O assassinato de Marielle e Anderson: o início do fim ou o fim do início?

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Dizem conhecidos meus que labutam nas forças de segurança pública, que quando se inaugura uma investigação policial, basta responder às seguintes perguntas:  O quê, quem, quando, onde, como, por quê e tem testemunhas?

O trabalho policial se resume a isso, ou melhor, é tudo isso, porque não é pouca coisa estabelecer as respostas a tais quesitos, de forma a oferecer ao Ministério Público a robustez de provas (ou indícios) para a propositura de uma ação penal.

O relatório do caso Marielle, com suas quatrocentas e tantas páginas, não responde a uma pergunta sequer.  As respostas trazidas aos autos pela Polícia Federal (PF) já estavam no trabalho da Polícia Civil do Rio de Janeiro, isto é, os executores, a arma do crime, o veículo.

Todo o resto são ilações, e é bom que se diga, algumas corretas, do ponto de vista sociológico, antropológico e da ciência política.  No entanto, a respeito das provas necessárias para “encerrar o caso”, como foi dito pelo Ministro da Justiça, ombreado pelo Diretor Geral da PF, é possível afirmar que não existem.

Não bastassem tais lacunas, há contradições graves, senão: ora, como imaginar que o grupo de mandantes teria contratado um delegado, feito dele chefe de polícia, e ele ter prendido justamente o executor do crime, e a delação deste executor tenha se transformado na pièce de résistance de toda a investigação?

Ao mesmo tempo, como aceitar a tese de que este delegado tenha orientado a execução e local do crime para afastar a presunção de delito político (aquela história louca de que ele mandou evitar a morte perto da Câmara), se desde a mais tenra hora, o modus operandi indicado (ou planejado) por ele, supostamente, deixou tal impressão mais que evidente, isto é, de que se tratava de uma execução com motivos não passionais ou patrimoniais?

Outra coisa engraçada: ora, se o Chefe de Polícia estava na lista de pagamento dos grupos organizados do crime no Rio, e se inclusive essa lealdade o levaram ao posto mais alto na hierarquia da corporação, como dizer que a esposa do Chefe de Polícia passou a movimentar mais dinheiro após a morte da vereadora?

Todo mundo sabe que nesse meio, quando já há um pagamento regular, e quando há um favor do tamanho da indicação ao posto de Chefe de Polícia, as contrapartidas estão inclusas no pacote, sem extras.

Supor que o Chefe de Polícia usou a conta da esposa para lavar dinheiro obtido com propinas por ter planejado a morte da vereadora é de rolar de rir.  O cara que planejou o crime do século, que manteve tudo em segredo por 06 anos, lavou dinheiro na conta da esposa? Como assim?

Podem haver outras implicações ilícitas nas contas do casal, de outras fontes?  Novamente dizemos: sim, mas vincular ao fato em apuração parece roteiro de filme B, e novamente se fazem necessárias provas.  Afinal, ter dinheiro em conta não é crime, até que o Estado-juiz, no devido processo, diga que é crime.

Outra coisa, se houve direcionamento nos mais altos escalões da polícia, como dito, e o delegado por isso foi preso cautelarmente, perfeito, mas e as alegações da PF sobre promotores, as as possíveis manipulações no Ministério Público do Rio de Janeiro, troca de titulares da investigação, e etc.?

Alguém imagina que uma conspiração dessas só contamina a polícia, mas por que só a polícia serve de Geni?  Nenhum promotor preso? Nada?

A imprensa  corporativa platinada (isto é, a Rede Globo) martela todo o tempo:  A PF que desvendou o caso, após a chegada do atual governo, mas esquece de dizer que os executores foram presos durante as investigações do delegado preso e de seu grupo, e foi desse executor que se extraiu a delação.

Há milícias no RJ e estas contaminam o aparato estatal fluminense, como disse Marcelo Freixo, do alto de sua memória seletiva (ou cinismo?) crime, polícia e política andam juntas no Rio?  Sim. Há.

Desde 2007/2008, como consta no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito  tocada pelo então deputado estadual Freixo? Sim.  Ele só esquece de dizer, talvez porque hoje faz parte do esforço governamental federal em promover o turismo carioca, e a chamada vocação Cidade-Evento que começava ali, é que, em 2007, as milícias eram a opção das autoridades federais, estaduais e municipais para garantir a “paz” nas áreas pobres e adjacentes às instalações do Pan Americano.

