O relatório técnico da Academia Brasileira de Ciências sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e suas limitações

Imagem de satélite da região da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial da América do Sul — Foto: Landsat/Nasa 

A mídia corporativa e também a alternativa (Aqui!Aqui!Aqui!) estão divulgando um relatório técnico produzido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) intitulado “ Petróleo na Margem Equatorial Brasileira,  ” em que são feitas uma série de considerações sobre a “legitimidade” da exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas nas quais o material produzido por 12 pesquisadores escolhidos pela direção da entidade tecem considerações sobre os riscos envolvidos e apontam que qualquer decisão deve estar amparada por ciência, transparência e salvaguardas ambientais. 

Minha reação inicial após uma leitura inicial do relatório é que faltou na equipe técnica que preparou este relatório, cientistas que estão há mais de uma década realizando pesquisas robustas sobre o chamado Grande Sistema Recifal Amazônico (GARS), abarcando áreas que incluem a ecologia do sistema recifal como, também, em aspectos relacionados à circulação oceânica, e ainda sobre o impacto potencial de derrames de óleo nos bosques de manguezais.  Ao não incluir esse grupo, das quais conheço alguns pesquisadores de alta competência científica, a ABC parece ter se guiado mais por critérios políticos do que científicos, o que, convenhamos, atenta contra o bom nome da instituição. 

Aliás, também notei a ausência do físico e professor da USP, Paulo Artaxo, membro do IPCC, que possui posições contrárias à exploração do petróleo na Foz do Amazonas. Neste caso, faltou oferecer a voz contrária, algo que é crítico para a produção da ciência de excelência que a ABC diz representar.

Além disso, o relatório circunavega (para não dizer omite) as questões de natureza socioambiental que advirão não apenas de eventuais derramamentos de óleo em uma região ecologicamente tão sensível, mas, principalmente, os impactos sociais que se seguirão à instalação da indústria petrolífera. E não falo aqui apenas das estruturas de exploração, mas também das estruturas secundárias que envolverão o transporte, estocagem e apoio.  Assim, os efeitos deletérios sobre pescadores artesanais, comunidades quilombolas e povos indígenas tenderá a ser avassalador, reproduzindo o que já ocorrerá em outras áreas de exploração existentes em outras regiões brasileiras. Cito aqui o exemplo da Baía da Guanabara que foi transformada em uma lixeira química da indústria do petróleo, e onde se trava um feroz disputa por espaço entre pescadores artesanais e a Petrobras e suas subsidiárias.

Mas o que me preocupa mais ainda é o aceno de que a exploração do petróleo na Foz do Amazonas seria “legítimo”, sem que se fale para quem a legitimidade será lucrativo.  Há que se lembrar que no último leilão realizado pela Agência Nacional do Petróleo, 3 petroleiras estrangeiras ficaram com o filé mignon da exploração do petróleo na Foz do Amazonas (i.e., a americana ExxonMobil, a americana Chevron e a chinesa CNPC), sendo que a Petrobras acabou ficando com uma participação minoritária nesse processo todo. Em outras palavras, todo o esforço para abrir a fronteira da Foz do Amazonas terminará beneficiando empresas multinacionais, como, aliás, acaba de ocorrer com a descoberta de um mega campo pela inglêsa BP na camada Pré-Sal na bacia de Santos. Assim, falar em legimitidade sem cotejar quem se beneficiará da destruição que se seguirá à chega da indústria petrolífera naquela região acaba comprometendo qualquer análise séria sobre um problema tão importante.

Finalmente, o principal problema que eu tenho com esse relatório é que o tratamento da contradição existente em propor transição energética com exploração de petróleo em um momento de agravamento da crise climática, inclusive com efeitos dramáticos no funcionamento dos ecossistemas amazõnicos.  Se é para se ter um documento dessa natureza, a bomba climática e social que a exploração do petróleo representa na Foz do Amazonas representa teria que ser tratada de forma mais direta. Afinal, falar em transição energética sem falar na necessidade de transformação imediata e radical da matriz energética acaba sendo uma forma sofisticada de enxugar gelo, ou ainda tentar curar um paciente com câncer nos pulmões oferecendo cigarros sem filtro. E aí, convenhamos, não precisamos dos cientistas da ABC para produzir textos, pois a indústria petrolífera já tem os seus think tanks para fazer isso.

Para as petroleiras tudo, para a ciência nada: perfuração científica da Margem Equatorial é suspensa por falta de financiamento brasileiro

Pesquisa pioneira sobre mudanças climáticas perde apoio essencial para quatro expedições científicas

Um navio grande de casco azul com três plataformas navega em uma paisagem com montanhas ao fundo

Expedição utilizaria o navio Joides Resolution, referência mundial em pesquisas oceânicas – Foto: Divulgação/IODP

Por Jornal da USP

A Margem Equatorial Brasileira é uma região geográfica que vai do extremo norte do Amapá até o litoral do Rio Grande do Norte, abrangendo uma faixa costeira de mais de 2.200 km. Em meio às discussões sobre a exploração petrolífera no local, o projeto de pesquisa oceanográfica Paleoceanography of the Brazilian Equatorial Margin (PBEM-945) foi suspenso indefinidamente por falta da contraparte brasileira no financiamento.

Liderado pelo professor Luigi Jovane, do Instituto Oceanográfico (IO), e aprovado com excelência pelo International Ocean Discovery Program (IODP), o estudo faria parte da primeira expedição 100% brasileira no programa, que conta com participação de cientistas de vários países. “Estas expedições são comparadas a uma viagem à Lua em termos de resultados científicos e tecnológicos”, aponta Jovane.

O IODP é o maior programa internacional de perfuração oceânica, com participação de 25 países. Apresentado em abril de 2019 e aprovado com avaliação “excelente” pelo Scientific Evaluation Panel (SEP), o projeto visa a investigar as mudanças climáticas do Atlântico Equatorial ao longo de 80 milhões de anos, perfurando sedimentos em águas profundas entre as bacias do Ceará e Potiguar.

