em grupos de dez por tanque, os peixes foram expostos ao IMZ e ao MP. “Neste trabalho, utilizamos animais ainda jovens de pisciculturas, livres da adição de insumos para estimular o crescimento, e os mantivemos em ambiente controlado”, explica Rubira.

Os agrotóxicos foram diluídos na água em quantidades abaixo dos limites permitidos pela legislação de vários países. Com a ajuda de um equipamento de microscopia confocal, os pesquisadores avaliaram a ação das substâncias sobre o órgão respiratório em 24 horas e depois de 96 horas. A técnica proporciona imagens tridimensionais nítidas e detalhadas dos tecidos e permite também ver mudanças na intimidade das células.

“Antes íntegras, as brânquias passaram a apresentar alterações prejudiciais à capacidade de absorção de oxigênio, levando os peixes à morte. Novamente nos surpreendemos ao observar que os animais já estavam muito debilitados com 24 horas de exposição”, relata Rubira.

As imagens obtidas revelam que, mesmo em pouca quantidade e em apenas 24 horas, os pesticidas destruíram completamente ou danificaram uma parte muito importante das brânquias, que são os filamentos ou lamelas. Trata-se de estruturas com muitos vasos sanguíneos, que desempenham um papel fundamental na troca de gases. Para entrar na corrente sanguínea do peixe, o oxigênio extraído da água precisa passar por essas lamelas. “Sua destruição é uma sentença de morte para os peixes”, diz Rubira.

Dados prévios

Antes do experimento com peixes vivos, o pesquisador e seus colegas simularam o impacto desses dois pesticidas em modelos de membranas plasmáticas sintetizadas para ter uma ideia do que poderiam encontrar. “Nós conseguimos criar modelos de membranas utilizando moléculas de lipídeos semelhantes às encontradas nas brânquias. Os fosfolipídios desempenham um papel importante na regulação do transporte de substâncias entre o interior e o exterior da célula”, explica o pesquisador.

No laboratório, essas estruturas foram bombardeadas com maiores quantidades de IMP e MP. “Quando vimos o resultado, nossa dúvida passou a ser se baixas concentrações afetariam da mesma forma os peixes. Vimos que os efeitos colaterais são os mesmos”, observa o especialista.

A morte de peixes e abelhas não é uma cena incomum na região. “Vemos com frequência, mas acontece principalmente no período de plantio da cana, quando são feitas muitas pulverizações com pesticidas”, diz o pesquisador. Ele conta que se deparou algumas vezes com a pulverização aérea de pesticidas enquanto coletava amostras das águas da região em áreas próximas a assentamentos humanos, o que contraria a lei. Em 2008, o Ministério da Agricultura emitiu uma diretriz proibindo a pulverização de agrotóxicos a uma distância inferior a 500 metros de áreas urbanas, cidades e fontes de abastecimento de água.

“Não foi o que eu testemunhei”, diz Rubira. Segundo o pesquisador, os resíduos de agrotóxicos pulverizados se espalham por quilômetros ao redor da plantação. “É frequente ouvir queixas dos moradores vizinhos das plantações sobre ardência nos olhos, coceira na pele e na cabeça e manchas cutâneas. Além disso, os resíduos desses pesticidas são cumulativos na água e no solo”, diz o pesquisador.

Na próxima etapa do estudo, o time de pesquisadores analisará as interações químicas ocorridas nas moléculas de gordura (lipídicas) das brânquias. Para isso, usarão um espectrômetro, dispositivo que mede a intensidade da luz ou radiação em diferentes comprimentos de onda ou energia para identificar os átomos. Depois, com a ajuda de análises computacionais, pretendem avaliar quais alterações estão associadas a processos cancerígenos. “Queremos mostrar, por microespectroscopia, que, se houver alterações no DNA ou no RNA, as próximas gerações de peixes poderão ter malformações”, pontua o cientista.

Outro lado

Procurada pela reportagem, a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) informou que seu porta-voz não estava disponível.