Freixo agora parece ter esquecido esse detalhe do próprio trabalho.  O que nos parece, e nos estarrece, é ver o PT e seu governo fazerem justamente aquilo que reclamam terem sido vítimas.  A fala do Ministro da Justiça parece um PowerPoint sem PowerPoint.  Quando Lula entregou ao STF a tarefa de fazer aquilo que ele, Comandante em Chefe das Forças Armadas, deveria ter feito, ou seja, punir, prender e mandar para reserva todo e qualquer militar envolvido com o golpe, além de dirigir ele próprio o processo político de seu desagravo democrático, aquilo que se exigia, ele inaugurou, com sua omissão, a sua versão da Lava Jato.

Porém, como o governo Lula não sabe lidar bem com essas coisas, podemos dizer que a patacoada da PF é o início do fim da versão lulista da Lava Jato, personificada na pessoa do Ministro Relator (super), tanto do IP de Marielle, quanto do 08 de janeiro.  De uma tacada só, essa peça de ficção da PF vai subtrair legitimidade do STF de tudo que foi feito até agora.  Vai lançar uma suspeição indelével, como aquela que recaiu sobre o pato (ou seria marreco?) de Curitiba, quer dizer, o ex-juiz Sérgio Moro.

Riem os verdadeiros mandantes, riem os advogados de Bolsonaro e sua turma de aloprados de 8 de janeiro. 

Na verdade, não é o início do fim…é o fim de tudo bem no início.

As prisões dos supostos mandantes das mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes vão mexer muitas pedras no xadrez da política fluminense

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A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados no dia 9 de março de 2018 alegadamente sob ordens de Chiquinho e Domingos Brazão e do delegado Rivaldo Barbosa
Ainda que não sejam totalmente inesperadas desde a homologação da deleção do ex-policial Ronnie Lessa, as prisões do deputado federal Chiquinho Brazão e do seu irmão, ex-deputado estadual e atual conselheiro do Tribunal de contas Domingos Brazão e do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa deverão mexer com a política fluminense de forma profunda.
É que apesar de não ser surpresa, essas prisões mostram uma conexão ainda mais visível entre grupos criminosos (no caso as milícias que operam em Rio das Pedras de onde saem os votos da família Brazão), diferentes instâncias do Estado, e ainda da própria polícia.
Que o Rio de Janeiro vem sendo partilhado por grupos criminosos e que estes mesmos grupos estejam ocupando postos dentro das diferentes esferas do Estado tampouco é surpresa. O que é diferente nesse caso é que dada uma conjunção específica de fatos foi possível chegar não apenas aos matadores (o que é o mais comum), mas também aos mandantes.
Como as notícias que estão surgindo é possível que mais gente graúda seja envolvida nas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, até porque as engrenagens que movem as pedras da política fluminense não param na família Brazão e seus correligionários Aliás, há que se lembrar que quem nomeou Rivaldo Barbosa para o posto de chefe de Polícia Civil no dia 08 de março de 2018 (um dia antes dos assassinatos) foi o General Braga Neto, que então estava na condição de interventor federal no Rio de Janeiro.

Por outro lado, já tem gente perguntando como é que um chefe de polícia recém nomeado cometeria uma fraude tão grande em um caso de repercussão internacional sem a anuência do secretário de segurança, que na época era Richard Fernandez Nunes, e do interventor militar que acabara de nomear secretário e chefe da polícia civil. Essa é uma excelente e pertinente pergunta que ainda não vi aparecer em qualquer comentarista da mídia corporativa.
Com isso, eu não me surpreenderia se mais cabeças rolaram ou que alianças para as próximas eleições sejam repentinamente desfeitas. É que ninguém vai ficar exposto como estando aliado ou envolvido com quem esteve diretamente envolvido nas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

A mulher (ainda) é o negro do mundo

mulheres negras

POR LUCIANE SOARES DA SILVA*

Uma letra da década de 70, composta por John Lennon para Yoko Ono, conduz nossa reflexão neste Oito de Março. Seu conteúdo é interseccional pois aqui a poética põe em íntimo contato formas distintas de dominação. Tão contemporâneas …

