Para salvar a Amazônia , não bastará conter o desmatamento para reverter o estrago causado no governo Bolsonaro

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Uma observação dos dias iniciais do governo Lula e das ações da sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indica que, ao menos no discurso, o governo federal voltará a agir para conter o desmatamento e a ação desenfreada de uma ampla gama de saqueadores que agiu livremente desde janeiro de 2019.  Um dos problemas a ser tratado inicialmente tem a ver com a retomada das estruturas de comando e controle que permitiram o controle das taxas de desmatamento entre 2003 2016, as quais foram explicitamente desmontadas por Jair Bolsonaro e seu anti-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Mas essa é apenas uma das muitas questões que terão de ser atacadas sob pena dos discursos iniciais não terem como consequência as ações que os mesmos ensejam.

Para mim que tenho estudado as diferentes dimensões do problema amazônico, um passo que precisa ser tomado para que haja alguma chance de se alcançar um cenário mais positivo na Amazônia é reconhecer que o processo de desmatamento não é mais o único (e talvez nem o mais importante) a afetar a sustentação das florestas amazônicas, pois hoje a degradação florestal se tornou algo igualmente ou até mais preocupante, como já ficou demonstrado no artigo que foi publicado pela revista Science em setembro de 2020, dos quais sou m dos autores. Entender que há uma dinâmica que combina desmatamento e degradação implicará na necessidade de superar compromissos anteriores com o chamado “Desmatamento Zero”, pois de nada adiantará não desmatar mais, se for permitido que diferentes atores continuem degradando legal ou ilegalmente as florestas amazônicas.

A partir disso há que estabelecer metas sérias para não permitir a intrusão de usos da terra que hoje são legitimados a partir do chamado “desmatamento legal” ou de compromissos feitos com base em critérios de permitir determinados plantios em áreas de desmatamento antigo, como foi o caso da Moratória da soja“. Tais compromissos só escondem a condescendência com o avanço da fronteira agrícola, pois a comunidade científica já demonstrou que a pressão por mais produção só é resolvida pelo aumento da área desmatada, como é o caso das culturas de exportação como soja, milho e cana de açúcar.

Além disso, há que se superar a ideia de que os problemas da Amazônia só serão resolvidos com a doação de bilhões de dólares por parte de governos estrangeiros, como no caso do Fundo Amazônia. Uma análise mais detalhada das reservas brasileiras mostra que o Brasil possui muito dinheiro estocado na forma de reservas, mas que a ação preferencial no seu uso é pelo pagamento da impagável dívida pública que só faz mesma a alegria das grandes instituições financeiras globais. De certa forma, quando países como Noruega e Alemanha “doam” dinheiro em troca de preservação ambiental, seus governos estão agindo para proteger os interesses dos controladores de grandes fundos financeiros globais que lucram com a especulação em torno da dívida brasileira.

Há ainda que se citar a necessidade de, a partir da reconstrução das cadeias de comando e controle, agir para identificar e punir os que se beneficiam da pilhagem das riquezas amazônicas, incluindo as grandes corporações de tecnologia que hoje estão entre as principais consumidoras do ouro que é retirado ilegalmente de terras indígenas. Mas o mesmo pode ser dito da madeira, pois um dos méritos (ou seria deméritos?)  da gestão de Ricardo Salles foi mostrar que há um fulgurante mercado internacional para a madeira roubada de unidades de conservação, terras indígenas e áreas públicas.

Por último, mas não menos importante, o governo Lula deveria abandonar imediatamente projetos para pavimentar estradas ( a polêmica BR-319 é um perfeito exemplo disso) e construir novas hidrelétricas. É que essa fórmula que mistura pavimentar e represar está na base dos usos insustentáveis da terra na Amazônia, e não será adicionando mais dessas estruturas que vamos chegar a um novo cenário. Achar que se poderá conter a destruição oferecendo as ferramentas que as possibilitam beira um exercício de auto enganação ou de um desejo  subliminar de deixar que a boiada continue passando.