Já o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), questionado sobre a existência de rotinas de monitoramento e controle do tipo de pesticida usado na cultura da cana-de-açúcar, esclareceu que “é de competência dos Estados legislar e fiscalizar o uso de agrotóxicos no âmbito da sua circunscrição.” O Mapa confirmou que a parationa-metílica tem uso agrícola proibido no Brasil desde 2015. E informou que a Anvisa monitora resíduos de agrotóxicos no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para).

Consultada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) relatou que, no período de 2013 a 2022, a parationa-metílica, proibida desde 2015, foi pesquisada em 18.429 amostras de alimentos vegetais coletadas no âmbito do Para, tendo sido detectada em seis amostras (três coletadas em 2014 e três coletadas em 2015). A substância foi proibida por determinação da Anvisa devido a características mutagênicas.

“Como o imazapique não está incluído no escopo de substâncias prioritárias do Para, não há resultados da pesquisa deste ingrediente ativo em amostras coletadas”, informou a Anvisa.

A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo disse à reportagem para contatar a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo de São Paulo, que, por sua vez, alegou que o assunto é da alçada do Mapa.

O estudo Biological responses to imazapic and methyl parathion pesticides in bioinspired lipid membranes and Tilapia fish pode ser lido [Aqui] .


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Fapesp [Aqui!].

Ibama restringe uso do tiametoxam, agrotóxico letal a abelhas e outros polinizadores

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Hélen Freitas para a Repórter Brasil

Após dez anos em reavaliação, o Ibama decidiu restringir o uso do tiametoxam, um dos agrotóxicos mais letais às abelhas. Em comunicado publicado nesta quinta-feira (22), o órgão ambiental proibiu o uso de aviões agrícolas e tratores para a aplicação do produto.

O processo de revisão da substância foi alvo de lobby da fabricante brasileira Ourofino e da multinacional de origem suíça Syngenta, conforme mostrou a Repórter BrasilO principal argumento utilizado pelas empresas em prol do agrotóxico era o risco de perda econômica dos produtores rurais. 

A pressão do agro incluiu também a contratação de um ex-servidor do Ministério da Agricultura (Mapa) para ajudar nas negociações com órgãos públicos, além de uma campanha online que se baseou em um estudo limitado para defender a substância.

Apesar do lobby, o Ibama manteve a posição de restringir a substância. Diversas pesquisas científicas relacionam o uso do tiametoxam com a mortandade em massa de abelhas. Em 2018, a União Europeia proibiu o seu uso com o objetivo de proteger os insetos polinizadores, que são essenciais à reprodução de diversas espécies de plantas.

Os neonicotinóides, agrotóxicos feitos à base de nicotina, como o tiametoxam, atingem o sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que fiquem desorientadas. Trazem ainda sequelas ao seu sistema de aprendizagem, digestão e imunológico, em muitos casos levando à morte.

A restrição da pulverização aérea e tratorizada é uma tendência mundial, afirma Rosangela Muniz, diretora substituta de Qualidade Ambiental do Ibama. “A aplicação foliar na área total está sendo muito restringida por conta do fenômeno da deriva”, diz ela, citando o fenômeno que dispersa resíduos do agrotóxico pelo ar.

“Esse trabalho envolveu uma análise técnico-científica rigorosa de uma grande quantidade de estudos produzidos nas condições da agricultura brasileira. É um estudo pioneiro”, afirma Alan Ferro, coordenador-geral de avaliação e controle de substâncias químicas do Ibama.

Abelhas são insetos polinizadores essenciais ao ecossistema, mas suas populações estão em queda no mundo (Foto: Pixabay)

Como fica agora?

A partir de agora, produtos contendo tiametoxam só podem ser usados em 25 cultivos diferentes, como café, soja e cana-de-açúcar, mas somente para aplicação direta no solo ou no tratamento de sementes. 

Segundo o Ibama, os agricultores e lojas agropecuárias poderão utilizar os produtos até o fim do estoque ou da validade. Já as empresas fabricantes deverão comunicar seus clientes sobre as mudanças e alterar as bulas até 20 de agosto.

