O pavilhão “Agrizone” será patrocinado por gigantes multinacionais de agrotóxicos e lobistas do agronegócio brasileiro, aos quais foram oferecidos “visibilidade” e “ganho de imagem”
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na Plenária Geral de Líderes da COP30 em Belém, Brasil, em 6 de novembro de 2025. A agência governamental brasileira de agricultura está sediando a Agrizone. Foto: Pablo Porciuncula / AFP via Getty Images
Por Naira Hofmeister eLucy Jordan para o “Unearthed”
Entre os patrocinadores do pavilhão da agricultura sustentável na COP30, a cúpula climática deste ano no Brasil, estará a gigante de pesticidas e sementesBayer , que, segundo ativistas sul-americanos, promove um modelo de agricultura industrial que está impulsionando o “desmatamento em massa ” no continente .
A Bayer pagará pelo menos R$ 1 milhão (£ 142.000) pelo patrocínio “diamante” do pavilhão “Agrizone”. Organizada pela Embrapa, a Agrizone sinaliza a influência do agronegócio no Brasil e sua determinação em se apresentar como sustentável, apesar das altas emissões do setor e de seus comprovados vínculos com o desmatamento .
A Bayer enfrenta uma denúncia em andamento na OCDE por parte de grupos do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, que a acusam de promover um modelo agrícola na América do Sul que impulsionaodesmatamento, a perda de biodiversidade e conflitos com comunidades indígenas .
A multinacional alemãé uma das principais empresas do mercado sul-americano de sementes geneticamente modificadas e pesticidas relacionados, utilizados no cultivo de soja.
“Essa monocultura exige o desmatamento de grandes áreas de terra em países que enfrentam enormes conflitos de posse de terras. A Bayer está realmente promovendo um modelo de agronegócio e uma fronteira da soja que impacta negativamente os direitos humanos e ambientais”, disse Cristina Hernandez Hurtado, Assessora Jurídica Sênior do Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR), uma das organizações que apresentaram a queixa à OCDE .
“A Bayer tem tentado se posicionar como sustentável, e vemos sua participação na COP em uma escala tão grande como um grande esforço para apresentar essa imagem ao mundo todo”, acrescentou ela. “Somos céticos em relação a essa mensagem.”
Qualquer pessoa pode apresentar uma queixa aos Pontos de Contato Nacionais da OCDE sobre supostas violações de direitos humanos por parte de empresas. A OCDE não tem o poder de impor sanções, mas pode iniciar um processo de mediação entre os reclamantes e a empresa .
Outros patrocinadores do pavilhão Agrizone incluem a Senar , braço da principal associação do agronegócio brasileiro, a CNA , e a UPL , fabricante indiana de agrotóxicos que fornece ao Brasil produtoscontendo substâncias químicas proibidas na União Europeia. Essas substâncias químicas ainda podem ser legalmente vendidas por empresas europeias ao Brasil.
Juntos, esses patrocinadores pagaram pelo menos R$ 4,4 milhões (£ 625.000) por exposição da marca, salas de negociação privadas, direito de sediar eventos e espaços para discursos em debates sobre o clima .
Um rascunho de contrato obtido pela Unearthed por meio de um pedido de acesso à informação promete aos patrocinadores “visibilidade” e “ganho de imagem” por sua “associação com empresas comprometidas com as mudanças necessárias para enfrentar… as mudanças climáticas” .
O presidente Lula faz sinal de positivo ao lado de chefes de Estado e representantes na Cúpula de Líderes, antes da COP30, a conferência climática da ONU, em Belém, Pará, Brasil. Foto: Mauro Pimentel /AFP via Getty Images
Brice Böhmer, do grupo de campanha Transparência Internacional, alertou que os anfitriões da COP30 deveriam ser “cautelosos com o acesso privilegiado que às vezes é concedido às empresas”, já que, por vezes, existe “uma discrepância entre a forma como as empresas se apresentam” e o trabalho que realizam para “promover soluções que sejam do seu próprio interesse… a portas fechadas”.
O ministro da Agricultura do Brasil, Carlos Favaro, deverá trabalhar na Agrizone durante a cúpula . O ministério não respondeu ao pedido de comentário .
Böhmer defendeu uma política de conflito de interesses para regular a visibilidade e o acesso concedidos às empresas nas cúpulas da COP.
“As cúpulas climáticas da ONU estão se tornando plataformas para ações climáticas genuínas ou para desinformação e influência indevida da indústria?”, questionou. “Para que as COPs impulsionem ações climáticas reais, não deve haver espaço para aqueles que fazem lobby contra seus objetivos .”
Um porta-voz da Bayer afirmou que “Combater as mudanças climáticas exige esforços coletivos em toda a cadeia produtiva… Na COP, portanto, participaremos de discussões sobre soluções baseadas na ciência para o combate às mudanças climáticas.”
Agrotóxicos são pulverizados em uma plantação de soja recém-semeada no Mato Grosso, principal estado produtor de soja do Brasil. A Bayer é atualmente alvo de uma denúncia à OCDE devido aos impactos de suas atividades com soja e agrotóxicos. Foto: Lucas Ninno / Getty Images
Em julho de 2024, a Bayerrespondeu formalmenteà queixa da OCDE, detalhando a situação e afirmando que a empresa levava “muito a sério todas as informações sobre potenciais impactos adversos aos direitos humanos e ao meio ambiente”, mas que, com base em sua própria pesquisa e nas informações fornecidas pelos reclamantes, “não foi possível identificar qualquer ligação entre os impactos adversos e os negócios da Bayer”.
Em comunicado, a Embrapa afirmou que, como instituição pública de pesquisa e inovação, “baseia suas ações e todos os seus relacionamentos na ética, na transparência e em um compromisso inabalável com a legislação ambiental e de direitos humanos no Brasil e no mundo”.
Acrescentou ainda que rejeita práticas que tenham sido “comprovadamente” constituídas de desflorestação ilegal, utilização indevida de pesticidas ou violação dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.
A Embrapa temfeito campanharecentemente para que o Brasil adote o GWP* , uma nova métrica para medir o impacto climático do metano, um gás de efeito estufa, que visa levar em consideração o fato de o metano se decompor rapidamente na atmosfera. Os críticos argumentam que a adoção desse padrão permitiria que grandes emissores, como a pecuária,mascarassem sua contribuiçãopara o aquecimento global.
Hannah Daly, professora de Energia Sustentável na University College Cork, afirmou que se o Brasil, o maior exportador de carne bovina do mundo, adotasse o GWP*, isso criaria um “precedente desastroso”.
Ela acrescentou que a Embrapa estava promovendo “uma métrica que permitiria ao enorme setor pecuário brasileiro reivindicar a “neutralidade climática”, mantendo, ao mesmo tempo, altas emissões de metano”.
A Embrapa afirmou que “as discussões sobre os SLCPs [poluentes climáticos de vida curta] devem continuar sendo tema de encontros científicos antes de serem adotadas ou abandonadas. A Embrapa considera que a divergência e o debate são partes fundamentais do desenvolvimento científico e devem ser baseados em argumentos fundamentados em evidências científicas.”
Desmatamento e conflitos fundiários
A Bayer é uma força dominante no mercado sul-americano de sementes de soja geneticamente modificadas e dos herbicidas utilizados nelas.
“Essa remoção muitas vezes está ligada a despejos forçados ou à invasão de comunidades indígenas e camponesas ” , disse Cristina Hernandez Hurtado à Unearthed .
As terras indígenas Guasu Guavirá, no oeste do Paraná, estão em disputa – lar de aldeias indígenas, mas reivindicadas por agricultores cujos campos de soja as cercam .
“Não temos liberdade. E muitas comunidades fazem fronteira com terras agrícolas. Então, os agrotóxicos são pulverizados a 5 metros, a 10 metros das casas dos Guarani”, disse Ilson Soares, líder da aldeia Yvy Okaju da terra Guasu Guavirá.
Ele acrescentou que os agricultores, por vezes, usaram pesticidas contra os povos indígenas como uma “arma química”.
“Os agrotóxicos também causam ansiedade, tristeza”, disse uma líder indígena da região de Guasu Guavira, que pediu anonimato para evitar ameaças. Ela acrescentou: “Quando se trata de pesticidas e de plantações de soja, nada é sustentável”.
A denúncia da OCDE contra a Bayer também cita impactos na Bolívia, onde, segundo ela, a soja geneticamente modificada agora utiliza cerca de 50% das terras cultivadas e cerca de 436.000 hectares de floresta foram desmatados para o cultivo de soja entre 2011 e 2022 .
A Bayer não respondeu diretamente às perguntas da Unearthed relacionadas às alegações da denúncia da OCDE, mas afirmou que “a Bayer historicamente fez da sustentabilidade um de seus principais pilares estratégicos e contribui globalmente com soluções e iniciativas inovadoras relacionadas à agricultura, saúde, transição energética e sistemas alimentares sustentáveis”.
Hurtado, do ECCHR, disse que o escritório nacional da OCDE na Alemanha deve decidir em breve se irá mediar a queixa.
A UPL, fabricante indiana de agrotóxicos, também patrocinará a Agrizone. A UPL pagou R$ 900.000 (£ 125.000), garantindo diversos espaços de marca e um estande de 300 m² . A partir de 2023, a UPL foi autorizada a vender136 agrotóxicosno Brasil contendo substâncias proibidas na União Europeia devido a preocupações com a saúde humana ou o meio ambiente .
A UPL não respondeu ao pedido de comentário.
Lobistas anti-conservacionistas
A Senar, patrocinadora da Agrizone, é o braço educacional da CNA, a maior associação de agronegócio do Brasil. A Senar pagou R$ 2,5 milhões (cerca de £ 360 mil) pelo “patrocínio master”, o nível mais alto . Recentemente,a CNA apoiouo chamado “projeto de lei da devastação” do Brasil, um pacote de reformas legais condenado por grupos ambientalistas por supostamente afrouxar o licenciamento ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,afirmou que o projeto, em sua versão original, prejudicaria a promessa do país de eliminaro desmatamentoaté 2030. Em contrapartida, a CNA apoioupublicamente o projeto,argumentando que ele reduziria a burocracia.
A CNA também liderou os esforços para revogar a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo histórico para bloquear a venda de soja ligada ao desmatamento . Em fevereiro, aCNA apresentou uma denúnciaao Departamento de Execução de Armas de Defesa Econômica (CADE), alegando que a moratória era “ilegal”.
A CNA não respondeu ao pedido de comentário. A Embrapa afirmou que, embora a Senar seja uma entidade privada, possui “fortes laços e objetivos públicos, já que atua principalmente em formação profissional, assistência social e promoção da qualidade de vida dos trabalhadores. Portanto, são atores relevantes no ecossistema de inovação da agricultura e da agricultura familiar, visto que desempenham uma importante função social que complementa a da Embrapa”.
Negação e desinformação sobre as mudanças climáticas
Em julho, os organizadores da COP30prometeram combater a desinformação. Mas dois dos patrocinadores da Agrizone foram recentemente associados à negação das mudanças climáticas.
A Bayer patrocina o Agro Bar, um podcast focado no agronegócio, que em 2023 entrevistouo notório negacionista brasileiro das mudanças climáticas, Luiz Carlos Molion . No episódio, Molion afirmou que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é responsável por “terrorismo climático ” . Ele descarta o CO2 como um fator climático significativo, chamando-o de um “gás da vida ” vital, com um efeito atmosférico tão pequeno que é imperceptível .
Um porta-voz do podcast Agro Bar afirmou que o objetivo era “ampliar o debate e trazer diferentes vozes e pontos de vista sobre questões que impactam o agronegócio e a sociedade” e que “a Bayer não teve qualquer envolvimento na pauta, na escolha do entrevistado ou na produção do episódio em questão”.
Durante o episódio, os apresentadores não contestaram nenhuma das opiniões de Molion.
“A ausência de questionamentos imediatos aos convidados, ou de reações humorísticas em momentos específicos, são características do formato de debate livre e não implicam a promoção de falsidades ou desinformação”, disse o porta-voz.
Molion também tem ministrado palestras regularmente emeventos organizados pela Senar, patrocinadora do Agrizone, onde é apresentado como “o maior especialista em clima do Brasil”. Em umapalestra da Senarem 2023, Molion afirmou que a chuva na Amazônia “não tem absolutamente nenhuma influência sobre o resto do país” e que o desmatamento não tem impacto no clima global.
Molion não respondeu ao pedido de comentário.
A Bayer não comentou a participação de Molion no Agrobar e continua patrocinando o podcast.
As afirmações de Miranda, feitas por meio de relatórios, apresentações e artigos de jornal, incluíam a de que as proteções ambientais do Brasil são as mais fortes do mundo, que as leis de conservação dificultam o desenvolvimento e que a preocupação com o desmatamento da Amazônia é infundada.
Miranda não respondeu ao pedido de comentário.
O professorKlaus Jensen, da Universidade de Copenhague, co-liderou uma revisão sistemáticade 300 artigos científicos sobre desinformação climática. Ele disse à Unearthed que a iniciativa do governo brasileiro de combater a desinformação era importante, mas que: “a inclusão de patrocinadores que anteriormente e continuamente apoiaram vozes negacionistas e contrárias em relação às mudanças climáticas coloca em questão o valor deste componente da COP30”.
Um em cada 25 participantes da cúpula climática da ONU de 2025 é um lobista de combustíveis fósseis, de acordo com Kick Big Polluters Out
Lawrenceburg, Indiana, em 13 de novembro de 2025. Fotografia: Jason Whitman / NurPhoto / Shutterstock
Nina Lakhani, climate justice reporter, para o “The Guardian”
Mais de 1.600 lobistas de combustíveis fósseis tiveram acesso às negociações climáticas da Cop30 em Belém, superando significativamente a delegação de todos os países, exceto o Brasil, segundo uma nova análise.
Um em cada 25 participantes da cúpula climática da ONU deste ano é um lobista de combustíveis fósseis, de acordo com a análise da coalizãoKick Big Polluters Out (KBPO), levantando sérias questões sobre a captura corporativa e a credibilidade das negociações anuais da Cop.
A contagem deste ano representa um aumento de 12% em relação às negociações climáticas do ano passadoem Baku, no Azerbaijão, e é a maior concentração de lobistas de combustíveis fósseis na Cop desde que a KBPO começou a expor a participação da indústria em 2021. O número total é menor este ano do que na Cop29 em Baku (1.773) e na Cop28 em Dubai (2.456), mas a proporção é maior este ano, já que a cúpula de Belém é menos frequentada.
Isso eleva o número total de lobistas de combustíveis fósseis que tiveram acesso às cúpulas climáticas da ONU para 7.000 nos últimos cinco anos, um período marcado por um aumento no clima extremo catastrófico, desinformação e lucros de petróleo e gás.
“Outro policial, mesmo manual. Isso é captura corporativa, não governança climática”, disse Lien Vandamme, ativista sênior de direitos humanos e mudanças climáticas do Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL).
As negociações climáticas anuais começaram em Belém na segunda-feira, com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, negando a desinformação e declarando que seria o “Cop da verdade”.
No entanto, a indústria de combustíveis fósseis, que tem uma longa história de espalhar desinformação e desinformação enquanto bloqueia ações climáticas significativas, recebeu quase 60% mais passes para a Cop30 do que as 10nações mais vulneráveis ao clima juntas (1.061), de acordo com a análise da KBPO, uma coalizão internacional de 450 organizações.
O colapso climático está aumentando. No período que antecedeu a COP30, centenas de pessoas morreram depois que dois poderosos tufões causaram estragos com menos de uma semana de intervalo nas Filipinas – um país que foi atingido por 21 tempestades significativas somente este ano. Os lobistas afiliados aos combustíveis fósseis superam os delegados oficiais das Filipinas em quase 50 para 1, e do Irã, onde uma seca severa pode forçar o governo a evacuar a capital Teerã, por 44 para 1.
Enquanto isso, espera-se que custe à Jamaica bilhões de dólares e anos para se recuperar do furacão Melissa, uma tempestade de categoria 5 turbinada pelo aquecimento global, mas os lobistas dos combustíveis fósseis superaram a delegação da nação insular em 40 para 1.
Em julho, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu que a expansão, a extração, o consumo e os subsídios contínuos de combustíveis fósseis podem constituir um ato internacionalmente ilícito.
“Após a opinião consultiva da CIJ e o manual de seis décadas de obstrução climática, os Estados da Cop devem reconhecer o conflito de interesses irreconciliável da indústria de combustíveis fósseis – que é semelhante à indústria do tabaco”, disse Elisa Morgera, relatora especial da ONU para mudanças climáticas que apóia a proibição global do lobby de combustíveis fósseis.
“Dos corredores da UNFCCC às nossas terras e territórios, as corporações de combustíveis fósseis estão destruindo nossas comunidades e meio ambiente. No entanto, o tapete vermelho está estendido para milhares de lobistas percorrerem os corredores”, disse Nerisha Baldevu, da Friends of the Earth Africa.
As últimas descobertas aumentarão ainda mais a pressão sobre a ONU para banir a indústria de combustíveis fósseis das cúpulas anuais de ação climática, onde os líderes mundiais devem negociar de boa fé e concordar com planos ambiciosos para reduzir a catástrofe climática.