“Foram apresentadas 15 propostas de perfuração no Atlântico, destas apenas quatro foram aprovadas pelo IODP”, lembra o professor Farid Chemale, coordenador do INCT Atlântico. A expedição utilizaria o navio Joides Resolution, referência mundial em pesquisas oceânicas, com previsão inicial de acontecer entre 2022 e 2024. Segundo ele, “para trazer o navio para o Brasil, o país precisaria desembolsar cerca de US$ 15 milhões para financiar a nossa parte nas quatro expedições”.

Existem apenas dois navios capazes de fazer perfurações científicas em águas profundas. Além do Joides, os chineses também estão construindo um. “Mas ainda está em fase de testes”, diz Chemale, destacando que “se todos os memorandos de entendimento forem assinados com os chineses, se eles aprovarem nossos projetos e tivermos acordo das autoridades brasileiras em tempo recorde, o navio só chegaria ao Brasil em 2027/28.” Isso porque, desde de sua aprovação pelo IODP, as propostas de expedições brasileiras sofreram alguns revezes.

Primeiro, em 2020, o Estado-Maior da Armada da Marinha do Brasil decidiu que não ia liberar perfurações científicas na Margem Equatorial. Depois a Capes decidiu não assinar o acordo com National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, para manter pesquisadores brasileiros nas expedições internacionais. E agora, mesmo com todos os agentes brasileiros tendo aprovado a perfuração (a Marinha e os Ministérios de Minas e Energia e o do Meio Ambiente), a solicitação da equipe de que recursos dos royalties do petróleo fossem disponibilizados para a pesquisa foi negada.

“Precisamos saber o que tem em termos de biodiversidade, os processos de sedimentação envolvidos na formação da Bacia do Amazonas, como o rio se formou e evoluiu nos últimos milhões de anos antes que a exploração do petróleo na área aconteça”, afirma o professor Jovane, lamentando a decisão. “As expedições que ocorreriam este ano são um marco para a ciências oceânicas brasileiras. A suspensão representa um atraso não apenas para a ciência nacional, mas para o entendimento global do clima tropical.”

A equipe busca alternativas de financiamento junto a agências nacionais e internacionais para reativar o projeto. Enquanto isso, cientistas alertam para o risco de o Brasil perder sua posição em programas de pesquisa de ponta.

*Texto adaptado do Centro Oceanográfico de Registros Estratigráficos (Core) do IO


Fonte: Jornal da USP

Com a COP30 se encaminhando para ser um fracasso completo, o que fazer?

Acima de tudo, há que se combater a falácia de que o capitalismo é capaz de resolver os problemas que ele gera a partir de fórmulas que não questionam as suas formas de produção e reprodução

O governador do Pará Helder Barbalho (à esquerda) e Lula, em Belém. Foto: Daleth Oliveira/Revista Cenarium

A realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (a chamada COP30) na cidade de Belém tem sido apresentada como uma espécie de chance do Brasil se posicionar como um dos líderes da necessária transição para um novo modelo de relação societária com os ecossistemas naturais da Terra. 

Pois bem, o problema é que a propaganda em torno da COP30 não resiste a um mínimo de escrutínio em função das opções dominantes do governo Lula para iniciar qualquer coisa que se assemelhe à transição energética necessária para se arrefecer ou, pelo menos, retardar o colapso climático que se desenha em um horizonte cada vez mais carregado e próximo.

A primeira e talvez maior demonstração do descompromisso em nos preparar para o colapso que se avizinha é a insistência em abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo e gás na foz do Rio Amazonas, convenientemente rebatizada de Margem Equatorial. A sugestão de que a renda petrolífera que venha a ser eventualmente obtida com as atividades petrolíferas na foz do Amazonas será em parte utilizada para acelerar a transição energética brasileira equivale à conversa de um bêbado que propõe ingerir mais vodca para alcançar a sobriedade. Basta olhar para o que está acontecendo em outra foz, a do Níger, para entender que a exploração do petróleo raramente traz outra coisa que não seja muita poluição e piora das condições socioambientais em que trabalhadores e camponeses precisam buscar seus meios de sobrevivência.

Mas o discurso pró-ambiente do governo Lula não está patinando apenas na foz do Amazonas, mas em outra região crítica para a contenção da crise climática em que se encontra o último grande bloco de floresta amazônica ainda razoavelmente intacto. Naquela parte da Amazônia, o governo Lula insiste em atender as demandas de latifundiários e empresas multinacionais que controlam a produção de soja ao pavimentar a chamada BR-319, que liga Manaus, capital do estado do Amazonas, a Porto Velho, capital de Rondônia. Se esse projeto se consumar, e nada indica que não o será, o que se verá em poucos anos é a perda de uma grande área de florestas que guarnece um grande estoque de biodiversidade e um gigantesco estoque de água. Várias pesquisas feitas na região da BR-319 já mostram que, mesmo antes da sua pavimentação, há um aumento considerável de estradas ilegalmente construídas que abrem caminho para a exploração madeireira e o grande garimpo ilegal de ouro – mantido por latifundiários e grandes burgueses do ramo às custas do aliciamento de camponeses sem terra.

A realidade é que o presidente Lula nunca foi realmente muito comprometido com a preservação ambiental da Amazônia, em que pese a importância estratégica da região para o equilíbrio ambiental não apenas do Brasil, mas do planeta. Desde seu primeiro mandato como presidente, Lula fez a opção por reforçar o papel brasileiro de supridor de commodities agrícolas e minerais, seguindo uma lógica neocolonial. Discurso pró-ambiente, quando muito, só mesmo em dias de festa.  A verdade é que os compromissos reais sempre estiveram com os “campeões nacionais” como a JBS e a Vale, apenas para começo de conversa, os quais foram abastecidos com várias centenas de bilhões de reais, enquanto a reforma agrária nunca saiu do papel.

Diante desse quadro, o que fazer em face do avanço dos sinais de que estamos nos aproximando de um período de grandes dificuldades causadas pela transição para um clima mais hostil para os seres humanos, mas especialmente para os mais pobres?

