Paola Samora, geógrafa, diretora-presidente do IPESA
Por Paola Samora, geógrafa, diretora-presidente do IPESA
Paola Samora, geógrafa, diretora-presidente do IPESA
Os arquivos pessoais do proeminente negacionista climático holandês Frits Böttcher (que morreu em 2008) revelam que ele recebeu mais de um milhão de florins – quase meio milhão de euros – da Shell e de outras multinacionais holandesas durante os anos de 1990. O objetivo explícito: questionar a responsabilidade humana pelo aquecimento global.
Por BAS VAN BEEK, ALEXANDER BEUNDER, JILLES MAST e MEREL DE BUCK para o “Follow the money”
Este artigo em breves linhas:
Este artigo foi publicado em inglês em 3 de março de 2020. Leia o artigo original em holandês aqui.
Frits Böttcher mais tarde se referiria a ele como um ‘momento histórico’. Em 21 de dezembro de 1989, o professor de química aposentado visitou a sede da Shell em Amsterdã. Naquele dia, o diretor de supervisão da Shell, Jan Choufoer, o apresentaria ao chefe da empresa, o diretor-gerente Huub van Engelshoven.
Böttcher era altamente considerado na Holanda. Leciona na Universidade de Leiden há décadas e atua em vários conselhos de supervisão: Pakhoed, Hoogovens, editores da Elsevier Scientific e 11 outros. Ele era um membro ativo do VVD e – de 1966 a 1974 – foi o Presidente do Raad van Advies voor het Wetenschapsbeleid [do conselho consultivo do governo em política científica] e de 1973 a 1976 foi um membro do Wetenschappelijke Raad voor het Regeringsbeleid [conselho científico de política governamental]. Choufoer e Böttcher se conheceram quando o professor de química atuou como um dos consultores permanentes do departamento de pesquisa da Shell.
Para o público em geral, Böttcher era conhecido principalmente como co-fundador e ex-presidente da filial holandesa do Clube de Roma. Essa associação informal, fundada em 1968 por líderes políticos, acadêmicos e empresariais, emitiu um alarme retumbante sobre o crescimento econômico e populacional desenfreado, bem como a natureza finita dos combustíveis fósseis em seu relatório de 1971, The Limits to Growth.
Mas, de acordo com Böttcher, as conclusões preocupantes do Clube de Roma significavam que todo o sistema precisava ser revertido. Pelo contrário, ele discordou do apelo dos movimentos ambientais de esquerda por uma intervenção governamental de longo alcance. Por exemplo, no outono de 1989, Bötcher publicou dois artigos de opinião no NRC Handelsblad, nos quais resistia à “caça às bruxas” do CO2 – um produto químico “no qual toda a cadeia alimentar do planeta se baseia”. O título de sua primeira peça: ‘Nosso planeta não é uma estufa’.
Para alegria de Böttcher, essa mensagem também foi adotada pela sala de reuniões da Shell. “Eu me permiti ser persuadido por vários contatos – geralmente dos círculos da Shell – a assumir um projeto de efeito estufa / CO2”, escreveu ele em uma das inúmeras cartas que deixou para a posteridade, que agora estão armazenadas no Noord- Hollands Archief [Arquivo da Holanda do Norte] e qual plataforma a Authentieke Journalistiek foi capaz de ler. Em outra nota, ele escreveu sobre sua primeira reunião com Van Engelshoven: ‘No final da reunião, Huub afirmou que a Shell queria disponibilizar 80.000 florins para o meu projeto’.
Conta bancária separada
Van Engelshoven estabeleceu uma condição prévia importante para o apoio financeiro ao projeto de CO2: Böttcher precisou convencer pelo menos três outras empresas a co-patrociná-lo. Uma tarefa fácil para Böttcher, que ocupou mais de uma dúzia de posições no conselho de supervisão e, portanto, foi adequadamente integrado às várias redes da empresa. Ele logo convenceu a AkzoNobel, a Hoogovens e a ANWB. “Eu cuidei disso em menos de uma semana”, ele escreveu mais tarde com um pouco de alegria. Em 1990, Samenwerkende Elektriciteits-Productiebedrijven (SEP), DSM, KLM e Pakhoed também se uniram.