A decisão impacta uma indústria bilionária. A comercialização de produtos com tiametoxam no Brasil atingiu a marca de 4.800 toneladas em 2022, segundo dados do Ibama obtidos pela Repórter Brasil

Por isso, o defensor público do Estado de São Paulo, Marcelo Novaes, prevê uma intensa batalha judicial agora com a indústria na tentativa de reverter a decisão. “O tiametoxam era a galinha dos ovos de ouro da Syngenta, ela não vai querer perder esse mercado”, afirma.

Ferro, coordenador-geral de avaliação do Ibama, afirma que o órgão continuará recebendo novas pesquisas sobre a substância, o que pode alterar a decisão. “A gente tomou como dado o conhecimento técnico disponível no momento, então a gente também já deixa claro que é possível o aposto [apresentação] de novas informações”.

Por meio de nota, a Syngenta afirmou que discorda da decisão do Ibama. “Estamos analisando a publicação no Diário Oficial e compreendendo as medidas cabíveis para minimizar o impacto para os agricultores brasileiros.”. A empresa disse ainda que garante a segurança de seus produtos e que “o posicionamento da companhia é alicerçado em fundamentos científicos sólidos que foram apresentados ao Ibama ao longo do processo de reavaliação”.

A Ourofino não se posicionou até o momento.

Alguns pesquisadores ouvidos pela Repórter Brasil consideraram que a decisão foi muito branda, e que o produto deveria ter sido totalmente banido do país. Esse resultado é insuficiente para a proteção dos polinizadores e do meio ambiente”, diz Leonardo Melgarejo, membro do grupo de trabalho agrotóxicos e transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia.

O agrônomo Gabriel Fernandes, pesquisador do Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), critica também o longo período até o governo decidir pela restrição. “Foram necessários 10 anos para o Ibama chegar a essa decisão, e não por problema do órgão, mas pela judicialização feita pelas empresas interessadas em continuar vendendo esses produtos que sabidamente causam problemas ambientais”.

Lobby

Uma das estratégias das empresas para impedir as restrições foi realizar encontros de forma constante com o governo federal na reta final do processo de reavaliação. Levantamento exclusivo da Repórter Brasil, em parceria com a agência de jornalismo de dados Fiquem Sabendo, mostrou que as fabricantes estiveram em 16 compromissos com autoridades em datas que coincidem com decisões importantes do Ibama sobre o inseticida. 

A Ourofino chegou a contratar um ex-servidor do Ministério da Agricultura (Mapa) para representar a companhia em parte dessas reuniões. Fabiano Maluf Amui abriu uma empresa de consultoria quando ainda ocupava o cargo de assessor especial do ministério, em dezembro de 2022, e foi contratado pela companhia poucas semanas depois, após deixar o cargo público.

Antes de ocupar o cargo no órgão federal, Maluf já tinha sido assessor do presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada ruralista.

lei sobre conflito de interesses define um período de seis meses em que um ex-servidor público não pode trabalhar em empresas privadas, para impedir que elas sejam favorecidas com informações sensíveis.

Segundo Bruno Morassutti, advogado da Fiquem Sabendo, há a possibilidade de não realizar o período de afastamento, desde que a Comissão de Ética Pública da Presidência seja consultada. Procurada pela reportagem, o órgão não respondeu se o ex-servidor entrou com pedido de dispensa.

Pulverização aérea de tiametoxam com uso de aviões agrícolas passa a ser proibido no Brasil com a decisão do Ibama (Foto: Fernando Martinho)

Pesquisa encomendada

Em 2021, mais de 6.000 toneladas de tiametoxam foram exportadas pela Syngenta ao Brasil, segundo dados da organização suíça Public Eye e da agência de jornalismo Unearthed, e revelados pela Repórter Brasil.

Durante três anos, a Syngenta financiou um estudo da Embrapa que concluiu que as abelhas não morriam com o uso do produto, desde que aplicado conforme a bula.

A multinacional aproveitou a conclusão para iniciar uma campanha online em prol do tiametoxam, porém, a companhia ignorou o fato de que os resultados se restringiam apenas ao cultivo de café. Além disso, não informa que a pesquisa foi realizada em fazendas certificadas pela Syngenta, o que na avaliação de especialistas deixa o estudo limitado.

