Orquídea paranaense recém-descoberta corre risco de extinção

Analisada por pesquisadores de laboratório de Botânica da UFPR, planta coletada na Serra do Mar faz parte de um gênero dos trópicos e subtrópicos do planeta com poucas espécies no Brasil

orquidea ufprEncontrada em área montanhosa de difícil acesso, a 𝘔𝘢𝘭𝘢𝘹𝘪𝘴 𝘦𝘯𝘨𝘦𝘭𝘴𝘪𝘪 está em situação que pode ser considerado de risco, por sua raridade e seu habitat restrito e vulnerável. Fotos: Mathias E. Engels/LSEMP/UFPR

Por Aline Fernandes França para a Ciência UFPR 

Uma pequena orquídea de flores verdes chamou a atenção do botânico Mathias Engels durante uma trilha na Serra do Mar, próximo ao Pico Paraná, cujas montanhas estão entre as mais altas do Sul do Brasil. “Pensei: não conheço esta Malaxis [gênero da família de orquídeas], que planta distinta”, conta à Ciência UFPR o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que não imaginava se tratar de uma nova espécie.

Engels já coletou mais de dez mil amostras para coleções científicas em expedições botânicas em diferentes regiões do Brasil. Somente na Amazônia Mato-grossense, chegou a passar 60 dias. Uma pequena fração das amostras, depois de um minucioso estudo, vieram a ser reconhecidas como novas. Esse é o caso daquela pequena orquídea encontrada pelo botânico em Campina Grande do Sul, município de 48 mil habitantes na Região Metropolitana de Curitiba.

A planta já havia sido encontrada em 1947 pelo botânico curitibano Gerdt Hatschbach — formado em química e, depois doutor honoris causa pela UFPR —, na região do município de Piraquara, também no Paraná. Porém, na época, o material coletado era insuficiente para ser reconhecido como uma nova espécie. Em 2019 a coleta de Engels, 72 anos após a de Hatschbach, permitiu o reconhecimento e a descrição completa da planta.

Marca da orquídea são as inflorescências em formato de guarda-chuva, com flores dispostas em círculo
 
A amostra coletada por Engels e depositada no Herbário UPCB do Departamento de Botânica da UFPR — um dos mas antigos do Brasil  foi fonte de pesquisa do grupo CNPq “Sistemática e Ecologia Molecular de Plantas”, sob coordenação do professor Eric de Camargo Smidt. A espécie pertence à família de orquídeas do gênero Malaxis e, agora, homenageia também o doutorando de Botânica, Mathias Engels, sendo batizada de Malaxis engelsii.

As duas localidades em que as amostras foram encontradas são ambientes de florestas nebulosas alto-montanas, conhecidas por serem de difícil acesso, e pertencem à Serra do Mar paranaense — um conjunto de elevações formadas por processos tectônicos que se originaram durante a Era Cenozóica, iniciada há 65,5 milhões de anos.

Associado à alta umidade, a floresta abrange uma área composta por árvores de pequeno porte, fornecendo habitat em abundância para plantas epífitas. De acordo com Smidt, docente da UFPR e orientador da pesquisa, a Malaxis é um gênero de Orchidaceae (maior família botânica do grupo das Monocotiledôneas).

O gênero está distribuído pelos trópicos e subtrópicos do planeta com cerca de 170 espécies. Destas, cerca de dez ocorrem no Brasil.

A maioria das espécies da família Orchidaceae, especialmente nos trópicos, são epífitas — plantas de que vivem sobre outras usando-as como suporte.

“Em relação à Malaxis, o gênero possui tanto espécies epífitas, quanto terrestres. Aparentemente esta é a primeira espécie epífita do gênero descrita para o Brasil”, destaca.

As características mais visíveis da Malaxis engelsii envolvem a inflorescência densa, com flores bem coloridas, que variam entre laranja, branco e verde, dependendo da peça floral.

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Registrada em artigo publicado recentemente na revista científica Lankesteriana, a descoberta é assinada por Smidt e pelo doutorando da Unesp, Thiago Faria do Santos, que fez uma revisão do gênero Malaxis no Brasil.

A parceria foi possível pelo credenciamento do docente Smidt, que atualmente orienta em três programas de pós-graduação, sendo dois na UFPR (PPG Botânica e PPG Ecologia e Conservação) e um na Unesp (PPG Biologia Vegetal). Smidt coordena na UFPR o Laboratório de Sistemática e Ecologia Molecular de Plantas (LSEMP), do qual todos fazem parte.

O pesquisador Santos afirma que as Malaxis são plantas pouco conhecidas pela ciência, com registros raros na natureza. Também possuem características exóticas se comparadas a outras orquídeas, principalmente pela sua morfologia.

“Elas possuem inflorescências que lembram um guarda-chuva e têm flores bem pequenas, além de ocorrerem no chão da floresta, o que as torna ainda mais peculiares”, detalha.

O pesquisador ainda descreve o habitat da nova espécie como “um ambiente místico, quase proibido para a exploração humana. É onde as nuvens abraçam a floresta, um tipo de ambiente caracterizado pelo alto grau de endemismo [espécies restritas ao habitat], com plantas especializadas para viverem ali”.

A descoberta amplia a compreensão sobre a biodiversidade e é considerada de alta relevância pelos pesquisadores por contribuir diretamente com o progresso científico.

“Conhecer as características únicas de uma planta pode levar, por exemplo, ao desenvolvimento de novos medicamentos, materiais ou tecnologias. Assim, a descrição da natureza não é tarefa secundária; ela é o desenvolvimento tecnológico e científico”, diz Santos.

Espécie é exemplo da biodiversidade que falta ser conhecida para guiar preservação

Apesar de recém-descoberta, na avaliação dos cientistas a espécie Malaxis engelsii está apta a ser enquadrada pelo sistema da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) como “em perigo”, baseado no número de registros da espécie, da qualidade e da abrangência de seu habitat.

A condição serve como guia para identificação de áreas que mais necessitam de ações de preservação voltadas para proteção da biodiversidade.

Smidt explica que, de modo geral, isso significa a necessidade de medidas de conservação para esta espécie, seja protegendo o habitat, seja produzindo conhecimento sobre suas características e ecologia, como polinizadores e fungos associados ao seu crescimento, por exemplo.

O fato de a descoberta ser registrada na Mata Atlântica também funciona como um alerta para os pesquisadores.

“O Brasil é o país mais biodiverso do planeta e uma em cada cinco plantas no mundo só ocorrem aqui. Dentro do país, o bioma mais rico e ameaçado é a Mata Atlântica. Descobrir espécies novas nesse bioma, cuja área atual é cerca de 10% de sua área original, mostra o quanto ainda precisamos estudá-lo para protegê-lo”.