Por todos os elementos que apontei acima, entendo que não será suficiente se apostar em um cenário pré-2016 para que se garanta as mudanças que a situação amazônica requer neste momento.  É que o avanço da franja de desmatamento e da degradação já coloca a Amazônia diante daquilo que diversos cientistas já definiram como um “ponto de não retorno“.  Isso implica que há que se avançar não apenas no entendimento do tamanho do problema, mas também de um compromisso com a criação de um modelo de desenvolvimento que além da dependência de se desmatar e degradar para gerar algum nível de atividade econômica.

Moratória da soja: brecha continua permitindo desmatamento em fazendas de soja na Amazônia brasileira

Dados de satélite mostram floresta tropical desmatada para gado e milho em fazendas que cultivam soja, minando as alegações de que a cultura está livre de desmatamento

desmatamentoDesmatamento em Nova Xavantina, Mato Grosso, Brasil. O desmatamento na Amazônia atingiu uma alta de 15 anos no ano passado. Fotografia: Amanda Perobelli/Reuters

Por Lucy Jordan, Alice Ross, Elisângela Mendonça, Andrew Wasley e Liam Slattery para o “The Guardian”

Mais de 1.000 quilômetros quadrados de floresta amazônica foram derrubados para expandir fazendas de soja no estado brasileiro de Mato Grosso em um período de 10 anos, apesar de um acordo para protegê-lo, de acordo com uma nova investigação.

Em 2006, foi introduzida a histórica moratória da soja na Amazônia , proibindo a venda de soja cultivada em terras desmatadas após 2008. De 2004 a 2012, o desmatamento na Amazônia caiu 84% .

Mas nos últimos anos o desmatamento subiu vertiginosamente , atingindo uma alta de 15 anos no ano passado – encorajado, dizem os ativistas, pela retórica e políticas anticonservacionistas do presidente Jair Bolsonaro .

Com a moratória se aplicando apenas à soja, os agricultores puderam vender a safra livre de desmatamento, enquanto ainda limpavam a terra para gado, milho ou outras commodities.

Para mapear o desmatamento, pesquisadores da ONG brasileira Instituto Centro de Vida, juntamente com o Unearthed do Greenpeace e o Bureau of Investigative Journalism, analisaram dados de satélite de terras onde a soja estava sendo cultivada no estado de Mato Grosso, que se estende pela parte sul do Amazonas. O estado produz mais soja do que qualquer outro lugar no Brasil.

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Eles descobriram que, embora os estudos mostrem que a moratória impediu com sucesso a conversão direta da floresta tropical em campos de soja, o desmatamento continuou. Os agricultores estavam limpando a terra para cultivar outras commodities além da soja, com 450 quilômetros quadrados de floresta tropical – equivalente em tamanho à Grande Manchester – derrubados no Mato Grosso entre 2009 e 2019, de acordo com a pesquisa.

Holly Gibbs, professora de geografia e estudos ambientais da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, disse: “Ao mesmo tempo em que os produtores de soja cumprem a moratória, eles continuam desmatando ilegalmente para outros fins”.

As revelações minam as alegações dos supermercados de que a soja não está mais ligada à perda da floresta amazônica.

A soja é uma commodity chave usada por produtores de leite, gado, porcos e aves na Europa e no resto do mundo para alimentar seu gado.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), principal associação de comerciantes de soja no Brasil, disse que a moratória resultou em reduções significativas do desmatamento em municípios produtores de soja.

“Se a soja for plantada em polígonos [uma área entre um conjunto especificado de coordenadas] com desmatamento após 2008, toda a fazenda é considerada não compatível com a moratória da soja”, disse a Abiove em comunicado.

Análises anteriores sugeriram que mais de 1 milhão de toneladas de soja usadas por pecuaristas do Reino Unido para produzir frango e outros alimentos em 2019 podem estar ligadas ao desmatamento.

