Dos pampas à planície, a hegemonia da mentira

pinoquio

Por Douglas Barreto da Mata

Uma grande discussão nacional (e internacional) se instalou desde que as redes sociais avançaram do entretenimento para a produção de conteúdo “informativo”.  Esse processo já estava em andamento nas mídias empresariais, com o caso clássico do Canal FOX nos EUA, que, rapidamente, virou padrão neste hemisfério.  No caso das mídias digitais, nem sempre foi possível separar as coisas, e a veiculação de “notícias” pareciam mais com shows de variedades (horrores, para ser exato).

De certa forma, esse fenômeno se acelerou e contaminou todas as mídias chamadas tradicionais que, desesperadas pelo derretimento de sua relevância (audiência), correram atrás de formato de veiculação de notícias e conteúdos chamados “informativos”.

Hoje, é possível dizer que tanto a mídia digital alimenta as redes empresariais, quanto o contrário, e esta simbiose, por sua vez, alimenta uma nova disputa:  a hegemonia da mentira.

Os meios de comunicação tradicionais nunca estiveram a serviço de nenhum interesse público, pelo menos não o interesse da coletividade entendido como a representação das demandas reais (e não as inventadas) da sociedade e dos mais pobres, como por exemplo, a luta contra as desigualdades sociais.

Isso não é surpresa, afinal, a mídia empresarial, como o nome mesmo diz, é constituída de empresas que visam o lucro, mas também têm por como objetivo principal sustentar ideologicamente o sistema que permite e amplia sua existência, o capitalismo.

A mídia sempre mentiu, seja em debate presidencial em 1989, seja no caso Escola Base ou Bar Bodega, seja em tantos outros episódios de “condenações” apressadas, injustas e ilegais, funcionando como um tribunal inquisitório, onde as edições “prendem, processam, julgam e executam sentenças”.

O caso da farsa jato é só o mais recente.

Essa natureza intrínseca da mentira também é comum às mídias digitais, originadas a partir de plataformas gigantescas, que espreitam para engolirem as últimas formas de mídias consideradas tradicionais. Tudo se acentua com o avanço de outra forma de digitalização, neste caso a econômica, através do avanço de fundos de investimentos que movimentam trilhões e trilhões de dólares irresistíveis.

Se antes havia pouca chance de que algum conteúdo fosse de interesse social e público, de verdade, com um ou outro canal de comunicação que ousasse resistir, hoje é quase impossível.  A migração da comunicação do universo dos espaços de concessão para o território da internet é um duro golpe na capacidade estatal de controlar e regulamentar estes meios, e isso parece fácil de identificar, não só nas bravatas no imbecil cretino Elon Musk, como nos efeitos reais do poder e monopólio econômico de sua empresa e de outras do setor, que sequestram e ameaçam bloquear dados e acessos necessários, inclusive, a gestão estatal.

Vale a pena mencionar as graves intervenções em processos eleitorais, como o dos EUA, ou do Brasil, e, de fato, essas intervenções também se deram pelas mídias tradicionais.  A chamada liberdade de imprensa ou de expressão, agora sem controle algum, como sempre advogaram as elites e seus lacaios da mídia, colocam parte dessas elites e os seus jornalistas de coleiras sob um regime de medo. 

Mas não se enganem, não haverá nenhum pobre ou trabalhador beneficiado dessa luta. Nem há uma luta sincera para que haja um controle social capaz de beneficiar a toda sociedade, e não só a parte endinheirada dela. O que se pretende é o controle da fábrica de inverdades.

É uma disputa pela primazia de distorcer, mentir e colocar nas cordas qualquer governo ou representação que, de forma pálida, estabeleça uma agenda um pouco mais progressista.  Alguém disse, e não me recordo ontem, que esse é o “totalitarismo democrático capitalista”, o ápice do controle, onde você escolhe dentre as possibilidades que já determinaram antes.

Lá nos pampas alagados, as redes digitais têm uma tabela forte com as mídias empresariais.

Enquanto as redes digitais fazem o trabalho mais bruto, mas porco de saturar a audiência com boatos e imagens falsas, o sistema de comunicação concedido (TV) e outros geram conteúdos um pouco mais sofisticados, mas que, sem dúvida, são complementares aos boatos grotescos, como o helicóptero da empresa de varejo em salvamento dos atingidos.

Você pergunta:  mas como uma coisa tem a ver com a outra?  Explico: a construção da narrativa dos pampas alagados, o gauchoquistão, é levar a crer que o Estado, ou os poderes constituídos não fazem nada pelos desabrigados.

Junto a esta imagem, um governador impotente, pedinte, chorão, exaltando os voluntários (privados), e ignorando os esforços de centenas e centenas de servidores públicos, de todos os cantos do país, e a montanha de recursos federais que receberá, enquanto pede mais e mais.

Bem, no meio de tudo, a mídia esconde, criminosamente, o debate sobre as causas do desastre, o setor agro, o setor industrial e os fundamentalistas que militam contra as leis ambientais e licenciamentos, enfim, o pessoal do “passa boi, passa a boiada”, que obtiveram do governador chorão a “licença para devastar” o bioma do gauchoquistão, e fazer com que afundasse nos charcos.