Edição: Camille Bropp

➕ Leia o artigo Malaxis engelsii (Malaxidinae), a new species from the upper montane forest of the Atlantic Rainforest in southern Brazil, publicado no Lankesteriana (International Journal on Orchidology)


Fonte: Ciência UFPR

Estudo inédito revela a viabilidade econômica da restauração florestal em fazendas de café na Mata Atlântica

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A restauração florestal é reconhecida como uma das medidas mais eficazes para combater as mudanças climáticas e promover a proteção à biodiversidade. No entanto, os custos elevados – associados tanto diretamente ao plantio de árvores quanto à perda de áreas agriculturáveis ou de pastagem – costumam ser uma barreira para a sua implementação em larga escala. Mas uma pesquisa inédita conduzida em áreas de cafeicultura da Mata Atlântica revela que a restauração pode, ao contrário, ser uma abordagem economicamente viável.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado por Francisco d’Albertas, doutor em Ecologia pela USP, Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

Os resultados demonstram que o aumento dos serviços ecossistêmicos impulsionados pelo reflorestamento, entre eles a polinização, resulta em um incremento na produção de café, compensando os custos referentes à restauração da floresta. Essa descoberta pode auxiliar os formuladores de políticas públicas a promover a adoção generalizada da restauração em paisagens agrícolas, aliando a mitigação das mudanças climáticas, a conservação da biodiversidade e a produção agrícola. Além disso, no caso do Brasil, em que a legislação ambiental já prevê a restauração/conservação de vegetação nativa em propriedades rurais, o estudo pode servir como um estímulo adicional para o cumprimento da lei.

O levantamento analisa diferentes cenários, estabelecendo um limiar em torno de 25% de cobertura florestal nas fazendas como ponto de equilíbrio para que, ao longo de 20 anos, os custos de restauração possam ser compensados pelos benefícios dos serviços ecossistêmicos no aumento da produção de café. Os resultados apontam ainda que um valor de CO₂ de pelo menos 20 dólares seria o ideal para aumentar a viabilidade financeira da restauração.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas. “São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

A Organização das Nações Unidas (ONU) designou o período de 2021 a 2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas. Na Conferência de Biodiversidade da ONU de 2022, a COP 15, a Mata Atlântica foi reconhecida como um dos dez ecossistemas emblemáticos nessa iniciativa. Além disso, evidências indicam o bioma como uma das áreas prioritárias para a restauração global, dada sua capacidade de combater as mudanças climáticas e preservar a biodiversidade e os recursos hídricos.

Nesse sentido, Luís Fernando Guedes Pinto ressalta a importância das descobertas apresentadas pela pesquisa. “Para atender aos compromissos do Acordo de Paris, o Brasil deve eliminar completamente o desmatamento e restaurar em grande escala. Para a Mata Atlântica, a meta mais ambiciosa são 15 milhões de hectares de florestas naturais até 2030, estabelecida pelo Pacto pela Restauração do Bioma, que só poderá ser atingida com o apoio do agronegócio. E agora está evidente que o reflorestamento é uma abordagem positiva para todas as pessoas e setores econômicos”, afirma.

A pesquisa traz um estudo de caso ilustrativo que, para ampliar o entendimento sobre em que medida e em quais condições os benefícios da restauração compensam os custos, pode ser expandido para outras regiões do Brasil e do mundo. O estudo completo, intitulado Yield increases mediated by pollination and carbon payments can offset restoration costs in coffee landscapes (“Aumentos na produção, mediados pela polinização e pagamentos de carbono, podem compensar os custos de restauração em paisagens de café”, em tradução livre), está disponível, em inglês, no site da OneEarth.

Sobre a Fundação SOS Mata Atlântica 

A Fundação SOS Mata Atlântica é uma organização da sociedade civil brasileira sem fins lucrativos. Fundada em 1986, tem como missão inspirar a sociedade na defesa do bioma mais devastado do país. Atua para promover políticas públicas para conservar e restaurar a Mata Atlântica, trabalhando de maneira integrada as temáticas de água, biodiversidade e clima. Monitora a situação das florestas e ecossistemas associados, além de trabalhar para recuperar áreas já degradadas. Também defende e cria políticas públicas em prol do bioma. Essa causa beneficia diretamente mais de 70% da população brasileira, que vive na Mata Atlântica e depende dela para ter qualidade de vida.

Dois terços das árvores da Mata Atlântica estão sob risco de extinção

bosque-Atlantico-1-1-996x567Uma forma de salvaguardar espécies arbóreas ameaçadas é conservá-las em jardins botânicos e bancos de material genético. Crédito da imagem: Clodoaldo Lima/Flickr , licenciado sob Creative Commons CC BY-NC-SA 2.0 Deed 

Por Rodrigo de Oliveira Andrade para a SciDev 

[SÃO PAULO] Mais da metade das espécies arbóreas da Mata Atlântica estão ameaçadas de extinção devido ao desmatamento, e esse risco é ainda maior para as chamadas espécies endêmicas, que só são encontradas naquela região: 13 delas são possivelmente extinto alerta um estudo publicado na revista Science por uma equipe internacional de pesquisadores.

A Mata Atlântica é um dos ecossistemas com maior biodiversidade do mundo. Sua área varia entre 28 e 30 milhões de hectares. Seus remanescentes são importantes para a formação de rios e cachoeiras, cujas águas abastecem milhões de pessoas que atualmente vivem em seus domínios, além de prestarem diversos outros serviços ecossistêmicos.

No estudo, os pesquisadores também fizeram projeções do impacto do desmatamento nas árvores tropicais do mundo , concluindo que entre 35 e 43 por cento da diversidade de árvores do planeta poderia estar ameaçada apenas pelo desmatamento .

“O desaparecimento de uma única espécie de árvore pode desencadear um efeito cascata com consequências imprevisíveis.”

Rita de Cássia Quitete Portela, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Sob a coordenação do ecologista Renato de Lima, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, Brasil, foram analisados ​​mais de 800 mil registros de herbários e 1,4 milhão de registros de inventário florestal para estimar as áreas de ocorrência e o tamanho das populações de cada espécie arbórea da Mata Atlântica .

Estes dados foram então analisados ​​de acordo com quatro dos cinco critérios utilizados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) para determinar o nível de risco de extinção de espécies animais e vegetais. A IUCN é a principal autoridade responsável pela classificação e estudo das espécies ameaçadas no mundo.

Segundo Lima, a maioria das avaliações de conservação de espécies utiliza poucos critérios da UICN, “o que faz com que o estado de conservação das biotas regionais seja subestimado, especialmente daquelas altamente modificadas, como a Mata Atlântica”.

Ele explica que o uso de mais critérios associados ao desmatamento “aumenta drasticamente a nossa compreensão do grau de ameaça às espécies da Mata Atlântica”.

A Mata Atlântica possui uma biodiversidade extraordinária que fornece diversos serviços ecossistêmicos a milhões de pessoas que atualmente vivem em seus domínios. Crédito da imagem: Vinicuis Bustamante/Unsplash , imagem em domínio público.

Os resultados das análises indicam que 65% das populações das 4.950 espécies de árvores encontradas na Mata Atlântica estão em risco de extinção, especialmente devido ao desmatamento, “muito mais do que pensávamos”, diz Lima.

Esse percentual aumenta para 82% se forem consideradas apenas as espécies endêmicas (2.025), que crescem apenas na Mata Atlântica e em nenhum outro lugar do mundo.

“As perspectivas são muito preocupantes”, disse Lima ao SciDev.Net . “Se tivéssemos usado menos critérios da IUCN para avaliar o risco de extinção de espécies, teríamos detectado seis vezes menos espécies ameaçadas”, avalia.

