Porto do Açu: um enclave isolado que é uma ameaça à mobilidade urbana em Campos

Sobre o Porto do Açu - Portogente

Construído como enclave portuário, o Porto do Açu só tem acesso viável pelo mar

No dia 7 de julho de 2024 (quase três meses atrás) publiquei neste espaço um mosaico de imagens produzidas no portão principal da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) mostrando um pouco do caos causado no trânsito campista pelos caminhões indo e vindo do Porto do Açu.  Aquela postagem atraiu pouca atenção e foi ignorada por quem deveria estar cuidando da segurança dos usuários das vias urbanas campistas, os dirigentes do Instituto Municipal de Trânsito e Transporte (IMTT).

A verdade é que, mesmo funcionando de forma muito abaixo da sua capacidade construída, o Porto do Açu e sua falta de conexão viária ou ferroviária vem causando fortes impactos na mobilidade urbana em Campos dos Goytacazes, colocando em risco motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres que precisam se aventurar pelas mesmas vias em que se locomovem caminhões super pesados que as utilizam como se estivessem em Interlagos.

Apesar do recente atropelamento e morte de uma ciclista ter causado forte repercussão, ao longo dos últimos meses já era possível verificar que o perigo causado pelo trânsito de caminhões vem aumentando significativamente. A causa disso é uma combinação de vários fatores, a começar pelo tamanho e peso desses super caminhões (ver exemplos abaixo na mesma entrada principal da Uenf).

Outra coisa é que a cidade de Campos continua com um sistema de sistema e controle de tráfego ultrapassado e abaixo das necessidades impostas pela realidade de uma cidade média. Aqui inexistem radares de velocidade ou outros mecanismos de controle já existentes até em cidades menores. Com isso, se fomenta uma forte indisciplina no trânsito de veículos e se estimula uma situação do salve-se quem puder. E nesta situação quem mais pode se salvar são os caminhões vindos do Porto do Açu, sendo ciclistas e pedrestres os principais alvos para tragédias.

Mas mesmo se a estrutura de monitoramento e controle de trânsito não fosse tão precária, o risco continuaria.  Isso se deve ao fato de que o Porto do Açu foi constituído como um enclave portuário desprovido de vias de acesso que comportassem o fluxo de veículos que sua existência causaria, mesmo em na versão ociosa que é a que temos neste momento.  Beirou a irresponsabilidade completa se colocar essa estrutura portuária em uma área que não possui nem uma rodovia ou ferrovia que pudesse facilitar a logística de transportes.  Com isso, a chegada de caminhões de carga vindos de diferentes direções certamente está causando impactos não apenas na cidade de Campos dos Goytacazes, mas nas rodovias de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Agora que, premido pelas evidências dos riscos criados pelo Porto do Açu na mobilidade urbana em Campos, o prefeito Wladimir Garotinho se viu obrigado a fazer o óbvio: proibir o trânsito dos caminhões do Porto do Açu nas vias internas da cidade, e o bode está exposto no meio da sala, digamos assim.  É que sem poder transitar por vias como as avenidas Arthur Bernardes e Alberto Lamego, por onde irão fluir as cargas do enclave conhecido como Porto do Açu? É uma verdadeira sinuca de bico, onde ninguém quer ser pai desse filho feio.

Não posso deixar de notar a anedótica nota da seção local da moribunda Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) que alertar para o impacto de se tirar supostos 12.000 caminhões da circulação interna da cidade de Campos. Primeiro que 12.000 caminhões é um número fantasioso destinado, muito provavelmente, a tentar agradar os donos do Porto do Açu. É que se tivéssemos 400 caminhões indo e vindo do Porto do Açu, o caos seria muito maior do que é.  Mas passado esse aspecto, o que salta aos olhos dessa nota é a completa falta de preocupação com a população de Campos que precisa circular pelas mesmas vias que os caminhões.  Não li na nota nenhuma cobrança pela melhoria dos sistemas de monitoramento e controle da velocidade, aumento de policiamento nas ruas, ou coisas do gênero.  O que a Firjan parece propor é que se deixe tudo como dantes no quartel de Abrantes, e que se salvem aqueles que forem mais hábeis.