A primeira coisa sensata a se fazer será não depositar um grão sequer de expectativa na capacidade da COP30 de gerar as propostas e projetos necessários para nos prepararmos para o que está se aproximando no horizonte.  É que esta será mais uma conferência cujos resultados serão parcos e dominados pelos interesses das grandes corporações multinacionais que são as causadoras primárias das emissões de gases estufa. Ir até Belém para a COP30 não será apenas absurdamente caro, como já se anuncia na elevação exponencial das diárias dos hotéis. Será acima de tudo um desperdício de um tempo que não temos para perder.

Mas negar a efetividade do tipo de arranjo que organiza as negociações das COPs não será suficiente. Há que começar a radicalizar a organização política dos trabalhadores em prol de uma transição não apenas de modelo de consumo, mas essencialmente de organização societária. É preciso que se dissemine o conhecimento sobre a ameaça existencial que se está colocando sobre toda a Humanidade a partir da aceleração do caráter destrutivo que as formas de produção e consumo que caracterizam o sistema capitalista. Acima de tudo, há que se combater a falácia de que o capitalismo é capaz de resolver os problemas que ele gera a partir de fórmulas que não questionam as suas formas de produção e reprodução.

É chegada a hora de se superar as soluções “meia boca” e de aceitar o limiar de praticar política no limite do que é possível. 


Fonte: Jornal A Nova Democracia

Abaixo-Assinado: a Margem Equatorial e suicídio ecológico do Brasil

Este documento coletivo repudia as pressões do governo Lula para perfuração exploratória em busca de petróleo na Foz do Amazonas, atentatória ao patrimônio natural do país, e defende a rápida redução da produção e consumo de combustíveis fósseis, conforme compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Ele está aberto para adesões no link ao final

Em 2024, sofremos um aquecimento médio global superficial, terrestre e marítimo combinados, de 1,55 oC acima do chamado período pré-industrial (1850-1900). Trata-se de um aquecimento sem precedentes na história das civilizações humanas e, provavelmente, nos últimos 125 mil anos. O sistema econômico globalizado movido a combustíveis fósseis e a desmatamento está provocando o início do sexto evento de extinção em massa de espécies nos últimos 445 milhões de anos. Em 2022, o próprio Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) admitiu: “A extensão e magnitude dos impactos das mudanças climáticas são maiores do que as estimadas nas avaliações anteriores”. A aceleração do aquecimento é inequívoca. Demorou quase um século (1920-2015) para o aquecimento atingir 1 oC acima do período 1850-1900. Mas em apenas 10 anos (2015-2024) atingimos 1,55 oC, com um salto de 0,4 oC nos últimos dois anos!

Eis duas certezas científicas que governantes e governados no Brasil não têm mais o direito de ignorar ou desconsiderar: (1) a viabilidade do nosso país requer abandonar os combustíveis fósseis, zerar os incêndios florestais, o desmatamento e as emissões da agropecuária, bem como um esforço de guerra para restaurar a manta vegetal nativa do país, perdida ou degradada nos últimos decênios; (2) cada décimo de grau a mais de aquecimento torna o planeta mais insalubre, mais adverso e mais letal para todos nós, humanos e não humanos.

Não podemos tampouco ignorar uma terceira certeza científica: o Brasil é um país extremamente vulnerável à emergência climática. Lar de uma riqueza biológica sem igual, em seu território situa-se a maior parte da maior floresta tropical do planeta. Ocorre que desde 1970 extensões imensas da área original da floresta amazônica já foram destruídas sobretudo pelo agronegócio: 37% de sua parte leste e pelo menos 21% da floresta como um todo no território brasileiro. Mais de 50% da área do Cerrado e 43% da Caatinga já não existem mais. E boa parte do que ainda resta dessas florestas já foi degradada pela atividade agropecuária. Mantida a trajetória atual, boa parte da região equatorial brasileira se tornará inabitável antes do final do século.

Nossas florestas são fontes de estabilidade do clima, de proteção da biodiversidade, de água e de refrigeração da atmosfera. O desmatamento acelera o aquecimento e ambos perturbam gravemente os ciclos hidrológicos do país, intensificando as secas. Na Amazônia, secas que aconteceriam a cada cem anos repetiram-se com intensidade crescente em 2005, 2010, 2015-2016 e 2023-2024, ameaçando a resiliência da floresta. As secas estão expandindo a área do semiárido no Nordeste e já fizeram surgir uma primeira zona árida, em um rápido processo de desertificação. Aquecimento e perda florestal combinados geram também chuvas intensas e inundações catastróficas. Em 2011, as chuvas na região serrana do Rio de Janeiro provocaram deslizamentos de terra classificados pela ONU como o 8º maior deslizamento mundial dos últimos 100 anos. Em 2022 e 2023, inundações devastaram Petrópolis, Recife e o litoral norte de São Paulo. Em 2024, as inundações no Rio Grande do Sul foram sem precedentes. Além disso, a elevação do nível dos oceanos já está afetando os 279 municípios brasileiros defrontantes com o mar, 12 dos quais capitais de estado. No Rio, o nível do mar se elevou 13 cm entre 1990 e 2020 e pode se elevar mais 21 cm até 2050. Em Santos, essa elevação pode ser de até 27 cm até 2050. O IPCC avalia que Recife ocupa a 16ª posição no ranking mundial das cidades mais vulneráveis às mudanças climáticas. Segundo a Confederação Nacional de Municípios, 94% dos municípios brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade pública entre 2013 e 2024.