Em 2022, já não bastasse a guerra e seus horrores, o medo e a barbárie na condição imposta aos refugiados, temos um novo capítulo do ódio/desprezo às mulheres. Pedirei aqui um pouco de paciência porque me proponho a conectar fatos que estão na ordem do dia. Vamos destacá-los: o deputado que foi à Ucrânia  com um verniz de ajuda humanitária, revelou ao mundo parte de um inconsciente digno do filme Saló de Pasolini[1]. Vamos acordar que não precisamos mais citá-lo, até porque ele é um genérico do Movimento Brasil Livre, cuja troca por outros, resultaria no mesmo conteúdo. Misoginia, racismo, nazismo e violência são a plataforma que elegeu boa parte destes canalhas.

Saló assombrou a Itália e o mundo desde seu lançamento. A lembrança deste filme tem sido uma constante para mim desde 2018. Personagens que se divertem com piadas simplórias, defensores da família indiciados por envolvimento em assédios e violência sexual, racismo, linchamento e defesa da tortura na Câmara de Deputados. Não seria um exagero pensar no roteiro de uma Itália fascista e sua relação com estes anos de governo Bolsonaro.

O deputado em seu “tour” fez o mesmo uso de um linguajar comum entre os políticos eleitos em 2018. Tudo remete a um ato escatológico. No qual alguém submete ou é submetido. No qual o diálogo é objeto de desconfiança. É preciso ofender, atacar, destruir física e moralmente não apenas os inimigos. Não, claro que não. É preciso incorporar todos aqueles que podem ser sequestrados ideologicamente por descuido, vaidade ou pura ingenuidade nesta nova ordem.

Em março de 2018, uma vereadora foi assassinada, a tiros, no centro da segunda maior cidade do país enquanto voltava de uma atividade política. A noite e o ano começavam com uma intervenção, apenas mais uma fracassada e custosa intervenção. A morte de Marielle Franco, após uma semana de seu discurso na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, marcaria definitivamente o presidente que tornou Carlos Brilhante Ustra, seu patrono. Não é possível que se evoque os espíritos sem que eles apareçam. Já sabemos disto em 2022.

O ódio endereçado às mulheres, a misoginia explícita nos espaços públicos, particularmente nas  Câmaras, Assembleias Legislativas e Universidades, não cessaria um dia sequer. Estamos falando dos feminicídios cotidianos, da interrupção de políticas públicas fundamentais para o combate a violência contra a mulher, do avanço desta violência sobre o corpo de mulheres indígenas.

A casa dos homens, o governo Bolsonaro, se assemelha ao filme de Pasolini em sua predileção pela covardia concretizada no ódio aos pobres. Quando o deputado se refere a situação de pobreza das ucranianas, ele o faz em comparação a riqueza de São Paulo. Este misto de alienação, demência e abuso de poder foi o motor de muitas grande parte das ações destes parlamentares. Em algumas delas, deputados eleitos no Rio de Janeiro, não demonstravam qualquer problema em exibir uma placa quebrada com o nome da vereadora Marielle como se fosse uma cabeça de alce, um prêmio de guerra.

Esta masculinidade mal posta favorece o uso de tacos para morte de africanos. Favorece o uso de armas para disparos em vizinhos. Ou ainda, homicídios contra negros em dia claro em situações inaceitáveis.

As mulheres refugiadas são os negros do mundo pela extrema vulnerabilidade a que são expostas. A condição de vendeta em que são violadas. Ou o uso de seu corpo em redes de prostituição em confins inacessíveis dos Estados Nação.

Aí reside o problema que a questão dos refugiados, e particularmente, das mulheres e crianças coloca para o projeto de modernidade. Se falamos de milhões de imigrantes, se sua vida em campos que deveriam se temporários, se torna “a vida que levam”, de que paz estamos falando? O que garantimos com tratados, missões humanitárias e discussões jurídicas? Sempre me preocupa que a relação sobre o território se reduza cada vez mais ao controle de recursos. Imagino a mão invisível e cruel de um sacerdote jogando milhões de pessoas como se fossem dados em pedaços de deserto no México. Ou como uma brincadeira engraçada em barcos de papel no Mediterrâneo. Uns afundam, outros não.