Com cerca de 35% da população humana da América do Sul a viver dentro das suas fronteiras, a Mata Atlântica já perdeu 80% da sua cobertura vegetal original, principalmente através da desflorestação.

A extinção de árvores impactará outras espécies. Algumas espécies de epífitas, como orquídeas e bromélias, dependem do apoio de árvores para crescer, portanto a degradação da Mata Atlântica poderia alterar a composição e estrutura do seu ecossistema, comprometendo interações ecológicas que ajudam a regular e equilibrar o clima, proteger encostas e mitigar desastres , manter a fertilidade do solo, a produção de alimentos , medicamentos e madeira.

Muitas árvores icônicas correm o risco de desaparecer. O icônico pau-brasil ( Paubrasilia echinata ), árvore que deu nome ao país, foi listado como criticamente ameaçado devido a uma queda no tamanho de sua população estimada em 84% nas últimas três gerações.

Flores do pau-brasil (Paubrasilia echinata), que deu nome ao país e hoje corre grave perigo, segundo o estudo. Crédito da imagem: mauroguanandi/Wikimedia Commons , licenciado sob CC BY 2.0 Deed .

Árvores das espécies Araucaria angustifolia , a popular árvore do quebra-cabeça dos macacos – às vezes também chamada de pinheiro do Paraná ou pinheiro brasileiro -, Euterpe edulis (palmetto doce) e Ilex paraguariensis (erva-mate) também sofreram declínios de pelo menos 50% em sua população selvagem. e também são classificados como ameaçados de extinção.

A bióloga Rita de Cássia Quitete Portela, do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não participou do estudo, explica que as árvores compõem uma ampla e complexa rede ecológica de interações que envolve também aves, mamíferos e insetos .

“O desaparecimento de uma única espécie de árvore pode desencadear um efeito cascata com consequências imprevisíveis”, disse ele ao SciDev.Net . “Existem pelo menos 50 espécies de animais na Mata Atlântica que se alimentam e contribuem para a dispersão dos frutos de Euterpe edulis .” Esta espécie é de grande importância para as populações caiçaras, que se alimentam de seus frutos e utilizam seus troncos e folhas para construir casas e espaços religiosos.

A expectativa dos pesquisadores é que as espécies arbóreas ameaçadas da Mata Atlântica sejam oficialmente incluídas nas listas vermelhas globais da IUCN e na lista vermelha nacional do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora) – referência nacional na geração , coordenação e divulgação de informações sobre a conservação da flora brasileira em perigo de extinção – para que tenham algum tipo de proteção ou controle legal sobre seu uso.

Os pesquisadores também propõem a conservação dessas espécies em jardins botânicos e bancos de material genético, além dos chamados Planos de Ação Nacionais, instrumentos para promover políticas públicas voltadas à conservação e recuperação de espécies ameaçadas no Brasil, especialmente aquelas em risco iminente. de extinção. desaparecer.

“ Projetos de restauração florestal também são ferramentas importantes para restaurar populações de espécies ameaçadas”, acrescenta Lima.

Link para o estudo completo na Science


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Este artigo foi escrito originalmente em espanhol e publicado pela edição América Latina e Caribe da SciDev.Net [Aqui!].

Mais de 80% das espécies de árvores exclusivas da Mata Atlântica correm risco de extinção

endangeredDesmatamento é ameaça para a extinção de mais de 80% das espécies de árvores da Mata Atlântica como o pau-brasil, a araucária e o palmito-juçara

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As Listas Vermelhas de Espécies Ameaçadas ajudam a tomar decisões sobre investimento em tempo e recursos de conservação da biodiversidade. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e instituições parceiras publicado na quinta (11) na revista científica “Science” organizou uma lista vermelha de espécies de árvores da Mata Atlântica com risco de extinção e concluiu que 82% das quase 2500 espécies exclusivas desse bioma estão ameaçadas.

A Lista Vermelha contém quase 5000 espécies de árvores que ocorrem na Mata Atlântica e foi organizada a partir de três milhões de registros de herbários, inventários florestais e informações sobre biologia e ecologia das espécies. Muitas árvores emblemáticas do bioma foram classificadas como espécies ameaçadas de extinção, como o pau-brasil, a araucária, o palmito-juçara, o jequitibá-rosa, o jacarandá-da-Bahia, o angico e a peroba.

A pesquisa também classificou 13 espécies de árvores que ocorrem apenas na Mata Atlântica e em nenhum outro lugar do mundo, as chamadas espécies endêmicas, como possivelmente extintas. Por outro lado, cinco espécies que antes eram consideradas extintas na natureza foram redescobertas, caso da Campomanesia Lundiana e da Myrcia neocambessedeana.

Renato Lima, professor da USP e autor do artigo, explica que “o quadro geral é muito preocupante”, pois a maioria das espécies de árvores da Mata Atlântica foram classificadas em algumas das categorias de ameaça da União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN), em decorrência da perda de suas florestas e árvores.

A construção da lista de espécies ameaçadas da Mata Atlântica se baseou em diferentes critérios da IUCN, inclusive alguns que incorporam os impactos do desmatamento. “Se tivéssemos usado menos critérios da IUCN nas avaliações de risco de extinção das espécies, o que geralmente tem sido feito até então, nós teríamos detectado seis vezes menos espécies ameaçadas”, avalia Lima.

Segundo destaca o estudo, a maioria das avaliações de risco de extinção disponíveis na IUCN se baseia apenas na distribuição geográfica das espécies, mas o declínio no número de árvores adultas causado pelo desmatamento é a principal causa de ameaça das espécies. “O uso desses critérios associados ao desmatamento aumenta drasticamente o nosso entendimento sobre o grau de ameaça das espécies da Mata Atlântica, que é bem maior do que pensávamos anteriormente”, finaliza o pesquisador.

Os cientistas fizeram ainda projeções sobre o impacto da perda de florestas em escala global, que incluíram as áreas de florestas tropicais. “As projeções indicam que entre 35% e 50% das espécies de árvores do planeta podem estar ameaçadas apenas devido ao desmatamento”, comenta Hans ter Steege, pesquisador co-autor do trabalho, do Naturalis Biodiversity Center, na Holanda.

O estudo considerou apenas o desmatamento e não as ameaças futuras, como as mudanças climáticas, que podem acelerar os riscos de extinção de espécies. Para garantir a conservação de espécies, os pesquisadores propõem como alternativas a conservação das espécies em jardins botânicos e bancos de material genético, além dos chamados Planos de Ação Nacionais (PANs), instrumentos de promoção de políticas públicas direcionadas à conservação e a recuperação de espécies ameaçadas no Brasil, em especial àquelas em risco iminente de desaparecer.

Outra saída para reverter as perdas de espécies de árvores na Mata Atlântica é a restauração florestal, explica André de Gasper, professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e coautor do estudo. “Projetos de restauração, em áreas abertas ou em fragmentos degradados, podem selecionar preferencialmente as espécies regionais mais ameaçadas da Mata Atlântica, visando estimular a produção de sementes e mudas destas espécies e a recuperação das suas populações de árvores na natureza”, diz o autor.