Gibbs disse que a pressão dos compradores de soja na Europa e nos EUA é necessária para parar o desmatamento. “A legislação na UE, no Reino Unido e nos EUA aumenta as apostas desse desmatamento em andamento nas propriedades de soja. A indústria da soja poderia considerar ampliar a moratória da soja na Amazônia para fechar a porta a todo o desmatamento relacionado à soja.”

O professor Raoni Rajão, especialista em agricultura da Universidade Federal de Minas Gerais, disse que as regulamentações atuais são insuficientes. “Apenas as áreas específicas onde a soja é cultivada são monitoradas, não toda a propriedade. Os agricultores já perceberam essa brecha.”

O Retail Soy Group, que representa os principais varejistas, incluindo Sainsbury’s, Tesco, Lidl e Waitrose, reconheceu que há limitações na moratória e disse que as novas alegações “destacam ainda mais a necessidade de fortalecer as proteções legais desses ecossistemas vitais”. Inscreva-se na atualização mensal de Animals Farmed para obter um resumo das maiores histórias de agricultura e alimentação em todo o mundo e acompanhar nossas investigações. Você pode nos enviar suas histórias e pensamentos em animalsfarmed@theguardian.com

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Acionistas da Bunge votam para obrigar empresa a reduzir desmatamento associado à sua cadeia de suprimentos de soja

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Recentemente, houve uma série de votos de acionistas a favor de empresas que tomem medidas para adotar ou fortalecer compromissos de combate ao desmatamento. É provável que essa tendência aumente à medida que o desmatamento se torne uma parte importante da narrativa da mudança climática e os investidores aumentem sua compreensão de como os vínculos com a floresta perdida podem levar a uma variedade de riscos financeiros.

Um dos maiores desenvolvimentos ocorreu no início deste mês, quando os acionistas da trader de commodities Bunge votaram esmagadoramente a favor no sentido da empresa tomar medidas mais fortes para lidar com o desmatamento em sua cadeia de suprimentos. A proposta, aprovada por 98% dos acionistas, foi liderada pela Green Century Capital Management, juntamente com a Storebrand Asset Management.

Em uma reviravolta sem precedentes, o Conselho de Administração da Bunge recomendou que os acionistas votassem a favor de uma proposta para avaliar “se e como [a Bunge] poderia aumentar a escala, o ritmo e o rigor de seus esforços para eliminar a conversão da vegetação nativa em sua cadeia de abastecimento de soja. ”

A Bunge e outros atores nas cadeias de suprimentos de commodities agrícolas estão expostos a estarem vinculados ao desmatamento, o que pode levar à volatilidade da cadeia de suprimentos, acesso restrito a capital, regulamentações rigorosas nos mercados de consumo e perda de acesso ao mercado. A votação da Bunge destaca os compromissos crescentes de empresas, investidores e financiadores para alcançar práticas de desmatamento líquido zero para reduzir riscos.

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A votação também reflete uma maior pressão de investidores ativistas para que as empresas abordem os riscos relacionados às mudanças climáticas, incluindo a perda de florestas para a produção de commodities, e pode levar a um maior envolvimento dos investidores com o desmatamento, o que por sua vez pode levar outras empresas a tomarem medidas semelhantes. “A votação deve ser um sinal para outras empresas da cadeia de abastecimento da soja brasileira que os investidores estão em alerta máximo sobre esses riscos”, disse Leslie Samuelrich, presidente da Green Century.

A votação da Bunge ocorre logo após uma série de contratos de sucesso da Green Century. Por exemplo, em abril, ADM e JPMorgan Chase adotaram compromissos, que se seguiram à votação dos acionistas da Procter & Gamble no ano passado para a empresa eliminar o desmatamento em sua cadeia de suprimentos. Também neste mês, 76% dos acionistas da Bloomin Brands, uma empresa global de jantares casuais, apoiaram uma proposta da Green Century para reduzir sua pegada de carbono, incluindo ações para eliminar a perda florestal em sua cadeia de suprimentos. “Nunca vimos uma temporada de acionistas como esta para enfrentar os riscos climáticos e de desmatamento, com votos sem precedentes na Bunge Limited e na Procter & Gamble”, disse a defensora dos acionistas da Green Century, Annalisa Tarizzo. “Os investidores estão demonstrando um novo entendimento de que reduzir as emissões de gases de efeito estufa e proteger as florestas tropicais do mundo, da Indonésia às savanas únicas no Brasil, não são apenas importantes para o planeta, mas também seus portfólios.”