Uma investigação recente da Drilled Mediarevelou que as empresas petrolíferas, com a ajuda do governo dos EUA, cooptaram pela primeira vez o cenário climático internacional no início dos anos 1970, influenciando a eventual elaboração da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) em 1992, e todas as conferências das partes (Cop) dessa convenção desde então.
A KBPO analisou a lista provisória de participantes da Cop30 publicada pela UNFCCC, identificando delegados que representam empresas de petróleo, gás e carvão, grupos comerciais, instituições financeiras e outros que financiam ou se beneficiam financeiramente da obstrução da ação climática para eliminar gradualmente os combustíveis que aquecem o planeta.
Os 1.602 lobistas de combustíveis fósseis identificados incluem 148 da Câmara de Comércio Internacional (ICC); 60 com a International Emissions Trading Association (Ieta), incluindo delegados das gigantes do petróleo e gás ExxonMobil, BP e TotalEnergies; e 41 com a Confederação Nacional da Indústria (BNCI).
Vários grandes poluidores do norte global convidaram representantes de combustíveis fósseis para se juntarem às suas delegações oficiais, incluindo a França, que trouxe 22 delegados da indústria, incluindo o CEO da TotalEnergies, e a Noruega, cujo grupo incluía seis executivos seniores de sua gigante nacional de petróleo e gás Equinor.
No geral, apenas o Brasil, com 3.805 delegados, tem uma presença maior do que os interesses de petróleo, gás e carvão.
Mas a verdadeira extensão da influência dos combustíveis fósseis provavelmente será maior, já que mais da metade de todos os membros da delegação dos países na Cop30 retiveram ou ocultaram detalhes de suas afiliações, de acordo com uma análise separada da Transparência Internacional. Rússia, Tanzânia, África do Sul e México estão entre os países que não divulgaram a afiliação de nenhum delegado oficial.
Após anos de campanha de grupos da sociedade civil, os delegados da Cop foram obrigados este ano a divulgar publicamente quem estava financiando sua participação – e confirmar que seus objetivos estavam alinhados com a UNFCCC. Mas o novo requisito de transparência exclui qualquer pessoa em delegações oficiais do governo ou transbordamentos; Além disso, os pedidos de proteçõesmais rígidas contra conflitos de interessepara reduzir a influência da indústria não foram adequadamente atendidos, dizem os defensores.
“Enquanto os povos indígenas locais lutavam para entrar na conferência, os lobistas dos combustíveis fósseis entraram livremente. Minha geração merece políticas deTransição Justaque reflitam o que as pessoas e o planeta precisam, não o que os lucros dos poluidores exigem”, disse Pim Sullivan-Tailyour, da Coalizão Climática da Juventude do Reino Unido. “A UNFCCC precisa de reabilitação.”
“As empresas de combustíveis fósseis continuam a nos levar a um abismo climático. [No entanto] por 30 anos, as cúpulas sobre mudanças climáticas têm sido um palco ideal para as empresas petrolíferas limparem sua imagem, fazerem negócios e encontrarem novas maneiras de se safar de crimes ambientais”, disse Ivonne Yanez, da Acción Ecológica, um grupo ambiental sem fins lucrativos no Equador, onde a perfuração de petróleo está se expandindo em toda a Amazônia.
“Hoje, em vez de fazer a transição para sociedades pós-petróleo, eles querem extrair até a última gota de combustíveis fósseis para continuar alimentando o sistema capitalista e as guerras genocidas.”
Um porta-voz da UNFCCC disse: “A partir de 2023, foram tomadas medidas para aumentar a transparência para que fique mais claro quem participa da COP. Fizemos isso em consulta com a sociedade civil e outras partes interessadas. Assim como não se pode esperar que nenhum policial resolva a crise climática da noite para o dia, fazer mais melhorias concretas é uma jornada contínua, observando que os governos nacionais têm autoridade exclusiva para decidir quem está em suas delegações.
Ieta e o BNCI se recusaram a comentar. O ICC foi contatado para comentar.
O observatório De Olho nos Ruralistas e a FASE – Solidariedade e Educação lançam o relatório “A COP dos Lobbies”, ontem, primeiro dia de COP30. O estudo mapeia a influência crescente de grandes corporações brasileiras e de multinacionais nas negociações e nos espaços de deliberação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que começa hoje em Belém (PA).
A lista de empresas analisadas inclui as mineradoras Vale e Hydro, o frigorífico MBRF (Marfrig e BRF), a sucroalcooleira Cosan, a gigante do papel e celulose Suzano, a fabricante de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer e os bancos Itaú e BTG Pactual.
Quem desejar baixar o relatório “A COP dos lobbies”, basta clicar [Aqui!].
Como os representantes do agronegócio brasileiro pretendem influenciar a COP de Belém
Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica brasileira. Foto: dpa/AP/Leo Correa
Lisa Kuner e Cecilia do Lago para o “Neues Deustchland”
As emissões do setor agrícola representam um grande problema climático, mas muitos atores no Brasil querem convencer o mundo do contrário na próxima COP 30, conferência climática em Belém: “A agricultura brasileira opera de forma social e ecologicamente responsável”, afirma Pedro Lupión, presidente da Frente Agrícola Parlamentar (FPA). O agronegócio também contribui para a conservação da natureza no país, diz o político do partido Progressistas, de centro-direita. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressa visão semelhante: “O Brasil está mostrando ao mundo que é possível produzir, conservar e integrar. A agricultura brasileira será um componente essencial da solução global para os problemas climáticos.”
Os visitantes poderão vivenciar em primeira mão como isso poderá se concretizar na “Agrizone”, localizada a dois quilômetros da conferência climática em Belém, a partir de 10 de novembro. Organizada pela Embrapa, empresa brasileira de pesquisa agropecuária, a “Agrizone” contará com mais de 400 eventos. O financiamento provém de corporações como Bayer e Nestlé, bem como de diversos grupos de interesse. A “Agrizone” visa apresentar as melhores práticas — soluções para a agricultura de baixo carbono. Os organizadores também enfatizam seu compromisso em enfrentar simultaneamente a crise climática e a insegurança alimentar, por exemplo, por meio de abordagens agroflorestais, em que o gado pasta em florestas em vez de campos abertos. Agricultura tropical em harmonia com a floresta tropical — certamente parece promissor.
Na realidade, porém, a agricultura é um dos maiores impulsionadores da crise climática. No Brasil, diferentemente de muitas outras regiões do mundo, a maior parte das emissões provém de mudanças no uso da terra – devido ao desmatamento da floresta tropical, por exemplo, para o cultivo de soja ou a pecuária. Ao longo do “arco do desmatamento”, que se estende por todo o vasto país, muitas florestas já tiveram que dar lugar a enormes plantações de soja.
A situação global não é muito melhor: cerca de um terço de todas as emissões provém dos sistemas alimentares. E cerca de dois terços dessas emissões decorrem da produção de alimentos de origem animal, embora estes representem apenas 19% de todas as calorias produzidas mundialmente e 41% das proteínas. Isso se deve principalmente ao fato de o gado ser responsável por uma grande parcela das emissões de metano. A abordagem mais simples para reduzir as emissões desse setor é, portanto, clara: dietas com mais alimentos de origem vegetal e menos carne e laticínios. Esses fatos não são novidade – contudo, a agricultura raramente é mencionada nas discussões sobre a crise climática.
Isso pode ser explicado pelo fato de a produção de carne e laticínios ser um negócio gigantesco. Só no Brasil, o consumo de carne bovina é superior a 38 quilos por pessoa por ano, e cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) está ligado a esse setor. O agronegócio também desempenha um papel político importante: 303 deputados federais e 50 senadores são filiados à FPA.
Se o consumo de carne diminuir, isso também significa perdas significativas para o setor agropecuário. É por isso que o lobby do setor tem participado ativamente de conferências sobre o clima há algum tempo – nos últimos anos, centenas de representantes têm comparecido anualmente. Isso faz parte de uma campanha em larga escala com o objetivo de desviar a atenção da dimensão de sua contribuição para a crise climática. Essa abordagem é semelhante às campanhas de décadas da indústria de combustíveis fósseis.
Meias-verdades e até mesmo desinformação são frequentemente utilizadas. No Brasil, por exemplo, o agronegócio está promovendo um novo padrão para a contabilização de gases de efeito estufa que supostamente refletiria melhor as propriedades do metano. Críticos, no entanto, alertam para um “truque de cálculo” que minimiza o papel da pecuária nas mudanças climáticas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) também não utiliza esse padrão. Alguns lobistas vão ainda mais longe: Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, afirma que os métodos de contabilização de gases de efeito estufa estão “errados” porque não levam em consideração que gases também são capturados durante a produção de carne.
Tudo isso deverá ser apresentado na conferência climática: o lobby do agronegócio também está representado nas salas de negociação oficiais da “Zona Azul”, em Belém. Inicialmente, o agronegócio brasileiro chegou a cogitar organizar uma espécie de contracúpula, uma “Cop do Agro”. No entanto, o governo estadual se opôs, e o evento acabou sendo cancelado.
Enquanto o Google trava uma batalha com os órgãos reguladores em Bruxelas e Washington para defender seu império, o conglomerado tecnológico está enfrentando uma luta que previu – e temeu – pela primeira vez há mais de duas décadas.
Era 2003, e a Google – então com cinco anos de existência e pouco mais que uma startup – acabara de destronar o Yahoo como o mecanismo de busca mais popular da internet. Mas estava cautelosa.
Em um memorando interno que agora parece profético, os funcionários da Google foram alertados para evitar o uso de certas expressões que pudessem atrair a atenção de autoridades antitruste.
“Expressões como ‘cortar o suprimento de ar’ [dos concorrentes] e similares devem ser evitadas”, escreveu Hal Varian, então economista-chefe da Google, em um memorando de 2003 que foi descoberto duas décadas depois em um processo judicial nos EUA.
“Atualmente, somos uma empresa dominante no setor e estamos tentando impedir a entrada de um potencial concorrente.”
Mas isso foi apenas o começo.
Uma investigação da Follow the Money – baseada em documentos judiciais dos EUA, arquivos de lobby da UE e entrevistas com especialistas – revela como o Google convenceu políticos e o público de que a inovação, e não práticas comerciais duvidosas, consolidou seu domínio.
Perigo para a democracia
Hoje, o Google controla não apenas o maior mecanismo de busca e plataforma de streaming de vídeo do mundo, mas também o sistema operacional e a loja de aplicativos de cerca detrês em cada quatro celulares.
A gigante da tecnologia financia seus serviços – a maioria deles gratuitos para os usuários – com centenas de bilhões em receitas de publicidade online.
“Sentimos que a conduta do Google não estava apenas prejudicando nossa empresa, mas também sufocando a próxima geração de inovação na internet.”
Ao longo do último ano, o Google sofreu reveses antitruste na União Européia (UE) e nos EUA devido à sua tecnologia de publicidade online. As autoridades argumentam que é difícil para empresas menores lucrarem com anúncios online.
De ambos os lados do Atlântico, a empresa agora precisa provar que está implementando mudanças radicais – ou corre o risco de ser forçada a vender partes de seus negócios.
O Google insiste que suas práticas não são anticoncorrenciais. A empresa criticou uma decisão da União Europeia de visar seu negócio de anúncios eafirmouque isso dificultará a obtenção de receita publicitária por empresas europeias.
“Nos últimos anos, enfrentamos desafios legais e regulatórios que impactaram significativamente nossos produtos e com os quais discordamos”, disse um porta-voz do Google à FTM. “Sempre trabalhamos de forma construtiva com os órgãos reguladores e somos muito transparentes em relação ao nosso diálogo.”
Caso as autoridades da UE e dos EUA decidam desmembrar a empresa, uma venda tumultuada poderá remodelar uma parte significativa da infraestrutura da internet e, como esperam os críticos e rivais do Google, levar a uma onda de novas atividades comerciais e inovação.
No entanto, caso a gigante da tecnologia saia impune e mantenha o controle sobre os anúncios online, eles temem uma situação ainda pior para editores e pequenas empresas, que ficariam à mercê dos caprichos do Google.
As consequências podem ir muito além do mundo dos negócios – o futuro da democracia está em jogo, de acordo com Daron Acemoğlu, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e vencedor do Prêmio Nobel no ano passado.
O controle sobre os dados estava se tornando cada vez mais centralizado nas mãos de algumas poucas plataformas, disse ele durante uma coletiva de imprensa.
“Se não estabelecermos esses princípios corretos em casos claros de violações antitruste, isso também envia uma mensagem para o futuro: tecnologias futuras podem ser monopolizadas por agentes ainda mais inescrupulosos. E ninguém vai se manifestar contra eles”, acrescentou Acemoğlu.
Mas erros do passado podem complicar as tentativas atuais dos reguladores de controlar o gigante.
Será que a Europa demorou demais?
A máquina de publicidade de duas caras do Google
A Google é um dos maiores vendedores de espaço publicitário da internet por meio da Busca do Google.e no YouTube. No entanto, também administra as mais importantes plataformas de anúncios online, como o Google AdX.
Durante muitos anos, parceiros comerciais e autoridades antitruste acusaram a Google de abusar de seu poder de mercado, favorecendo a si mesmo em detrimento de outros anunciantes em sua plataforma de anúncios.
Um influente artigo de 2020 da especialista em direito antitruste Dina Srinivasancomparouas práticas da Google ao uso de informações privilegiadas.
Essa opinião foi corroborada pelas autoridades antitruste no recente julgamento da Google sobre tecnologia de publicidade nos EUA, que a acusaram de abusar de seu poder sobre dois lados do mercado de anúncios online.
A Google rejeitou veementemente essas críticas . Questionada pela FTM, a empresa afirmou que, ao oferecer diferentes serviços em uma plataforma integrada, conseguiu prevenir fraudes, proteger os usuários e oferecer transparência.
Como construir um monopólio
A imensa popularidade do mecanismo de busca do Google em meados dos anos 2000 transformou seu negócio de publicidade em um sucesso estrondoso.
A empresa gastou somas exorbitantes para comprar outras empresas em sua busca por construir um império de anúncios online – uma onda de compras que passaria praticamente despercebida pelos órgãos reguladores.
Uma aquisição em particular provou ser transformadora.
Em 2007, a Google anunciou que gastaria 3,1 bilhões de dólares (cerca de 2,3 bilhões de euros na época) para comprar a DoubleClick.uma empresa que oferece uma “bolsa de valores semelhante à Nasdaq para anúncios online”.
Apesar das preocupações antitruste, os reguladores dos EUA aprovaram a aquisição da DoubleClick pelo Google – e logo depois, a Comissão Europeia seguiu o exemplo.
“Ambas as autoridades operavam a partir de uma posição de grave falta de conhecimento”, disse Bill Kovacic, então presidente da Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC), à FTM. “Nenhuma das instituições entendia o setor.”
A reputação da Google como defensor da inovação e importante motor do crescimento econômico há muito tempo faz com que políticos e autoridades do mundo todo relutem em desafiar a empresa.
No entanto, nos anos que se seguiram ao acordo com a DoubleClick, as queixas sobre as alegadas práticas desleais da Google começaram a acumular-se na Comissão.
A empresa britânica Foundem foi a primeira a apresentar uma queixa à Comissão em 2009.
Shivaun Raff e seu marido lançaram seu site de comparação de preços em 2006, baseado em tecnologia própria e patenteada.
No entanto, poucos dias após o lançamento, o Foundem simplesmente desapareceu da Google. Ele havia sido discretamente rebaixado pelos algoritmos de busca do Google, juntamente com outros sites de comparação de preços, disse Raff.
“Sentimos que a conduta da Google não estava apenas prejudicando nossa empresa, mas também sufocando a próxima geração de inovação na internet”, disse ela à FTM.
Mais de uma dúzia de empresas – como o site de viagens Trivago e o diretório de restaurantes Yelp – acabaram se juntando ao coro de reclamações, alegando que a gigante da tecnologia as classificou como spam ou as rebaixou nos resultados de busca em favor do Google Shopping.
Não pretendemos esmagar, matar, ferir, bloquear ou fazer qualquer outra coisa que possa ser percebida como maléfica ou injusta.
Mas o então chefe da concorrência da UE, Joaquín Almunia, preferiu uma abordagem conciliatória.
O espanhol tinha um bom relacionamento com o CEO do Google, Eric Schmidt, na época, e os dois trocavam mensagens de texto regularmente, informou o The New York Times em 2013.
Em vez de aplicar uma multa enorme, Almunia “queria fazer um acordo com a Google, queria chegar a um consenso”, disse Stephen Kinsella, advogado que representou a Foundem na queixa.
Segundo Kinsella, a Google “atrasou o processo, impedindo que ele [Almunia] o concluísse antes do fim do seu mandato”.
A investigação sobre a concorrência ficou paralisada até que Almunia deixasse o cargo no final de 2014.
Entretanto, a Google – sem qualquer controle por parte dos reguladores da UE – aproveitou o boom econômico do início da década de 2010 e adquiriu dezenas de empresas.incluindo potenciais concorrentes como a empresa de tecnologia de busca Metaweb, o serviço de localização Waze e a empresa de inteligência artificial DeepMind.
Não fale o mal
Contudo, em meados da década de 2010, o cenário político na Europa mudou. A Google se deparou com uma nova comissária da UE para a concorrência, que não teve medo de enfrentá-la.
Margrethe Vestager, uma política liberal dinamarquesa que substituiu Almunia em novembro de 2014, conduziu processos contra as grandes empresas de tecnologia americanas com vigor.