Fonte: Agência Bori

MP da Mata Atlântica viola a Constituição Federal, afirma IAB

MPSC e MPF recomendam que Lei da Mata Atlântica tenha prevalência sobre o  Código Florestal | Ambiente JÁ

A Medida Provisória 1.150/22, que modifica o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica, foi rejeitada pelo plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Na sessão desta quarta-feira (31/5), os consócios aprovaram por aclamação pareceres das Comissões de Direito Ambiental e de Direito da Integração que definem a norma como inconstitucional. Entre outros fatores, o presidente da Comissão de Direito Ambiental, Paulo de Bessa Antunes, afirmou que a medida trata com critérios excepcionais normas que não são novas: “Ela não preenche os requisitos de urgência e relevância previstos na Constituição Federal, pois todas as matérias veiculadas podem ser tratadas por lei ordinária, sem qualquer prejuízo para o interesse público”.

Bessa, que foi o relator do parecer apreciado anteriormente pela Comissão de Direito Ambiental, destacou que as medidas provisórias se transformaram em “um instrumento ordinário do governo”. O advogado afirmou que a Lei 12.651/12, que trata do Código Florestal, previa uma regularização ambiental dentro do prazo de um ano depois da sanção da norma. “O adiamento desses prazos ocorreu por volta de oito vezes. Me parece que alguma coisa que foi adiada oito vezes não tem urgência e também não tem relevância”, disse o relator. O secretário da Comissão de Direito Constitucional da entidade, Joycemar Lima Tejo, autor da indicação que originou o parecer, também ressaltou que a medida foi pouco debatida antes de aprovada: “Isso mostra o interesse político em passar a boiada”.

Bessa ainda explicou que a norma pretende municipalizar áreas cuja preservação compete aos estados ou à Federação. “Nós temos a Lei Complementar 140, que regula o artigo 23 da Constituição, e essa mudança proposta simplesmente tira a competência dos estados e da União para se manifestar sobre a utilização de áreas de preservação ripárias, que são aquelas nas margens dos rios. Não há rio municipal no Direito brasileiro”. explicou.

É o caso da Mata Atlântica, que atravessa vários estados do Brasil e é tutelada pela Constituição Federal. “Qualquer supressão da vegetação precisa ser feita de uma maneira que considere o conjunto do bioma pelo menos a nível regional. Se eu fizer essas autorizações a nível municipal, posso simplesmente estar acabando com essa vegetação porque um município não sabe o que o outro está autorizando”, disse Bessa.

Do ponto de vista do Direito da Integração, o parecer do vice-presidente da respectiva Comissão, Sérgio Sant’anna, entende que a medida é um retrocesso para a agenda ambiental brasileira. Segundo o texto, a norma contraria, além de princípios constitucionais, “os acordos e tratados Internacionais em que o Brasil é signatário, o que ocasionou imagem negativa à política externa do Brasil e no âmbito dos compromissos internacionais e das instituições de que participa”. O secretário-geral do Instituto, Jorge Rubem Folena, que apresentou o parecer ao plenário, também afirmou que a medida, “além de impactar negativamente o meio ambiente, tem influência deletéria nas relações internacionais do Brasil”.

O relator do parecer deu destaque ao fato de que, desde a vigência da Constituição de 1988, o País assumiu compromissos com outros Estados em relação ao tema. O texto cita como exemplos as relações com o Mercado Comum do Sul (Mercosul), a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), dentre outros”. No caso do Mercosul, por exemplo, o Brasil se comprometeu a aproveitar de forma eficaz os recursos e preservar o meio ambiente. O descomprimeiro, ressaltou Sant’Anna, traz “gravíssimos prejuízos à imagem do País”. 

China, Holanda e França estão importando soja com risco de desmatamento ilegalmente na Mata Atlântica

China, Holanda e França estão importando soja com risco de ser cultivada em terras desmatadas ilegalmente na Mata Atlântica no Brasil, segundo análise da Trase e SOS Mata Atlântica

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Por Vivian Ribeiro, Luís Fernando Guedes Pinto e Tiago Reis

O desmatamento para limpar terras para plantações de soja está aumentando na Mata Atlântica do Brasil, apesar da proteção legal. Nos últimos cinco anos, mais de 30.000 hectares (ha) de floresta nativa e 50.000 ha de campos naturais foram convertidos em plantações de soja, segundo análise da Trase e do grupo de conservação SOS Mata Atlântica.

A Mata Atlântica corre de norte a sul ao longo das regiões orientais do Brasil, Argentina e Paraguai. Originalmente, era a segunda maior floresta tropical do mundo depois da Amazônia, mas apenas cerca de um quarto dela permanece como resultado de séculos de exploração madeireira, urbanização e expansão agrícola (veja o mapa).

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De acordo com a Lei da Mata Atlântica  promulgada em 2006, qualquer desmatamento no bioma é proibido com poucas exceções. Apesar disso, o desmatamento continua devido à forte demanda global por commodities agrícolas e ao fraco monitoramento e fiscalização do governo.

A análise da Trase dos dados do MapBiomas mostra que cerca de 3,2 milhões de hectares de vegetação nativa na Mata Atlântica foram desmatados para novas terras agrícolas ou pastagens entre 2008 e 2021 – 14% para o cultivo de soja (448.000 hectares). Esses números provavelmente estão subestimados porque são baseados nos limites oficiais do bioma Mata Atlântica, que são menores do que os limites da Lei da Mata Atlântica. Áreas adicionais cobertas pela lei que não estão incluídas no bioma oficial incluem fronteiras de desmatamento de soja nos estados da Bahia, Piauí e Mato Grosso do Sul.

China e UE são os principais mercados de exportação da soja da Mata Atlântica

Dados da Trase Supply Chainsmostram que a Mata Atlântica produziu quase 35 milhões de toneladas de soja em 2020 – 29% da produção anual de soja do Brasil. A China importou 55% da soja da Mata Atlântica, enquanto 25% foi para o mercado interno do Brasil. Os 20% restantes foram exportados para países como Holanda, França e Coréia do Sul. A soja importada pela Holanda provavelmente será reexportada para outros países da UE. Dados da Trase mostram que 11% da soja da Mata Atlântica foi comercializada pela Cargill, 10,6% pela Bunge e quase 5% pela COFCO.

A produção de soja ocupou cerca de 10,7 milhões de hectares de terras na Mata Atlântica. A Trase calcula que mais de 22.000 ha de soja colhida em 2020 foram plantados em terras na Mata Atlântica que foram desmatadas nos últimos cinco anos – um aumento de 15.000 ha em 2013. Grande parte dessa terra foi convertida diretamente para plantações de soja, provavelmente contrariando a Lei da Mata Atlântica (ver figura).

O desmatamento da soja na Mata Atlântica está aumentando

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Desmatamento de soja por ano no bioma Mata Atlântica, 2013-2020 (Fonte: Trase Supply Chains)

Cerca de 46% da soja com exposição ao desmatamento da Mata Atlântica foi exportada para a China em 2020, enquanto 44% foi consumida no Brasil. O agronegócio estatal chinês COFCO foi responsável por 14% da exposição ao desmatamento, enquanto os comerciantes americanos Bunge representaram 7% e a Cargill cerca de 5%.