Embora o desenvolvimento da Bunge seja visto como positivo para os esforços pela redução do desmatamento causado pela soja no Cerrado brasileiro, a votação não é vinculativa, o que significa que a Green Century e outros investidores devem manter pressão sobre o comerciante e seus pares. A Green Century diz que a Bunge pode implementar uma abordagem “suspender e engajar”, ​​que é frequentemente usada por traders e refinadores no mercado de óleo de palma do sudeste da Ásia. Com esta abordagem, uma empresa irá suspender qualquer fornecedor ligado ao desmatamento e, em seguida, envolver o fornecedor para influenciá-lo a reduzir a atividade ligada ao desmatamento. A Bunge também pode aderir ao Manifesto do Cerrado, que já foi assinado por 160 empresas que se comprometeram a eliminar o desmatamento no Cerrado. A Bunge e outros comerciantes concordaram com a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo de toda a indústria para interromper a compra de soja em terras desmatadas na Amazônia, mas não assinaram o Manifesto do Cerrado.

Os comerciantes têm sido criticados por terem datas-alvo em seus compromissos que permitem uma janela muito ampla para a eliminação do desmatamento em suas cadeias de abastecimento. Por exemplo, a COFCO tem  como  meta 2023, enquanto a Cargill tem como meta 2030. Os comerciantes enfrentam desmatamento e exposição ao risco de incêndio florestal. A pressão dos investidores deve aumentar sobre a Bunge e seus pares neste verão, durante a temporada de incêndios. A análise da Chain Reaction Research  mostra  que os comerciantes de soja no Cerrado em 2020 viram um grande número de incêndios em uma área de 25 km de seus silos, semelhante aos níveis vistos em 2019. A expansão da produção para atender à demanda do mercado de exportação de soja brasileira está exacerbando estes riscos.

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela Chain Reaction Research [Aqui!].

Europa aperta o cerco contra produtos brasileiros

Grupos varejistas, ativistas e até a UE vêm defendendo a retirada de itens do Brasil das prateleiras em resposta à política ambiental do governo Bolsonaro. Há 14 anos, boicote semelhante desencadeou a moratória da soja.

desmata 1Área devastada na Amazônia: grupos que pedem boicotes tem que aprovação do “PL da grilagem” acelere desmatamento

Diante de medidas recentes do governo do presidente Jair Bolsonaro, organizações não governamentais e redes varejistas europeias vêm endurecendo o discurso a favor do boicote a produtos agroalimentares brasileiros. De um mês para cá, movimentos do tipo têm ocorrido na Alemanha e no Reino Unido. No ano passado, houve boicote também na Suécia. Fora da Europa, uma organização nos Estados Unidos pede medidas semelhantes.

Nesta sexta-feira (19/06), a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia (UE), anunciou querer uma estratégia mais incisiva para evitar que produtos oriundos de áreas de desmatamento na Amazônia cheguem a prateleiras dos supermercados de países do bloco.

Veja o Especial da DW Brasil sobre a Amazônia

A situação preocupa o governo brasileiro. Em junho do ano passado, no contexto da comoção internacional decorrente das queimadas na Amazônia, o Itamaraty enviou circular às embaixadas solicitando informações a respeito de eventuais boicotes sendo observados em outros países.

Pouco antes, em 27 de maio de 2019, a Embaixada do Brasil em Estocolmo, na Suécia, havia reportado ao governo Bolsonaro que a rede de supermercados Paradiset tinha decidido retirar os produtos de origem brasileira de suas prateleiras em decorrência da aprovação, nos cinco primeiros meses da gestão Jair Bolsonaro, de 169 novos pesticidas pelo Ministério da Agricultura – um recorde desde 2005.