E eis uma quarta certeza científica: estamos no início da curva ascendente desses impactos. Contê-los em níveis compatíveis com nossa capacidade de adaptação deve ser, portanto, nossa prioridade absoluta. O consumo dos combustíveis fósseis já explorados atualmente implicará aumento de 40% das emissões de gases de efeito estufa até 2050. Iniciar novas explorações desses combustíveis gerará ainda maior aquecimento. Além disso, explorar petróleo justamente na foz do Amazonas é algo que atinge as raias da estupidez! Ali estão as maiores áreas de manguezais do mundo e enorme riqueza de recifes de corais (mais especificamente, recifes de rodolitos, igualmente agregadores de biodiversidade), de peixes, mamíferos marinhos e aves migratórias. Mensurações aéreas realizadas pelo Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE mostraram enorme absorção de CO2 atmosférico pelo fitoplâncton que se concentra nessa região, alimentado pelos sedimentos trazidos pelo grande rio. O fitoplâncton é nosso aliado na contenção do aquecimento!

O IBAMA classificou a exploração de petróleo nessa região como de “risco máximo”, com 18 impactos negativos, quatro dos quais de alta magnitude. Fortíssimas correntes marítimas nessa região aumentam o risco de vazamentos de petróleo e tornam impossível limitar a tempo a destruição da vida marinha, dos litorais e dos corais que apenas ali existem. Em apoio ao IBAMA, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA) enviou ao presidente Lula uma mensagem clara: “O IBAMA é um órgão de Estado, cuja missão é a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais do Brasil”. Atropelar o IBAMA, inaugurar termoelétricas a gás “natural” fóssil em série ou dizer que mais petróleo pode viabilizar a “transição energética” é inaceitável. E é puro cinismo. Um documento do Ministério das Minas e Energia (2023) revela as reais ambições do governo: “O Brasil produz, atualmente, três milhões de barris de petróleo por dia. A expectativa é de que este número chegue a 5,4 milhões até 2029, com expectativa de se tornar o 4º maior produtor de petróleo do mundo – com 80% destes recursos vindos do pré-sal”.

Mais petróleo, na Amazônia ou alhures, é o caminho mais curto para nosso suicídio ecológico. Em emissões acumuladas desde 1850, o Brasil é o quarto país mais emissor de gases de efeito estufa no mundo, sobretudo por causa da destruição de nossas florestas. Em emissões atuais é o sexto. Estamos, em todo o caso, entre as maiores vítimas globais dessas emissões. Liderar a COP30 em Belém requer sair da OPEP+ e reduzir em 92% nossas emissões até 2035 em relação aos níveis de 2005, como propõe o Observatório do Clima, de modo a atingir emissões líquidas zero até 2040, como, de resto, o próprio presidente Lula defendeu na última reunião do G20. Não queremos e não podemos arcar com as consequências fatais de concepções anacrônicas e anticientíficas que ainda associam petróleo a desenvolvimento. O que está em jogo é a perda de habitabilidade de latitudes crescentes do Brasil e do planeta como um todo.

Tanto em termos biológicos quanto em termos civilizacionais, o Brasil é um país megadiverso e tem plenas condições de oferecer desenvolvimento social genuíno a todos, desde que não se torne um Petroestado. É inadiável entender que desenvolvimento genuíno nada tem a ver com crescimento do PIB ou aumento do consumo energético, especialmente de combustíveis fósseis, os quais, como a ciência demonstra há mais de meio século, estão condenando o planeta a um colapso climático potencialmente irreversível.

Endossam esse documento, inicialmente, os nomes abaixo listados em ordem alfabética. Se quiser apoiá-lo, clique no link: https://chng.it/Lmr62WFMxV