Esse discurso casa perfeitamente com a boataria das redes sociais, que distraem a choldra, enquanto incutem as noções mais caras ao jornalismo mais sofisticado, mas igualmente criminoso, e vice-versa, pois, como dissemos, são complementares.

Voando até a planície campista, a indústria midiática também faz das suas.  Com o início das eleições, ou pelo menos, do período pré-eleitoral, as redes digitais e televisivas afiam as garras e o apetite.  É a hora que governantes e postulantes ao governo, parlamentares e candidatos a sê-lo ficam mais frágeis.

Não é novidade que há dois grupos políticos em disputa na cidade, e cada um com seu tratamento de mídia, com suas equipes.  A tarefa dos comunicadores do governo parece ter sido mais bem sucedida, tanto pela gestão que resultou na aprovação do Prefeito Wladimir Garotinho, como pela própria capacidade dele mesmo (o prefeito) em se veicular, a partir de suas redes sociais.

A luta dos oposicionistas parece mais inglória.  Um dos profissionais envolvidos, que já fez parte de um veículo local, pode-se dizer um azarado.  Afinal, ele, Alexandre Bastos, foi Secretário de Comunicação do pior governo da história de Campos dos Goytacazes, e isso logo depois desse governo ter sido eleito com uma votação acachapante, e ter derrubado o candidato da família Garotinho. Do céu ao inferno em quatro anos, podemos dizer.

Como prêmio, Bastos, que todos dizem ser uma boa pessoa, simpático e de trato pessoal polido, ganhou um cargo na Assembleia Legistativo do Rio de Janeiro (Alerj), para cuidar da comunicação do atual presidente Rodrigo Bacellar.  Pois bem, novamente, que azar.  O presidente da Alerj está perto da cassação, porém isso não pode ser, totalmente, imputado ao Bastos. 

Já na cidade de Campos dos Goytacazes a coisa aperta mais um pouco.  Mesmo sem vínculo institucional, é pública e notória a liderança do presidente da Alerj, que subordina seu irmão presidente da Câmara local, e escalado para ser o antagonista principal do prefeito Wladimir. 

Por óbvio, a estratégia de comunicação fica a cargo de Bastos, que controla, direta ou indiretamente, alguns canais digitais, e indiretamente, através da influência sobre a TV e outras mídias, manejando as verbas publicitárias generosas que foram colocadas à disposição dele.

É aí que a porca torce o rabo.  O resultado é pífio, hoje o presidente da Câmara está menor que ao assumir a presidência, e o grupo político que representa patina, fazendo leilão de candidaturas ou melhor, um ENEM de candidatos, que insistem em não se mostrarem viáveis.

O  uso dos truques conhecidos, com distorção e manipulação só parecem funcionar em ambientes e conjunturas específicas, e aqui em Campos dos Goytacazes não deram, até o momento, resultado.

Um exemplo:  hoje, dia 18/05/2024, no telejornal da repetidora da Globo, na hora do almoço, os âncoras chamaram uma matéria sobre um veículo aéreo não tripulado, “drone”, que custou a quantia “X”, e deveria ser usado pela Defesa Civil em desastres naturais, e que, embora licitado e contratado, não foi entregue. Sugestão da matéria ao espectador:  a prefeitura pagou e não levou. 

Porém, isso foi desmentido no curso da reportagem, quando soubemos que o material não foi entregue, mas não foi pago, e a empresa só receberá mediante apresentação, enquanto a municipalidade adota medidas jurídicas para a infração contratual.

Funciona? Em alguns casos sim, mas não tem funcionado.

Assim como a desesperada utilização dessa mesma rede de TV, junto com o sítio de um jornal local, para alavancar o interesse da população pelas ações da DEAM, elevando casos diários de violência contra mulher e violência doméstica ao grau de interesse máximo.

São assuntos importantes e necessários?  Óbvio, mas a pergunta é: não foram sempre? Por que o repentino interesse?

Ora, o arranjo aqui é a tal da mensagem subliminar (na certa os comunicadores modernos têm um anglicismo para isso), quando a mídia destaca um assunto, e depois, por milagre, esse assunto é vinculado a um produto, neste caso o produto é a candidatura da ex titular da Delegacia da Mulher (DEAM).

Um olhar rápido, na página do jornal, mostrará que o assunto DEAM/violência doméstica, em certos dias, têm três matérias acumuladas, de cima a baixo na “geografia do site”, desde as chamadas em destaque, para os leitores de manchetes, até o pé da página, onde vão os leitores mais atentos.

Neste caso, da violência contra mulher, há um dado curioso e grotesco. Essas mesmas redes de comunicação, que fazem uma blitz sobre o tema, diariamente, parecem ter um olhar seletivo (como sempre?).

Onde está o acusado de assédio sexual contra as colegas em ambiente de trabalho, que até bem pouco tempo comandava este mesmo telejornal, e não raras vezes se mostrou indignado contra abusadores e agressores?

É este tipo de hipocrisia que parece ter subtraído a legitimidade, “o lugar de fala” dos comunicadores da oposição que, até hoje não se explicaram porque apoiaram o pior governo da História (como se não fosse com eles), e porque insistem em reeditar essa aliança retrógrada para destruir o que foi recuperado.

Como diz a propaganda famosa de uma montadora italiana: “está no hora de (Bastos) rever seus conceitos”.