As mulheres ainda são os negros do mundo porque são “pobres” disse o deputado agora acusado também por assédio de menores em 2016 em uma escola do Paraná. Porque sua beleza é resumida a instrumento de troca, venda e violação. São os negros do mundo porque sendo vietnamitas, romenas, angolanas, ucranianas, não são assim … tão europeias. São do leste europeu. Aqui os jornalistas ficaram confusos, afinal, a população de Kiev não era “como Iraque ou Afeganistão”. E o racismo renasce enquanto potência explicativa deste biopoder em ação.

“a mulher é o negro do mundo, sim, ela é, pense a respeito, faça algo contra isso, nós fazemos ela pintar o rosto e dançar, se ela não quer ser nossa escrava, dizemos que não nos ama, se ela é sincera, dizemos que está tentando ser um homem […] fazemos ela parir e criar nossos filhos, e depois a deixamos feito uma velha e gorda mãe galinha , dizemos que ela devia estar em casa, depois reclamamos que ela é provinciana demais para ser nossa amiga […] nós a insultamos todo dia na tv, e questionamos as razões pelas quais ela não tem confiança, quando ela é jovem, matamos seu desejo de ser livre, enquanto dizemos para não ser tão esperta, e a rebaixamos por ser tão boba”.

A luta que se trava nas ruas a cada ano, após cada assassinato é a recusa total e absoluta em seguirmos sendo, como mulheres, trabalhadoras do campo e da cidade, trans, mães, cientistas, vereadoras, subjugadas e escravizadas.

[1] https://estadodaarte.estadao.com.br/salo-fascismo-pasolini-avt/

*Luciane Soares da Silva é é docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense  (Uenf), onde atua como chefe do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (Lesce), e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

Fabricante alemã da arma que matou Marielle não exportará mais para o Brasil

Em reunião de acionistas, alemã Heckler & Koch cita agitação política e violência policial como motivos para suspender vendas para o Brasil. Submetralhadora MP5 foi usada no assassinato de Marielle Franco

hkDiferentes tipos da submetralhadora MP5, arma que matou Marielle, em exposição na sede da firma na Alemanha

A fabricante alemã da arma que foi usada no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista em 2018 confirmou que não exportará mais armamento para o Brasil. A declaração foi dada durante a reunião anual de acionistas da Heckler & Koch (H&K), ocorrida na quinta-feira (27/08).

Segundo o jornal alemão taz, a Associação de Acionistas Críticos na Alemanha (Dachverband Kritische Aktionäre), que compra ações de empresas para cobrar delas respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, questionou na reunião a Heckler & Koch sobre a venda de armas para o Brasil.

“Com as mudanças no Brasil, especialmente a agitação política de antes das eleições presidenciais e a dura ação da polícia contra a população, foi confirmada a decisão de não fornecer mais para o Brasil”, respondeu então o porta-voz da empresa.

Na reunião de acionistas em 2019, a associação já havia questionado a Heckler & Koch sobre a situação do Brasil, de acordo com o taz. Na época, a empresa admitiu que exportou centenas de armas para o país nos anos anteriores e disse que o presidente da H&K, Jens Bodo Koch, havia decidido “não fornecer mais armas ao país depois da eleição de Jair Bolsonaro”.

O jornal afirma, no entanto, que não ficou claro na época se a decisão havia sido tomada pela eleição de Bolsonaro ou se a empresa não tinha mais recebido encomendas do Brasil. Por isso, a pergunta foi novamente feita pelos acionistas neste ano, que receberam a confirmação da paralisação das exportações para o país.

Em 2018, o caso Marielle acendeu o alarme de ativistas que cobram controles mais severos para a exportação de armas pela Alemanha e o banimento de vendas para países acusados de violar direitos humanos.

Segundo apontou a Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marielle foi atingida por disparos de uma HK MP5, uma submetralhadora de uso restrito no Brasil. Teoricamente, só deveria ser encontrada nos arsenais das polícias Militar, Civil, Federal e de alguns grupamentos das Forças Armadas. Não está claro se a arma foi desviada de um desses arsenais. Não é raro que armas da H&K sejam encontradas em poder de criminosos no Brasil.