Adilson Vieira. Sociólogo. Coordenação da Rede de Trabalho Amazônico, Conselheiro do Fundo Amazônia
Dom Adolfo Zon Pereira, Bispo de Alto Solimões (AM)
Dom Adriano Ciocca, Bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT)
Alcidema Magalhães, Professora da UFPA e Coordenadora do Programa de Pós-graduação de Geografia
Alexandre Araújo Costa, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.
Alice Gabino, Coordenadora do Movimento Amazônia na Rua (PE)
Allan Coelho, Teólogo e Professor Universitário
Ana Laura Oliveira, Coordenadora da Rede Emancipa de Educação Popular 
Ana Paula Santos, Diretora de Universidades Públicas da UNE
Antonia Cariongo, liderança do Quilombo Cariongo (Santa Rita/MA)
Antonio Donato Nobre, Professor do Programa de Doutorado em Ciência do Sistema Terrestre do INPE
Bruno Magalhães, Coordenador da Rede Emancipa de Educação Popular
Camila Valadão, Deputada estadual (PSOL-ES)
Carlos Bocuhy, Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM)
Carlos Minc, ex-Ministro do Meio Ambiente
Carlos Nobre, Instituto de Estudos Avançados (USP), membro da Academia Brasileira de Ciências
Chico Whitaker, “Prêmio Nobel Alternativo” da Right Livewood Award, conferido pelo Parlamento Sueco
Claudio Angelo, Jornalista
Clóvis Cavalcanti, Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco)
Coletivo 660
Christiane Neme Campos, Professora Associada, Depto. de Teoria da Computação, Instituto de Computação, Unicamp
Cristina Serra, Jornalista e escritora
Daniel Seidel, secretário executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP)
Pe. Dario Bossi, Assessor da CNBB
Déborah Danowski, Professora Emérita da PUC-Rio e pesquisadora do CNPq
Dinamam Tuxá, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e APOINME
Eduardo Viveiros de Castro, Antropólogo, Professor Titular da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Ciências
Emília Wanda Rutkowski, Professora Titular, FECFAU, Unicamp
Dom Erwin Krautler, Bispo emérito do Xingu
Fernanda Melchionna, Deputada Federal (PSOL)
Dom Flávio Giovenale, Bispo de Cruzeiro do Sul (AC)
Francisco Cardoso Guedes Neto, Secretaria de Estado de Educação (RJ) e Secretaria Municipal de Educação (RJ)
Gabriel “Biologia”, Vereador (PSOL Fortaleza), biólogo e mestre em ecologia 
Gabriela Castellano, Professora do Instituto de Física Gleb Wataghin, Unicamp
Dom Gabriele Marchesi, Bispo de Floresta (PE)
Dom Gilberto Pastana, Presidente da Comissão para a Amazônia da CNBB e Arcebispo de São Luís (MA)
Dom Giovane Pereira de Melo, Bispo de Araguaína (TO)
Dom Guilherme Antônio Werlang, Bispo de Lages (SC)
Gustavo Goulart Moreira Moura, Professor do curso de Oceanografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará
Helena Falkenberg Marques, Jovens pelo Clima (DF)
Heloise Rocha, Grupo Consciência Indígena (GCI) e Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Pará (SINTEPP)
Jackson Pinheiro, Professor da Faculdade de Biologia da UFPA 
Janaína Uemura, Ação Educativa, Coletivo 660
João Pedro de Paula, Diretor de Assistência Estudantil da UNE
José Abílio Barros Ohana, biólogo, Casa Amazônia
Jorge Abrahão, Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis
José Acácio de Barros, San Francisco State University, Membro correspondente da Academia Brasileira de Filosofia
José Correa Leite, Professor Universitário, Assembleia Mundial da Amazônia (AMA)
José Eustáquio Diniz Alves, Pesquisador aposentado do IBGE
Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, Bispo do Marajó (PA)
Dom José Luís Ferreira Salles, Bispo de Pesqueira (PB)
Juliane Cintra, Ação Educativa, Coletivo 660
Jussara Marques de Miranda, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa, Bispo de Colatina (ES)
Liszt Vieira, Advogado e sociólogo, membro do Conselho da Associação Terrazul
Lourenço Queiroz Capriglione – Mestre em Meio Ambiente, comunicador climático e militante do PSOL
Luana Alves, Vereadora (PSOL São Paulo) 
Lucia Mendes, Coordenadora do Fórum em Defesa das Águas, do Meio Ambiente e do Clima (DF) 
Luciana Gatti, Coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE
Luciana Genro, Deputada Estadual (PSOL-RS)
Dom Lúcio Nicoletto, Bispo de São Félix do Araguaia (MT)
Dom Luiz Fernando Lisboa, Bispo de Cachoeiro de Itapemirim (ES)
Dom Luiz Gonzaga Fechio, Bispo de Amparo (SP)
Luiz Marques, Professor aposentado colaborador do Depto. de História da Unicamp
Maike Kumaruara, Grupo Consciência Indígena (GCI) e Movimento Negro Unificado (MNU)
Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio (PR)
Manuela Carneiro da Cunha, Antropóloga 
Márcio Wagner – Professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da UFPA
Maria Inês Ladeira, Antropóloga, Centro de Trabalho Indigenista 
Mariana Conti, Vereadora (PSOL Campinas)
Mariana Riscali, Diretora Executiva Fundação Lauro Campos e Marielle Franco 
Marijane Lisboa, Professora da PUC-SP
Mary Caroline Ribeiro – Coordenadora Geral do Sindtifes-PA e Diretora da Fasubra.
Mauri Cruz, Instituto de Direitos Humanos (IDhES)
Mauro William Barbosa de Almeida, Antropólogo 
Max Costa, Doutorando NAEA/UFPA, Coordenador da Casa Amazônia e editor da Revista Socioambiental Jatobá
Michael Löwy, Diretor de Pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, Paris
Moema Miranda, Sinfrajupe, Assessora da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB
Mônica Seixas, Deputada estadual (PSOL-SP)
Nadia Farage, Antropóloga, Professora aposentada da Unicamp
Oded Grajew, Presidente emérito do Instituto Ethos
Patrícia Valim, Professora Universidade Federal da Bahia (UFBA)/RBMC/Manifesto Coletivo
Paulino Montejo, Assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)
Paulo Santilli, Antropólogo, Professor aposentado da Unesp 
Dom Pedro Brito Guimarães, Arcebispo de Palmas (TO)
Pedro Ivo Batista, Coordenação Nacional do FBOMS e Conselheiro do Conama
Frei Pedro Nelto Alves Lima, OFM, Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)
Professor Josemar, Deputado Estadual (PSOL-RJ)
Dom Raimundo Vanthuy Neto, Bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM)
Dom Reginaldo Andrietta, Bispo de Jales (SP)
Regio dos Santos Gomes, Chefe de Serviço do Instituto de Radioproteção e Dosimetria
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM, Rede Igrejas e Mineração
Dom Roque Paloschi, Bispo de Porto Velho (RO)
Renata Moara, Diretora de Meio Ambiente da UNE 
Renato Cunha, Coordenador Executivo do Gambá, Grupo Ambientalista da Bahia
Ricardo Dahab, Professor Titular, Depto. de Teoria da Computação, Instituto de Computação, Unicamp 
Ricardo Galvão, Membro da Academia Brasileira de Ciências, ex-diretor do INPE, presidente do CNPq
Roberto Robaina, Vereador (PSOL Porto Alegre) 
Rosa Baptista, coordenadora geral do DCE USP
Rubens Harry Born, Engenheiro, advogado ambientalista, diretor da Fundação Esquel, conselheiro do CONAMA 
Ruth Almeida – Professora do Instituto Socioambiental e dos Recursos Hídricos da Ufra
Sabine Pompeia, Professora do Depto. de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, Unifesp
Salete Valesan, Coletivo 660
Sâmia Bomfim, Deputada Federal (PSOL)
Sérgio Haddad, Professor aposentado, coordenador de projetos especiais da Ação Educativa
Sheila Vilhena, Professora da Faculdade de Biologia da UFPA
Sila Mesquita Apurinã, Teóloga, Filósofa e Coordenadora Nacional da Rede de Trabalho Amazônico (RGTA)
Simone Romero, Vice-presidenta do Sindicato dos Jornalistas do Pará 
Stella Araujo Sette, Coletivo 660
Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, ex-Presidente do IBAMA
Thalita Veronica Gonçalves e Silva, Defensora Pública do Estado de São Paulo (DPESP)
Dom Vicente Ferreira, Presidente da Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB.
Vivi Reis, Vereadora (PSOL Belém)
Vladimir Safatle, Professor do Depto. de Filosofia da USP
Dom Zenildo Lima da Silva, Bispo auxiliar de Manaus (AM)