Embora a exposição da UE ao desmatamento da soja da Mata Atlântica seja muito menor, cerca de 3%, o bloco concordou recentemente com uma legislação que proíbe a importação de soja e outras commodities agrícolas cultivadas em terras desmatadas. Os comerciantes nos países consumidores serão obrigados a realizar a devida diligência em suas cadeias de abastecimento para demonstrar que estão livres de desmatamento.

O desmatamento contínuo corre o risco de minar os esforços de conservação. Em 2022, a ONU declarou a Mata Atlântica como um dos dez ‘ Carro-chefe da Restauração Mundial ‘ sob a bandeira de sua Década de Restauração de Ecossistemas. Cerca de 700.000 ha já foram restaurados com a meta de atingir 1 milhão de hectares até 2030 e 15 milhões até 2050.

Ver artigo Soja também desmata Mata Atlântica de Luís Fernando Guedes Pinto e Vivian Ribeiro no Valor Econômico.


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Este texto originalmente escrito em inglês foi publicado pela Trase Insights [Aqui!].

China compra quase metade da soja colhida em áreas desmatadas na Mata Atlântica

Análise exclusiva mostra que área devastada do tamanho de Recife virou plantação de soja

Brasil exporta soja de áreas desmatadas da Mata Atlântica

Por Anna Beatriz Anjos, da Agência Pública

Em 2020, a China importou quase metade da soja colhida em áreas desmatadas na Mata Atlântica durante os cinco anos anteriores. O bioma se estende por vários estados brasileiros, do Sul ao Nordeste, e conta hoje somente com 12% de sua vegetação original. Os dados, que a Agência Pública obteve com exclusividade, foram analisados pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com a organização não governamental Trase, que rastreia cadeias de produção de commodites agropecuárias, como a própria soja, carne, milho, trigo, entre outras.

Segundo o levantamento, em 2020 — ano mais recente do mapeamento –, havia 22,3 mil hectares de soja, uma área maior que Recife, em locais de Mata Atlântica devastados entre 2015 e 2019. Isso provavelmente aponta para infrações à Lei da Mata Atlântica, em vigor desde dezembro de 2006, que proíbe a retirada da vegetação original (chamada de primária) e a que cresce após o desmatamento (chamada de secundária) que esteja em estágio avançado de regeneração. A lei permite o desmatamento em poucas situações, como construção de infraestruturas pelo Estado, o que configura “utilidade pública”.

Os dados revelam que 46% da soja produzida nesses 22,3 mil hectares foram exportados para a China, o maior parceiro comercial do Brasil. Outros 44% foram destinados ao mercado brasileiro, e cerca de 3%, à União Europeia.

A SOS Mata Atlântica e a Trase alertam que esses números podem estar subestimados, já que a avaliação foi feita com base nos limites oficiais do bioma, definidos pelo IBGE. Entretanto, a Lei da Mata Atlântica tem uma abrangência maior, que inclui áreas de expansão da soja na Bahia, Piauí e Mato Grosso do Sul.

A soja é o principal item de exportação do Brasil ao país asiático, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visita de 12 a 15 de abril. Ao se reunir com o presidente chinês Xi Jinping na sexta-feira (14) e cumprir outras agendas bilaterais, o petista pretende fortalecer as relações com a China, enfraquecidas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Representantes do agronegócio brasileiro acreditam que a viagem pode ampliar ainda mais a parceria comercial entre o setor e o país.

No entanto, o engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica, destaca que a China, atualmente o país com as maiores emissões anuais de gases de efeito estufa no mundo, tem sinalizado a intenção de criar mecanismos para evitar a importação de commodities ligadas à derrubada de florestas, a exemplo do que fez a União Europeia, que aprovou uma lei antidesmatamento no final de 2022.

“É importante lembrar que a China presidiu a COP15 da Biodiversidade em dezembro do ano passado. Lá, atuou pela proteção da biodiversidade e dos ecossistemas [ao final da conferência, foi adotado o novo marco global da biodiversidade]. Ela tem compromisso internacional não só na questão do carbono [no Acordo de Paris], mas também da biodiversidade. É uma tendência natural que num curto prazo o país exija desmatamento zero das commodities brasileiras e o cumprimento da legislação, que no Brasil é algo essencial”, pontua Pinto. A Mata Atlântica é o único bioma brasileiro a contar com uma lei própria de proteção.

Uma exigência nesse sentido por parte da China, prossegue o engenheiro agrônomo, pressionaria ainda mais fortemente o Brasil a atingir a meta de zerar o desmatamento, que o atual governo se comprometeu a cumprir até 2030 em todos os biomas, não apenas na Amazônia e no Cerrado, os mais citados quando se fala no avanço da fronteira agropecuária.

Além disso, a Mata Atlântica é central no cultivo da soja brasileira. No total, o bioma entregou quase 35 milhões de toneladas do grão em 2020, valor equivalente a quase um terço da produção anual do Brasil. A China importou 55% dessa soja: outros 25% foram para o consumo interno brasileiro, e os 20% restantes foram exportados para a Holanda, França e Coreia do Sul, sendo que a Holanda provavelmente destinou o produto a outros países europeus.

Vivian Ribeiro, líder do time de Inteligência Geoespacial da Trase, afirma que a soja e as demais cadeias produtivas do agronegócio que atuam na Mata Atlântica, como pecuária, café e cana-de-açúcar, deveriam guiar a recuperação das áreas devastadas ou degradadas, mas o que tem acontecido é justamente o contrário. “A agenda de debates ao redor da Mata Atlântica não deveria ser a de desmatamento zero, é uma vergonha que estejamos conversando sobre isso ainda. A agenda deveria estar centrada em como os países importadores poderiam na verdade dar suporte a restauração do bioma”, aponta.

O desmatamento da Mata Atlântica vinha diminuindo desde 2016, mas voltou a crescer em 2019, de acordo com dados divulgados anualmente pela SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os números mais recentes mostram que, somente entre 2020 e 2021, o desmate cresceu 66% em relação ao período anterior, de 2019 e 2020, o maior aumento percentual desde o início do monitoramento, em 1985. Essa elevação significou a emissão de 10,3 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.

A taxa para o último ano ainda não foi publicada, mas um levantamento do SAD Mata Atlântica, sistema de alertas desenvolvido pela SOS Mata Atlântica e o Mapbiomas, aponta que mais de 48,6 mil hectares do bioma, área quase equivalente à extensão de Porto Alegre, foram derrubados somente entre janeiro e outubro de 2022.

China compra quase metade da soja colhida em áreas desmatadas na Mata Atlântica. Foto: Douglas Magno/SOS Mata Atlântica

“Boiada” aprovada na Câmara flexibiliza proteção ao bioma

Luís Fernando Guedes Pinto avalia que a proteção à Mata Atlântica pode ficar ainda mais fragilizada se o Senado aprovar a Medida Provisória 1.150, originalmente editada por Bolsonaro em 23 de dezembro, no apagar das luzes de seu mandato.