Mesmo antes da morte de Marielle, outros episódios no Brasil já haviam chamado a atenção de ativistas na Alemanha. Em 1992, oito submetralhadoras HK foram usadas pela PM na chacina de 111 presos do Carandiru. 

Não há registros detalhados sobre as últimas vendas da H&K ao Brasil. A empresa não informa sobre seus negócios no país. Dados do Departamento Federal de Controle Econômico e de Exportações também são vagos. Anualmente, o departamento divulga informes sobre exportações de armas da Alemanha, mas se limita a apontar o número de transações e os valores envolvidos – não há identificação de fabricantes e detalhes das armas. 

Trajetória construída no pós-guerra

Na Alemanha, exportação de armas é tema controverso. A cultura pacifista interna que caracteriza o país desde a Segunda Guerra Mundial impulsiona ativistas que querem mais transparência nas transações. Ao mesmo tempo, o governo é regularmente acusado de dar tratamento especial para as fabricantes e de não agir para reforçar o controle. A Alemanha é o quinto maior exportador de armas do mundo e o setor emprega 80 mil pessoas.

A H&K, por exemplo, é maior empregadora de Oberndorf am Neckar, pequena cidade do sul do país. Fundada em 1949 por ex-engenheiros que trabalhavam para a Mauser, empresa que fabricou fuzis para o regime nazista, a H&K teve seu primeiro impulso ao vender armamento para a Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha Ocidental.

Nos anos 1950, desenvolveu o fuzil de assalto HK G3, que passou a rivalizar com o soviético AK-47, ou Kalashnikov, em vendas internacionais. O G3 logo passou a ser facilmente encontrado em dezenas de conflitos no terceiro mundo durante a Guerra Fria. Entre os anos 1960 e 1980, a Alemanha Ocidental ainda autorizou a H&K a emitir licenças de fabricação do G3 para 16 países, como Irã e Paquistão, entre outros Estados que figuraram regularmente como violadores de direitos humanos.

Nos anos 1990, a H&K desenvolveu o sucessor do G3, o HK G36. Em 2008, Berlim autorizou acordo de licenciamento para instalação de uma fábrica do novo fuzil na Arábia Saudita. 

A empresa atua ainda livremente nos EUA, que consumiu 33% das suas exportações entre 2012 e 2016. Em feiras americanas, representantes da H&K apresentam produtos para compradores civis com um desembaraço que seria impensável na Alemanha, onde o controle de venda de armas para cidadãos é rígido.

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Este texto foi inicialmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].

Com a morte do ex- capitão do BOPE, Adriano da Nóbrega, fecha-se um arquivo humano

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Ex-capitão do BOPE, Adriano da Nóbrega, foi homenageado com Medalha Tiradentes e tinha mãe e esposa lotadas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro

A mídia corporativa informa nesta manhã de domingo que foi morto na área rural do pequeno município baiano de Esplanada (cerca de 170 km ao norte de Salvador), o ex capitão do Batalhão de Operação Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Adriano da Nóbrega. As notícias dão conta que Nóbrega teria enfrentado uma força policial composta de contingentes de pelo menos 3 estados e morrido em uma unidade hospitalar em função dos tiros que recebeu durante um tiroteio que eclodiu quando os policiais tentavam entregar um mandado de prisão.

Com a morte do ex-capitão do Bope sobre quem pesam acusações de ser um chefe de milícias e membro de um grupo de matadores de aluguel (o “Escritório do Crime”) ficaremos sem saber se ele realmente esteve envolvido na morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março de 2018. 

Mas a morte do ex-capitão Adriano da Nóbrega faz mais do que nos deixar desprovidos de informações cruciais sobre  a morte de Marielle e Anderson. É que precisamos lembrar que Nóbrega não apenas foi homenageado com a principal honraria emitida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Medalha Tiradentes, pelo hoje senador Flávio Bolsonaro, mas como teve sua mãe e esposa ocupando cargos no gabinete do então deputado estadual. Além disso, Adriano da Nóbrega era amigo de outra figura notória por causa de suas relações com a família Bolsonaro, o ex-policial e motorista Fabrício Queiróz.