“Você desenha o estudo, escolhe uma metodologia que nem sempre é a mais correta a ser utilizada e o seu resultado vai dar do jeito que você quer. Você está criando um ambiente perfeito para o seu estudo chegar nos seus interesses”, afirma a nutricionista e pesquisadora Vitória Moraes, analista técnica da organização ACT Promoção da Saúde. 

O pesquisador da Embrapa Cristiano Menezes, coordenador do estudo, admite que a realidade do campo é diferente da testada, já que na vida real, segundo ele, os agrotóxicos são aplicados além do permitido, em áreas proibidas e utilizando métodos danosos aos insetos polinizadores. “Nós trabalhamos especificamente com essas fazendas certificadas, que têm todo esse processo muito profissional, mas a gente sabe que a realidade da agricultura é diferente

Em conversa com a Repórter Brasil, o pesquisador afirmou que a escolha do café favorece as conclusões obtidas, e que os resultados não serão os mesmos caso sejam avaliadas outras plantações. “O café tem uma situação muito favorável para esse resultado. É uma floração muito concentrada num período específico do ano, por poucos dias, então a exposição [das abelhas] ao produto é curta”, diz ele.

Card de campanha da Syngenta adota estudo restrito ao café para defender que tiametoxam é seguro para todas as lavouras (Foto: Reprodução)

Nova Lei dos Agrotóxicos

A reavaliação do tiametoxam pode ser uma das últimas seguindo as regras atuais. O Congresso aprovou em dezembro a nova lei dos agrotóxicos, que concede ao Ministério da Agricultura a palavra final no que se refere à aprovação de pesticidas.

Historicamente liderada por empresários do agronegócio, a pasta tende a se manifestar favoravelmente aos pleitos do setor.

Ao sancionar a nova lei, o presidente Lula vetou o trecho que concede ao Mapa a palavra final, restituindo o poder do Ibama e da Anvisa.

“O presidente Lula acatou a maior parte dos vetos que a gente como Ministério do Meio Ambiente propôs, e agora nós estamos trabalhando na regulamentação da lei”, diz Rosangela Muniz, diretora do Ibama.

Contudo, a bancada ruralista já afirmou ter os votos necessários para reverter a decisão presidencial. Caso isso aconteça, o Ibama e a Anvisa, que fazem análises técnicas do ponto de vista ambiental e de saúde, perderiam poder de influência nas decisões envolvendo agrotóxicos.


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Este texto foi originalmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!].

Fabricantes de venenos agrícolas fazem lobby para impedir banimento de agrotóxico letal às abelhas

Syngenta e Ourofino colocam evidências de lado para garantir vendas do tiametoxam, agrotóxico fatal para abelhas

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Por Helen Freitas para a Repórter Brasil

O governo está prestes a decidir se restringe ou não o uso de um dos piores inimigos das abelhas no Brasil, o tiametoxam. Esse agrotóxico é considerado por ambientalistas e cientistas uma ameaça à biodiversidade, razão pela qual foi proibido na Europa e restringido no Canadá.

As fabricantes, porém, deixam de lado pesquisas científicas sobre o impacto às abelhas e pressionam órgãos reguladores para manter o uso no Brasil, alegando riscos econômicos ao agronegócio.

Aplicado para o controle de pragas em diversas lavouras, o tiametoxam está em reavaliação no país há dez anos. Esse período ficou marcado pelo lobby das fabricantes em várias frentes em Brasília, e também pelas discussões sobre a nova lei dos agrotóxicos, que pode mudar as regras do jogo e reduzir o peso do Ibama nas decisões sobre agrotóxicos.

A pressão é liderada pelas duas fabricantes no país, a multinacional de origem suíça Syngenta e a brasileira Ourofino, com apoio de associações do agronegócio e da Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada “bancada ruralista” do Congresso.

Só a Syngenta anexou mais de 30 estudos ao processo de reavaliação, na tentativa de comprovar a segurança do produto aos insetos. A empresa argumenta que o tiametoxam não representa risco se aplicado conforme a bula, e diz que as fabricantes têm se empenhado na capacitação de aplicadores.