Como antevejo que as pressões vindas do Porto do Açu e dos seus apoiadores governamentais fatalmente imporão o retorno do trânsito dos caminhões super pesados nas artérias principais da cidade, o que eu espero do prefeito Wladimir Garotinho é que coloque o IMTT para fazer o que não fez até hoje que é implantar um sistema de monitoramento e controle de velocidade em toda a cidade de Campos. É passada a hora de que se tome as providências necessárias para melhorar o grau de segurança nas ruas e avenidas.  

Ah sim, e que se mande a conta para o Porto do Açu porque até aqui desse enclave só se teve promessas vazias e externalização de seus impactos sociais e ambientais para a nossa cidade. 

O que é ruim sempre pode piorar, e o IMTT conseguiu exatamente isso

roberta

Por Douglas Barreto da Mata

Não há nada que se aproveite na gestão municipal de mobilidade urbana em Campos dos Goytacazes. O IMTT, através de seus administradores, revelou-se totalmente incapaz de dotar o município de um plano mínimo de mobilidade.

Não se trata apenas (que já seria muito) de organizar, planejar e regulamentar o transporte público, com ênfase nos modais de maior capacidade, com emprego de ônibus, VLT, trens, recuperando a malha que serviu a movimentação desde a sede até o interior da cidade.

Há, por fim, a possibilidade (remota) de uso de veículos aquáticos, aproveitando o curso do Rio Paraíba, reduzindo a carga de demanda em horários de pico, entre as duas margens, com integração com outros modais. Isso requer tempo, investimento e, acima de tudo, o binômio: vontade política e capacidade, que o IMTT já demonstrou não ter.

Eu falo de coisas mais imediatas e dramáticas.  Como previsto, a recuperação da malha asfáltica, junto com a implementação de programação de semáforos, com o objetivo de aumentar a velocidade média das vias, as chamadas “ondas verdes”, aumentam, geometricamente, o índice de sinistros de trânsito na cidade.

Na verdade, deveriam se chamar “ondas vermelhas”, da cor do sangue das vítimas de incidentes de trânsito.

Com isso, aumentam os efeitos subsidiários, que impactam os três níveis orçamentários da federação, como: internações, incapacitações, os sistemas previdenciários, e por derradeiro, aquilo que não se pode calcular, o preço da vida e da integridade física das pessoas.  Nem as chamadas ciclofaixas, inseridas neste contexto caótico de aumento de velocidade dos veículos, podem ser consideradas um avanço.

Junto com isso tudo, a total ausência de repressão das infrações de trânsito, de uso de radares, redutores de velocidade, presença de agentes, enfim, qualquer coisa que contenha a fúria assassina dos donos de veículos, proporcionam a tempestade perfeita.

Afinal, de quem é a cidade? Não será exagero dizer que, ao menos no trânsito, Campos dos Goytacazes é uma cidade sem lei.  Quer dizer, tem lei sim, a lei do cão, a lei do mais forte.

Há na planície campista uma ditadura dos carros? Então, corram para as montanhas.

Classe social e mobilidade: como a qualidade do transporte público revela que tipo de sociedade somos

Campos-Onibus

Por Douglas Barreto da Mata

O ir e vir, ou seja, o direito de locomoção, que na vida moderna e pós-moderna se expressa através dos meios de transporte, é marca indelével do estágio civilizatório no qual nos encontramos…

Desde que o capitalismo se tornou o sistema econômico hegemônico, que domina todas as sócio reproduções, o transporte foi um ponto nevrálgico para a acomodação da necessidade de levar a força de trabalho até o local de produção…

Antes, no sistema feudal, e depois, com os “burgos” pré-capitalistas, geralmente eram curtas as distâncias entre os trabalhadores (servos, artesãos, lavradores autônomos, etc) e os seus locais de trabalho e de convivência…

Isso não quer dizer que estes trajetos eram fáceis, apesar de serem relativamente pequenos. De todo modo, ainda que tecnologicamente, a mobilidade fosse sofrida, ela era exercida com maior frequência. 