Fonte: Fórum21

Mudanças climáticas, exploração de petróleo na Foz do Amazonas e o PIB: as sinapses que faltam

Por Marijane Vieira Lisboa,  Tomás Tarquinio Togni e Jean Marc von der Weid para o “68naluta”

Crescem as pressões para que o IBAMA conceda licença para a pesquisa sobre o petróleo na Foz do Amazonas. Lula pressiona Marina, dizendo que certamente não é ela quem está criando problemas (leia-se, é o Rodrigo Agostinho do Ibama?); Marina rebate a bola dizendo que não tem nada a ver com uma decisão a respeito, já que o licenciamento é um ato técnico  e o Lula volta a afirmar que o Brasil quer explorar o petróleo e uma das razões para isso é financiar a transição energética. Outros argumentos esgrimidos pela turma dos “dedos sujos de petróleo” é o esperado aumento do PIB e a provável falta de petróleo daqui há dez anos quando nossas reservas se esgotarem.

Tudo muito estranho, porquê:

1.Abrir novas fontes de exploração de petróleo, inclusive as da Margem Equatorial, não são decisões técnicas, mas decisões transcendentais na área de política ambiental. Ou caminhamos para uma política de abandono das fontes fósseis – carvão, petróleo e gás – ou insistimos no rumo suicida da catástrofe climática. A Agência Internacional de Energia afirma que o Planeta não deveria abrir nenhuma nova exploração de energias fósseis se quiser manter a elevação da temperatura média até 2º. Assim, não há porque a ministra Marina dizer que não tem nada a ver com isso, aliás foi ela quem quis acrescentar ao nome do Ministério de Meio Ambiente a expressão “Mudanças Climáticas”. Se formos explorar petróleo na Margem Equatorial, escolhemos o rumo suicida e ela terá sido responsável por isso, por omissão.

2. Não precisamos  explorar petróleo para financiar a transição energética. Energia eólica, solar, eficiência energética e outras soluções são bem mais baratas do que abrir novos poços, plataformas marítimas e construir a infraestrutura necessária para isso. Eventuais rendas do petróleo extraído na Margem Equatorial só começariam a fluir daqui uns dez anos, quando, aliás, será bastante tarde para tocar um programa de transição energética.

3. O argumento de que precisamos de explorar o petróleo para aumentar o PIB também não se sustenta porque aumentos de PIB não significam automaticamente melhora da qualidade de vida de um país ou região. Tudo depende de para quem vai e como um Estado distribui a riqueza que ele arrecada. A exploração do Pré-Sal não fez do Estado do Rio de Janeiro uma região mais desenvolvida, com melhores escolas, saúde e moradia. Mas certamente mais poluída, custo de vida e moradias mais caras e até maior criminalidade. Se vamos gastar dinheiro para construir plataformas, estradas, portos, oleodutos para explorar petróleo, melhor construir escolas, hospitais, avançar no saneamento, pagar salários melhores a professores, assistentes sociais e médicos. O PIB aumentará igualmente, mas irá diretamente para os bolsos da população em vez de se perder por aqueles meandros que conhecemos.

4. Finalmente, se o problema é o temor de ficarmos sem petróleo daqui a dez anos, melhor guardar o que temos em vez de exportá-lo, pois o petróleo tem sido uma das principais commodities da nossa pauta de exportação, além da soja, do ferro e da carne.

Assim, à falta de sinapses para justificar a abertura de novos poços de petróleo justamente quando o governo Lula diz reconhecer que estamos enfrentando uma emergência climática, não há porque não desconfiar de outros motivos ocultos para tal. Obras tem impacto a curto prazo, gerando um fluxo de dinheiro que alimenta campanhas eleitorais, emendas parlamentares e outras coisas menos confessáveis. Não é à toa que Alcolumbre é um dos maiores interessados nesse assunto.

Não, Marina, explorar a Margem Equatorial não é apenas uma decisão técnica. Antes do licenciamento, há uma decisão sobre a política brasileira de enfrentamento das Mudanças Climáticas que precisa ser tomada. Diga a que você veio.

Não, Lula, o Brasil não quer explorar a Margem Equatorial. Não fale em nosso nome. Isso não estava no seu programa eleitoral e você não nos consultou.

Marijane Vieira Lisboa é Socióloga, ambientalista, Professora da PUC-SP,  Tomás Tarquinio Togni e Antropólogo, ambientalista, e Jean Marc von der Weid é Ex-presidente da UNE entre 1969 e 1971,  Fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) em 1983,  Membro do CONDRAF/MDA entre 2004 e 2016 e Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta


Fonte: 68naluta

Com seu ataque ao Ibama, Lula chancela que a COP30 será (mais uma) COP das petroleiras

O ataque de nervos do presidente Lula em relação à cuidadosa análise técnica que os técnicos do Ibama estão realizando no processo de licenciamento ambiental feito a pedido da Petrobras já garante pelo menos uma coisa sobre a  30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) que deverá ser realizada na cidade de Belém entre os dias 10 e 21 de novembro: esta será mais uma COP que será controlada pelas empresas de petróleo, com a benção direta do presidente do Brasil.

Ao atacar a capacidade técnica dos servidores do Ibama porque estão fazendo o que deveriam estar fazendo e somar a isso um discurso claramente pró-combustíveis fósseis, o presidente Lula faz claramente o jogo das grandes multinacionais que hoje controlam a exploração da camada Pré-Sal. E, pior, usa a Petrobras como uma espécie de espantalho nacionalista que visa pressionar os servidores do Ibama para não fazerem corretamente o seu trabalho.

Além disso, Lula tenta disfarçar seu compromisso com a continuidade da exploração do petróleo, seja onde for, com o discurso de que o óleo e gás que saírem dos eventuais poços instalados na Margem Equatorial irá financiar a transição energética brasileira. Esse é um discurso que não resiste a um exame mínimo de realidade.  A verdade nua e crua é que Lula acredita piamente na continuidade da exploração do petróleo como fonte de geração de crescimento econômico, independente dos danos ambientais e sociais que isso causa.