Mas o Ibama diz que esses estudos não afastaram todas as suspeitas envolvendo o tiametoxam. Para o órgão ambiental, os treinamentos e as orientações contidas em bula são insuficientes para proteger as abelhas

Em dezembro passado, o Ibama manifestou-se a favor de restringir o tiametoxam em 25 cultivos diferentes, como cana-de-açúcar, soja e milho. Na decisão, o Ibama diz que a substância “representa um alto nível de preocupação aos polinizadores”, sendo “400 vezes mais tóxico do que o limite necessário para enquadrar esse agente como altamente tóxico às abelhas”.

A decisão final fica a cargo de uma comissão formada por Ibama, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Anvisa. Os três órgãos têm até 22 de fevereiro para bater o martelo.

Abelhas desorientadas

A pressão da indústria vai na contramão do que vem sendo decidido em outros países. Em 2018, o tiametoxam foi proibido na União Europeia, após pesquisas comprovarem sua letalidade para as abelhas. Esses insetos atuam como agentes polinizadores e são essenciais à reprodução de diversas espécies de plantas.

Após a proibição na Europa, o Brasil virou um dos principais mercados para a Syngenta, a maior fabricante mundial. Só em 2021, mais de 6 mil toneladas foram exportadas ao país, segundo dados da organização suíça Public Eye e da agência de jornalismo Unearthed.

Mas no Brasil, os efeitos dos pesticidas seriam ainda piores. De acordo com um estudo feito por três universidades brasileiras – Ufscar, Unicamp e Unesp –, as abelhas nativas brasileiras são mais sensíveis ao tiametoxam do que as espécies adotadas nas pesquisas encomendadas pela indústria.

“A agricultura é uma riqueza brasileira, mas a biodiversidade também. É preciso harmonizar isso”, defende a bióloga Roberta Nocelli, pesquisadora da Ufscar e uma das responsáveis pelo estudo. “As restrições [ao tiametoxam] são adequadas, porque esse é um produto tóxico”, afirma.

O tiametoxam faz parte de um grupo de inseticidas à base de nicotina, conhecidos como neonicotinóides. Segundo Nocelli, a substância atinge o sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que elas fiquem desorientadas. Causa também sequelas ao sistema imunológico, digestivo e de aprendizagem das abelhas, em muitos casos levando à morte.

A substância é suspeita ainda de causar problemas no sistema reprodutivo humano e no desenvolvimento de fetos, segundo a Agência Europeia dos Produtos Químicos.

Bula e treinamentos

Não é a primeira vez que o Ibama tenta restringir o uso do tiametoxam. Em 2012, o órgão ambiental proibiu a aplicação do pesticida por meio de aviões agrícolas. Chamada de pulverização aérea, essa técnica é a mais danosa às abelhas, já que dispersa resíduos do agrotóxico pelo ar, a longas distâncias.

Na época, as empresas conseguiram reverter a decisão do órgão ambiental. Mas a aplicação aérea voltou a ser permitida apenas para algumas plantações.

A indústria defende como solução o treinamento para quem aplica agrotóxicos, além da criação de zonas de segurança onde o produto não poderia ser aplicado.

“Acreditamos que, por meio de treinamentos realizados no campo e de cursos online gratuitos, é possível disseminar boas práticas e orientar sobre a adequada utilização dos produtos”, diz a Syngenta, em nota enviada à Repórter Brasil.

A empresa declara que “gerou e aportou no processo de reavaliação do tiametoxam resultados de anos de estudos, que tiveram a participação de diversos pesquisadores que trouxeram bases científicas sólidas para demonstrar a segurança do produto”. Leia a resposta completa.

Já a Ourofino não atendeu a reportagem. Em seu site, a empresa argumenta que o tiametoxam pode ser considerado seguro para os insetos polinizadores com a implementação de medidas de mitigação de risco, mas isso “depende também da cooperação ativa dos agricultores”.

Para o Ibama, as bulas e os treinamentos são importantes, mas não afastam o risco às abelhas. “As informações em bula podem não ser suficientes para o uso seguro dos produtos, tanto pela ausência de especificações detalhadas, como por possível dificuldade dos aplicadores em compreender seu conteúdo”, diz o órgão no parecer em que recomenda a restrição ao tiametoxam.