A portas fechadas, funcionários da UE foram francos ao expressarem sua convicção de que o poder de mercado da Google precisava ser combatido.
Um memorando interno da Comissão de 2015, obtido pela FTM, questionava “se a Google pode continuar a operar como uma única empresa ou se deve ser forçada a se dividir em partes menores pelas autoridades da concorrência”.
Nessa mesma época, a Comissãolançou outra investigação sobre a conduta da Google em relação ao seu sistema operacional móvel, o Android.
Diante do crescente escrutínio, a liderança da Google alertou seus funcionários para que ficassem atentos a qualquer coisa que pudesse prejudicar a empresa em investigações antitruste.
“Considere que todos os documentos se tornarão públicos”, alertava um memorando sem dataque circulou na gigante da tecnologia.
“Não pretendemos ‘esmagar’, ‘matar’, ‘ferir’, ‘bloquear’ ou fazer qualquer outra coisa que possa ser percebida como maléfica ou injusta”, dizia o documento, que foi descoberto em um processo antitruste nos EUA em 2023.
A Google informou à FTM que seus funcionários recebem treinamento jurídico padrão sobre questões de concorrência e que são orientados a se concentrarem no desenvolvimento de produtos em vez de se preocuparem com os concorrentes.
Num esforço para aliviar a pressão regulatória, a Google enviou dezenas de lobistas a Bruxelas.
Durante uma fase particularmente intensa em 2015, nenhuma outra empresa teve mais reuniões com a Comissão do que a Google, informou oFinancial Timesna época.
A Google utilizou muitas dessas reuniões – mesmo sobre assuntos não relacionados, realizadas com autoridades muito distantes de questões de concorrência – para discutir as investigações em andamento da Comissão .
O lobby paralelo da Google não deixa rastros regulatórios.
Ao longo da última década, os lobistas da Google reuniram-se com a Comissão pelo menos 420 vezes e gastaram bem mais de 60 milhões de euros em atividades de lobby, de acordo com os documentos públicos compilados no site LobbyFacts.
Esses valores fazem da Google um dos maiores lobistas de tecnologia da UE.
A Google também se apoiou em uma força discreta de escritórios de advocacia que confundem as fronteiras entre o trabalho jurídico e o lobby.
A vantagem para a gigante da tecnologia é que o lobby paralelo não deixa rastros regulatórios, porque os advogados não precisam revelar quem os paga.
“Eles podem ocultar os clientes”, disse à FTM a socióloga Lola Avril, que estuda o lobbying na UE. De acordo com seu estudo de caso, a Google contratou os serviços de pelo menos cinco grandes escritórios de advocacia em Bruxelas.
A Google disse à FTM que obter o apoio de escritórios de advocacia é uma prática comum e afirmou que seus gastos com lobby são semelhantes aos de outras empresas do setor.
A Comissão recusou-se a comentar diretamente sobre o uso de advogados-lobistas pela Google. Mas, em reuniões não relacionadas a investigações em andamento, as regras eram claras, disse um porta-voz à FTM.
“Apenas representantes de interesses registados podem reunir-se com os gestores da Comissão e os principais decisores, e as atas dessas reuniões são publicadas online”, afirmaram.
Apesar dos alertas internos da Google e dos intensos esforços de lobby, Vestager desferiu alguns golpes importantes na empresa no final da década de 2010.
Em junho de 2017, a Comissão Europeiamultou a empresa em 2,4 bilhões de eurospor conceder uma vantagem ilegal aos seus próprios serviços de comparação de preços em relação aos concorrentes, como a Foundem, do Reino Unido.
Um ano depois, o Google foi multada em 4,3 bilhões de eurosapós ser considerado culpado de consolidar ilegalmente sua “posição dominante no mercado de buscas” ao forçar fabricantes de celulares a instalarem o Android.
E batalhas ainda maiores estavam por vir.
Além do lobby, outro desafio no combate ao poder de mercado do Google foi que as autoridades de concorrência inicialmente demoraram a reconhecer o papel que o controle das grandes empresas de tecnologia sobre vastos conjuntos de dados de usuários desempenhava em seu domínio.
Isso ficou evidente depois que a UE aprovou o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), uma lei destinada a limitar a exploração da privacidade dos europeus pelas grandes empresas de tecnologia, estabelecendo regras claras sobre o uso de dados.
A lei entrou em vigor em 2018 e os reguladores de diferentes países da UE, incluindo a Irlanda e a França, realizaram grandes investigações sobre o alegado abuso de dados de usuários por parte do Google.
“Olhando para trás, pode-se dizer que, embora a importância dos dados como fonte de poder de mercado fosse reconhecida, durante muito tempo isso não foi incorporado de forma consistente à prática do direito da concorrência”, disse Andreas Mundt, chefe do órgão regulador da concorrência da Alemanha, o Bundeskartellamt, à FTM.
No entanto, os reguladores já aprenderam a lição, disse Mundt. “Hoje, o poder dos dados desempenha um papel central em quase todas as análises dos mercados digitais”, acrescentou.
Estabelecendo a lei
Durante a pandemia de COVID-19, a Comissão deixou de lado todas as medidas drásticas.
A Lei dos Mercados Digitais, propostaem dezembro de 2020, tinha como objetivo substituir os longos períodos de julgamento por proibições proativas de práticas anticoncorrenciais por parte de “guardiões” como Google, Meta ou Apple.
Para o Google, o projeto de lei desencadeou uma acirrada luta para proteger seus negócios – especialmente sua plataforma de anúncios.
No final de 2021, Sundar Pichai, CEO da Alphabet, empresa controladora da Google, alertou pessoalmente Vestager, então chefe da concorrência da UE, sobre uma possível proibição de publicidade direcionada a usuários com base em seus dados pessoais – um dos principais serviços oferecidos pela plataforma de anúncios online da Google.
Tal proibição, então cogitada pelo Parlamento Europeu, “seria prejudicial também para as PMEs”, afirmou Pichai, segundo aata da reuniãomantida pela Comissão .
A gigante da tecnologia elaborou uma ampla estratégia de lobby.
De acordo com os planos secretos da Google, que vazaram para a mídia,O objetivo era apresentar os projetos de lei como ameaças às “relações transatlânticas” e “aumentar a resistência” contra Thierry Breton, então chefe do mercado interno da UE, que defendeu as propostas juntamente com Vestager.
O memorando vazado também revelou que a Google planejava recrutar “aliados acadêmicos” para sua campanha.
Essa estratégia não foi surpreendente, visto que a Google frequentemente financia pesquisas acadêmicas nas áreas de direito e economia, de acordo com Avril, pesquisadora de lobby da UE.
Isso permitiu que a liderança da Google “usasse a credibilidade dos acadêmicos para reforçar seus argumentos”, disse ela.
Mas, apesar da resistência das grandes empresas de tecnologia, as regras tecnológicas da UE foram aprovadas e entraram em vigor no final de 2022.
O Google acabou sendo alvo da mesma legislação que tentara impedir.
Agitar ou romper?
O momento decisivo se aproxima para a Google, e decisões recentes nos EUA e na UE podem estar causando preocupação.
Em agosto de 2024, um tribunal dos EUAdecidiu que a Google havia abusado de seu monopólio nas buscas para pressionar parceiros comerciais a fecharem acordos que favorecessem a empresa. Embora o Google não tenha sido obrigado a vender seu navegador Chrome ou seu sistema operacional Android, como alguns concorrentes haviam solicitado, foi ordenado a compartilhar dados de busca com seus rivais.
Outradecisãojudicial deste ano concluiu que a Google manteve um monopólio ilegal na publicidade online. O tribunal ainda não decidiu sobre as medidas a serem tomadas contra a gigante da tecnologia.
Em uma investigação paralela, a UEmultoua Google em 2,95 bilhões de euros por distorção da concorrência.
O tempo está se esgotando para a Google.
Na Europa, a empresa tem até terça-feira para propor uma reestruturação significativa de seu negócio de publicidade.
Mas os problemas da Google não terminam aí.
A Comissão alertou que a forma como a Google trata os serviços de comparação de preços e os desenvolvedores de aplicativos pode violar a Lei dos Mercados Digitais.
Caso a Comissão confirme suas conclusões preliminares, o Google poderá enfrentar multas de até 10% de seu faturamento anual global. Com base nos números de 2024, isso representaria 30 bilhões de euros.
Mas as ambições da UE de controlar a Google podem entrar em conflito com a posição do governo Trump.
Espero que a Comissão demonstre firmeza.
Desde que reassumiu o cargo em janeiro, o presidente dos EUA tem se mostrado ambíguo em suas relações com as grandes empresas de tecnologia – às vezes lisonjeiro, outras vezes confrontador ou até mesmo hostil.
O governo Trump perseguiu a Google e tentou desmembrá-la, mas também atacou as medidas antitruste de Bruxelas e defendeu empresas americanas de reguladores estrangeiros.
Essa abordagem pode complicar os esforços de fiscalização da UE.
Após a Comissão anunciar a mais recente multa contra a Google, Donald Trump afirmouque seu governo não permitiria tais “ações discriminatórias” contra empresas americanas.
O presidente dos EUA tambémameaçou importarifas retaliatórias a países com regulamentações tecnológicas “concebidas para prejudicar ou discriminar a tecnologia americana”.
Segundo o The Wall Street Journal , seus enviados comerciais também tentaram suavizar a aplicação da Lei dos Mercados Digitais em negociações tarifárias recentes, mesmo que a Comissão Europeia tenha afirmado que não cederá na aplicação da lei.
A UE deve honrar seus compromissos e fazer cumprir suas regras tecnológicas, afirmou René Repasi, membro alemão do Parlamento Europeu que conegociou a legislação.
“Espero que a Comissão mostre firmeza”, disse o parlamentar social-democrata à FTM.
“Se agora hesitarmos por medo de valentões de escola como Trump ou de ameaças do Vale do Silício, estaremos nos diminuindo – e esse seria o sinal mais perigoso de todos.”
Com fundo de R$ 1,3 milhão para atuar nas casas legislativas, Sindicato das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) tem virado o jogo em votações já concluídas; empresas associadas à entidade acumulam pelo menos R$34 milhões em multas ambientais
Por Julia Dolce, de O Joio e o Trigo para o especial Brasil Sem Veneno
O município maranhense de Lago do Junco, localizado na transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, tem um longo histórico de luta pela terra. Nos anos 1970, movimentos locais conquistaram a criação de assentamentos. Em 1997, a aprovação da Lei Municipal do Babaçu Livre garantiu que as quebradeiras de coco – que tiram sua subsistência do extrativismo da palmeira – tivessem acesso às árvores, mesmo que estivessem dentro de propriedades privadas. A inovação serviu de inspiração para legislações semelhantes no Maranhão e em outros estados.
Algumas décadas depois, os cerca de 10 mil habitantes da cidade se depararam com uma nova ameaça: a contaminação desses mesmos territórios por agrotóxicos pulverizados por aviões e drones.
O município integra o Matopiba, região formada por porções do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia sobre as quais a fronteira agrícola do Brasil espicha desde meados dos anos 1980. Com o avanço de monoculturas, como a soja, cresceu também o uso de venenos. Em 2024, dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) indicaram que o Maranhão foi campeão em registros de contaminação por agrotóxicos.
A soja chegou ao município por volta de 2019. Desde então, a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Lago do Junco e Lago dos Rodrigues se organizou para estabelecer na região uma “zona livre de agrotóxicos”.
Ariana Gomes, da Rama, destaca a participação do Sindag no naufrágio do PL de Lago do Junco. (Foto: Johelton Gomes/CCOM-MPMA)
A luta foi materializada em um projeto de lei (PL) apresentado no início de 2024 pela vereadora de Lago do JuncoElidevan Ferreira de Sousa (PT). O plano era proibir a pulverização aérea de agrotóxicos por drones e aviões no município, além de estabelecer metas de redução da aplicação desses venenos no longo prazo.
O projeto já conquistava a maioria dos votos quando, em setembro de 2024, aconteceu uma audiência pública na Câmara Municipal. Após o debate, parte dos vereadores mudou de ideia. E o PL naufragou.
“Passou-se um ano inteiro fazendo reuniões”, conta Ariana Gomes, secretária-executiva da Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) – uma das organizações que articularam a apresentação do projeto de lei. “No fim, não foi aprovado. Entendemos que teve uma força grande do Sindag e de empresas de drone”.
Sindag é a sigla para Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola. A entidade enviou um representante à audiência de Lago do Junco, seu assessor de relações institucionais Divaldo Custódio Maciel.
“Nós estamos aqui pra fazer com que vocês mudem a mentalidade”, resumiu ele. “A proibição é mais fácil, mas e aqueles que utilizam a ferramenta de maneira correta? Aqueles que são beneficiados pela ferramenta? Eles vão ser prejudicados por uma atitude que é extrema”. A “ferramenta”, leia-se, é a chuva de veneno.
Lobby da pulverização áerea avança no interior do Maranhão
Em sua fala na audiência pública, o representante do Sindag também tentou convencer os agricultores familiares que se mobilizaram contra os agrotóxicos de que poderiam se beneficiar da pulverização aérea.
“Lago do Junco está crescendo e vai crescer ainda mais. É uma terra de progresso – e é isso que a gente quer que seja”, continuou Divaldo. “No Maranhão, cada vez mais pequenos produtores utilizam a aplicação aérea no sentido de duplicar até mesmo a própria produtividade. Aquela dona Maria que tem a produção no fundo do quintal dela, que utiliza, às vezes, a ferramenta para aumentar essa produção e, automaticamente, aumentar a renda”.
Na sua passagem por Lago do Junco, o assessor de relações institucionais distribuiu panfletos, trocou contatos com vereadores e se colocou à disposição para enviar mais “informações”.
A Rama acredita que o Sindag esteja a postos em todo o território maranhense para fazer lobby junto às câmaras municipais. “É um sindicato muito forte, as empresas são muito fortes”, afirma Ariana.
Atualmente, já foram aprovados projetos de lei que visam proibir a pulverização aérea em nove municípios maranhenses. E em outros 12 tramitam projetos do tipo.
Sindicato possui fundo de 1,3 milhões para brecar projetos
Única representação sindical da aviação agrícola no país, o Sindag reúne 260 empresas associadas. Fundado em 1992 em São Paulo, o sindicato fez o seu début na cena política nacional a partir da aprovação de outra legislação histórica no Brasil, que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará em 2019.
Página do site do Sindag com informações para a cota de “projetos de proibição”. (Imagem: Reprodução/Sindag)
A Lei Zé Maria do Tomé homenageia o agricultor que lutava contra a ocupação irregular por empresas de um perímetro de irrigação público na Chapada do Apodi. No bojo dessa luta, Zé Maria também denunciou o uso massivo de agrotóxicos na produção de frutas. Ele foi assassinado em 2010 com mais de 20 tiros.
Foi a primeira (e, até agora, única vez) que um estado brasileiro restringiu dessa forma os venenos. Autor da lei, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) conta que, após a aprovação, a “bateria” do agronegócio se voltou contra o Ceará: “A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil [CNA] tinha medo de que outros estados adotassem a medida que nós adotamos”. O Sindag integrou a ofensiva, tentando derrubar a lei nos tribunais.
No Supremo Tribunal Federal (STF), o sindicato entrou como amicus curiae da CNA em uma ação que contestava a constitucionalidade da lei. O Sindag também entrou com dois mandados de segurança na Justiça do Ceará. Um contra a Agência de Defesa Agropecuária do estado, tentando barrar a fiscalização da lei. E outro contra o então governador Camilo Santana (PT), defendendo que a legislação feria a Constituição e pedindo a sua suspensão até que fosse julgado o mérito do pedido.
Todas as investidas fracassaram. Mas o Sindag aprendeu a lição: passou a atuar no nascedouro desse tipo de projeto de lei. “Há uma preocupação muito grande que os projetos que queiram proibir a atividade se espalhem pelo Brasil”, afirmou à reportagem o diretor-executivo da entidade, Gabriel Colle.
Essa atuação, é claro, custa dinheiro. Para montar a sua máquina de lobby, o Sindag criou um “Fundo de Defesa da Aviação Agrícola” que, até julho de 2024, já havia arrecadado mais de R$ 1,3 milhão.
O fundo tem diferentes cotas de doações, entre elas uma de R$10 mil para financiamento de ações contra os projetos de lei que visam proibir a pulverização aérea.
Organização ataca memória de Zé Maria do Tomé
O Fundo de Defesa da Aviação Agrícola também financia uma campanha que recebeu um nome sugestivo: “Chega de Preconceitos”. A iniciativa é focada na defesa do que o sindicato chama de “mitos” sobre o setor.
Um deles seria o “enredo em torno do assassinato” de Zé Maria do Tomé. Em seu site, o Sindag caracteriza o episódio como emblemático na promoção de “equívocos” e “preconceito” contra a aviação agrícola e o agronegócio, “potencializados pelo tempero político e pela polarização da sociedade”. Em notícias também publicadas em seu site, o sindicato atribui aos projetos de lei que tentam proibir a pulverização aérea uma “ideologia” que propaga desinformação contra o setor.
Renato Roseno: “Não há nada mais ideológico do que dizer que o argumento dos outros é ruim por ser ideológico”. (Foto: Junior Pio/Alece)
“Não há nada mais ideológico do que dizer que o argumento dos outros é ruim por ser ideológico”, contrapõe o deputado Renato Roseno. “Quem é muito ideológico é o agronegócio que quer desrespeitar argumentos técnicos com base na falácia de que seriam ideológicos”.