Assim, aos que já perceberam que beiramos o colapso climático e que vivemos as evidências disso a partir de temperaturas cada vez mais altas, o melhor a fazer é não cair na ideia de que algo de positivo saíra da COP30. O máximo que vai acontecer é a produção de mais documentos protelatórios, enquanto se assista ao circo literalmente pegando fogo.

E o que fazer então? Eu diria é que precisamos concentrar esforços na produção de uma massa crítica que seja capaz de explicar a gravidade do momento a quem mais tem a perder com as mudanças drásticas no clima da Terra.

E Lula no meio disso tudo? Ele certamente fará algum discurso bonito na abertura da COP30, mas que terá o mesmo valor de uma nota de 2 dólares.

O Brasil sob o Lula III: uma economia fóssil e fortemente (agro) tóxica

Quem ouviu o discurso da terceira posse do presidente Lula ficou com a impressão que haveria algum nível de ruptura com o período de Jair Bolsonaro, fosse na pauta de costumes ou na ancoragem da economia brasileira. Passados pouco mais de dois anos, aquele discurso jaz abandonado nas práticas e costumes das ações práticas do governo Lula.

E, pior, o que se vê é o reforço do apoio às ações do latifúndio agro-exportador e sua agricultura envenenada, e ainda pressões explícitas para o avanço das explorações petrolíferas na região da foz do Rio Amazonas, uma área tão biodiversa quanto perigosa para a instalação das estruturas que tratam da extração de petróleo e gás.

Pouca gente nota, mas no Lula III até o discurso neodesenvolvimentista foi jogado para escanteio, e ninguém no atual governo faz sequer menção à ideia de que precisamos desenvolver o Brasil e não simplesmente correr atrás de superávits na balança comercial.  Vivemos uma época de realismo trágico, pois o que parece importar mesmo é garantir que Lula III vire Lula IV, sem que isso nos ofereça qualquer janela para um futuro menos poluído, quente e catastrófico como se antevê com o aprofundamento da crise sociambiental que as mudanças no clima da Terra estão trazendo.

O presidente Lula sequer nos aponta para o simulacro de utopia que seu discurso de posse sinalizou. Lula agora é uma versão garoto-propaganda da economia fóssil que se cala com os crimes cometidos contra os povos originários que são a nossa última barreira de defesa contra a perda das florestas tropicais. Há ainda que se lembrar que ao insistir na pavimentação da BR-319, Lula fornece a justificativa ideológica que todos os tipos de aventureiros existentes na Amazônia avancem de forma decidida para destruir o último grande bloco de reservas relativamente intacto que ainda escapou da sanha devastadora dos desmatadores. Mais ainda, fornece uma via de acesso fácil para que a destruição se espalhe, em que pesem todas as evidências científicas do que a destruição da floresta amazônica traz para o Brasil.

Curiosamente quem se arrisca a falar o óbvio sobre as ações práticas do Lula III ainda corre o risco da demissão sumária como foi o caso do economista David Deccache que foi demitido do posto de assessor da bancada federal do PSOL por ousar criticar o viés neoliberal do ministro Fernando Haddad.  Esse caso é uma expressão de como a visão fóssil e (agro) tóxica está enraizada na esquerda institucional que parece ter capitulado sem nenhuma vergonha a um modelo econômico que apenas reforça as profundas desigualdades historicamente existentes no Brasil.

Mas em meio a essa situação tão desafiadora é preciso dizer que não há tempo para lamentações. As tarefas postas pela perpetuação pela economia fóssil e (agro) tóxica precisam ser enfrentadas de forma urgente, até porque esse modelo é garantia de que continuaremos caminhando para um cenário climático catastrófico para a classe trabalhadora brasileira.  É preciso informar, dialogar e mobilizar todas as forças sociais que se opõe ao modelo neoliberal que controla o Estado brasileiro neste momento, independente de quem esteja no controle da máquina federal.  A verdade é que as consequências para a inação são fortes demais para que deixemos tudo como está, como se não houvesse outra saída. A verdade é que as saídas existem, mas não será com a continuidade de Lula como garantidor de um futuro melhor que isso vai acontecer. E quanto antes entendermos isso, mais fácil será iniciar a construção dos instrumentos que a crise social e climático nos demanda nesta conjuntura histórica.

Ah, sim, quando acenarem com o espantalho da extrema-direita, lembrem que tanto Hugo Motta quanto David Alcolumbre foram eleitos por uma aliança cada vez mais corriqueira entre o PT de Lula com o PL de Jair Bolsonaro.

A Margem Equatorial Brasileira e o falso dilema entre preservação ambiental e exploração econômica, e o papel das ciências do Mar

28JAN_M+T_IMG_0442Detalhe do sistema de recife de coral da Foz do Amazonas. Foto: Ronaldo Francini Filho/Greenpeace

Por Carlos Eduardo de Rezende*

Na semana que passou, precisamente no dia 31 de maio de 2023, fui convidado para falar na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal em uma audiência pública sobre a exploração de petróleo na Bacia Sedimentar do Amazonas (ou Foz do Amazonas). Neste dia representei a rede de pesquisadores que compõem o Programa Ecológico de Longa Duração do Grande Sistema Recifal Amazônico (PELD GARS- CNPq) coordenado pelo Nils Edvin Asp Neto (PQ* I D do CNPq) e que faço parte como Vice-Coordenador. Como somos um grupo multidisciplinar, representei vários cientistas, a saber: Ronaldo Francini-Filho (PQ* I D do CNPq), Eduardo Siegle (PQ* I C do CNPq), Claudia Omachi e Michel Mahiques (PQ* I A do CNPq) todos da USP, e, Cristiane Thompson (PQ* I D do CNPq) e Fabiano Thomspson da UFRJ (PQ* I A do CNPq), (Figura 1).

equipeFigura 1: Equipe de Pesquisadores

Nesta audiência tivemos representações do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climática, Secretários Estaduais de Meio Ambiente dos estados do Amapá e Pará, da Federação Única dos Petroleiros, Instituto Brasileiro de Petróleo, Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, do Ministério de Minas e Energia, Petrobras e Observatório do Clima.