A princípio, a medida propunha apenas a prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), previsto no Código Florestal. Mas a Câmara dos Deputados, que votou a matéria em 31 de março, incluiu um “jabuti” que afrouxa Lei da Mata Atlântica. O texto aprovado flexibiliza as situações em que é permitido o desmatamento da vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração no bioma. Entre outros pontos, também retirou a necessidade de parecer técnico dos órgãos ambientais estaduais para desmatamento de vegetação em estágio médio de regeneração em áreas urbanas.

“No fundo, a MP libera o desmatamento do bioma, inclusive de suas florestas maduras, mais protegidas e mais raras”, explica Pinto. “Ela permite que a gente corte essas florestas maduras para plantar soja ou qualquer outro produto. É mais um ataque à Mata Atlântica, que não deixa de ser um incentivo, um convite para o desmatamento.”


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Pública [Aqui!].

Pesquisadores descobrem população de onças-pintadas na Serra do Mar no Paraná

Com a descoberta, a região se torna a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada na Mata Atlântica no Brasil. No bioma, a espécie perdeu 85% do habitat; A pesquisa gerou registros fotográficos e em vídeos inéditos do felino na região

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Foto: Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar/Fundação Grupo Boticário

Como resultado de oito anos de estudo, pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar – apoiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e o WWF-Brasil – confirmaram a presença de uma população com o registro de cinco onças-pintadas (Panthera onca) na Serra do Mar paranaense. O animal, que já foi considerado extinto na região, tem se refugiado em áreas montanhosas de difícil acesso para escapar de ameaças como a caça e o desmatamento. A descoberta amplia em 9% a área de ocupação da onça-pintada na Mata Atlântica e 46,9% na Serra do Mar, tornando a região a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada nesse bioma no país. O estudo foi divulgado na revista científica Oryx, publicada pela universidade britânica de Cambridge.

Na Mata Atlântica, uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta, a onça-pintada já perdeu 85% de seu habitat, e sua população é estimada em cerca de 300 indivíduos distribuídos em pequenas e restritas subpopulações, inclusive em florestas maiores. É o caso da Serra do Mar no Paraná, que integra o território da Grande Reserva Mata Atlântica, o maior contínuo de floresta protegida desse bioma no país.

“Os indivíduos que registramos estão em uma área florestal extensa e de difícil acesso. Por isso, a ausência de registros de onça-pintada nos últimos 20 anos pode ser resultado da falta de levantamentos, ao invés de refletir a ausência da espécie necessariamente. Investimos na investigação e tivemos esses importantes registros, que mudam o olhar sobre a política de conservação da espécie em nível nacional e local, atestando a importância da região e da sua proteção”, explica o pesquisador e coordenador técnico do Programa, o doutor em Ecologia e Conservação Roberto Fusco. “Temos os dados e estamos indicando o que é necessário ser feito para salvar a espécie que é símbolo da biodiversidade brasileira e que será exposta ao mundo no uniforme da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo.”

Fusco, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), explica que esses animais foram pressionados para áreas montanhosas e de difícil acesso principalmente por conta da caça, desmatamento e extração de palmito. “As onças-pintadas, assim como outras espécies de grandes mamíferos, são as que mais sofrem, direta e indiretamente, com a fragmentação das florestas e a pressão de caça porque dependem de áreas extensas e saudáveis para sobreviver. Na Serra do Mar, esses animais encontraram refúgio em áreas montanhosas, mais remotas e com difícil acesso para humanos, fator que talvez tenha contribuído para que esses felinos ficassem tanto tempo sem ser registrados”, diz.

Para Marion Silva, gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, a descoberta reafirma a importância da Grande Reserva Mata Atlântica na conservação da vida selvagem. “A Grande Reserva é uma oportunidade única para a conservação de uma das áreas mais importantes em biodiversidade do mundo. A presença da onça-pintada, espécie criticamente ameaçada de extinção nesse bioma, mostra o quanto os 2,7 milhões de hectares desse território são valiosos para a fauna, a flora e as pessoas. Esses resultados também demonstram a importância de investir em iniciativas que impactem positivamente a região. A descoberta, certamente, é o início de um novo marco para o território, olhando para as oportunidades e desafios”, reflete Marion, explicando que a Grande Reserva Mata Atlântica faz parte de 60 municípios de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Área prioritária para conservação da onça-pintada

A atuação do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar na localidade integra a Estratégia de Conservação da Onça-Pintada 2020-2030, um programa da Rede WWF em parceria com outras organizações, que contempla 15 áreas prioritárias, em 14 dos 18 países onde o felino ainda vive.

“Essa estratégia é um plano transfronteiriço, com o objetivo de garantir a conservação e recuperação da onça-pintada, especialmente em áreas prioritárias. Essa descoberta é um enorme passo nesse sentido, tendo muito impacto nas ações locais e globais de conservação. Ao proteger uma espécie topo de cadeia, como a onça-pintada, todo o entorno é beneficiado. Agora, esses dados devem ser utilizados estrategicamente para avançar na proteção desses territórios na região e no Brasil. A onça-pintada pode se tornar um símbolo de desenvolvimento sustentável na América Latina, e os esforços dirigidos para a sua conservação podem ajudar os países a cumprirem suas metas nesse tema”, diz Felipe Feliciani, Analista de Conservação do WWF-Brasil.

Nos últimos oito anos, os pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar buscaram a ocorrência da onça-pintada em 6.500 quilômetros quadrados de floresta, utilizando dois métodos científicos: armadilhas fotográficas (câmeras escondidas que registram imagens da movimentação na floresta) e entrevista com moradores de comunidades rurais. Ao todo, foram 98 estações com armadilhas fotográficas e 249 entrevistas que apontaram áreas com o potencial de presença do animal. Os resultados culminaram em registros inéditos para a região de cinco onças-pintadas: duas fêmeas, dois machos e um indivíduo que não foi possível definir o sexo por meio das imagens.

O primeiro registro foi feito em 2018, de um casal, exibindo comportamento de acasalamento e, posteriormente, novos indivíduos em 2019. A presença de fêmeas e machos próximos indica que o uso dessa área pelas onças não é ocasional, mas que estão utilizando-a como parte de seus territórios para patrulhamento e reprodução, segundo Fusco.

O biólogo explica que os novos registros modificaram o status de uma área não ocupada para ocupada de onças-pintadas. “Tivemos um aumento de 9% na área de ocupação de onças na Mata Atlântica e um aumento de 46,9% na ocupação na Serra do Mar, em comparação com as áreas anteriormente estimadas de 37.825 e 7.315 quilômetros quadrados, respectivamente.

A descoberta é ainda mais relevante pela presença confirmada de machos e fêmeas, indicando a existência de uma população de onças com potencial reprodutivo. Segundo Fusco, essa informação classifica o grande bloco de floresta da Serra do Mar paranaense e do litoral sul do Estado de São Paulo como uma área prioritária para conservação da onça-pintada na Mata Atlântica. Uma vez que essa região é contínua a uma outra área prioritária já existente na Serra do Mar paulista, propomos uma expansão de 5.715 quilômetros quadrados a Sul, o que torna o grande bloco de floresta da Serra do Mar paranaense e paulista a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada na Mata Atlântica, totalizando 19.262 quilômetros quadrados”, diz Fusco.