Os documentos arquivados revelaram outras 15 empresas e organizações que apoiaram o projeto de CO2, incluindo NAM, Gasunie, Texaco, Schiphol e a gigante química alemã Bayer. Por exemplo, em 2 de maio de 1996, Willem Lindenhovius, chefe de Assuntos Públicos do NAM, escreveu a Böttcher: ‘Em nome do [diretor do NAM] Jan Oele, temos o prazer de confirmar que o NAM está disposto a doar US $ 12.500 este ano. e o próximo, especificamente para as atividades de efeito estufa do CO2. ‘
Na Hoogovens, tanto o presidente do conselho de 1988-1993, Olivier van Royen, quanto seu sucessor, Maarten van Veen, patrocinaram alegremente Böttcher. Além disso, o arquivo do professor de química contém cartas do membro do conselho da DSM, Ruud Selman, e do presidente do conselho da Gasunie, George Verberg, prometendo patrociná-lo. Böttcher entrou em contato com o Samenwerkende Elektriciteits-Productiebedrijven (SEP), via presidente do conselho Niek Ketting, que era – como Böttcher – também um membro ativo do VVD. Ian Christmas, presidente da Indústria Internacional de Ferro e Aço (IISI), pessoalmente garantiu que essa associação comercial internacional também fornecesse financiamento.
Na opinião de Böttcher, no entanto, nenhum apoio foi tão importante quanto o da Shell. Ele escreveu que a companhia de petróleo é o “padrinho do projeto”, e por assim dizer, e era o patrocinador “número um”. Em um documento datado de 1995, Böttcher lista seus apoiadores ‘leais’ no ‘canto da Shell’: ‘Em ordem alfabética: Harry Beckers, Jan Choufoer, Peter van Duursen, Huub van Engelshoven, Hein Hooykaas, Henny de Ruiter, Karel Swart, Gerrit Wagner, Ernst Werner. ”Em 1997 e 1998, os dois últimos anos do projeto, John Jennings, Peter Langcake e mais tarde CEO Jeroen van der Veer, estiveram envolvidos no patrocínio em nome da Shell.
Os pagamentos são roteados pelo Instituto Global da Böttcher para o estudo de recursos naturais. Böttcher também abriu uma conta bancária separada, ‘conta separada de CO2’, para doações de empresas. Ao todo, ele recebeu mais de um milhão de florins em doações para o projeto de CO2.
Böttcher não gastou o dinheiro sozinho: a maior parte era usada para pagar dois assistentes que marcavam reuniões, mantinham minutos e digitavam cartas para o professor. Os fundos restantes foram gastos em despesas de viagem, incluindo várias viagens aos Estados Unidos, Alemanha e Bruxelas, bem como em vários almoços e jantares com seus muitos contatos. O próprio professor de química trabalhou pro bono, convencido pela necessidade de lutar contra ‘a caça às bruxas com CO2’.
A motivação pessoal de Böttcher para participar do debate climático, no entanto, significa que ele foi influenciado pelos desejos de seus financiadores. Desde o início, as empresas participantes pedem que ele internacionalize o projeto de CO2; ele responde entrando em contato com renomados céticos climáticos nos EUA. Quando o gerente da Shell, Van Engelshoven, pede um artigo combativo na publicação comercial De Ingenieur [The Engineer], Böttcher entrega: ele intitula a peça ‘Mudança climática e o mito do CO2’ e ataca políticos que ‘promovem objetivos irrealistas’.
Na mídia, Böttcher insistia que o IPCC é politicamente motivado, que o CO2 não contribui para o aumento da temperatura, que o nível do mar diminuirá, não aumentará e que, levando em consideração o crescimento da população e as demandas de energia, é uma ilusão acreditar que tratado climático poderia levar a uma redução de CO2. E, finalmente, seu cavalo favorito: o CO2 é bom para o crescimento das plantas.