Já segundo Gabriel Colle, o papel do sindicato se resume a preparar materiais para “levar informações” para parlamentares. O Sindag tem marcado presença nos trâmites de projetos de lei em diferentes cantos do país. Um levantamento exclusivo do Joio mostra que a entidade atuou ao menos 14 vezes em audiências de diferentes casas legislativas para barrar propostas que proíbam a pulverização aérea de agrotóxicos nos últimos cinco anos.
Nesse período, além de Lago do Junco, o Sindag esteve presente em audiências públicas que trataram do tema nas câmaras municipais de Nova Esperança (PR), Tabapuã (SP), Piracicaba (SP), São Carlos (SP), bem como nas assembleias legislativas de Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Além da incidência legislativa, o sindicato tem representação em câmaras, comissões, comitês e conselhos de órgãos federais e regionais, como a Comissão Especial para Assuntos da Aviação Agrícola no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A reportagem mapeou 24 reuniões de representantes do Sindag com autoridades do poder executivo, principalmente membros do Mapa e da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), entre 2020 e 2025.
O sindicato também promove encontros com veículos da imprensa, já tendo visitado as redações da TV Globo, Band e Canal Rural.
Em 2023, passou a integrar o Instituto Pensar Agropecuária (IPA), organização que reúne dezenas de entidades do agronegócio e organiza a agenda da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso. As entidades que compõem o IPA se reúnem semanalmente na sede do instituto em Brasília com os parlamentares da bancada para apresentar suas pautas.
Assessor parlamentar é ameaçado após dossiê contra agrotóxicos
Em setembro de 2023, o geógrafo e mestre em ciências ambientais Vitor Camacho atendeu uma ligação de um DDD desconhecido. Do outro lado da linha, uma voz grave e distorcida o ameaçou: “A gente sabe onde vocês estão, a gente sabe quem vocês são. É melhor vocês pararem com isso”.
Documento de mais de 300 páginas do Sindag circulou entre vereadores de São Carlos. (Foto: Vitor Camacho)
Camacho é assessor do vereador Djalma Nery (PSOL), do município paulista de São Carlos. A ameaça, por sua vez, foi endereçada a um celular que pertencia ao gabinete do parlamentar e ocorreu durante o trâmite de um projeto de leide autoria de Nery que pretendia proibir a pulverização de agrotóxicos por aviões na cidade.
Camacho é assessor do vereador Djalma Nery (PSOL), do município paulista de São Carlos. A ameaça, por sua vez, foi endereçada a um celular que pertencia ao gabinete do parlamentar e ocorreu durante o trâmite de um projeto de lei de autoria de Nery que pretendia proibir a pulverização de agrotóxicos por aviões na cidade.
“Fiquei tão nervoso, porque eu já estava vivendo sob pressão e ansiedade”, lembra Camacho. O projeto de lei foi baseado em um dossiê elaborado por ele com relatos de contaminação por pulverização aérea no loteamento de pequenos agricultores Aporá de São Fernando, que fica no município. “Tem fotos e vídeos que mostram que os aviões passavam em cima das casas, muitas vezes com os aspersores ligados”, relata.
“Como uma das pessoas envolvidas diretamente tanto na elaboração da denúncia, quanto da lei, a todo momento a gente se sente muito observado, principalmente pelos interessados do agro que estão sempre marcando presença”, desabafa o assessor parlamentar.
São Carlos é um município de médio porte, com mais de 260 mil habitantes, localizado na região central de São Paulo, a cerca de três horas da capital. O agronegócio é forte e a produção de usinas sucroalcooleiras domina a paisagem local. Segundo oCenso Agropecuário de 2017(último com dados disponíveis), à época, a área colhida de cana-de-açúcar ocupava quase 28 mil hectares.
Em 23 de agosto de 2023, os vereadores da Câmara Municipal de São Carlos aprovaram o projeto de Djalma Nery com folga: por 13 votos a 1.
Em São Carlos, volta atrás no último minuto
O resultado soou o alerta. A partir daí, representantes do setor sucroalcooleiro, de pilotos agrícolas e da empresa de comercialização de drones Xmobots (que tem sede no município) começaram a se mobilizar.
No mês que se seguiu à aprovação, período em que o então prefeito Airton Garcia Ferreira (Progressistas) decidiria por sua sanção ou veto, esses representantes passaram a visitar a Prefeitura, segundo Camacho. “Nesse meio tempo, a gente presenciou esse lobby sendo feito. Eu vi eles frequentando o Paço Municipal”. A pressão surtiu efeito: o prefeito vetou o projeto.
Funcionários da Xmobots (de uniforme) lotam Câmara Municipal de São Carlos na votação do veto do prefeito. (Foto: Reprodução/Sindag)
Nas semanas seguintes, o lobby se voltou para a Câmara Municipal, que poderia derrubar o veto do prefeito. “Fizeram reuniões, encontros com os vereadores. Entregaram um documento imenso”, lembra o assessor parlamentar. O documento em questão, um calhamaço de cerca de 300 páginas de artigos defendendo o setor aeroagrícola e a pulverização aérea, foi entregue por um representante do Sindag ao presidente da Câmara.
Entre os estudos presentes no documento está um que trata dos “impactos econômicos e sociais” do banimento da aplicação aérea de “defensivos agrícolas”, produzido pelo escritórioMendonça & Nogueira Advogados Associadosa pedido do próprio Sindag, da multinacional Syngenta e de outras associações do agronegócio. Um dos autores do estudo, Elvino de Carvalho Mendonça, é colunista do site do Sindag.
O veto do prefeito foi votado no dia 26 de setembro de 2023. Segundo um dos diretores do Sindag, praticamente90% das empresas paulistas associadas ao sindicato estavam representadas na Câmara Municipal de São Carlos.
Na ocasião também estiveram presentes diversos funcionários da Xmobots, a fabricante de drones. A empresa deu ponto facultativo aos trabalhadores no dia da votação e eles lotaram as galerias. Segundo Camacho, ainda houve uma “manobra” com a mesa diretora da Câmara. “Permitiram que eles entrassem antes do combinado e lotassem a sessão, e nenhuma pessoa afetada pelo tema pudesse estar presente”.
Os funcionários da empresa, junto a representantes das usinas e pilotos, também fecharam a entrada da casa legislativa, dificultando a passagem dos vereadores. “Fizeram um corredor polonês para, literalmente, linchar ele [Djalma Nery]. Quem partiu para cima foi o pessoal dos drones. Teve um que partiu para cima com contato físico mesmo, mas a Guarda Municipal impediu”, relata Camacho.
A Xmobots não é associada ao Sindag, mas participou do Congresso da Aviação Agrícola do Brasil, promovido pelo sindicato em agosto de 2024. Contatada, a empresa confirmou que autorizou ponto facultativo, mas afirmou “repudiar veementemente qualquer conduta que viole o respeito e o diálogo construtivo”.
O resultado da história não é difícil de adivinhar: os vereadores mudaram de ideia e enterraram o projeto por 15 votos a cinco.
“Nossas ovelhas estão abortando, diz agricultora
Segundo Joelson Carvalho, professor de economia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) que tem se dedicado a registrar casos de contaminação pela pulverização aérea, a mobilização do agronegócio contra projetos do tipo é rápida e certeira. “O agronegócio tem uma capacidade muito grande de se unir ao redor de pautas quentes. Isso aconteceu em São Carlos. Setores pouco presentes no cotidiano do município acompanharam o debate da lei”.
Entre os principais impactados pela pulverização aérea no município estão os assentamentos rurais Santa Helena e Nova São Carlos. Os assentados relatam a perda da produção orgânica de hortaliças e mel, além da morte de animais e problemas de saúde.
A agricultora Lindamira Ribeiro, assentada do Santa Helena, participou de uma audiência pública organizada pelo vereador Djalma Nery que antecedeu a proposição do projeto. Na ocasião, ela denunciou os efeitos da contaminação.
“A nossa área, que a gente ainda planta orgânico, ainda tem bastante árvore pra não ter tanto estrago nas nossas verduras, porque é delas que nós vive. Mas nas outras áreas, que a gente não planta mais, a gente deixou para o pasto. E agora nossas ovelhas estão abortando – e eu acho que pode ser disso, porque é a área onde o avião mais passa”, afirmou. A agricultora também relatou que crianças e jovens do assentamento têm sofrido sintomas de intoxicação, como dores de cabeça.
Segundo Carvalho, as empresas alegam que, para manobrar os aviões, é necessário passar em cima dos assentamentos. “Há um desrespeito aos limites mínimos estabelecidos [por legislação para a pulverização aérea] e que já são bastante perigosos. Do ponto de vista político, essa é uma ação extremamente coercitiva que visa obter o silenciamento e expulsão”.
O diretor-executivo do Sindag afirma que o sindicato não ignora as denúncias que embasam as propostas de lei. “Uma política do Sindag é estar sempre disponível e levar pra frente, eventualmente, qualquer denúncia. Sendo feito respeitando os parâmetros, não vai ter problemas”, garante Gabriel Colle.
A entidade tem uma narrativa sustentada na separação entre o joio e o trigo. Há aqueles que “fazem errado” e os que cumprem as normas. O diretor afirmou também que a posição do sindicato é pelo respeito às leis. “Se alguém desrespeitar a legislação conscientemente, com certeza não vai estar no nosso quadro de associados”.
Associadas acumulam R$ 34,6 milhões em autuações ambientais
Apesar da tentativa de distanciamento em relação aos que “fazem errado”, um levantamento exclusivo de O Joio e o Trigo mostra que as empresas associadas ao Sindag e seus sócios acumulam R$ 34,6 milhões em multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Ambientais Renováveis (Ibama).
Entre 1996 e 2023, foram lavradas 123 autuações ambientais. As infrações envolvem principalmente o descumprimento da regulação da pulverização de agrotóxicos.
Outros casos envolvem a contaminação direta de cursos hídricos, como documenta uma autuação lavrada em 2018 contra Geraldo Loeff, sócio da LL Aviação Agrícola Ltda. Ou mesmo a contaminação de unidades de conservação, como indica uma autuação de 2001 contra a empresa Aerosafra Aviação Agrícola, que dá conta de danos diretos ao Parque Nacional das Emas, localizado em Goiás.
Há também obstrução à fiscalização do poder público, conforme autuação de 2018 contra a Lusa Aviação Agrícola Ltda, bem como casos de declaração de informações falsas ao cadastro técnico do Ibama, segundo autuação de 2017 contra a Rondon Aviação Agrícola Ltda.
Pátio da Rondon Aviação Agrícola, autuada por apresentar declarações falsas ao Ibama. (Foto: Defesa Civil/MT)
Das 123 autuações, 65 foram lavradas contra os sócios ou diretores das empresas associadas ao Sindag. Entre elas, há 28 autuações relativas a desmatamento ilegal, queimada ou impedimento de regeneração da mata nativa, referentes à destruição de mais de 5,5 mil hectares de vegetação – em sua maioria no Mato Grosso.
Questionado sobre as autuações de associados do Sindag, Gabriel Colle disse que o sindicato “não passa a mão na cabeça de ninguém”. “A gente não defende nenhuma empresa, nenhum produtor rural, ninguém que faça nenhum crime ambiental”.
Sobre o valor das autuações, o diretor-executivo do Sindag afirmou que as multas do Ibama costumam ser altas, “e têm que ser mesmo porque são questões ambientais”. Colle destacou também que as multas lavradas não são o fim do processo, uma vez que os autuados têm direito à defesa.
O sindicato defende que a pulverização aérea é segura para o meio ambiente, as pessoas e seus cultivos. Bastaria seguir à risca a norma federal que regula a prática. O sindicato destaca também que a modalidade é mais regulamentada do que a aplicação de agrotóxicos por via terrestre.
Para Sindag, problema da deriva de agrotóxicos é “Mito”
A pulverização terrestre de agrotóxicos pode ser feita por tratores ou equipamentos como mochilas. Sua regulação é assunto dos estados — apenas cinco têm regras do tipo. Já a aplicação aérea de venenos tem regulamentação federal pelo Ministério da Agricultura e pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Nesse sentido, existem algumas obrigações a mais quando o assunto são os aviões e drones. No caso dos primeiros, por exemplo, devem ser enviados ao Maparelatórios mensais de cada operação de aplicação, incluindo o arquivo do DGPS, espécie de GPS detalhado da aeronave que mostra tanto a região sobrevoada, quanto os locais onde o sistema de pulverização esteve aberto ou fechado.
Gabriel Colle, do Sindag, defende que o sindicato apenas leva “informações” para parlamentares. (Foto: Reprodução/Linkedin)
Já no caso dos drones, são exigidos registro da aeronave no ministério, certificado de curso de aplicação aeroagrícola e relatórios mensais de atividades.
O problema mora nas distâncias mínimas estabelecidas para a aplicação dos venenos, consideradas insuficientes para impedir que os agrotóxicos sejam levados pelo vento — um fenômeno conhecido como deriva. No caso dos aviões, essa pulverização pode acontecer a 250 metros de distância de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais. No caso de povoações, cidades, vilas, bairros e mananciais de captação de água para abastecimento da população, a distância aumenta para 500 metros. Já para os drones, essa distância é de apenas 20 metros em qualquer situação.
Embora represente uma economia de tempo e dinheiro ao agronegócio, por proporcionar uma aplicação mais veloz e que não envolve a perda de plantas pelo amassamento causado por tratores, a pulverização aérea é responsável por maiores distâncias de deriva, o que intensifica a contaminação de vizinhos e áreas de proteção ambiental.
A mitigação da deriva depende tanto de fatores controláveis, como o bico do pulverizador utilizado e a velocidade da aeronave, quanto de fatores instáveis, como a direção do vento, a temperatura e a umidade do ar. Condições inadequadas podem fazer a deriva alcançar quilômetros de distância.
De acordo com o diretor-executivo do Sindag, ligar o problema da deriva à pulverização aérea é mais um “mito” sobre o setor. Ele afirma que toda ferramenta de aplicação mal utilizada pode causar deriva. “Nosso posicionamento sempre é no sentido de orientação e de defender as boas práticas agronômicas”. Segundo Colle, a aviação agrícola no Brasil é altamente regulada. “A gente quer manter assim, cada vez mais regulado, porque isso nos dá segurança”.
Baseada em estudos que comprovaram a maior distância da deriva na pulverização aérea, entretanto, a União Europeia proíbe a modalidade em seu território desde 2009. Por aqui, além do Ceará, pelo menos 19 municípios já seguiram esse exemplo.
“O drone é infiscalizável”
Um dos fatores que têm elevado as ocorrências de contaminação no Brasil é a popularização da pulverização por drones agrícolas. Os equipamentos baratearam o custo operacional da atividade. Enquanto o preço médio de um avião agrícola está na casa dealguns milhões de reais, é possível comprar um drone a partir de R$ 60 mil.
A capacidade dos drones também avança. Em janeiro de 2025, foianunciadoque o maior drone autorizado pelos Estados Unidos para operações comerciais está pronto para atuar no Brasil, tendo obtido licença da Anac. A aeronave pode transportar até 300 litros de veneno – o mesmo que um avião pequeno.
A obtenção da qualificação técnica para o manuseio de drone também é bem mais fácil.Cursos inteiramente virtuais possibilitam a certificação de operador da aeronave.
O Sindag também tem empresas de drones agrícolas no seu quadro de associados, ecomemorou em suas redes sociais a decisão da Assembleia Legislativa do Ceará que flexibilizou a Lei Zé Maria do Tomé. Sancionada no apagar das luzes de 2024 pelo governador Elmano de Freitas (PT), a nova lei permite a pulverização aérea por drones.
“Nós perdemos em dezembro de 2024. Lamento muito que um governador do PT, traindo sua história, se preste a isso”, comenta o deputado Renato Roseno. Ele destaca que as pesquisas sobre os impactos da pulverização por drones, incluindo sua deriva, ainda são incipientes. Vê o boom da aplicação por drones como uma tendência: “Vai ser tudo com as aeronaves não pilotadas”. E se preocupa com a fiscalização da norma que dita que as aplicações de venenos devem ser feitas a 20 metros de casas, animais e mananciais de água. “O drone é infiscalizável. O que fazem com um drone à noite, de madrugada, ninguém vai saber”.
No Maranhão, drones são usados para atacar líderes comunitários
Operações clandestinas, algumas em horários noturnos, têm sido registradas no Maranhão. Em 2024, a Federação dos Trabalhadores Rurais do estado (Fetaema) identificou 14 comunidades vítimas da prática, todas residentes do município de São Mateus, que fica a duas horas e meia de carro de Lago do Junco. Segundo a entidade, numa reunião com lideranças locais, representantes das secretarias de Meio Ambiente e de Agricultura do estado informaram que não há nenhum licenciamento para operação de drones na cidade.
Em Duque Bacelar, mais perto da divisa com o Piauí, as denúncias são ainda mais graves. Os drones estariam sendo utilizados para ameaçar a comunidade de Roça do Meio. Formada por 14 famílias que há gerações ocupam o território, a comunidade denuncia ameaças de expulsão por parte do pecuarista Paulo André Cardoso, que afirma ser dono das terras. Ele estaria pulverizando agrotóxicos sobre a casa de familiares do líder local – Marcelo Barbosa dos Santos – que levou o caso à polícia.