Culpar os agricultores pelos efeitos dos agrotóxicos é uma estratégia da indústria de minimizar sua responsabilidade, avalia a nutricionista e pesquisadora Vitoria Moraes, analista técnica da organização ACT Promoção da Saúde. “O que elas mais fazem é tentar colocar a culpa no indivíduo, usando estudos com metodologias questionáveis e que não representam a vida real”, diz ela, a respeito das condições de aplicação de agrotóxicos no dia-a-dia dos agricultores.

“Mesmo utilizando adequadamente o tiametoxam, com todas as regras, você não pode afirmar que não vai haver mortalidade de abelhas”, afirma Nocelli, da Ufscar.

Impactos ao agro

Após ser publicado em setembro, o parecer do Ibama foi submetido a consulta pública, o que movimentou o lobby do agro em Brasília. As duas fabricantes criaram páginas específicas sobre o agrotóxico, incluindo orientações para pessoas físicas se manifestarem no processo.

Havia até a sugestão de uma frase comum para ser incluída nas manifestações: “Em atenção às conclusões da ARA [Avaliação de Risco Ambiental] contidas na Tabela 1 para a cultura xxx”. A Repórter Brasil identificou 633 respostas (40% do total) contendo exatamente as palavras propostas pelas empresas.

Embora a análise do Ibama se concentre nas abelhas, o principal argumento das empresas é o impacto econômico de uma eventual proibição. Elas dizem que o agronegócio brasileiro poderá sofrer uma queda de até 30% na produtividade.

A restrição também acarretaria, segundo as companhias, em aumento de custos para agricultores, perda de empregos no campo e queda na arrecadação de impostos da ordem de R$ 44 bilhões por ano.

O roteiro foi o mesmo utilizado nos debates envolvendo o paraquate — agrotóxico proibido pela Anvisa em 2020 pelo risco de causar mutações genéticas e doença de Parkinson.

Na época, a indústria também apresentou estimativas de queda na produção de soja. Mas a realidade foi outra, com a safra batendo recorde no ano passado.

Para Nocelli, os números do setor estão superestimados. “As empresas estão puxando a sardinha, porque têm uma postura comercial sobre o assunto”.

Moraes, da ACT, lembra ainda que os dados não consideram os impactos econômicos ao Sistema Único de Saúde e previdenciário, em razão do uso de agrotóxicos. “A longo prazo, essa cadeia produtiva pode sobrecarregar o sistema de saúde e gerar o afastamento do agricultor, aumentando o orçamento público para cobrir custos de doenças que poderiam ser evitadas”.

Nova Lei dos Agrotóxicos

A reavaliação do tiametoxam pode ser uma das últimas seguindo as regras atuais. O Congresso aprovou em dezembro a nova lei dos agrotóxicos, que concede ao Ministério da Agricultura a palavra final no que se refere à aprovação de pesticidas.

Historicamente liderada por empresários do agronegócio, seja em governos considerados de direita ou de esquerda, a pasta é vista como complacente aos argumentos da indústria e, por isso, tende a se manifestar favoravelmente aos pleitos do setor.

Ao sancionar a nova lei, o presidente Lula vetou o trecho que concede ao Mapa a palavra final, restituindo o poder do Ibama e da Anvisa. Mas a bancada ruralista já afirmou ter os votos necessários para reverter a decisão presidencial.

Caso isso aconteça, o Ibama e a Anvisa, que fazem análises técnicas do ponto de vista ambiental e de saúde, perderiam poder de influência nas decisões envolvendo agrotóxicos. E as abelhas ficariam sem aliados importantes para sua proteção.


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Este texto foi publicado pelo jornal “Brasil de Fato” [Aqui!].

No XV Confict, estudantes da Uenf apresentam estudos que colocam em xeque a eficácia e a benignidade de agrotóxicos em relação à polinizadores

Estive hoje acompanhando um dos meus orientandos na apresentação do seu trabalho de Iniciação Científica no âmbito XV Congresso Fluminense de Iniciação Científica e Tecnológica (CONFICT). E como é comum nessas ocasiões, aproveitei para ver o que outros estudantes da Uenf estão fazendo em suas pesquisas.  A minha caminhada pelas centenas de posters foi interrompida quando me defrontei com três trabalhos orientados pelo professor Gerson Adriano Silva, do Laboratório de Entomologia e Fitopatologia (LEF) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuária.