Por essas questões todas é que a morte de Adriano da Nóbrega pode ser facilmente classificado como o fechamento de um arquivo humano, pois o ex-policial certamente tinha um vultoso acerca de informações de suas relações profissionais e pessoais com setores que hoje teriam muito a perder se ele resolvesse contar tudo o que sabia. Por isso, desconfio que a sensação que algumas cabeças coroadas da república estejam tendo hoje seja mais de alívio do que de tristeza. Afinal, para quem tinha relações com esse arquivo, melhor ele fechado do que aberta, não é?

Marielle e Anderson: há mesmo chance que se faça justiça aos mortos?

mari-e-andersonA vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e o motorista Anderson Gomes foram barbaramente assassinados no dia 14 de março de 2018

As últimas 48 horas têm sido plenas em termos de cobertura sobre uma matéria produzida pelo jornal nacional sobre uma possível ligação entre os assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e do motorista Anderson Gomes com o agora presidente Jair Bolsonaro.

Um dos aspectos mais peculiares foi a velocidade dignidade do personagem “The Flash” com que o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro saiu a campo para desmentir e colocar em xeque o depoimento de um porteiro do condomínio “Vivendas da Barra” que estabeleceu a ligação entre os supostos assassinos de Marielle e Anderson com a residência de Jair Bolsonaro.

Foi graças a essa celeridade inaudita que o Brasil ficou sabendo que uma das procuradoras da equipe responsável pelo caso se chama Carmen Eliza Bastos de Carvalho (ver reprodução abaixo de matéria da Agência Brasil). 

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Mas é justamente aí que a porca torceu o rabo. É que a partir da publicização dos membros da equipe do MP/RJ que acompanha o caso, vários veículos da mídia alternativa puderam detectar que a procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho não apenas fez campanha para o então deputado federal Jair Bolsonaro, como também foi homenageada com a maior comenda do estado do Rio de Janeiro, a Medalha Tiradentes, por iniciativa do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) que se tornou conhecido durante a campanha de 2018 por ter quebrado a placa que homenageava Marielle Franco (ver imagem abaixo).

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O que me parece curioso é que as imagens acima estão disponíveis na página que a procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, o que torna impossível que seus superiores hierárquicos (pelo menos os imediatos) não tivessem conhecimento de suas preferências partidárias quando a indicaram para um caso que é marcado por um evidente elemento ideológico dada o perfil pessoal e a natureza da ação política de Marielle Franco.

Agora, diante das revelações que se tornaram públicas, vamos como se comporta o MP/RJ. É que a manutenção da procuradora Carmen Eliza Bastos de Carvalho no caso tenderá a gerar suspeições profundas de conflito de interesses por parte dela.

E a questão que não quer ficar calada: há nesse contexto todo alguma chance real de que seja feita justiça para Marielle e Anderson?

O assassinato de Marielle e Anderson: Rede Globo expõe as ligações perigosas de Jair Bolsonaro

bolso queirozO presidente Jair Bolsonaro com o ex-PM Élcio Queiróz, um dos principais acusados pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes

A estas alturas do campeonato ninguém deveria mais se surpreender com o que se pode chamar de “ligações perigosas” que cercam o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos com o mundo das milícias no Rio de Janeiro. É que as fartas ligações dentro de gabinetes e até mesmo dentro do condomínio onde o presidente mora na Barra da Tijuca são mais do que conhecidas.

O que há de diferente agora é a ação da família Marinho para escancarar estas evidentes ligações com o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes por figuras que estavam, ou ainda estão, próximas do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. E isto tudo usando o principal instrumento da Rede Globo, i.e., o Jornal Nacional, para explicitar questões que permaneciam um tanto submersas em uma investigação que parecia destinada ao esquecimento (ver vídeo abaixo).

Em se tratando das Organizações Globo sempre há que se perguntar sobre o motivo da veiculação desta ou daquela matéria, pois a família Marinha não é de bater prego sem estopa. Entretanto, a ação de jogar na cara da população brasileira a possível ligação de Jair Bolsonaro e seus filhos com o assassinato de Marielle e Anderson é um movimento robusto. Tanto isto é verdade que desde a Arábia Saudita, e em plena madrugada de lá, Jair Bolsonaro já ofereceu o que pode ser considerado um ensaio de resposta (ainda que em tom relativamente desgovernado) à matéria do Jornal Nacional.