Um boletim de ocorrência foi registrado pela primeira vez no dia 10 de fevereiro de 2025. No dia 19 de fevereiro, data em que Marcelo deu entrevista à reportagem, o fato se repetiu. “Hoje de manhã ele colocou de novo, passou por cima da casa da minha mãe soltando veneno. O cheiro era muito forte, minha mãe passou mal com falta de ar. Meu pai, que tem 87 anos, fica com coceira no corpo e tontura”, contou.
Não é a primeira vez que o pecuarista contamina a comunidade, segundo Marcelo. Em 2021, um avião pulverizou a escola rural, que atende 300 estudantes. “As aulas foram suspensas por cerca de quatro dias”, disse. “A gente vive de plantio de arroz, mandioca, feijão, milho. O veneno afeta tudo, acabou que matou foi tudo. E a gente não conseguiu aproveitar nada, passou um bocado de dificuldades”.
Na ocasião, o Ministério Público do Maranhãoinstaurou um procedimentoque nunca foi concluído, e encontra-se paralisado desde 2022. Também em 2022, em resposta à contaminação da comunidade Roça do Meio, a Câmara de Vereadores de Duque Bacelar aprovou umprojeto de lei que proibia a pulverização aérea em território municipal. O projeto foi sancionado e a lei entrou em vigor.
No último 27 de fevereiro, porém, o prefeito Flávio Furtado (PDT) enviou um projeto à Câmara pedindo a revogação da lei. Conseguiu. A votação aconteceu em 14 de março de 2025 e contou com a presença de representantes da Aprosoja Maranhão.
A reportagem tentou contatar Paulo André Cardoso por meio de duas empresas das quais ele é sócio-administrador, mas não obteve resposta.
Intimidação via notificação extrajudicial
A mesma Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado do Maranhão que acompanha esses conflitos entrou para a mira do Sindag. Em 2024, sindicato enviou uma notificação extrajudicial ao advogado popular Diogo Cabral, que representa a Fetaema. Há quatro anos na linha de frente da denúncia de violações de direitos envolvendo a pulverização aérea no estado, Cabral recebeu o documento após dar uma entrevista ao jornal JMTVmencionando contaminações no estado.
Primeira página da notificação extrajudicial do Sindag contra o advogado popular Diogo Cabral. (Imagem: Reprodução/Sindag)
Na entrevista, concedida em 24 de abril de 2023, o advogado afirmou que a Fetaema já havia registrado 60 ocorrências de contaminação no Maranhão só naquele ano. “Pessoas tiveram queimaduras, crianças, idosos e gestantes acabaram adoecendo, com graves problemas gastrointestinais, e parte da produção agrícola destas comunidades foi inteiramente perdida”, afirmou.
Quase um mês depois, em 23 de maio, ele recebeu a notificação do Sindag demandando provas sobre as “graves informações prestadas” ou esclarecimentos “se o suposto dado foi de fato provocado pela pulverização”.
Para Cabral, a ação do Sindag se insere em um contexto de “criminalização, intimidação e limitação do trabalho de defensores de direitos humanos”. Ele afirma não ter ficado surpreso, e sim preocupado. “Não só por mim, mas por todas as organizações e pessoas que estão nessa luta”. O advogado não respondeu à notificação e até hoje não foi citado judicialmente.
Cabral destaca que o avanço da fronteira agrícola, principalmente para cultivo de soja, tem impulsionado o mercado de agrotóxicos no Maranhão. Dados doIbamarevelam um crescimento de 200% no comércio dessas substâncias no estado na última década.
O advogado ressalta que, em 2024, a Fetaema registrou 234 comunidades atingidas por pulverização aérea. Em 2025, já eram 18 comunidades até a publicação desta reportagem. Cabral destaca também que todas as contaminações registradas foram causadas pela pulverização aérea. “Não tem nada de agricultura de precisão, é uma agricultura de imprecisão, na verdade, porque tem muita gente sendo contaminada”.
Lobby da pulverização área está dentro das universidadesO
Além de entrar na Justiça, fazer lobby em casas legislativas e intimidar críticos, mais recentemente o Sindag tem fechado parcerias para o desenvolvimento de pesquisas que sustentam a segurança da pulverização aérea de agrotóxicos.
Além de uma parceria de anos com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o sindicato deu início a um programa de financiamento de bolsas de pesquisa em universidades públicas. Segundo o Gabriel Colle, atualmente, já são cerca de 40 convênios com universidades em trâmite, entre eles a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB).
Em março de 2024, a UnB sediou o 1º Fórum Nacional de Aviação Agrícola no Planalto Central, em parceria com o Sindag, com o Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola — braço do sindicato — com a CNA, com a Aprosoja e com a CropLife Brasil, associação que reúne as multinacionais produtoras de agrotóxicos. O evento culminou no lançamento de um Núcleo de Estudos em Atividades Aeroagrícolas.
O núcleo recebeu a primeira bolsa financiada pelo sindicato. O financiamento resultou na publicação, em novembro de 2024, de um estudo sobre controle de deriva que, segundo Colle, chegou a resultados “extremamente importantes”. O estudo consistiu em uma revisão bibliográfica de pesquisas sobre o tema, com o objetivo de descrever uma equação para descrição da deriva.
O estudo argumenta que, nos testes realizados em diferentes pesquisas analisadas, foi identificado um valor máximo de 100 metros de deriva, e argumenta pela abertura de “novas discussões da faixa de segurança”, uma vez que as distâncias mínimas estabelecidas pelo Mapa são maiores.
O financiamento de pesquisas pelo sindicato parece ter um vício de origem: a arrecadação é realizada pelo mesmo Fundo de Defesa da Aviação Agrícola que recruta doações para promover o lobby nas câmaras municipais. Colle destaca que a pesquisa é o objetivo mais importante do fundo.
“A gente pretende utilizar mais recursos na produção de divulgação e promoção do setor, principalmente de esclarecimento de mitos e fatos. A origem disso deverá ser as pesquisas. Temos realmente um desejo, um sonho que possamos ter alunos de diferentes universidades com bolsas pagas pelo fundo incentivando a fazer pesquisa”, afirmou.
O diretor do Sindag foi questionado sobre o comprometimento dos resultados das pesquisas pelo interesse econômico do setor, mas não respondeu a pergunta.
| Julia Dolce é repórter de O Joio e o Trigo. |
Imagem principal (Denise Matsumoto): lobby da pulverização aérea consegue reverter projetos de lei que limitam uso de agrotóxicos.
Estudo mostra como lobby atuou no Congresso para não só incluir produtos ultraprocessados na cesta básica, zerada de impostos, mas também para evitar a tributação extra a itens prejudiciais à saúde, prevista na reforma tributária
Por Hélen Freitas | Edição Carlos Juliano Barros para a Repórter Brasil
Representantes da indústria de alimentos, do agronegócio e dos supermercados se uniram para tentarexcluir os ultraprocessadosdo chamado “Imposto do Pecado”, criado pela reforma tributária sancionada em janeiro pelo presidente Lula (PT). É o que mostra um estudo realizado pelo Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) e pela ACT Promoção da Saúde, obtido pela Repórter Brasil.
De acordo com a publicação, o lobby desses setores atuou no Congresso Nacional para não só inserir alguns ultraprocessados na cesta básica, zerada de impostos, mas também para evitar a tributação extra a esses itens. Este mecanismo é previsto na reforma por meio do Imposto Seletivo (IS), apelidado de “Imposto do Pecado” por ter como alvo cigarros e bebidas alcoólicas, dentre outras mercadorias nocivas à saúde e ao meio ambiente.
A reforma tributária vai criar uma alíquota padrão por volta de 28%, a ser cobrada da maioria das mercadorias. A cesta básica é uma das exceções: os produtos serão totalmente isentos de impostos. Em alguns casos, itens podem ter tributos reduzidos em mais da metade. Já os enquadrados no IS terão taxação superior a 28%.
Publicado na revista acadêmica Social Science & Medicine, dos Estados Unidos, o estudo faz um extenso mapeamento – de posts em redes sociais a audiências públicas em Brasília – para investigar atuação da indústria de alimentos entre janeiro de 2023 e abril de 2024, período em que a reforma estava em discussão no Congresso e no Ministério da Fazenda.
Ilustração: Débora De Maio
Um levantamento da organização Fiquem Sabendo mostra que lobistas do setor se reuniram 69 vezes com o alto escalão do governo Lula, ao longo de 2023, para discutir a reforma tributária. Em 27 delas, foi registrada a presença de um representante da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos). Organizações do terceiro setor que trabalham com o tema da alimentação, entretanto, foram recebidas apenas 14 vezes e tiveram 16 pedidos de encontros não atendidos.
“A gente sabe que o principal determinante para escolher uma comida é o preço. Ainda mais num país socialmente vulnerável como o nosso”, afirma Ana Maria Maya, especialista em alimentação saudável do Idec e coautora do estudo. Para ela, o lobby articulado entre a indústria de alimentos, o agronegócio e os supermercados conseguiu incluir na cesta básica produtos ultraprocessados, como margarina e fórmulas infantis.
Indústria de alimentos se articulou com supermercados e com a bancada ruralista
Para barrar a taxação extra de ultraprocessados, as associações de proteína animal e das indústrias de refrigerantes, chocolates e pães e bolos se reuniram na Uncab (União Nacional da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas). O grupo criou campanhas para convencer a opinião pública de que o Imposto Seletivo sobre os ultraprocessados não reduziria o preço dos alimentos in natura e prejudicaria principalmente os mais pobres.
Peça da campanha da Uncab (União Nacional da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas) contra a taxação de ultraprocessados (Foto: Reprodução)
Além disso, o grupo se aliou ao setor supermercadista para difundir a narrativa de defesa do “acesso aos alimentos” e do “direito de escolha” dos consumidores, diz Ana Maria Maya. Segundo a pesquisadora do Idec, seria politicamente custoso para a Abia, por exemplo, argumentar sozinha a favor da isenção fiscal para o miojo, produto amplamente reconhecido como prejudicial à saúde. “Incluir outros atores nessa discussão aumenta tanto o peso político quanto a estratégia de mudar as caras de quem vai falar”, destaca.
No Congresso, a estratégia consistiu em estreitar os laços com a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Com 354 deputados e senadores, a bancada ruralista é a mais poderosa do Legislativo.
O relatório cita como exemplo dessa ampla aliança uma audiência no Senado,realizada em agosto de 2023. Na ocasião, o presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), João Galassi, defendeu a revisão do Imposto Seletivo. Ao lado de representantes da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e da CNI (Confederação Nacional da Indústria), ele argumentou que a tributação não deveria atingir qualquer tipo de alimento.
Em audiência pública no Senado, João Carlos Galassi, presidente da Abras, defende a revisão do imposto seletivo para beneficiar ultraprocessados, ao lado do coordenador do Núcleo Econômico da CNA (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Um mês depois, emevento organizado pela Abras, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) saiu em defesa dos ultraprocessados. “Temos mais de 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil, não tem sentido um país exportador de alimentos, do agro, e as pessoas passando dificuldade. Então, consumo de alimento não tem que ser taxado”, afirmou.
Maya rebate o argumento da indústria. “A gente não está falando em tirar a comida da mesa das pessoas. A gente está falando em criar condições para que alimentos saudáveis sejam mais acessíveis”, afirma a especialista do Idec.
Em nota, a FPA afirmou que a bancada trabalhou em duas frentes durante a tramitação da reforma tributária: zerar o imposto da cesta básica e incluir a carne na cesta básica. “Ambas as medidas contribuem para garantir o acesso à população a comida de qualidade, com preço acessível para todas as faixas de renda”, diz o texto. A nota informa ainda que “a lista de alimentos que integram a cesta básica foi coordenada pelo relator da matéria, [o deputado federal] Reginaldo Lopes (PT-MG)”. Leia a resposta naíntegra.
Margarina, carnes, açúcar e fórmulas infantis foram beneficiados
O relatório acessado pela Repórter Brasil também revela como a indústria de alimentos atuou para interferir no debate sobre os critérios da cesta básica. De acordo com o texto final da reforma tributária, alguns itens da cesta ficam totalmente isentos de impostos, enquanto outros têm desconto de 60% sobre a tarifa básica cobrada sobre produtos e serviços.
Em março de 2024, o governo publicou um decreto orientando a composição da cesta básica, excluindo os ultraprocessados. “Foi nesse momento que algumas associações se uniram e intensificaram o lobby para incluir mais produtos”, explica Bruna Hassan, pesquisadora em saúde pública da ACT Promoção da Saúde. Um grupo de 30 deputados, liderados pela bancada ruralista, apresentou uma proposta alternativa para ampliar a isenção fiscal a alimentos industrializados.
Em almoço na sede da FPA, coalizão de 24 frentes parlamentares no Congresso apresentou Projeto de Lei que incluia diversos ultraprocessados na cesta básica (Foto: Divulgação/FPA)
Enquanto a sociedade civil defendia uma cesta básica focada em alimentos saudáveis, o agro, a indústria e o varejo pressionaram pela ampliação da lista, argumentando que determinados produtos eram amplamente consumidos pelos brasileiros. A principal disputa girou em torno da inclusão de laticínios, carnes, açúcar e ultraprocessados.
A regulamentação aprovada na Câmara atendeu a parte das demandas do setor, garantindo benefícios a itens como margarina, carnes, açúcar e fórmulas infantis. Sobre este último produto, Bruna Hassan faz uma ponderação. “Existem situações em que as fórmulas infantis são necessárias, mas são casos específicos. Como substitutos, elas deveriam ter alíquota reduzida de 60%, e não isenção total”, avalia.
Apesar de lobby, refrigerantes entraram no ‘Imposto do Pecado’
A Abir (Associação Brasileira de Refrigerantes) também atuou para impedir a taxação do setor. O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) apresentou uma emenda ao relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM), classificando a tributação de refrigerantes e águas saborizadas como “questionável” e “discriminatória”.
No dia seguinte à aprovação do texto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Braga participou de um evento em uma fábrica da Coca-Cola em Manaus (AM), ao lado de políticos do estado e do vice-presidente Geraldo Alckmin, como mostra o post do Instagram abaixo.
Uma reportagem do site O Joio e o Trigo mostraque Braga tem um histórico de atuação favorável ao setor de bebidas. O senador recebeu R$ 178 mil em doações de campanha da Ambev, em 2010, antes da proibição de financiamento empresarial, e defendeu subsídios para produtores de xarope de refrigerante na Zona Franca de Manaus.
Apesar do lobby da indústria, refrigerantes e águas saborizadas acabaram sendo incluídos no imposto seletivo, na versão final da reforma tributária. Para especialistas, a decisão pode ter sido motivada tanto pela necessidade de arrecadação quanto pelas evidências científicas sobre os impactos dessas bebidas na saúde pública. “Acho que o governo viu como uma oportunidade de que isso fosse emplacado e que seria positivo na perspectiva econômica”, avalia Maya.
Em nota, o Ministério da Fazenda afirma que a escolha de quais ultraprocessados estariam sujeitos ao imposto seletivo é “decisão de governo”. A pasta afirma que a maior parte desses produtos será tributada pela alíquota padrão, que deve ficar em torno de 28%. Já os itens da cesta básica terão alíquota zerada ou reduzida a 11%. Ainda segundo a nota, a própria diferença de carga tributária “já contribui para estimular o consumo de produtos saudáveis”. Confira a resposta na íntegra.
Segundo Bruna Hassan, a expectativa é de que os alimentos saudáveis fiquem mais acessíveis com as novas regras, e de que o consumo de ultraprocessados seja desestimulado. No entanto, ela reforça que a tributação, por si só, não basta para mudar hábitos alimentares ou reduzir doenças crônicas. “O imposto sozinho não é bala de prata, ele tem que vir com um conjunto de medidas”, finaliza.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos informou que não se manifestaria. A reportagem também enviou questionamentos à Associação Brasileira de Refrigerantes, à Associação Brasileira de Supermercados, ao deputado federal Reginaldo Lopes, e aos senadores Eduardo Braga, Izalci Lucas, Vanderlan Cardoso, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado se os posicionamentos forem enviados.
Uma investigação secreta revela como o petroestado azerbaijano usou sua posição como anfitrião da COP29 para facilitar a discussão de novos acordos sobre combustíveis fósseis na conferência anual do clima da ONU
Elnur Soltanov é CEO da COP29 e vice-ministro de energia do Azerbaijão. Mark Felix / AFP via Getty Images
Por Global Witness
O Business Centre no Central Boulevard de Baku é novinho em folha. Esta torre brilhante de 13 andares fica no bairro anteriormente conhecido como Black City, berço da indústria global de petróleo na década de 1840.
Na época, a área recebeu esse nome por causa de sua famosa poluição e agora abriga obras de arte e prédios de escritórios.
Em janeiro, o edifício foi inaugurado pelo presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, um homem que muitos descreveram como o ditador do país.
Durante seu primeiro ano, o Business Centre foi a casa da COP29 Operating Company, uma organização de importância estratégica para o presidente Aliyev. A empresa tem a tarefa de organizar as negociações climáticas anuais da ONU, que serão realizadas no Azerbaijão neste mês.
A seleçãolevantou algumas sobrancelhas. Por que um petroestado como o Azerbaijão, onde dois terços das receitas do governo vêm do petróleo e gás, iria querer sediar negociações climáticas?