O que me despertou o interesse, já que acompanho a matéria há mais de 20 anos, foi a avaliação realizada pelos orientador do professor Gerson Adriano Silva de 7 agrotóxicos quanto à sua eficiência para remover infestações, a dose letal necessária para uma dada praga, e ainda os impactos sobre a abelha cachorro, um importante polinizador para várias culturas. 

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No caso dos efeitos dos inseticidas Clorfenapir (proibido na União Europeia, Lambda Cialotrina e Metomil (proibido na União Europeia), a principal descoberta se refere ao fato de que a exposição das abelhas cachorro  (T. spinipes) a  esses agrotóxicos impacta a capacidade de voo delas.  O resultado é que as abelhas tendem a demorar mais tempo para retornar para as colmeias, com impactos diretos na sustentação das mesmas. Na conversa com o estudante que realizou a pesquisa, ele me informou que a abelha cachorro é um importante polinizador justamente para as culturas nas quais os inseticidas são aplicados.

O segundo experimento fez uma avaliação de efetividade do inseticida organofosforado Malationa contra a lagarta do inseto Plutella xylostella (ou a traça das crucíferas), um inseto da microlepidópteros, que causa prejuízos consideráveis nas culturas da couve, couve-flor e repolho, penetram na epiderme da folha e causam a destruição da mesma.  O Plutella xylostella ocorre nas culturas da alface, beterraba, brócolis, chicória, entre outras. Neste caso, o problema é que a dose letal (DL) determinada foi 74 vezes maior do que a dose recomendada, tornando o uso desse agrotóxico de nenhuma utilidade para a erradição de infestações de Plutella xylostella. Em outras palavras, qualquer uso da malationa para a traça das crucíferas é basicamente um desperdício de dinheiro.

O terceiro experimento se referiu à avaliação dz eficácia de 3 agrotóxicos (2 de controle biológico e outro o Lambda Cialotrina) contra a Spodotera frugiperda (conhecida como lagarta do cartucho) que é especialmente prejudicial em plantios de milho. Aqui a “surpresa” é que o Lambda Cialotrina apresentou uma eficácia quase 5 vezes menor do que a bioinseticida Tracer, enquanto o bioinseticida Dipel teve uma eficácia ainda menor do que a do Lambda Cialotrina. O problema aqui é a diferença de custo entre o Tracer e o Lambda Cialotrina é de 7 por 1.  Com isso, os agricultores podem estar comprando e aplicando mais doses de Lambda Cialotrina para aumentar a taxa de letalidade do inseto alvo, levando junto outros insetos, inclusive insetos não alvo, incluindo polinizadores.

Pessoalmente considero essas pesquisas de muita importância e fico feliz que estudantes de Agronomia as estejam realizando este tipo de pesquisa, na medida em que seus resultados poderão impactar diretamente as práticas agrícolas para as quais eles estão sendo treinados para organizar e avaliar. 

Estudo do IPEA mostra que COVID-19 é mais letal nos bairros pobres da cidade do Rio de Janeiro

Confira os bairros onde estão registrados os 55 casos de covid-19 no Rio O  Dia - Rio de Janeiro

Pesquisadores do Instituto de Pesquisa de Econômica Aplicada (IPEA) publicaram neste sábado (01/08) uma Nota Técnica (a de número 72) em que são apresentados dados sobre a difusão do coronavírus e seu grau de letalidade da COVID-19 no município do Rio de Janeiro. Entre os principais resultados desta pesquisa está a verificação de que os bairros mais pobres são aqueles que concentram as maiores taxas de letalidade e mortalidade.

O estudo tomou por base um levantamento realizado pelo Instituto Pereira Passos (IPP) sobre o número de casos, o número de óbitos e a taxa de  letalidade e mortalidade, considerando o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) dos bairros e faixas etárias (ver imagem abaixo).

mapa rj

A partir destes dados, o grupo de pesquisadores do IPEA pode identificar padrões no espalhamento da COVID-19 no município do Rio de Janeiro. 