Em uma entrevista de 1995 com o 2Vandaag, um programa público de TV, ele afirmou que “as plantas desejam mais CO2 na atmosfera. [..] O aumento atual, de 0,028 para 0,035 por cento, é apenas o primeiro passo na direção certa para o mundo das plantas. Vamos enfatizar o positivo, em vez de insistir no CO2. ‘
O homem do Clube de Roma
O projeto de CO2 da Böttcher é um exemplo holandês de uma estratégia aplicada globalmente pela indústria de combustíveis fósseis, descrita extensivamente em livros como Doubtby Merchants de Naomi Oreskes e Erik Conway e De Twijfelbrigade de Jan-Paul van Soest. A estratégia se resume a isso: encontre um cientista de renome, financie-o para semear dúvidas sobre as consequências danosas do seu produto e, posteriormente, construa seu lobby contra a regulamentação do governo sobre essa base.
Não por mero acidente que as multinacionais holandesas disputam com Böttcher no final dos anos 80, quando a mudança climática entra no debate público. Por exemplo, o IPCC do Painel Climático da ONU foi fundado em 1988 e, durante a campanha eleitoral geral de 1989, o primeiro-ministro holandês Ruud Lubbers (democratas-cristãos) revelou a intenção de seu partido de reduzir as emissões de CO2 em 2% ao ano na Holanda. Seis semanas antes do encontro de Böttcher com Van Engelshoven, em novembro de 1989, líderes globais reunidos em Noordwijk (NL), quase concordaram com um tratado internacional para regulamentar as emissões de gases de efeito estufa.
Na Frits Böttcher, a indústria de combustíveis fósseis encontrou um parceiro que era um queridinho da mídia. É importante que ele tenha um cientista climático, mas um professor de química. “Acho que ele se importava com a ciência real por trás disso”, diz o ex-climatologista Wieger Fransen, que iniciou sua carreira no Instituto Global de Böttcher e, posteriormente, trabalhou no departamento científico do Instituto Real de Meteorologia da Holanda (KNMI). ‘Böttcher luta com publicações científicas sobre o clima’, lembra Fransen. Ele recebeu suas informações de jornais ou revistas como a New Scientist. Todas as publicações secundárias e nenhum artigo revisado por pares.
Böttcher tinha plena consciência de sua imagem como um acadêmico socialmente engajado. De suas anotações em uma reunião que teve em 1994 com Van Engelshoven da Shell: “Huub enfatizou novamente que, como cientista, eu era percebido como mais neutro do que as pessoas da comunidade empresarial.” Seu papel no Clube de Roma era adequado: “O Clube de Roma e particularmente minhas ações como parte deste último são um mito”, escreveu ele em dezembro de 1996. “Deve ser mantido vivo.”
“Escolhendo as cerejas”
Nos EUA, na década de 1980, a indústria de combustíveis fósseis conseguiu atrair grandes cientistas dispostos a dispersar dúvidas sobre as mudanças climáticas. Entre eles estavam Frederick Seitz e Fred Singer, dois físicos com impressionantes carreiras acadêmicas que estavam, entre outras coisas, envolvidos no desenvolvimento da bomba atômica.
Seitz, Singer e alguns outros cientistas americanos se envolveram profundamente no debate climático. Algumas vezes eles se pronunciaram pessoalmente, outras em nome de organizações como o Science & Environmental Policy Project (SEPP) e o George C. Marshall Institute, que foram ambos co-financiados pelo setor. “Eles usaram suas credenciais científicas para se apresentarem como autoridades e tentaram desacreditar qualquer ciência que desejassem”, escreveram Oreskes e Conway, resumindo a abordagem desses cientistas.
Os interesses da indústria eram enormes, mas essa era sua única motivação, explica Van Soest: ‘Esse tipo de financiamento está correlacionado com uma certa convicção ideológica; conservador e convencido das bênçãos do livre mercado. Eles também estavam tentando se justificar.
Em 1989, Frederick Seitz publicou o relatório Aquecimento Global: O que a Ciência Nos Diz? em nome do Instituto Marshall. Oreskes e Conway descrevem como Seitz e seu pessoal ‘selecionaram os dados’ de forma cerejeira, a fim de distorcer a avaliação das causas do aumento observado da temperatura. “A estratégia inicial deles é negar o fato do aquecimento global, mas culpar o sol”, escreveram Oreskes e Conway, deixando a impressão de que o CO2 é importante.