Como os sistemas de trocas eram intensos e importantes, o fato é que não havia um deslocamento em massa de pessoas, bens e serviços, como aconteceu a partir da época das viagens ultramarinas de Portugal e Espanha, e da 1ª Revolução Industrial…

Há um dado interessantíssimo, para se ter a ideia do gargalo criado pelo capitalismo, e que impede a livre circulação de pessoas, ao mesmo tempo que move mercadorias e dinheiro de forma frenética:

No século XV e XVI, o número proporcional de pessoas realizando viagens transcontinentais era muito maior que o de hoje, e isso considerando a enorme diferença de comodidade e segurança entre as caravelas e os aviões, só para dar um exemplo…

Bem, é isso que o sistema capitalista apresenta, e essa circunstância confirma a lógica de classes, que se repete como em todas as outras formas de sócio reprodução capitalista, e que assim pode ser resumida:

Quanto mais pobre, pior será a forma de seu deslocamento, e ainda que lhe digam que você tem liberdade de ir e vir (grande mentira)…

A liberdade (plena) de ir e vir é qualidade dos mais ricos, e quanto mais rico for, melhor e mais confortável será a forma de se mover pelo mundo…

Campos dos Goytacazes não é uma ilha, óbvio. Aqui também prevalece a máxima conhecida em todos os cantos periféricos do mundo…em que pese uma ressalva necessária:

Visitei alguns países “hermanos” vizinhos e posso afirmar:  Nenhum país tem um transporte público tão caro, ruim e caótico como o Brasil.  A diferença é abissal, e de fazer vergonha, já que somos o maior PIB desse lado (sul) do continente. A comparação é sempre algo temerário, são processos históricos distintos, geografias, etc.

Porém, um fato é imutável:  As capitais e grandes cidades da Argentina, Chile e Uruguai (sendo que na Argentina fui por duas vezes, e Chile, idem) detêm um sistema de transporte que as aproxima da Europa, enquanto o Brasil está bem próximo da África…

Como eu disse, a planície goitacá não é exceção neste caso, embora, ao contrário de boa parte das grandes e médias cidades, Campos dos Goytacazes e as petro cidades tenham usufruído de enormes folgas orçamentárias desde 2000 até ontem, pelo menos…

Com pequenas diferenças, não é leviano dizer que todas estas cidades têm sistema de mobilidade muito aquém das possibilidades de seus orçamentos, e incluo aí até as experiências de São João da Barra e Maricá, onde a gratuidade é considerada um grande avanço. Mais tarde veremos que não,

Primeiro, vamos afastar um argumento bem surrado neste assunto, aquele que nos informa que nossos sistemas de transportes públicos são difíceis de implementar, com razoável eficiência, porque a cidade é muito extensa. 

Aí eu pergunto:  É o caso de fatiar administrativamente a cidade, como querem aqueles que, chamados de “loucos”, pregam a emancipação de Guarus e da Baixada Campista”?  Acho que não é o caso, não é?

Nossas autoridades, e eu não ousaria questionar os motivos, não assumem para si a responsabilidade de agir como poder concedente, para começar.  Agem como se os donos de empresas de ônibus fossem os donos da cidade e do direito à locomoção das pessoas.  Esse fenômeno não é exclusividade local, se olharmos a capital do estado do Rio de Janeiro, de outras capitais de outros estados da Federação, e boa parte das cidades de porte médio e grande.

Porém, não seria exagero dizer que Campos dos Goytacazes injetou um oceano de reais no setor de transportes públicos, seja como subvenção, sejam como incentivos, através de investimentos por fundos públicos (FUNDECAM)…

Nem vou mencionar possíveis dívidas e perdões tributários.  Resultado? Nenhum!

Vamos dar o benefício da dúvida ao atual governo, e tomar como sinceras as iniciativas de resolver o problema.  Perguntamos, porém, como pretendem, já que nenhuma proposta consistente foi anunciada, para além das obras civis, e anúncios de sistemas de cobrança (bilhetes) e outras perfumarias.

A questão crucial é: Quem é que vai pagar a conta?