Neste ano, entre 20 e 25 de maio, o tema voltou à tona nos telegramas de embaixadas brasileiras. Mensagens emitidas pelos postos de Roma, na Itália, e Londres, na Inglaterra, observaram o surgimento de novos movimentos de boicote a produtos nacionais. Uma dessas cartas afirmava que o veto a produtos brasileiros por redes britânicas de supermercados – e filiais de empresas alemãs no Reino Unido – estava condicionado à aprovação do Projeto de Lei 2633 (antiga Medida Provisória 910), o chamado “PL da grilagem”, que prevê regularização fundiária de terras ocupadas da União.

Outro telegrama citava um estudo realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que prevê que a medida, se aprovada, aceleraria o desmatamento de 11 mil a 16 mil quilômetros quadrados da Floresta Amazônica. A mesma carta informava que as redes inglesas de supermercados podem se sentir compelidas a aderir a um boicote, se o Brasil aprovar uma legislação que propicie o aumento do desmatamento.

Os documentos enviados ao Itamaraty citavam uma carta, publicada em 19 de maio e assinada por 47 empresas, grupos e associações empresariais com operações do Reino Unido – entre os signatários, companhias como Burger King e Tesco. Direcionada aos deputados e senadores brasileiros, o texto citava os incêndios florestais recordes do ano passado e informava estarem os empresários “profundamente preocupados” com o “PL da grilagem”.

A carta encerrava com uma ameaça velada de boicote. “Queremos continuar a buscar e investir no Brasil […] Instamos o governo brasileiro a reconsiderar sua posição e esperamos continuar trabalhando com parceiros no Brasil para demonstrar que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental podem caminhar juntos.” Conforme telegrama enviado ao Itamaraty, os signatários da carta representam 96,8% dos varejistas britânicos.

Em 9 de junho, o cenário ganhou novo episódio. A ONG alemã Campact lançou uma petição online pedindo que redes de supermercados boicotem produtos brasileiros se o “PL da grilagem” for aprovado. Conforme afirmou à DW Brasil a ativista Svenja Koch, da organização, até a manhã desta sexta-feira, 360 mil assinaturas foram coletadas para a petição.

“Duas redes de supermercados alemãs já assinaram: Aldi Süd e Rewe”, relata. “Pedimos que as diretorias das grandes redes de supermercados alemãs sigam o exemplo de muitos varejistas do Reino Unido e assinem uma carta aberta ameaçando boicotar produtos do Brasil se o PL for em frente.”

Ela vislumbra que as cinco grandes redes de supermercados da Alemanha participem, o que significaria 70% do mercado. “Eles são poderosos, e a decisão deles influencia o comércio internacional”, comenta.

Rejeição por parte de consumidores

Mikael Linder, especialista em marketing agroalimentar e desenvolvimento rural e pesquisador da Universidade Livre de Bolzano, na Itália, afirma que tem se deparado com uma rejeição, tanto entre consumidores italianos como franceses, a produtos de origem brasileira.

“São pessoas que afirmam não desejar comprar, por exemplo, carne bovina brasileira, justificando que com isso estariam fomentando a destruição da Amazônia e outros prejuízos ao meio ambiente”, afirma ele, à DW Brasil.

Segundo informações obtidas por ele, vários supermercados europeus, atentos a esse fenômeno, estão reduzindo o espaço nas gôndolas para mercadorias brasileiras. “A médio prazo, isso pode afetar muito as vendas. A imagem do produto brasileiro está prejudicada”, diz o pesquisador.

Após questionamento da DW Brasil sobre o impacto que tais movimentos podem representar para o comércio agroalimentar brasileiro, João Adrien, assessor para assuntos socioambientais do Ministério da Agricultura, afirmou que boicotes do tipo “somente prejudicam os produtores rurais que produzem com sustentabilidade e acessam o mercado internacional.”