Erro
Este vídeo não existe

O que parece evidente é que o mandato do presidente Jair Bolsonaro acaba de ser colocado na linha de fogo como nunca antes ao longo deste ano. Se ele insistir em uma linha de resposta como a mostrada acima, o grande risco é que ele seja abandonado até pelos setores que o sustentam em nome de evidentes ganhos que estão auferindo com as políticas de desmanche do Estado brasileiro. 

E a razões para um eventual abandono de Jair Bolsonaro em meio ao deserto das potenciais revelações que ainda estão por vir são eminentemente de ordem econômica. É que nenhuma empresa multinacional vai querer vir para o Brasil em meio a um ambiente em que o presidente da república esteja lutando pela sua sobrevivência por causa do tipo de ligação (perigosa) que a Rede Globo decidiu explicitar na noite de ontem.

Suspeito que as próximas semanas serão preenchidas com mais adrenalina, pois a peça que foi veiculada ontem parece mais uma espécie de “preparo” para revelações ainda mais cabeludas acerca das responsáveis pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. De quebra, ainda há a fratura exposta que atende pelo nome de Fabrício Queiróz que parece um potencial candidato a delator. Talvez por isso o presidente Jair Bolsonaro se mostrou particularmente agitado com a possível prisão de um dos seus filhos.

Como se vê, o Brasil não é mesmo um país para principiantes.  Por isso mesmo, por mais tarimbados que alguém seja, sempre há por aqui amplo espaço para surpresas e enredos rocambolescos. 

No dia do aniversário das mortes, fica a pergunta: que mandou matar Marielle Franco e Anderson Gomes?

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Hoje se completa  o primeiro ano desde os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes sem que se tenha mandado matá-los. E essa questão é mais importante do que identificar aqueles que puxaram o gatilho ou deram cobertura para quem o fez, supostamente um sargento reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

O paiol de 117 fuzis de guerra encontrado no apartamento de um amigo do suposto assassino derruba qualquer hipótese de que os assassinatos tenham sido por mero motivo ideológico, ainda que ideologia sempre exista.

A verdade é que no Rio de Janeiro está instalado um processo de apropriação privada de regiões inteiras por bandas criminosas que, por algum motivo, se conectaram aos que queriam eliminar fisicamente Marielle Franco e Anderson Gomes.

Por isso, chegar aos mandantes é um passo fundamental para o início de uma retomada dos espaços públicos e do direito de ir e vir por imensas parcelas da população que hoje vivem constrangidas nesses elementos fundamentais de suas existências.

Por isso tudo é que demandar a apuração completa dessas mortes pode se mostrar um elemento fundamental na possibilidade de convivência democrática e justiça social no Rio de Janeiro.

 

Coincidências que ligam Bolsonaro aos suspeitos do crime de Marielle agitam internet

Ronnie Lessa, acusado dos disparos, mora no mesmo condomínio do presidente da República. E uma filha sua terá namorado Carlos Bolsonaro. O suspeito de guiar a viatura de onde saíram os tiros foi fotografado abraçado ao chefe de estado.

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© REUTERS/Adriano Machado

Por João Almeida Moreira para o Diário de Notícias

No Brasil, o dia começou com uma imagem na televisão bem conhecida dos espetadores brasileiros: a fachada do condomínio onde mora Jair Bolsonaro, o Vivendas da Barra, que, durante o período de transição entre o governo anterior e o atual, esteve diariamente no ar por servir de quartel-general ao presidente eleito e ao seu círculo íntimo. Só que, desta vez ,não era o chefe de estado o motivo para as equipas de reportagem estarem ali, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio de Janeiro, e sim Ronnie Lessa, o suspeito de disparar 13 vezes contra o carro onde seguiam Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, ambos mortos no atentado, e a assessora Fernanda Chaves, que sobreviveu.

Apesar da vizinhança, a investigação da polícia federal não faz qualquer tipo de conexão entre Bolsonaro e o atentado de 14 de março do ano passado – isso foi dito e sublinhado ao longo do dia pelo delegado Giniton Lages, que se ocupa do caso. No entanto, o próprio Lages, ao responder a uma pergunta de repórteres na conferência de imprensa após a detenção, admitiu que era verdadeira a informação de que um dos filhos de Bolsonaro – ao que tudo indica Carlos, o segundo mais velho, e também residente no Vivendas da Barra – havia namorado uma filha de Lessa. “Mas isso para nós não importou na motivação delitiva, isso vai ser enfrentado num momento oportuno, não é importante no momento”, disse Giniton, afastando o assunto dos holofotes.