Sim, eu arrisco dizer que, sem definir, de antemão, quem será o financiador do sistema, não há chance de sucesso, ou pior, a depender do modelo, já nasce aleijado e fadado a arrastar-se, como o atual.

Há quatro envolvidos nos sistemas de mobilidade urbana: 1)  Usuário; 2) poder (público) concedente, 3) concessionário (empresas de transporte), e 4) os empresários, que são empregadores dos usuários…

Dentre estes, é preciso  determinar qual a relação que mantém com o sistema.  Explico:  O usuário usa o transporte para trabalhar e garantir a sua sobrevivência, principalmente. Há outros subgrupos dentre os usuários, como estudantes, idosos, desempregados, etc, que se locomovem sem fins pecuniários.

Mas efetivamente, o principal cliente dos sistemas de transporte são os trabalhadores. Eles debitam de seus ganhos (salários) o custo com o transporte, isto é, pagam para ir ao trabalho.

Já os concessionários (empresas de transporte) e empregadores (patrões) usam o sistema de transporte para o lucro, sendo o grupo de empresários de transporte com lucro direto (com a venda do serviço transporte), e os empregadores (patrões) de forma indireta (com o trabalhador que gera lucro e se desloca de casa até o trabalho).

O poder público é instância que arrecada tributos da atividade de transporte, ao mesmo tempo que destina grande parte do orçamento público para manter o sistema, com vias, controle de trânsito,  equipamentos de socorro em sinistros, etc.

Também há um custo ambiental que é suportado por todos, mas cujo custo financeiro-orçamentário, geralmente, é pago por sistemas públicos de saúde, em grande parte, e/ou complementares, em menor parte, com os planos pagos pelos usuários.

Em resumo, no fim, quem paga o pato (e as contas) são os usuários e o poder público.

Esta lógica tem que ser invertida, ontem. Maricá é chamada de exemplo, assim como São João da Barra, que passaram a arcar com os custos totais dos seus sistemas.  Triste constatar que são cidades que são referência da esquerda fluminense, pois São João da Barra teve uma prefeita petista, e Maricá ainda é governada pelo PT.

O que estas cidades fizeram foi privatizar recursos públicos, dando de graça a empresários empregadores o transporte de seus empregados.  Mais capitalista que isso, impossível, e como se vê, nem tudo que leva a insígnia de PT pode ser chamado de esquerda, aliás, cada vez menos.

Então, qual seria a solução?  Dar a César o que é de César…

A maior parte do custo do transporte tem que ser provido pelos empresários, através de aquisição de bilhetes para seus trabalhadores, sem que isso possa ser debitado em seus salários (até os limites legais), e isso deve ser exigência para todos empregadores, na proporção progressiva de seus faturamentos.

Uma pequena parte deve ser cumprida pelos trabalhadores.

Os empresários de transporte devem ser banidos do sistema, já que nunca ofereceram qualquer serviço de mínima qualidade, mesmo que tenham absorvido um oceano de recursos…

A partir de então, a cidade deveria municipalizar seu sistema de transporte, com a contratação de empregados do setor, que se organizam em regime de cooperativa.

A prefeitura, com sua estrutura financeira, proporciona as garantias contratuais para aquisição ou leasing pela cooperativa dos veículos, e de toda a estrutura de serviços relacionados (oficina, almoxarifado de peças de reposição, etc), e isso pode ser feito através do FUNDECAM, que enfim, poderia fazer jus ao seu nome.

Seria desenvolvido um aplicativo para usuários (uso do sistema) e dos gestores, com controle por GPS do trânsito da frota, e regulação de horários e demandas.

Haveria sistema complementar para as linhas e horários de menor demanda, funcionando como sub sistemas alimentadores em pontos de integração. O bilhete seria contratado por tempo, e não por viagem. Alteração de vias para a circulação dos veículos em corredores exclusivos.

Enfim, uma série de soluções já conhecidíssimas, e que estão em funcionamento em outras cidades de países vizinhos.

Por último, há uma medida que julgo indispensável: A criação de um conselho de usuários, cooperativa e poder público (com a maioria dos votos) e de empresários (minoria de votos).

Jeito tem, é só ter coragem.