Combustíveis fósseis, talvez para sempre
Um homem que pode responder a essa pergunta é Elnur Soltanov.
Ele parece relaxado, provavelmente porque, em meio ao ano mais movimentado de sua vida, um carrossel aparentemente interminável de palestras e reuniões com dignitários estrangeiros, o encontro de hoje é de baixo risco.
Soltanov acha que está se reunindo com a EC Capital, uma investidora de petróleo e gás.
Como CEO da COP29, responsável por tornar a cúpula um sucesso, Soltanov foi convidado por sua equipe de parcerias para se reunir com a EC Capital, que espera finalizar um lucrativo acordo de patrocínio.
O que Soltanov não sabe é que ele está se encontrando com um investigador disfarçado da Global Witness por meio de um link de vídeo.
Após as gentilezas habituais, a EC Capital apresenta-se como “especializada em investimentos globais na indústria do petróleo e gás”, além de estar “muito interessada em investir na indústria do petróleo e gás no Azerbaijão ” .
E por que você não iria querer investir no Azerbaijão?
A guerra na Ucrânia deixou a Europa sem gás russo, e alguns dos países mais ricos do mundo têm se aglomerado em Baku desde então, implorando por combustíveis fósseis.
O Azerbaijão pode se consolidar como o fornecedor preferido da Europa por uma década ou mais, e a análise da Global Witness mostra que o governo planeja aumentar a produção de gás em um terço nos próximos 10 anos.
Em janeiro, autoridades anunciaram planos surpresa para privatizar partes da State Oil Company of Azerbaijan (SOCAR). Naturalmente, empresas como a EC Capital estão interessadas.
O papel duplo da EC Capital como um player de petróleo e gás e um patrocinador de conferências climáticas também não é incomum. A COP29 é explícita ao dizer que quer que todos os setores participem, o que significa que a indústria do petróleo está convidada.
Como diz Soltanov: “Se houver algo que as corporações de petróleo e gás possam trazer para a mesa em termos de enfrentamento da crise climática, elas serão bem-vindas.”
Em todo caso, COPs anteriores foram quase todas inundadas com representantes da indústria de petróleo e gás. Então sim, a EC Capital é bem-vinda para participar da COP, e especialmente bem-vinda para patrociná-la.
Se houver algo que as empresas de petróleo e gás possam trazer para a mesa em termos de enfrentamento da crise climática, elas serão bem-vindas.- Elnur Soltanov, CEO da COP29
Soltanov esclarece à EC Capital que seu foco atual está principalmente em seu papel como CEO da COP29, e não como vice-ministro de energia, e que, até onde ele sabe, a SOCAR não está planejando vender ações para investidores.
No entanto, isso “não significa que não haja oportunidades com investimentos, com o estabelecimento de joint ventures com a SOCAR”. A EC Capital pode estar particularmente interessada em “projetos de transição verde” .
Até aqui, tudo bem. Soltanov parece estar direcionando a EC Capital para um terreno mais favorável ao clima. Mas então ele menciona os “campos muito grandes de petróleo … e gás”.
O duplipensamento é uma característica em toda a reunião. Soltanov faz referência às metas climáticas da COP29, argumentando que “deveríamos estar fazendo a transição para longe dos hidrocarbonetos de uma maneira justa, ordenada e equitativa” e que “a COP não é sobre petróleo e gás” – em vez disso, “é sobre a crise climática e como podemos lidar [com ela]”.
Mas suas outras declarações contradizem esses ideais elevados. Ele repetidamente diz à EC Capital que, embora a produção de petróleo esteja em declínio, o Azerbaijão planeja aumentar sua produção de gás fóssil, enfatizando seu papel como o que ele chama de “combustível de transição”.
No mundo de zero emissões de Soltanov, “teremos uma certa quantidade de petróleo e gás natural sendo produzidos, talvez para sempre ” .
É possível entender por que um possível investidor como a EC Capital ficaria tranquilo com essa perspectiva otimista.
Mas isso contradiz o conselho da Agência Internacional de Energia , que diz que novos projetos de combustíveis fósseis, incluindo gás, são incompatíveis com a meta de manter o aumento da temperatura global em 1,5°C acima das médias pré-industriais, acordada pelas nações no Acordo de Paris em 2015.
A COP não é sobre petróleo e gás- Elnur Soltanov, CEO da COP29
Em um aparente conflito de interesses, reconhecendo suas duas funções como CEO da COP29 e vice-ministro de energia do Azerbaijão, Soltanov se oferece para ajudar a facilitar as discussões sobre investimentos no setor de petróleo e gás do país.
Ele promete “criar um contato entre você e [SOCAR] … para que eles possam iniciar discussões”.
Da mesma forma, ele diz que “a COP não é sobre petróleo e gás… o objetivo é resolver a crise climática”, mas também sugere que a EC Capital “incorpore suas atividades com as atividades da SOCAR durante a COP, para que você possa… falar de negócios com eles e também participar do processo da COP29”.
Ele apregoa “campos de gás que serão desenvolvidos”, a “infraestrutura de gasodutos” do Azerbaijão e o braço comercial da SOCAR que está “negociando petróleo e gás em todo o mundo, incluindo na Ásia”. A COP está aberta para negócios.
Após a reunião com Soltanov, a EC Capital dá continuidade, pedindo a introdução prometida à SOCAR para “organizar discussões sobre investimentos quando visitarmos Baku em novembro”. Poucos dias depois, Soltanov entrega.
Elshad Nassirov, um dos executivos mais importantes da SOCAR, escreve à EC Capital pedindo para se reunir em Baku.
Ao acenar com a possibilidade de patrocinar uma conferência sobre o clima, a EC Capital obteve acesso a um executivo sênior da empresa petrolífera estatal do Azerbaijão, com a intenção explícita de discutir um acordo petrolífero na COP29.
Como uma entidade falsa, a EC Capital não pode assinar acordos de petróleo e gás ou contratos de patrocínio. Mas, figurativamente, ela representa o exército de lobistas de petróleo e gásque, nos últimos anos, invadiram essas negociações climáticas.
E assim como a EC Capital, muitos deles não estão interessados nas políticas que surgem. Durante o que foi anunciado como a “última melhor esperança” da humanidade, eles veem uma oportunidade de fazer negócios.
Mantenha seus inimigos mais perto
Nem sempre foi sobre acordos de petróleo. Potências de combustíveis fósseis como o Azerbaijão sabem há muito tempo que os esforços da ONU para limitar as mudanças climáticas, conhecidos como Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), podem se tornar existenciais se seguidos até sua conclusão lógica.
Reduzir a demanda por combustíveis fósseis e aumentar o fornecimento de energia limpa é um anátema para o interesse nacional percebido por eles.
Então eles se empenharam desde o começo.
Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita garantiu na COP1 em Berlim em 1995 que os petroestados e produtores de combustíveis fósseis nunca poderiam ser forçados a agir em prol do clima, promovendo uma regra que exigia unanimidade para todas as decisões.
Isso significa que as COPs operam por consenso absoluto, permitindo que qualquer estado tenha poder de veto.
Os lobistas também estiveram lá o tempo todo. Em Berlim, seus esforços foram evidentes. A Global Climate Coalition, um grupo industrial que fez lobby contra a ciência climática, enviou 25 delegados e disseminou um relatório pseudocientífico contestando a ligação entre combustíveis fósseis e clima extremo.
Mas a disposição da COP29 em facilitar discussões sobre acordos de petróleo para a EC Capital sugere um segundo fator de interesse em combustíveis fósseis no processo.
O governo do Reino Unido foi criticado por permitir que empresas de combustíveis fósseis patrocinassem a COP26 em Glasgow, arrecadando £ 33 milhões de gigantes poluidoras, incluindo a SSE, que administra 11 usinas de energia movidas a combustíveis fósseis no Reino Unido.
Uma plataforma de petróleo operada pela State Oil Co. da República do Azerbaijão (SOCAR) é vista na costa de Baku, Azerbaijão. Taylor Weidman / Bloomberg via Getty Images
Desde então, a UNFCCC tentou limitar a influência de indústrias poluentes nas negociações. Em junho de 2023, os organizadores anunciaramque os lobistas teriam que identificar a empresa para a qual trabalham ao se registrarem para futuras cúpulas.
As novas regras surgiram de uma sensação crescente de que as COPs se tornaram locais de discussão corporativa. A COP27 em Sharm El Sheikh foi patrocinada por umasérie de empresas poluidoras, incluindo Hassan Allam, que constrói refinarias de petróleo.
Depois de Sharm El Sheikh e da mudança de regra da UNFCCC, parecia que o interesse comercial poderia ter atingido o pico. Então as negociações chegaram a Dubai.
A COP28 em Dubai foi uma onda corporativa que afogou tudo em seu caminho. Os Emirados Árabes Unidos triplicaram os preços de patrocínio, pedindo milhões de libras ao prometer “acesso e oportunidades de networking inigualáveis com governos e líderes empresariais globais”.
No total, os organizadores pediram mais de £ 25 milhões.
Mas os Emirados Árabes Unidos quebraram a maior norma de todas quando nomearam o sultão Al Jaber, CEO da sua empresa petrolífera nacional, ADNOC, para presidir as negociações.
O conflito de interesses foi exposto pelo próprio Al Jaber. Como presidente da COP, ele se sentiu compelido a pedir um “corte de 43% nas emissões nos próximos sete anos ” .
A análise da Global Witness mostrou que sua empresa, no entanto, deve aumentar as emissões em 40% até 2030 e gastará mais de US$ 100 bilhões na produção de petróleo e gás.
O que diabos eles estão fazendo?
O plano de jogo da indústria petrolífera na COP amadureceu desde aquelas primeiras e emocionantes COPs, quando a negação climática total era comum o suficiente para ser apregoada.
Hoje em dia, as empresas petrolíferas falam bem, estabelecendo planos de net-zero e lançando anúncios verdes promovendo seus investimentos em energias renováveis. Elas promovem soluções tecnológicas não comprovadas, como captura e armazenamento de carbono (CCS), essenciais para suas promessas de net-zero. E promovem truques contábeis como créditos de carbono , que usam para “compensar” suas emissões.
A Shell até se gaboude que seu lobby ajudou a consagrar esses truques no Acordo de Paris, que identificou os mercados de carbono como uma ferramenta para as empresas petrolíferas compensarem, em vez de reduzir, suas emissões.
Essa operação de lobby estava a todo vapor em Dubai. Um recorde de2.400 representantes da indústriaapareceu, e eles estavam trabalhando duro.
Pela primeira vez, evidências sugeriram que os anfitriões estavam usando sua posição no ápice da diplomacia climática global para fechar novos acordos de petróleo e gás.
Pontos de discussão vazados, obtidos pelo Centro de Relatórios Climáticos, revelaram que o Sultão Al Jaber planejava usar reuniões para promover acordos para a ADNOC.
Al Jaber negou veementemente as acusações, dizendo que nunca viu nem usou os pontos de discussão.
Meses depois, uma investigação da Global Witnessrevelou que a ADNOC havia buscado mais de US$ 100 bilhões em acordos de petróleo em 2023, um aumento de cinco vezes em relação ao ano anterior e significativamente mais do que os quatro anos anteriores combinados.
Um precedente havia sido estabelecido, e o Azerbaijão estava ansioso para seguir.
O manual do petroestado
O papel da equipe de “parcerias” para a COP29 é delicado, buscando financiamento comercial para negociações diplomáticas que visam salvar o planeta da devastação do capitalismo.
Antes da reunião de Elnur Soltanov, um representante da equipe de parcerias se encontrou com a EC Capital logo no início da jornada da equipe secreta ao coração da COP29.
A empresa é apresentada como uma especialista em petróleo e gás que deseja investir na SOCAR e patrocinar a COP.
O problema é que os patrocinadores da COP devem ser membros do programa Race to Zero da UNFCCC ou ter feito uma promessa Race to Zero.
Mas se isso parece muito rigoroso, há outra maneira. As empresas podem assinar um “Compromisso Nacional” e prometer apresentar um “plano de transição net-zero confiável” em algum momento nos próximos dois anos.
Isso é vago o suficiente para a EC Capital. E, em todo caso, nem net-zero, nem transição energética, nem mudança climática aparecem na primeira chamada da EC Capital com a COP29.
O representante da COP29 observa que a SOCAR também está patrocinando a COP, então “pode ser uma ótima oportunidade para dar início à sua parceria”.
Eles propõem um pacote de US$ 600.000, que dá à EC Capital cinco distintivos COP, bem como a chance de sediar um evento com a SOCAR. Eles dizem que a COP29 “definitivamente ajudará a organizar uma reunião com a SOCAR” como parte do pacote.
É difícil culpá-los – o trabalho deles é vender pacotes de patrocínio. Mas a ideia de que há qualquer barreira protegendo a santidade das conversas de patrocinadores inescrupulosos é descartada pelas negociações da EC Capital com a equipe da COP29.
A EC Capital propõe pagar US$ 600.000 em troca de três coisas: a reunião com Elnur Soltanov sobre investimento na SOCAR, reuniões com autoridades da SOCAR em Baku e um evento sobre “investimento sustentável em petróleo e gás” com a SOCAR durante a COP29.
A equipe da COP29 concorda com essas condições. Eles prometeram, por escrito, facilitar as discussões sobre um acordo de petróleo em uma cúpula climática da ONU, em troca de dinheiro.
O Compromisso Nacional do Azerbaijão é um programa para empresas locais, portanto será removido do contrato final- Porta-voz da COP29
Essa contrapartida, o uso da conferência como um local para facilitar acordos de petróleo e gás, faz parte do manual emergente do petroestado, que vê a COP apenas como mais uma conferência empresarial global, uma oportunidade para angariar investimentos no seu setor de petróleo e gás.
Agora, os contratos estão sendo elaborados. Ainda não houve menção a quaisquer requisitos climáticos, promessas ou planos de net-zero.
O acordo, quando chega, exige que o patrocinador se comprometa a “apoiar ativamente” o Compromisso Nacional do Azerbaijão e, ocasionalmente, forneça “relatórios de sustentabilidade”, mas os detalhes são escassos.
A EC Capital não estava disposta a fazer nada disso e recuou em ambos os pontos. Felizmente, a COP29 diz que “o Compromisso Nacional do Azerbaijão é um programa para empresas locais, portanto será removido do contrato final” e que eles considerariam alegremente “correções” da EC Capital em relatórios de sustentabilidade.
A COP29 estava pronta para declarar a EC Capital como patrocinadora oficial do mundo. Um funcionário júnior perguntou se “EC Capital Holdings – Investment Partner” seria a nomenclatura correta para um “anúncio de comunicado à imprensa”.
Por fim, após a conclusão de um formulário de due diligence que não buscava nenhum compromisso sobre questões climáticas, a equipe da COP29 concordou em remover qualquer menção a relatórios de sustentabilidade do rascunho do contrato.
Após algumas idas e vindas, com qualquer pretensão de sustentabilidade perdendo cada vez mais terreno, a equipe da COP29 concordou em incluir uma nova cláusula, solicitada pela EC Capital, especificando que a COP29 organizaria “oportunidades de reunião com as principais partes interessadas locais do setor energético na COP29 ” .
À medida que as negociações se arrastavam, a equipe da COP29 começou a expressar preocupação de que o contrato ainda não havia sido assinado. Um funcionário júnior deixa a troca clara. A introdução ao SOCAR será feita somente quando o contrato for assinado.
Foi nesse ponto, poucas semanas depois de sugerir patrocínio em troca de acesso, que Soltanov colocou a EC Capital em contato com Elshad Nassirov, vice-presidente da SOCAR.
A COP29 está realmente aberta para negócios.
E daí?
Alguns podem perguntar, quem se importa? Se a indústria do petróleo não fizer acordos na COP, eles os farão em outro lugar.
Claro, o acesso na COP pode facilitar, mas no grande esquema das coisas, haverá muitos acordos de petróleo, aconteçam eles na COP ou não.
Se for esse o caso, como os líderes podem esperar que alguém se importe, que faça mudanças em suas próprias vidas neste mundo de cabeça para baixo, onde o processo que deveria nos livrar dos combustíveis fósseis está sendo abusado por pessoas poderosas em busca de lucro?
Muitos viram a degradação da COP nos últimos anos e decidiramboicotá-la. Eles argumentam que participar de um processo tão falho corre o risco de legitimar os atores de má-fé envolvidos.
Essa é uma reação compreensível. O movimento climático não deveria desocupar o espaço para a indústria do petróleo, mas é uma resposta que a UNFCCC continuará a alimentar, se ela falhar em limpar o processo.
Não há respostas fáceis para a ONU. Ela não pode banir a indústria petrolífera das negociações sozinha. Os governos decidem quais países sediam a COP e quem os representa como delegados.
Mas claramente, como esta investigação revela, quaisquer proteções colocadas pela UNFCCC foram ignoradas por lobistas e potências dos combustíveis fósseis.
A Global Witness fez diversas abordagens para comentários à equipe da COP29, à SOCAR e à UNFCCC em relação às descobertas de hoje.
Nem a equipe da COP29 nem a SOCAR – ambas diretamente ligadas ao estado do Azerbaijão – fizeram qualquer tentativa de se comunicar com a Global Witness.
No entanto, a mídia do Azerbaijãopublicou uma história baseada em “fontes confiáveis” vários dias antes desta investigação, que corroborou a sequência de eventos, mas disse que facilitar discussões sobre investimentos em combustíveis fósseis na COP29 não é um conflito de interesses.