“Afinal de contas, o desmatamento na região ocorre principalmente de atividades ilegais e não pela agricultura brasileira”, afirma, apontando que a deflorestação decorre de “problemas de regularização fundiária e ordenamento territorial”. “Tais embargos somente prejudicam a renda do produtor rural e a capacidade de investir em tecnologias ainda mais sustentáveis”, diz.

Em evento do Ministério ocorrido nesta quarta-feira, Bolsonaro afirmou que, apesar do aumento do desmatamento na Amazônia, o país é um sucesso em termos de preservação. “Nós somos um exemplo na questão ambiental. Nos criticam lá fora de forma cruel e de forma não verdadeira”, afirmou.

Para o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento e de uso do solo na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, os movimentos contra produtos brasileiros refletem a consciência do consumidor e vêm na esteira de outros ocorridos anteriormente.

“Veja por exemplo os movimentos de boicote a empresas que testavam produtos em animais, os boicotes a marcas famosas de chocolate por estarem ligadas à destruição de habitats de orangotangos para produção de óleo de palma, empresas de café que usavam trabalho escravo, entre outros”, enumera ele, à DW Brasil.

No ano passado, Reis foi um dos idealizadores de uma carta aberta publicada na revista Science propondo que a importação pela União Europeia de produtos possivelmente ligados a desmatamento no Brasil fosse usada como alavanca para negociar medidas “de proteção aos direitos humanos, participação de povos indígenas nas negociações e a implementação de instrumentos de verificação do desmatamento”.

Em tramitação na Câmara dos Deputados, o “PL da grilagem” é alvo de criticas porque pode permitir a regularização de áreas ocupadas ilegalmente pertencentes à União. No mês passado, a revista Nature Sustainability publicou um estudo – um dos autores é Tiago Reis – demonstrando que a regularização fundiária descolada de medidas e políticas socioambientais pode promover um aumento do desmatamento. “Em pequenas e médias invasões, porque permite a integração delas a mercados formais”, explica Reis. “Em grandes invasões, porque oferece um incentivo e uma recompensa à grilagem.”

Moratória da soja

Um exemplo histórico de movimento de boicote que funcionou foi o ocorrido na década de 2000 – e que acabou resultando na criação da chamada moratória da soja, pacto instituído em 2006. Pelo acordo, firmado entre governos, agroindústria e organização de defesa ambiental, ninguém compraria soja produzida em região de desmatamento da Amazônia. Dados divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente em 2018 mostram que deu resultados: a média anual de desmatamento nos 89 municípios que integram o grupo caiu 85% depois de firmado compromisso.

“A moratória da soja previne que a floresta amazônica seja desmatada diretamente para soja. Não resolve todo o problema porque a floresta continua sendo desmatada para outros usos, e também porque nem todas as empresas de soja são signatárias do acordo, portanto, há ainda mercado para soja com desmatamento e formas indiretas de contornar a verificação”, avalia Reis. “Mas com certeza a moratória oferece um exemplo e um sinal que desestimulou muito o desmatamento para soja.”

Para atrair a pressão popular, o Greenpeace liderou um movimento, entre 2004 e 2006, para que os consumidores boicotassem a rede de fast food McDonald’s. “Eles diziam, basicamente, que ‘se você come no McDonald’s, você come a Amazônia'”, lembra Reis. “Foi um sucesso, e a empresa cobrou ação imediata de seus fornecedores, que responderam.”

Além da Europa, também há movimentos populares nos Estados Unidos. Criado em 2018, o Boycott Brazil afirma que “está focado em todos os produtos brasileiros não certificados como sustentáveis”, principalmente “a carne bovina, pois as pastagens são responsáveis por dois terços do desmatamento atual”.

Conforme relatou uma das ativistas do movimento à DW Brasil, as críticas são as políticas dos governos de Bolsonaro e de Donald Trump. Presente nas redes sociais, o grupo pretende lançar um site até o fim do ano para intensificar suas ações.