O debate público que vem sendo conduzido por algumas autoridades políticas tem sido realizado de forma enviesada, pois o plano de governo apresentado por Luiz Inácio Lula da Silva tinha o compromisso de cumprir, de fato, as metas de redução de emissões de dióxido de carbono que o país assumiu na Conferência de 2015, em Paris. Além desta meta, este governo se comprometeu com a transição energética e a expansão das fontes de energia limpa e renovável.

O discurso de Lula na COP27, pouco antes da posse presidencial, reafirmou seu compromisso no combate à crise climática e a escolha de Marina Silva, que possui uma longa trajetória de luta pela conservação da Amazônia, trouxe a esperança e alívio diante da catástrofe que foram os últimos anos na Política Ambiental Brasileira. A mudança do nome do ministério para Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, consolidou o caminho para o governo brasileiro voltar a focar na sustentabilidade ambiental, na conservação da biodiversidade e no combate à emergência climática.

O motivo da Audiência Pública foi a solicitação da exploração do Bloco FZA-M-59 que passou por algumas empresas até chegar as mãos da PETROBRAS. O IBAMA fez um parecer técnico extremamente detalhado apontando as lacunas desde o início do processo em 2013 até 2018, e a partir de 2019 transfere a operação para a empresa PETROBRAS.

O IBAMA apontou inúmeras lacunas no processo de licenciamento e nosso grupo aponta para inúmeras falhas na modelagem como ausência das ondas geradas pelos fortes ventos da região que podem levar o óleo para as regiões costeiras em caso de algum vazamento (agudo ou crônico). Outro problema no modelo é a resolução da grade espacial de 7 km que não reconhece as feições costeiras tais como estuários e manguezais que apresentam uma elevada sensibilidade (mais de 80% da área com sensibilidade máxima) identificadas pelas cartas de sensibilidade os derrames de óleo para toda região (cartas SAO).

Neste ponto, ressaltamos a importância da região que possui a maior área contínua de manguezais do país e a segunda do planeta. Os manguezais e estuários possuem uma relevância ecológica e social que tem sido negligenciada durante esta e outras discussões envolvendo o licenciamento de atividades industriais no Brasil. Ignoram que a bioeconomia representa grande importância para as populações tradicionais da região (ex.: a cadeia da pesca do Pargo no Município de Bragança movimenta 100 milhões por ano) e para o país (ex.: produtos naturais marinhos como biofármacos). A região costeira dos estados do Amapá e Pará possuem espaços territoriais protegidos (ex.: Unidades de Proteção Integral e Uso Sustentável, Terras Indígenas e Território Quilombola) e foram negligenciados nos estudos de licenciamento.

Outro ponto que chama atenção é a mudança de posição de alguns políticos que defendiam pautas ambientais e compromissos internacionais e agora afirmam que a exploração e produção do petróleo seriam a grande solução para todas as dificuldades sociais enfrentadas na região, ignorando totalmente as questões ambientais, como se não tivéssemos nenhum risco. Aliás, é importante recordar que a Petrobras teve várias licenças de exploração aprovadas recentemente pelo IBAMA e, portanto, não é uma indisposição do órgão das demandas da empresa. A Petrobras tem experiência anterior na região e sabe que não é uma situação como em outras regiões onde vem operando como na Bacia de Campos e Santos. Na região Amazônica, em 95 poços perfurados no passado, em áreas rasas da Plataforma Continental até 1000 m de profundidade, 27 poços foram abandonados por acidentes mecânicos, 54 sem indícios de óleo e 14 abandonados por logísticas exploratórias. Essas informações, da própria ANP, ressaltam as dificuldades operacionais e mesmo com todas as limitações do modelo, em caso de acidente, a exploração nesta região mais profunda (~ 2800 m) o óleo atingiria rapidamente áreas costeiras internacionais da Guiana Francesa, Suriname, Guiana e chegando até outros países no sul do Caribe.

Ainda sobre a região, a Plataforma Amazônica abriga um extenso sistema de recifes mesofóticos, que são pouco conhecidos e sensíveis: o Grande Sistema Recifal da Amazônia (Francini-Filho et al, 2018; Moura et al, 2016). Os Estudos de Impacto Ambiental realizado pelas empresas não são consistentes e o negacionismo científico junto com notícias falsas estão sendo espalhadas para convencer as partes interessadas sobre os possíveis benefícios econômicos da exploração do petróleo na Margem Equatorial brasileira (Banha et al, 2022). Esse sistema recifal está interconectado com a Floresta Amazônica, estuários e manguezais da região, formando um “megabioma” de extrema importância para milhares de comunidades tradicionais e indígenas locais.

Concluindo, nesta Década das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável, seria importante que nosso congresso estivesse discutindo ações baseadas no conhecimento científico e respeitando os órgãos governamentais responsáveis pelas políticas ambientais que são fundamentais para a credibilidade da política nacional. Toda esta discussão que envolve este falso dilema, mostra o grande descompasso do investimento nas Ciências do Mar Brasileira, pois enquanto a Petrobras detém tecnologia para exploração em águas profundas e ultraprofundas, as ciências marinhas não possuem condições necessárias para estudar a tão conclamada Amazônia Azul embora possua cientistas altamente qualificados.

Observação: PQ significa pesquisador de Produtividade Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

Referências

Banha et al (2022) The Great Amazon Reef System: A fact. 10.3389/fmars.2022.1088956

Francini-Filho et al (2018) Perspectives on the Great Amazon Reef: Extension, Biodiversity, and Threats. 10.3389/fmars.2018.00142

Moura et al (2016) Na extensive reef system at the Amazon River mouth. 10.1126/sciadv.1501252


Carlos Eduardo de Rezende é professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, e Bolsista de Produtividade 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)