A UNFCCC se recusou a enviar à Global Witness qualquer comentário sobre os pontos levantados nesta investigação.
No entanto, em um e-mail, a UNFCCC disse que esta investigação não se refere às atividades cobertas pelo Código de Conduta para Eventos da UNFCCC – um conjunto distinto de orientações ao Código de Ética para funcionários da COP que a Global Witness havia citado.
Separadamente, em resposta a uma reportagem da BBC sobre esta investigação, a UNFCCC disse à BBC que “o secretariado [da UNFCCC] tem os mesmos padrões rigorosos todos os anos, refletindo a importância da imparcialidade por parte de todos os presidentes.
“Dados os crescentes custos humanos e econômicos da crise climática global em todos os países, estamos muito focados na COP29 para entregar resultados ambiciosos e concretos.”
A UNFCCC tem algumas perguntas básicas a responder. Quem é servido pela comercialização crescente das negociações? Em face desta nova evidência de que acordos de patrocínio são uma porta de entrada para interesses comerciais, quais benefícios eles trazem?
Acabar com o patrocínio corporativo está ao alcance da UNFCCC e deveria ser algo óbvio, um mínimo absoluto para começar a recuperar alguma integridade.
Dizem que os diplomatas climáticos, os funcionários públicos encarregados de negociar os resultados da COP, querem uma cúpula simplificada , algo menos chamativo e mais focado na tarefa em questão.
Isso parece sensato. O mundo tentou 29 negociações com uma multidão cada vez maior de poluidores e vendedores de óleo de cobra presentes. Em seguida, deve tentar uma sem.
Notas:
O encontro com Elnur Soltanov ocorreu em 13 de setembro de 2024
A reunião com a equipe de parcerias da COP29 ocorreu em 3 de setembro de 2024
Grandes empresas de combustíveis fósseis como Shell, Exxon, BP ou Total não são sua fonte confiável para obter conselhos sólidos sobre como impedir urgentemente que o clima mude cada vez mais rápido. Mas para deter a disseminação do câncer e de todos os tipos de doenças degenerativas, ajudar fazendeiros a saírem de seus pesadelos socioeconômicos coletivos, combater a fome ou como evitar um colapso ainda maior da biodiversidade , os formuladores de políticas acham completamente normal se envolver com poderosas empresas agroquímicas como Bayer e BASF.
No entanto, essas empresas produzem muitos produtos químicos que são ruins para a nossa saúde, para o meio ambiente e, cada vez mais, para a própria democracia, como mostra o novo relatórioBayer’s Toxic Trails, do Corporate Europe Observatory .
Seja sobre glifosato, organismos geneticamente modificados ou aquecimento global, mostramos como a empresa tenta capturar políticas públicas para perseguir seus interesses privados.
A Bayer tenta legitimar esse lobby caro sendo mais ou menos transparente sobre ele e chamando-o de “ advocacia política ”. Na verdade, é graças aos seus bolsos fundos e influência econômica que ela é capaz de mudar leis e regulamentos que devem servir ao interesse geral. A Bayer simplesmente quer manter o controle monopolista dos mercados de sementes e agrotóxicos, e luta contra os desafios regulatórios de seus produtos tóxicos, enquanto tenta limitar sua responsabilidade legal eexerce influência política .
Primeiro, há o elemento do poder de mercado global e a concentração cada vez maior, tornando-os uma parte essencial de um pequeno clube de Food Barons globais . Apenas quatro dessas multinacionais – Bayer, BASF, Corteva e Syngenta – controlam mais de 65%do comércio global de agrotóxicos e pelo menos metade do comércio mundial de sementes. Isso representa um mercado multibilionário de euros, co-controle sobre a produção mundial de alimentos e profunda influência política nas políticas agrícolas e ambientais.
Só para constar: a bem-sucedida campanha de lobby para derrubara estratégia do Prado ao Prato, uma parte crucial do Acordo Verde da União Europeia (UE), foi trabalho dessas empresas, suas consultorias e associações comerciais como a Croplife (com uma pequena ajuda deseus amigos políticos , é claro).
Vários estudos científicos independentes mostram que o glifosato pode ser cancerígeno. Como escreveu a Pesticide Action Network (PAN), “reaprovar o glifosato é uma violação da Lei de Pesticidas da UE que diz que a saúde e o meio ambiente devem vir em primeiro lugar”. Várias ONGs estão levando a Comissão Europeia ao tribunalsobre a decisão do glifosato.
A Bayer e seus amigos poderosos gostam de falar sobre “inovação” e ” políticas baseadas na ciência “, desde que consigam determinar o que é ciência correta e o que não é.
Em umacarta aberta de abril deste ano, a Bayer chama todas as descobertas independentes de cientistas sobre o glifosato, incluindo aquelas da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), de “ciência lixo”. É um lembrete da campanha ativa e cara da Monsanto parafabricar “indignação” contra a IARC sobre sua classificação de câncer.
A campanha de lobby intensiva que a Bayer encenou nos EUA é ultrajante de uma perspectiva democrática. A Bayer estáativamente fazendo lobby para mudar a lei dos EUA. De acordo com relatos da mídia, ela coescreveu algumas emendas, tanto em nível federal quanto estadual, para evitar mais litígios do RoundUp movidos por pacientes com câncer.
Como os rótulos dos produtos que contêm glifosato não alertaram suficientemente os usuários sobre seus perigos potenciais, a Bayer/Monsanto enfrenta nada menos que 170.000 processos até agora, dos quais 60.000 ainda estão pendentes. A empresa concordou em pagar mais de US$ 11 bilhões em acordos e foi condenada a pagar grandes somas adicionais pelos júris.
Uma nova investigação da mídia global acaba de revelar que “os contribuintes dos EUA financiaram uma campanha secreta para minimizar os riscos dos agrotóxicos e desacreditar ambientalistas na África, Europa e América do Norte”. O The New Lede e outros veículos revelaram como uma empresa do Missouri fundada por um ex-executivo da Monsanto ajudou a tentar conter os críticos dos pesticidas e outros, incluindo cientistas ambientais ou ativistas da sustentabilidade.
Todo esse tipo de batalha jurídica e operações de lobby custam muito dinheiro, o que seus acionistas não apreciam.
Nos últimos dois anos, a Bayer se tornou um dos maiores gastadores de lobby na UE e no mundo.
De acordo com o registro de lobby da UE, a Bayer AG gastou entre € 7 milhões e € 8 milhões em 2023 em lobby para influenciar decisões da União Europeia.
Para o ano de 2022, a empresa autodeclarou ter gasto € 6,5 milhões em lobby na UE, € 2,5 milhões na Alemanha e € 4 milhões em taxas para associações comerciais e de lobby baseadas na UE, como a Croplife Europe. Isso faz com que o orçamento total estimado para lobby na UE seja bem acima de € 10 milhões.
Para o ano de 2022, a Bayer declarou gastar € 49 milhões em lobby no mundo todo, além de € 26 milhões extras em taxas de associações comerciais, o que totaliza impressionantes € 75 milhões (embora a empresa não indique claramente as taxas como custos de lobby, o que é exigido pelo Registro de Transparência da UE).
A Bayer fabrica produtos que são ruins para nossa saúde e ecossistemas e, ao defender agressivamente seus interesses comerciais, também está prejudicando a democracia. Não deve ser permitido que continue seu negócio destrutivo, na UE ou em outro lugar. É hora de uma política livre de tóxicos.
Hans van Sharen é pesquisador e ativista do Corporate Europe Observatory, especializado em agronegócio e alimentos, pesticidas, OGM e lobby na União Europeia.
( As colunas de opinião publicadas no The New Lede representam as opiniões dos indivíduos que as escrevem e não necessariamente as perspectivas dos editores da TNL .)
A rede inclui perfis depreciativos de figuras como especialistas da ONU e o escritor de alimentos Michael Pollan, e faz parte de um esforço para minimizar os perigos dos agrotóxicos, sugerem os registros
Pulverização de agrotóxicos em um campo de algodão no Arizona. Fotografia: mvp64/Getty Images
Por Carey Gillam , Margot Gibbs e Elena DeBre para o “The Guardian”
Em 2017, dois especialistas das Nações Unidaspediramum tratado para regulamentar rigorosamente pesticidas perigosos, que eles disseram ser uma “preocupação global de direitos humanos”, citando pesquisas científicas mostrando que pesticidas podem causar câncer, doença de Parkinson, Alzheimer e outros problemas de saúde.
Publicamente, a principal associação comercial da indústria de agrotóxicos apelidou as recomendações de “afirmações infundadas e sensacionalistas”. Em privado, os defensores da indústria foram mais longe.
Perfis depreciativos dos dois especialistas da ONU, Hilal Elvere Baskut Tuncak, estão hospedados em um portal privado online para funcionários de empresas de agrotóxicos e uma série de aliados influentes.
Hilal Elver, relatora especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, fala com jornalistas. Fotografia: Cia Pak/UN Photo
Os membros podem acessar uma ampla gama de informações pessoais sobre centenas de indivíduos de todo o mundo considerados uma ameaça aos interesses da indústria, incluindo os escritores de alimentos dos EUA Michael Pollan e Mark Bittman, a ambientalista indiana Vandana Shiva e o ativista nigeriano Nnimmo Bassey. Muitos perfis incluem detalhes pessoais, como nomes de membros da família, números de telefone, endereços residenciais e até mesmo valores de casas.
A criação de perfil faz parte de um esforço — que foi financiado, em parte, com dinheiro dos pagadores de impostos dos EUA — para minimizar os perigos dos agrotóxicos, desacreditar oponentes e minar a formulação de políticas internacionais, de acordo com registros judiciais, e-mails e outros documentos obtidos pela redação sem fins lucrativos Lighthouse Reports.
A agência colaborou com o Guardian, o New Lede, o Le Monde, o Africa Uncensored, a Australian Broadcasting Corporation e outros parceiros internacionais de mídia na publicação desta investigação.
Os esforços foram liderados por uma empresa de “gestão de reputação” no Missouri chamada v-Fluence. A empresa fornece serviços que descreve como “coleta de inteligência”, “mineração de dados proprietários” e “comunicações de risco”.
As revelações demonstram como os defensores da indústria estabeleceram uma “rede social privada” para combater a resistência a agrotóxicos e culturas geneticamente modificadas (GM) na África, Europa e outras partes do mundo, ao mesmo tempo em que denegriam métodos agrícolas orgânicos e outros métodos alternativos.
Mais de 30 atuais funcionários do governo estão na lista de membros, a maioria dos quais é do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Elver, que agora é professora universitária pesquisadora e membro de um comitê de segurança alimentardas Nações Unidas , disse que o dinheiro público teria sido melhor gasto em pesquisas científicas sobre os impactos dos pesticidas na saúde do que em traçar perfis de pessoas como ela.
“Em vez de entender a realidade científica, eles tentam atirar no mensageiro. É realmente difícil de acreditar”, ela disse.
O perfil do autor Michael Pollan o retrata como um “fervoroso oponente” da agricultura industrial e um proponente da agricultura orgânica. Seu perfil inclui uma longa lista de críticas e detalhes como os nomes de seus irmãos, pais, filho e cunhado.
“Uma coisa é ter uma indústria atrás de você depois de publicar um artigo crítico. Isso acontece o tempo todo no jornalismo”, disse Pollan. “Mas ter seu próprio governo pagando por isso é ultrajante. Esses são meus impostos em ação.”
Registros mostram que Jay Byrne, um ex-executivo da Monsanto e fundador da v-Fluence, liderou o esforço. Byrne aconselhou autoridades dos EUA e tentou sabotar a oposição a produtos criados pelas maiores empresas agroquímicas do mundo.
Ele e a v-Fluence são nomeados como co-réus em um caso contra a empresa agroquímica de propriedade chinesa Syngenta. Eles são acusados de ajudar a Syngenta a suprimir informações sobre os riscos de que os herbicidas paraquat da empresa poderiam causar a doença de Parkinson, e de ajudar a “neutralizar” seus críticos. (A Syngentanegaque haja uma ligação causal comprovada entre paraquat e Parkinson.)
Logotipo da Syngenta em uma fazenda piloto em Geispitzen, França, em 2017. Fotografia: AFP/Getty Images
Em uma declaração por e-mail, Byrne negou as alegações no processo, citando “numerosas alegações incorretas e factualmente falsas”, feitas pelos demandantes.
Quando questionado sobre as descobertas desta investigação, Byrne disse que as “alegações e perguntas que você fez são baseadas em representações grosseiramente enganosas, erros factuais sobre nosso trabalho e clientes e falsidades fabricadas”.
A empresa vê seu papel como “um provedor de coleta, compartilhamento, análise e relatórios de informações”, disse Byrne. Ele disse que os perfis eram baseados em informações publicamente disponíveis.
“Nosso escopo de trabalho que você está questionando se limita ao monitoramento, pesquisa e relatórios de tendências sobre atividades e tendências globais para melhoramento de plantas e questões de proteção de cultivos”, disse Byrne em sua resposta por e-mail.
‘Sob ataque’
Byrne se juntou à Monsanto em 1997 em meio ao lançamento de culturas GM da empresa, projetadas para tolerar a pulverização com seus herbicidas de glifosato. Como diretor de comunicações corporativas, seu foco era ganhar aceitação para as controversas culturas “biotecnológicas” .
Anteriormente, ele ocupou vários cargos de alto nível em assuntos legislativos e de relações públicas na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid).
A fundação da v-Fluence em 2001 ocorreu em meio a crescentes batalhas de políticas públicas sobre culturas geneticamente modificadas e pesticidas comumente usados por agricultores e outros aplicadores para matar insetos e ervas daninhas.
Em um discursoque Byrne fez em uma conferência da indústria agrícola em 2016, ele deixou sua posição clara. Ele caracterizou a agricultura convencional como estando “sob ataque” do que ele chamou de “indústria de protesto”, e alegou que poderosas forças antiagrotóxicos e pró-orgânicas estavam gastando bilhões de dólares “criando medos sobre o uso de agrotóxicos”, culturas geneticamente modificadas (GM) e outras questões da agricultura industrial.
“Nós quase sempre somos escalados como vilões nesses cenários”, ele disse aos participantes da conferência. “E então precisamos inverter isso. Precisamos reformular as histórias que contamos de maneiras alternativas.”
Pessoas protestam contra a gigante da biotecnologia Monsanto e as plantações geneticamente modificadas em Nova York, em 2013. Fotografia: Tony Savino/Corbis/Getty Images
Os primeiros clientes da v-Fluence incluíam Syngenta e Monsanto. Mais tarde, ela garantiu financiamento do governo dos EUA como parte de um contrato com uma terceira parte.
‘Chocante e vergonhoso’
Registros de gastos públicos mostram que a USAid contratou o Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI), uma organização não governamental que gerencia uma iniciativa governamental para introduzir culturas geneticamente modificadas em países africanos e asiáticos.
Por sua vez, o IFPRI pagou à v-Fluence um pouco mais de US$ 400.000 entre 2013 e 2019 por serviços que incluíam neutralizar as críticas às “abordagens agrícolas modernas” na África e na Ásia.
A v-Fluence criaria o “portal de rede social privada” que, entre outras coisas, forneceria “apoio tático” aos esforços para obter aceitação dasculturas geneticamente modificadas.
A empresa então lançou uma plataforma chamada Bonus Eventus, nomeada em homenagem ao deus romano da agricultura, cujo nome se traduz como “bom resultado”.
Os indivíduos descritos no portal incluem mais de 500 defensores ambientais, cientistas, políticos e outros vistos como opositores de pesticidas e culturas geneticamente modificadas.
A USAid não respondeu a um pedido de comentário.
Os detalhes nos perfis parecem ter sido extraídos de uma série de fontes online, e muitos deles incluem alegações depreciativas de autoria de pessoas financiadas pela indústria química ou de outra forma conectadas a ela. As primeiras versões dos perfis foram compiladas pela Academics Review, uma organização sem fins lucrativoscriada com o envolvimento da Monsanto e Byrne.
A fundação da v-Fluence ocorreu em meio a crescentes batalhas de políticas públicas sobre culturas GM e pesticidas comumente usados por fazendeiros e outros aplicadores para matar insetos e ervas daninhas. Fotografia: Bloomberg/Getty Images
Hoje, o Bonus Eventus é somente para convidados e conta com mais de 1.000 membros. Eles incluem executivos das maiores empresas agroquímicas do mundo e seus lobistas, bem como acadêmicos, funcionários do governo e formuladores de políticas de alto nível, como o embaixador do governo Trump na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e um consultor de pesquisa agrícola da USAid.
Quando contatados por repórteres, alguns disseram que não tinham se inscrito para serem membros do portal, ou não estavam cientes do conteúdo. Um disse que cancelaria sua associação.
Um perfil de um professor pesquisador baseado em Londres que se manifestou contra empresas agroquímicas e culturas GM contém vários detalhes profundamente pessoais de sua vida, não relacionados a suas posições sobre culturas ou produtos químicos. O perfil descreve uma esposa que morreu de “complicações relacionadas ao suicídio” após descobrir um caso extraconjugal de seu marido e após uma “luta de 23 anos contra a depressão e a esquizofrenia…”
Um perfil de um proeminente cientista dos EUA repleto de comentários críticos inclui detalhes sobre uma infração de trânsito cometida há 33 anos e os gastos do cientista em contribuições para campanhas políticas, além de um número de telefone pessoal (com um dígito errado) e o antigo endereço residencial do cientista.