O coordenador acrescenta que, com o monitoramento em larga escala, seria possível entender os padrões e o processo de expansão e retração da população de onças ao longo do tempo e identificar potenciais conflitos de humanos com onças, um dos fatores que levam à morte desses animais por retaliação. “Esses dados são cruciais para a identificação de corredores e áreas de população que requerem proteção, para a mitigação de conflitos e planejamento de conservação. A descoberta é um sopro de esperança para espécie que está criticamente ameaçada de extinção na Mata Atlântica. Mas agora também é uma responsabilidade”, explica Fusco.

O pesquisador ainda reforça a importância de áreas protegidas para a conservação da espécie e a necessidade urgente de ações para reduzir a caça de onças e suas presas (como porcos-do-mato, veados, pacas, tatus e etc) de forma que garanta a persistência e a expansão populacional da onça-pintada ao longo da Mata Atlântica costeira.

Sobre o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar

O “Programa de Monitoramento e Conservação de Grandes Mamíferos na Grande Reserva Mata Atlântica” é uma iniciativa idealizada por pesquisadores do Instituto Manacá e do Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) que tem como objetivo implementar o monitoramento de grandes mamíferos em larga escala, promovendo uma agenda territorial integrada nas ações de proteção e manejo dessas espécies, assim como sensibilizar a sociedade civil da importância da Grande Reserva Mata Atlântica na conservação da vida selvagem.

Acompanhe o programa pelas redes sociais:

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Sobre a Fundação Grupo Boticário

Com 32 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.

57% dos municípios da Mata Atlântica têm menos de 30% de vegetação natural

Agricultura foi o tipo de uso de solo que mais cresceu na Mata Atlântica nos últimos 37 anos. Áreas urbanizadas triplicaram entre 1985 e 2021

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A Mata Atlântica, onde vivem 70% dos brasileiros, está cada vez mais distante de sua configuração original. Segundo os mais recentes dados do MapBiomas para a área de aplicação da Lei n° 11.428, de 2006, que estende os limites desse bioma para 17 estados, apenas 24,3% desse território ainda resiste como formação florestal. Esse tipo de cobertura, que ocupava 27,1% em 1985, caiu para 24,3% em 2021.

Os estados com menor cobertura nativa em 2021 são Alagoas (17,7%), Goiás (19,5%), Pernambuco (23,4%), Sergipe (25,5%), São Paulo (28,4%) e Espírito Santo (29,3%). Mais da metade (57%) dos municípios possuem menos de 30% da vegetação nativa. Já os estados com maior cobertura nativa de Mata Atlântica no ano passado são Piauí (89,9%), Ceará (76,9%), Bahia (49,7%) e Santa Catarina (48,1%).

Além da redução em área, existe um processo de redução da qualidade dessa cobertura vegetal: entre 1985 e 2021 houve uma perda de 23% de floresta madura. Em 37 anos, 9,8 milhões de hectares de vegetação primária foram suprimidos, enquanto 8,8 milhões de hectares regeneraram-se em vegetação secundária. Elas respondem por 26% de toda a cobertura florestal da Mata Atlântica. “As florestas secundárias são essenciais para proteção dos rios, diminuição da distância entre fragmentos e absorção de carbono da atmosfera, mas não possuem a mesma biodiversidade de uma floresta primária. A vegetação secundária também está mais suscetível a novos desmatamentos após um curto período de recuperação e um terço dela não chega a completar 8 anos de idade”, alerta Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

Enquanto a cobertura florestal recua, cresce a área destinada à agricultura: esse foi o tipo de uso de solo que mais cresceu na Mata Atlântica nos últimos 37 anos. Essa atividade avançou 10,9 milhões de hectares. Se em 1985 ela ocupava 9,2% do bioma, em 2021 esse percentual alcançou 17,6%. Nesse período, a silvicultura ganhou 3,7 milhões de hectares, passando de 0,7% (1985) para 3,5% do bioma. Juntos, agricultura e silvicultura já ocupam um quinto da Mata Atlântica.

O uso da terra prevalente no bioma ainda é a pastagem. Embora essa atividade tenha tido uma perda líquida de 10,5 milhões de hectares nos últimos 37 anos, um em cada quatro hectares desse bioma ainda é de pasto, que perde espaço para agricultura, mas ainda avança sobre áreas de floresta. São 32,2 milhões de hectares, ou 24,6% da Mata Atlântica. A agropecuária, agricultura, pastagens, áreas de mosaico de usos e a silvicultura ocupam 60,1% da Mata Atlântica.

A região também passou por um forte processo de urbanização nos últimos 37 anos. As áreas urbanizadas passaram de 674 mil hectares em 1985 para 2,03 milhões de hectares em 2021 — um aumento de 1,4 milhão de hectares. Embora 87,5% da expansão tenha se dado sobre áreas já alteradas, em 1985 12,7% cresceu sobre áreas que eram naturais.

Os efeitos da degradação da Mata Atlântica já podem ser percebidos. Um dos serviços ambientais prestados pelas florestas é produção e proteção de água. No período analisado, de 1985 a 2021, a bacia do Paraná teve sua cobertura nativa reduzida de 22,5% em 1985 para 21,6% em 2021. A do Paranapanema e do São Francisco também tiveram uma redução da cobertura nativa, de 21,3% (1985) para 20,3% e de 57% (1985) para 52,9%, respectivamente.

“Depois de sucessivas crises hídricas afetando dezenas de cidades ao longo da Mata Atlântica, é preocupante ver a capacidade de fornecimento de serviços ambientais deste bioma ser continuamente fragilizada”, adverte Luís Fernando Guedes Pinto, Diretor Executivo da SOS Mata Atlântica. “A preservação do que restou de Mata Atlântica e a restauração em grande escala são essenciais para preservarmos alguma resiliência dessa região à dupla ameaça da crise climática e da crescente irregularidade do regime de chuvas, decorrente do desmatamento da Amazônia”, ressalta, recordando que estamos da Década da Restauração de Ecossistemas da ONU. Alguns exemplos positivos foram a bacia do Tietê, com muito pouca cobertura nativa, mas que passou de 14,29% (1985) para 15,0% (2021) e do Rio Grande, que aumentou de 17,6% para 19,7%.

Mas não foi só a cobertura florestal que diminuiu nos últimos 37 anos. Entre 1985 e 2021 houve uma perda líquida de 9% da área de formações savânicas, sendo que, em 2021, 14% delas eram de vegetação secundária. O mesmo processo pode ser detectado nas formações campestres: elas recuaram 25% entre 1985 e 2021. As restingas arbóreas perderam 12% de superfície.

O levantamento do MapBiomas a partir do mapeamento de imagens respeitou os contornos determinados pela Lei n° 11.428 de 2006, também conhecida como Lei da Mata Atlântica. Com isso, foram analisados todos os remanescentes florestais, incluindo os encraves do Piauí, Ceará e interior da Bahia. Os 465.711 km2 remanescentes da Mata Atlântica são encontrados em 17 estados (a área contínua estende-se por apenas 15 estados).