“Estamos educando os consumidores sobre quais produtos comprar, em vez de tentar um boicote a certos varejistas, o que provavelmente não seria bem-sucedido”, explica ela, que pede para não ser identificada por temer retaliações.

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Este artigo foi originalmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].

Amazônia sob ataque furioso: latifundiários sojeiros querem fim da “moratória da soja”

moratória da sojaLatifundiários querem o fim da “moratória da soja” que desde 2006 vem organizando o uso de terras amazônicas para cultivos de soja

Depois do fim da proibição dos grandes plantios de cana de açúcar na Amazônia e no Pantanal, os setores mais atrasados do latifúndio agro-exportador querem acabar com a chamada “moratória da soja” que, em tese, impede a implantação da monocultura de soja em áreas recentemente desmatadas nos biomas amazônicos. É que nos informa hoje o jornal Valor Econômico em uma matéria intitulada “Governo e agricultores unem forças contra moratória da soja na Amazônia“. 

A matéria assinada pelos jornalistas Marcela Caetano, Luiz Henrique Mendes e Camila Souza Ramos informa que sob os auspícios de uma tal de “Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), apoiada pelo governo Bolsonaro, uma ação será impetrada no  Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra as tradings agrícolas que são encarregadas de fazer observar a “moratória sa soja“.

Primeiro, é importante notar que a moratória da soja é o nome que se deu ao pacto firmado entre as entidades representativas dos produtores de soja no Brasil, ONGs  ambientais e, mais tarde, do próprio governo federal, prevendo a adoção de medidas contra o desmatamento da Amazônia, e que vem sendo supostamente observada desde 2006.

Eu disse supostamente observada porque sou o co-autor de um artigo na revista Acta Amazônica onde estudando a dinâmica da monocultura da soja em Rondônia se verificou que o alcance da moratória da soja é mais limitado do que a propaganda em torno dela permite acreditar. 

Expansão da área plantada com monocultura de soja em Rondônia (2000-2014) indicou a presença de plantios em áreas recentemente desmatadas

Mas o fato é que ruim com a “moratória da soja”, muito pior sem ela. É que sem essa trava mínima, o campo de forças que opera nas terras já desmatadas na Amazônia será alterado e, muito provavelmente, causará uma aceleração do desmatamento. A verdade é que as diversas monoculturas que estão tendo suas áreas plantadas aumentadas (por exemplo: cana, soja e algodão) acabam deslocando para outros pontos a atividade pecuária, principal “consumidora” de áreas cobertas por florestas nativas.

soja 1Opção preferencial pelos mercados asiáticos para venda da soja produzida na Amazônia aparece como estratégia para escapar dos mecanismos de proteção ambiental

Assim, ao pressionar pelo fim da “moratória da soja”, o que a Aprosoja Brasil e o governo Bolsonaro pretendem de fato é aumentar a área desmatada. Esta é a verdade inescapável de mais esse movimento contra a proteção ambiental dos biomas amazônicos.

Um erro fatal (mais um, aliás) que está sendo cometido nesse processo de extinção de proteções ambientais apareceu na declaração do presidente da Aprosoja Brasil,  Bartolomeu Braz que, menosprezando as punições que podem advir pelo rompimento da “moratória da soja, disse não temer as retaliações europeias porque “nosso mercado hoje é majoritariamente o asiático. A demanda europeia é irrisória. Além disso, quem tem soja somos nós. Quero saber se existe soja mais sustentável que a nossa”.  O erro aqui é acreditar que os europeus e suas tradings não possuem relevância na circulação da soja brasileira mesmo para os mercados asiáticos.

Outro aspecto que continua sendo aparentemente desprezado é a possibilidade cada vez mais concreta de que a soja brasileira passe por um embargo mundial por causa do excesso de agrotóxicos, a começar pelo herbicida Glifosato. Lembremos que em janeiro de 2019, a Rússia informou ao Brasil que se não houvesse uma diminuição do total de resíduos de Glifosato, o país pararia as importações de soja brasileira. De lá para cá, desconheço qualquer medida para atender a demanda russa. Por outro lado, a Anvisa agiu para facilitar ainda mais o uso do Glifosato no Brasil ao rebaixar o seu nível de toxicidade.