Entretanto, já circulava na rede social Twitter uma foto de Bolsonaro abraçado ao outro suspeito, Élcio Queiroz, publicada no perfil de Facebook deste. Élcio é acusado pela polícia de estar a guiar o carro que encostou no de Marielle e de onde foram efetuados os disparos. A fotografia, tendo em conta a data da publicação no Facebook, é de 4 de Outubro, ou seja, três dias antes da primeira volta da eleição presidencial e sete meses após o crime. Na sua página, entretanto apagada, Élcio mostrava-se em sintonia com as ideias do candidato que haveria de vencer as eleições.

Em dezembro, a polícia havia atribuído responsabilidade no atentado à milícia “Escritório do Crime”, cujo líder é Adriano Nóbrega. Familiares de Nóbrega, entretanto, trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro, o mais velho dos filhos do presidente.

No Twitter o assunto mais comentado do dia foi a hashtag Quem Mandou Matar Marielle. E não muito longe estava O Assassino Mora ao Lado, numa provocação a Bolsonaro.

E se na imprensa, especialistas em segurança enfatizaram o facto de Ronnie, um ex-polícia, morar num condomínio de classe alta – “muito estranho, dado o rendimento deles”, disse o especialista da TV Globo em segurança Fernando Veloso – o candidato presidencial derrotado Fernando Haddad, do PT, aproveitou o tema para provocar Bolsonaro nas redes. “As pessoas perguntam-se como um ex-polícia pode morar num condomínio de luxo no Rio de Janeiro. Eu ainda me pergunto como um ex-deputado pode morar nesse mesmo condomínio”.

O presidente da República desdramatizou, entretanto, a fotografia com Élcio, quando confrontado com o assunto, mas não chegou a comentar o tema do namoro nem o da vizinhança: “Tenho milhares de fotos com polícias, quero é que se descubra quem mandou executá-la e quem me mandou matar a mim também”, acrescentou, referindo-se ao ataque à facada que sofreu em Juiz de Fora, durante a campanha eleitoral. O autor, Adélio Bispo, segundo a polícia, agiu sozinho e foi considerado doente mental após testes psiquiátricos. Mas apoiantes do presidente da República ainda querem saber quem pagou os seus advogados.

Em São Paulo


Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal Diário de Notícias, publicado em Lisboa, [Aqui!]

Caso Marielle Franco e Anderson Gomes: depois de encontrar quem matou, falta identificar quem mandou

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Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados no dia 14 de março de 2018. Quase um ano depois foram presos os assassinos, faltando agora identificar os mandantes.

Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra Marielle, e Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro — Foto: Reprodução/TV Globo

Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra Marielle, e Élcio Queiroz, suspeito de dirigir o carro — Foto: Reprodução/TV Globo

A mídia corporativa está divulgando com compreensível alarde a prisão de dois ex policiais militares do Rio de Janeiro (um reformado e outro que efetivamente saiu da corporação) por serem os supostos assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

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Como já bem alertou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) a prisão dos supostos assassinados de Marielle e Anderson ainda deixa sem resposta a identidade dos que ordenaram os assassinatos.

É que no Brasil até se chega aos matadores, mas é muito raro identificar  os mandantes e, menos ainda, vê-los atrás das grades.

Mas é inconteste que as prisões de hoje são um avanço após quase um ano de ausência de respostas sobre, pelo menos, quem tinha puxado o gatilho. Agora que essa parte está aparentemente superada, vamos ver se serão identificados os mandantes.

As razões para continuar são muitas, a começar pela necessidade de se fazer justiça para Marielle Franco e Anderson Gomes, mas não somente por isso.  É que o assassinato encomendado de uma liderança política torna a elucidadação deste caso essencial para que o Brasil não caia de vez na vala comum da impunidade. A verdade é que o alvo final da eliminação de Marielle Franco era o direito de cada brasileiro demandar um estado que não sirva aos mais ricos.

E fica a pergunta: a mando de quem agiram os ex-policiais?