Sobre MapBiomas

O MapBiomas é uma iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.

Entrevista ao jornal “Terceira Via” sobre o avanço da destruição na Mata Atlântica

Pesquisador da Uenf considera graves os últimos anos para a Mata Atlântica em Campos e região. 

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“O Parque Estadual do Desengano sofre com ações ilegais, seja por caça ilegal ou por desmatamentos”, diz Marcos Pedlowski

Por Ocinei Trindade para o jornal “Terceira Via”

O geógrafo e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Marcos Pedlowski, é um dos entrevistados na reportagem “Desmatamento ainda ameaça o Parque Estadual do Desengano” (clique aqui), publicada pelo Jornal Terceira Via no último domingo (29/05). Nesta entrevista, ele amplia a discussão e faz propostas para a preservação da Mata Atlântica, em Campos dos Goytacazes e cidades da região.

Como avalia a situação do bioma Mata Atlântica no Rio de Janeiro, sobretudo em Campos dos Goytacazes e região?

A situação do bioma da Mata Atlântica está em condição crítica não apenas no Estado do Rio de Janeiro e no munícipio de Campos dos Goytacazes, mas em toda a sua área de cobertura original (do sul do Rio do Grande do Norte até o norte do Rio Grande do Sul). Para piorar,  segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espacial (Inpe) e da ONG SOS, a destruição na Mata Atlântica saltou 66% em 2020-2021, em comparação ao período anterior (2020-2019). É o maior aumento percentual registrado desde o início do monitoramento, em 1985. Até 2010, os dados eram divulgados e englobavam um período de cinco anos.

Esse é um cenário altamente preocupante, na medida em que a Mata Atlântica é o bioma florestal mais devastado no Brasil, apesar de reunir uma alta taxa de biodiversidade e forte endemia de espécies, muitas das quais sequer foram catalogadas até hoje.

Para se ter uma ideia, a cobertura de florestas nativas no Estado do Rio de Janeiro (a Mata Atlântica inclusa) é de 31%, segundo dados divulgados pelo Serviço Florestal Brasileiro, em 2019. Enquanto que, no município de Campos dos Goytacazes, é de apenas 8%. Com isso, temos as matas primárias que estão concentradas nas altitudes mais altas de áreas também mais íngremes, como é o caso da região do Imbé. Assim, ainda que existem pequenos fragmentos espalhados na paisagem, a situação em Campos dos Goytacazes é particularmente precária, grande parte graças à implantação da monocultura da cana de açúcar.

Como avalia a situação da Mata Atlântica concentrada no Parque Estadual do Desengano e região?

Como já adiantei na resposta anterior, a floresta primária resistiu apenas nas áreas de declividade e altitude maiores, enquanto que nas áreas mais planas o desmatamento foi praticamente total.  No município de Campos dos Goytacazes existem fragmentos do bioma da Mata Atlântica espalhados no território do município, mas já vimos que eles estão, muitas vezes, cercados por pastagens e pela monocultura da cana.  Com isso, esses fragmentos tendem a se tornar inviáveis no tempo, pois ficam cercados por estes outros tipos de cobertura da terra; e muitas vezes sob pressão das queimadas utilizadas na limpeza dos campos de cana, como é o caso dos incêndios recorrentes no Parque Estadual de Guaxindiba, em São Francisco do Itabapoana.

Como observa a situação do desmatamento no município e na região onde, por exemplo, o Parque Estadual se situa?

Os últimos anos foram muito ruins para a preservação do que restou do bioma da Mata Atlântica, na medida em que os instrumentos de comando e controle que existiam para a sua proteção foram enfraquecidos ou simplesmente desmontados. Com isso, é quase inevitável que ocorram violações da Lei de Proteção da Mata Atlântica. Eu diria que esse problema em Campos dos Goytacazes não está se manifestando pelo simples fato de que aqui quase não há mais o que ser desmatado; e o que restou está dentro de diferentes tipos de unidade de conservação. Mas o próprio Parque Estadual do Desengano sofre com ações ilegais, seja por caça ilegal ou por desmatamentos na área de amortecimento, que deveria estar isenta de sofrer remoção de floresta primária.

Como vê a questão do reflorestamento e recuperação da Mata Atlântica?

Os recentes acontecimentos em Petrópolis e na região da Costa Verde, principalmente Angra dos Reis e Paraty, demonstra que a presença da Mata Atlântica é fundamental para a proteção das próprias áreas urbanas, na medida em que áreas vegetadas podem resistir mais aos grandes eventos meteorológicos. Além disso, as florestas prestam uma série de serviços ambientais, a começar pelo fornecimento de água e regulação climática.

Assim, manter o que se tem e iniciar programas de reflorestamento deveria ser uma meta estratégica dos diferentes entes de governo, já que os serviços ambientais que a Mata Atlântica possui um valor econômico tremendo, seja como fonte de recursos ou como barreiras contra grandes desastres.

Lamentavelmente, a situação atual tanto em nível estadual como municipal é muito ruim, pois estamos sob governos que não conseguem, ou, sequer tentar entender, a importância de se investir recursos na proteção e na recuperação da Mata Atlântica e de outros biomas importantes, como é o caso das restingas e manguezais.

Acredita que seria possível recuperar áreas degradadas? De que maneira?

A recuperação das áreas degradadas possui uma farta literatura científica e técnica, e não é porque de conhecimento que inexistem políticas e projetos para sua implementação. Mas para que se inicie qualquer esforço de recuperação, os governantes precisam aceitar que os recursos que são usados neste tipo de ação não são gastos, mas investimentos.  Sem isso, não há sequer como começar conversas que resultem na transmissão do conhecimento acumulado para os técnicos que estão dentro das diferentes agências ambientais de cunho ambiental.

Qual o papel do poder público nessa questão de combate ao desmatamento?

Creio que a primeira reação a esse tipo de pergunta é de que o poder público precisa usar seu poder de polícia para identificar e garantir a punição dos responsáveis por desmatamentos. Mas eu diria que essa, talvez, seja a parte menos impactante do que os governos podem fazer; ainda que seja necessária para impedir que se estabeleça o tipo de clima de permissividade que estamos atualmente assistindo no Brasil, em relação a crimes ambientais.

Para mim, a prioridade deveria estar no desenvolvimento de mecanismos de incentivo para proprietários da terra para que invistam na proteção e ampliação das áreas de florestas.  Se isso for feito de forma consistente, é provável que o sucesso seja maior do que simplesmente usar o poder de polícia.

Por outro lado, há que se fortalecer a criação e funcionamento de órgãos ambientais, já que só com isso haverá a chance de que possamos ter uma melhor sintonia entre a necessidade de conservação e a criação de uma condição de governança em que todos saiam ganhando, em vez de termos uma minoria ganhando enquanto a maioria perde. Aqui em Campos dos Goytacazes começaria, por exemplo, pela recriação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, cuja extinção pelo prefeito Wladimir Garotinho considero um erro crasso, e que demonstra cabalmente a persistência de uma mentalidade que ignora a importância da preservação ambiental, em especial da proteção das florestas.


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Este texto foi originalmente publicado pelo jornal “Terceira Via” [Aqui!].