O crucial aqui é que somadas todas as ações tomadas e em vias de serem tomadas pelo governo Bolsonaro e seus aliados paroquiais dentro do latifúndio agro-exportador, o que estamos presenciando é uma tentativa de desmontar completamente todas as estruturas de governança colocadas em funcionamento para proteger a Amazônia e o Cerrado. Esta é a verdade mais óbvia de todas essas ações.  A aposta é que o resto do mundo assistirá a isso de forma passiva e não reagirá ao aumento da perda de biodiversidade e das emissões de gases estufa por causa do aumento do desmatamento amazônico, sem que ocorram prejuízos nas relações comerciais. Resta saber se a mão brasileira terá cartas suficientemente boas para segurar esta aposta.

O licenciamento ambiental flex e a expansão de monoculturas na Amazônia: uma mistura explosiva

Uma das ideias mais propagadas sobre o controle do desmatamento na Amazônia tem sido a de que se pode por mediações entre o Estado, organizações ambientalistas e o latifúndio agro-exportador é possível deter o avanço da perda florestal em áreas ainda coberta por vegetação primária.  Um dos exemplos desse argumento de que acordos setoriais seriam ferramentas viáveis para se chegar ao controle do desmatamento é a chamada “Moratória da Soja” (Aqui!).

Como conheço parte da Amazônia a partir de mais de duas décadas de trabalho de campo, sempre me coloquei na posição de que nada pode substituir a ação do Estado, seja como órgão fiscalizador ou como implementador de regras que coibam efetivamente o avanço sobre as áreas cobertas por florestas. 

Essa minha posição não é majoritária sequer dentro da comunidade científica que se tem ocupado de estudar os impactos do avanço de diversas monoculturas para o interior da Amazônia brasileira.  Aliás, se examinarmos a produção cientifica recente sobre esse assunto, encontraremos diversos artigos saudando a efetividade da Moratória da Soja na contenção da derrubada de florestas na Amazônia.

Pois bem, depois de vários anos de trabalho, eu e outros quatro colegas acabamos de ter publicado um artigo  intitulado “Spatiotemporal mapping of soybean plantations in Rondônia, Western Brazilian Amazon” na tradicional revista científica “Acta Amazonica” onde demonstramos que, pelo menos no caso do estado de Rondônia,  a monocultura de soja está ocupando áreas que previamente se encontravam cobertas por florestas nativas (Aqui!).

A tabela e a figura que vão abaixo mostram não apenas a magnitude da expansão da monocultura de soja entre 2000 e 2014, mas também sinaliza que Rondônia pode estar se tornando uma nova fronteira da soja, e potencialmente uma porta de entrada para os estados do Acre e do Amazonas.

Considero que os resultados que estamos apresentando neste artigo ajudam a entender a pressa da bancada ruralista em isentar os grandes latifúndios do processo de licenciamento ambiental. É que não apenas há pressa para incorporar novas áreas no ciclo de produção de monoculturas, como provavelmente em breve aparecerão outros trabalhos mostrando que a derrubada de florestas já ocorreu sem que fosse feito o devido licenciamento ambiental. Em outras palavras, é juntar a fome com a vontade de comer.

O problema é que se não houver uma rápida ação para impedir o esfacelamento do licenciamento ambiental, o que acabamos de demonstrar neste artigo será apenas uma previsão tímida do que poderá ocorrer na Amazônia em termos de derrubada de florestas nativas.

E, finalmente, a partir dos resultados que acabamos de publicar, espero novas e mais acuradas avaliações da “Moratória da Soja”. É que, pelo menos no caso de Rondônia, ela não funcionou como tem sido propagandeado por sojicultores, ambientalistas e por parte da comunidade científica.