Com base nas análises realizadas, os pesquisadores concluíram que, no tocante à letalidade,  para todas as faixas etárias, os bairros com IDS mais baixo (grupos 1 e 2) apresentam taxas de letalidade mais elevadas que os demais (ver figura abaixo).

letalidade rio de janeiro

Os pesquisadores do IPEA notaram ainda que  no tocante aos óbitos como proporção da população, as taxas estão próximas entre quase todos os grupos de bairros, exceto por aqueles com IDS muito alto (grupo 5), que se destacam dos demais por uma menor mortalidade em praticamente todas as faixas etárias. 

Ainda que análises mais aprofundadas ainda venham a ser realizadas, os resultados apresentados talvez expliquem as cenas constantes de indiferença e de reações contrárias às medidas de isolamento social e adoção de medidas de proteção como o uso de máscaras nas áreas mais abastadas da cidade do Rio de Janeiro.  É que está ficando evidente que a COVID-19 é mais letal para aqueles que habitam as regiões mais pobres do município do Rio de Janeiro.

Quem desejar baixar a Nota Técnica intitulada “Aspectos socioeconômicos da COVID-19: o que dizem os dados do município do Rio de Janeiro?”, basta clicar [Aqui!].

Invisíveis e letais

Esforço para combater o coronavírus deve puxar novas medidas para reduzir poluição do ar

AIR POLLUTIONPesquisa da Harvard University sugeriu que as taxas de mortalidade por COVID-19 nos EUA aumentaram onde houve uma alta concentração de material particulado fino

Por Leo Cesar Melo*

Em diversas cidades do mundo, especialmente nas grandes metrópoles, a qualidade do ar melhorou significativamente com a implantação das medidas de isolamento social para conter o avanço da pandemia causada pela novo coronavírus, que em todo o planeta já infectou quase 9 milhões de pessoas e provocou a morte de mais de 400 mil. Antes mesmo de concentrar toda sua atenção na luta contra o  COVID-19, uma das principais preocupações da Organização Mundial da Saúde era com a questão da poluição do meio ambiente. Em 2019, a OMS fez um alerta de que a poluição do ar era o maior risco ambiental para a saúde da humanidade.

De acordo com a organização, por ano, 7 milhões de pessoas morrem prematuramente por doenças provocadas pela poluição atmosférica, causada principalmente pelos altos volumes de emissões da indústria, dos transportes e da agricultura. Além disso, 90% dessas mortes ocorrem em países de baixa e média renda.

Se nada for feito para reverter esse quadro, a tendência é que a situação se agrave. Portanto, para frear o avanço do problema, os principais agentes poluidores precisam urgentemente focar na eliminação, diminuição ou compensação de suas ações. Isso serve especialmente para as indústrias e para alguns segmentos de infraestrutura.

No Brasil, um dos setores que vem apresentando bons resultados nesse sentido é o de energia limpa. Por conta dos avanços nas políticas que favorecem o biogás, proveniente de materiais orgânicos e que por ser renovável pode substituir o uso de combustíveis fósseis. Iniciamos 2020 com mais de 400 plantas de biogás em operação, um crescimento de 40% na comparação com 2019. As indústrias podem auxiliar no crescimento desse mercado e ao mesmo tempo se favorecer dele, já que hoje existem diversas soluções viáveis de reaproveitamento de resíduos para geração de energia. Com isso cai a necessidade de compra de energia, algo bastante custoso para a produção e ao mesmo tempo reduzem os gastos com a destinação de resíduos.

Mas precisamos avançar muito mais, e por outros setores. O mundo deve encarar o problema da poluição ambiental com a mesma firmeza que está enfrentando o novo coronavírus. As atitudes tomadas em relação à pandemia para a superação dessa crise estão mostrando como a inovação e a ciência são capazes de solucionar os problemas. Que usemos esse exemplo para gerar outras grandes mudanças a favor do desenvolvimento sustentável.

* Leo Cesar Melo é CEO da Allonda Ambiental, empresa de engenharia com foco em soluções sustentáveis