Um pesquisador de saúde pediátrica de Indiana que estuda os impactos de agrotóxicos em bebês também é perfilado. As informações listam um endereço residencial, juntamente com o valor aproximado da propriedade, e os nomes e outros detalhes de sua esposa e dois filhos.
Um perfil do ex-escritor de culinária do New York Times Mark Bittman, um crítico da agricultura industrial, tem 2.000 palavras e inclui uma descrição de onde ele mora, detalhes de dois casamentos e hobbies pessoais, além de uma extensa seção de críticas.
“Está cheio de erros e mentiras”, disse Bittman sobre o perfil sobre ele. Ainda assim, ele disse, o fato de ele ser perfilado é muito menos preocupante do que o contexto maior em que o perfil existe.
Bittman disse que era uma “coisa terrível” que o dinheiro dos contribuintes fosse usado para ajudar uma agência de relações públicas a “trabalhar contra esforços sinceros, legítimos e científicos para melhorar a agricultura”.
“O fato de que por mais de um século o governo tem apoiado firmemente a agricultura industrial, tanto direta quanto indiretamente, às custas da agroecologia, é um obstáculo direto em face dos esforços para produzir alimentos nutritivos que sejam universalmente acessíveis, ao mesmo tempo em que minimizam o impacto ambiental. Isso é triste, trágico, malicioso e errado.”
Tanto o Lighthouse Reports quanto um dos autores deste artigo, Carey Gillam, também são apresentados na plataforma.
“Coletar informações pessoais sobre indivíduos que se opõem à indústria vai muito além dos esforços regulares de lobby”, disse Dan Antonowicz, professor associado da Wilfrid Laurier University no Canadá, que pesquisa e dá palestras sobre conduta corporativa. “Há muito com o que se preocupar aqui.”
A CropLife International, o principal grupo de defesa dos agrotóxicos, disse que “analisaria” as questões levantadas neste artigo, depois que repórteres perguntaram sobre as dezenas de funcionários da CropLife ao redor do mundo que estão listados como membros do Bonus Eventus.
Ações em África
v-Fluence e Byrne desenvolveram pessoalmente amplas conexões com autoridades governamentais que ele aconselhou sobre tentativas de introduzir regulamentações de pesticidas fora dos EUA.
Em 2018, Byrne participou de uma reunião com o representante comercial dos EUA para discutir “maneiras concretas e acionáveis de auxiliar” a agência em suas políticas de agrotóxicos. Após a reunião, Byrne foi convidado a se encontrar com o principal negociador comercial agrícola do governo.
Na mesma época, Byrne foi convidado pelo USDA para aconselhar um grupo interinstitucional encarregado de limitar regras internacionais que reduziriam agrotóxicos. Byrne instruiu o grupo sobre os esforços para promulgar regulamentações mais rigorosas de agrotóxicos e se referiu a uma “ameaça politizada” do “movimento agroecológico”.
Uma região importante para o trabalho do v-Fluence tem sido a África.
De acordo com os contratos governamentais, a v-Fluence deveria trabalhar com o programa da USAid para elevar a mensagem de cultivo pró-GM na África e combater oponentes dos GM. Ela se concentrou em particular no Quênia .
Byrne nega que a v-Fluence tenha quaisquer contratos passados ou atuais com o governo dos EUA. Ele disse que os EUA financiam “outras organizações com as quais trabalhamos”, e ao longo de mais de 20 anos “tivemos vários projetos financiados pelos EUA e outros governos”.
A oposição a culturas GM e agrotóxicos tem sido forte no Quênia, onde aproximadamente 40% da população trabalha na agricultura. Trabalhadores rurais quenianos usam muitos pesticidas que são proibidos na Europa e são rotineiramente expostos a esses produtos, frequentemente sem equipamento de proteção adequado ou acesso a assistência médica.
Cerca de 300 indivíduos e organizações africanas, principalmente no Quênia, são retratadas no Bonus Eventus.
O Bonus Eventus lista mais de 30 membros quenianos com acesso à sua rede privada, mais do que qualquer outro país fora da América do Norte. Os membros do Quênia incluem um alto funcionário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca, e um ex-executivo-chefe da National Biosafety Authority.
Como parte de sua campanha no Quênia, Byrne e a v-Fluence se envolveram em esforços para minar uma conferência que seria realizada em Nairóbi em junho de 2019, organizada pelo World Food Preservation Center, uma organização que fornece educação sobre tecnologia agrícola em países em desenvolvimento.
Os palestrantes programados incluíam cientistas cujo trabalho expôs os impactos ambientais e de saúde dos agrotóxicos, e aconteceram no momento em que os legisladores quenianos estavam prestes a iniciar um inquérito parlamentar sobre agrotóxicos perigosos.
Os registros mostram que, no início de fevereiro de 2019, Byrne enviou seu boletim semanal aos membros do Bonus Eventus. O boletim alertou que os palestrantes da próxima conferência incluíam “críticos anticientíficos da agricultura convencional” e que “os materiais promocionais incluem alegações de que OGMs e pesticidas podem causar câncer e outras doenças”. O e-mail mencionou os patrocinadores da conferência e fez um link para o perfil do Bonus Eventus do World Food Preservation Center.
No dia seguinte ao envio do e-mail, membros importantes da rede Bonus Eventus agiram.
Margaret Karembu, uma influente formuladora de políticas quenianas e membro inicial do Bonus Eventus, enviou um alerta por e-mail a um grupo que incluía funcionários do setor agroquímico e autoridades do USDA, muitos dos quais também eram membros do Bonus Eventus.
“[A conferência sobre agrotóxicos] é uma grande preocupação e precisamos criar estratégias”, escreveu Karembu, iniciando longas discussões sobre como eles poderiam “neutralizar a mensagem negativa” da conferência, como descreveu um participante.
Uma pessoa pulveriza agrotóxicos em uma área infestada por bandos de gafanhotos do deserto perto de Lokichar, condado de Turkana, no Quênia, em 2020. Fotografia: Luis Tato/FAO/AFP/Getty Images
Poucos dias depois, os organizadores da conferência receberam e-mails informando que seus financiadores estavam se retirando. O Dr. Martin Fregene, diretor de agricultura e agroindústria do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), escreveu a eles: “Temo que a conferência mencionada acima seja unilateral e envie uma mensagem errada sobre a posição do BAD sobre tecnologias agrícolas aprovadas para uso por órgãos reguladores .”
Na semana seguinte, Byrne enviou um alerta de notícias para sua rede dizendo que o AfDB e outro patrocinador haviam retirado seu apoio à conferência. Mais tarde, ele compartilhou a informação pessoalmente com funcionários selecionados da USAid e do USDA.
Byrne disse que não teve envolvimento na perda de financiamento para a conferência.
“Não tivemos nenhum papel na ‘retirada’ de apoio de nenhum doador a esta conferência”, disse ele.
Nem o USDA nem a USAid responderam a perguntas sobre a conferência.
Um porta-voz do BAD disse que a alta administração do banco tomou a decisão de retirar o financiamento da conferência após ter sido contatada pela Syngenta, que expressou preocupações de que a conferência fosse “unilateral”.
O diretor do Centro Mundial de Preservação de Alimentos, Charles Wilson, ex-cientista pesquisador do USDA, disse que sentiu “forças invisíveis” operando contra a conferência, mas ficou surpreso ao saber os detalhes.
“Ao rotular certos palestrantes como ‘anticientíficos’, esta empresa parece estar tomando emprestado um antigo manual da indústria – para tentar esmagar áreas legítimas de investigação científica antes que elas criem raízes”, disse ele.
Dr. Million Belay, coordenador geral da organização sem fins lucrativos de Uganda Alliance for Food Sovereignty in Africa (AFSA), que estava programado para falar na conferência, disse que as descobertas eram “profundamente preocupantes”, descrevendo-as como uma “tentativa flagrante de silenciar e desacreditar movimentos que defendem a soberania alimentar da África”. O Bonus Eventus criou perfis tanto no Belay quanto no AFSA.
Além de tentar minar a conferência, os associados da v-Fluence e os membros do Bonus Eventus tentaram espalhar alegações controversas sobre pesticidas e tentativas de limitar seu uso.
Em 2020, uma petição para proibir pesticidas perigosos foi reenviada ao parlamento queniano. Ao mesmo tempo, uma série de artigos escritos por membros do Bonus Eventus começou a circular sobre a suposta devastação que a proibição proposta causaria na segurança alimentar do Quênia.
Em fevereiro de 2020, por exemplo, James Wachai Njoroge, que atualmente está listado como conselheiro sênior no site da v-Fluence, publicou um artigo no site European Scientist com o título, A praga anticientífica da Europa desce sobre a África. Ele argumentou: “Ativistas europeus estão colocando vidas em risco na África Oriental, transformando uma praga de insetos em uma perspectiva real de fome generalizada.”
Os artigos de Njoroge foram republicados em vários sites importantes de negação climática, e artigos escritos por membros do Bonus Eventus fazendo as mesmas alegações foram publicados em jornais dos EUA, incluindo o Wall Street Journale o Town Hall.
Hans Dreyer, ex-chefe de proteção de cultivos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, disse que, em sua opinião, os artigos de Njoroge eram “completamente tendenciosos e altamente enganosos” e pareciam tentativas de desencorajar novas regulamentações de pesticidas.
Byrne disse que Njoroge não tinha contrato com a v-Fluence na época e que a empresa “nunca o contratou para produzir conteúdo, publicar artigos ou outras atividades”.
O parlamento queniano ordenou que várias agências governamentais conduzissem uma ampla revisão das regulamentações de agrotóxicos do país, mas o processo estagnou. Mais de 20 agrotóxicos proibidos na Europa continuam sendo usados no Quênia.
“Defenda-se ou seja condenado”
Uma ação judicial nomeando Byrne e v-Fluence como réus junto com a Syngenta foi movida no Missouri por uma mulher e seu filho, Donna e James Evitts, que sofrem de doença de Parkinson e alegam que a doença está relacionada a décadas de uso do herbicida paraquate na fazenda da família.
O processo contém alegações específicas sobre o papel do v-Fluence em esconder os perigos do paraquat, que foi proibido na UE, no Reino Unido, na China e em dezenas de outros países, embora não nos EUA. Houve vários estudos ligandoo paraquat ao Parkinson; um dos mais recentes foi publicado em fevereirono periódico revisado por paresInternational Journal of Epidemiology .
O processo Evitts é um dos milhares de casos movidos por pessoas alegando que desenvolveram Parkinson por usar produtos de paraquat da Syngenta. Originalmente aberto no Missouri, o caso está pendente no tribunal distrital dos EUA para o distrito sul de Illinois, onde milhares de casos de paraquat foram consolidados. O primeiro julgamento de paraquat dos EUA está programado para começar em fevereiro.
O marido de Donna, George Evitts, também tinha Parkinson e morreu em 2007, aos 63 anos. Ele havia pulverizado paraquate em sua fazenda de 1971 até pouco antes de seu diagnóstico e morte, de acordo com o processo.
Donna foi diagnosticada com Parkinson dois anos após a morte do marido. O filho deles, que cresceu na fazenda, foi diagnosticado com a mesma doença em 2014.
Uma plantadeira de 12 fileiras planta algodão e aplica um herbicida pré-emergente. Fotografia: Design Pics Editorial/Universal Images Group/Getty Images
O processo cita registros judiciais lacrados ao alegar que a Syngenta assinou um contrato com a v-Fluence em 2002 para ajudar a empresa a lidar com informações negativas que vieram à tona sobre seus herbicidas de paraquate. O processo alega que a v-Fluence passou a ajudar a Syngenta a criar conteúdo online falso ou enganoso que era “amigável ao paraquate”, usou otimização de mecanismos de busca para suprimir informações negativas sobre o paraquate em pesquisas na internet e investigou as páginas de mídia social de vítimas que relataram ferimentos à linha direta de crise da Syngenta.
De acordo com o processo, Byrne viajou para Bruxelas em setembro de 2003 para se encontrar com executivos da Syngenta, onde eles concordaram em proteger os produtos de paraquate de preocupações crescentes e ações regulatórias. Os participantes da reunião concordaram em adotar uma abordagem de “defender ou ser condenado”, alega o processo.
Um dos supostos trabalhos da v-Fluence era desenvolver um site chamado “Paraquat Information Center” em paraquat.com que carregava uma mensagem tranquilizadora sobre a segurança do paraquat e afirmava que não havia nenhuma ligação científica válida entre o produto químico e o Parkinson. O site tinha vários artigos em destaque incentivando o uso do paraquat, como um intitulado: Por que a África precisa do paraquat.
O site não tinha um logotipo da marca Syngenta como suas outras páginas da web, e operava com um domínio que era separado da Syngenta. Ele só era identificado como afiliado à Syngenta em uma fonte pequena na parte inferior do site. Foi somente neste ano — conforme o litígio contra a empresa se acelerava — que a Syngenta colocou o site sob seu endereço da web da empresa e adicionou seu logotipo ao topo da página, deixando claro que as informações vinham da Syngenta.
Em uma carta enviada pelo advogado de Byrne aos advogados de Evitts como parte do litígio em andamento, o advogado confirmou que a v-Fluence havia trabalhado para a Syngenta por mais de 20 anos, mas disse: “A Syngenta nunca contratou a v-Fluence para realizar qualquer trabalho sobre o paraquate além de monitorar informações publicamente disponíveis, fornecer avaliações de referência de conteúdo e fontes de partes interessadas e fornecer análise contextual suplementar”.
Byrne disse que não responderia a perguntas sobre o litígio pendente, que ele caracterizou amplamente como contendo alegações “fabricadas e falsas”.
Quando solicitada a comentar, a Syngenta negou as alegações feitas no processo e disse que estudos científicos “não apoiam a alegação de uma ligação causal entre a exposição ao paraquat e o desenvolvimento da doença de Parkinson”. A empresa não respondeu a perguntas sobre Bonus Eventus e v-Fluence, dizendo que abordaria essas alegações no tribunal.
O New Lede e o Guardian revelaram anteriormente que a pesquisa interna da Syngenta encontrou efeitos adversos do paraquate no tecido cerebral décadas atrás, mas a empresa escondeu essa informação dos reguladores, trabalhando em vez disso para desacreditar a ciência independente que liga o produto químico a doenças cerebrais e desenvolvendo uma ” equipe Swat ” para combater as críticas.
Em sua resposta às histórias, a Syngenta não comentou sobre essas alegações específicas. Ela afirmou que nenhuma “publicação científica revisada por pares estabeleceu uma conexão causal entre paraquat e doença de Parkinson”.
A década de 2020
A sede do Departamento de Agricultura dos EUA em Washington DC. Fotografia: J David Ake/Getty Images
A v-Fluence tinha novas perspectivas com o governo dos EUA na década de 2020.
Em 2020, o USDA contratou uma “empresa de comunicações estratégicas” chamada White House Writers Group (WHWG) por até US$ 4,9 milhões. Era parte de uma estratégia do USDA para minar o Farm to Fork da Europa, uma política ambiental que visava reduzir o uso de pesticidas em 50% até 2030.
A v-Fluence deveria fornecer serviços de “dados” como parte do contrato do WHWG, que também incluía acesso ao Bonus Eventus, de acordo com registros obtidos do USDA. Os registros não especificam como o dinheiro seria dividido entre as empresas.
O contrato foi planejado para durar até 2025, mas relatórios de gastos públicos sugerem que apenas um pagamento foi feito sob o contrato – de US$ 50.000 para o WHWG. O USDA disse que estava revisando o acordo.
Clark Judge, diretor administrativo do White House Writers Group, disse que sua organização tentou reativar o contrato, sem sucesso. Ele declarou: “Bonus Eventus era, e presumo que ainda seja, uma comunidade online para acadêmicos, jornalistas e afins que compartilham perspectivas e informações sobre tópicos agrícolas.”
Quando questionado sobre as descobertas desta investigação, Byrne disse: “Não há nenhuma atividade antiética, ilegal ou inapropriada de divulgação, lobby ou atividades relacionadas por parte de nossa organização de qualquer tipo.”
Alguns especialistas dizem estar incomodados com a associação do governo dos EUA com a v-Fluence.
“Não acho que a maioria das pessoas perceba o grau de espionagem corporativa e a cumplicidade do USDA com ela”, disse Austin Frerick, que atuou como copresidente do comitê de política antitruste agrícola da campanha de Joe Biden e recentemente escreveu um livrosobre concentração de poder no sistema alimentar. “A coordenação aqui — o fato de o USDA fazer parte disso — é realmente assustadora.”
O Bonus Eventus esteve ativo nos últimos dias.
Cinco dias antes desta história ser publicada, depois que repórteres pediram comentários a Byrne e outros, o portal Bonus Eventus alertou os membros sobre o próximo projeto de reportagem investigativa. Eles forneceram aos membros um artigo descrevendo o projeto como “um desastre ético sem nenhum conceito de integridade jornalística”.
Esta história foi produzida em colaboração com Lighthouse Reports, Africa Uncensored (Quênia), New Lede (EUA), Le Monde (França), The Continent (África do Sul), The New Humanitarian (Suíça), ABC News (Austrália) e The Wire News (Índia)