Embora tenha recebido uma enxurrada de críticas, o que a ciência nos diz se mostrou incrivelmente influente. John Sununu, chefe de gabinete do então presidente dos EUA, George Bush Senior, estava segurando-o “como uma cruz para um vampiro, combatendo o aquecimento do efeito estufa”, de acordo com alguém presente na conferência climática de Noordwijk em 1989. Sununu subseqüentemente tocaria um ‘papel de liderança’ na frustração dos objetivos desta conferência.
Frits Böttcher ficou profundamente impressionado com o relatório do Instituto Marshall. Ele o encaminhou ao editor de ciências da Elsevier, Simon Rozendaal, que o usou em seu primeiro artigo como cético climático, publicado em fevereiro de 1990: ‘Hoezo broeikas?’ [‘Greenhouse? Que estufa? ‘].
Enquanto isso, Böttcher havia desenvolvido laços estreitos com o autor do relatório, Seitz. Ele também fez amizade com Fred Singer e Donald Pearlman – conhecido como o “Sumo Sacerdote do Clube do Carbono“, por seu trabalho na indústria de combustíveis fósseis e deliberadamente inviabilizando várias conferências climáticas. Böttcher consultou os três de maneira substantiva e estratégica sobre como combater o IPCC e a ‘caça às bruxas do clima’.
Em 5 de julho de 1992, Böttcher recebe um convite de Fred Singer. Também um sinal de agradecimento: ‘Espero que você concorde em se juntar ao conselho consultivo do SEPP. Seus conselhos e compromisso são importantes para nós.
Encorajado por Huub van Engelshoven, Böttcher tentou criar uma organização irmã européia para o Instituto George C. Marshall. Inicialmente, ele falha: a organização deseja manter um controle rígido sobre as atividades que ocorrem em seu nome. No entanto, o conselho expressa sua esperança de que Böttcher encontre outra maneira de perseverar. Eventualmente, em 1994, ele faz. Com os britânicos John Emsley e Roger Bate, Böttcher fundou o Fórum Europeu de Ciência e Meio Ambiente (ESEF), uma rede européia de cientistas céticos sobre o clima. Em meados dos anos 90, a ESEF publica dois livros céticos sobre o clima. A ESEF seria posteriormente absorvida pelo Heidelberg Appeal Nederland e, posteriormente, pelo Groene Rekenkamer [Green Accounting Office], que ainda está ativo.
Nas salas de diretoria
Enquanto a narrativa simplista, porém clara e nítida de Böttcher, sobre o “mito do CO2”, teve um bom desempenho na mídia, a maior parte de seu trabalho ocorreu a portas fechadas. Em 2 de fevereiro de 1994, ele escreveu ao membro do conselho da DSM, Ruud Selman, que seu objetivo era fornecer ‘munição’ aos oponentes da política climática e ‘ajudá-los a evitar todos os tipos de harpas sendo empurrados’.
Os materiais arquivados revelam que a estratégia de Böttcher era muito semelhante à de seus colegas americanos. Ele escreveria um livro ou artigo cético sobre o clima, e seus contatos e patrocinadores dentro da comunidade empresarial o disseminariam entre colegas, políticos, jornalistas e, claro, o IPCC.
E funcionou. Por exemplo, o World Coal Institute, a federação global de empresas de carvão, copiou partes do panfleto de Böttcher Science ou fiction (1992) em seu boletim. Posteriormente, o instituto entregou esse boletim durante a conferência ambiental do Rio, com grande satisfação, e depois o entregou aos grupos de trabalho do IPCC que preparariam a primeira conferência climática de todos os tempos. Ian Christmas, presidente da Indústria Internacional de Ferro e Aço (IISI), garantiu que os livros de Böttcher fossem divulgados a todos os membros do conselho da siderúrgica em todo o mundo. E Lois Johnston, porta-voz da Texaco, fez o mesmo, abordando todos os seus colegas da indústria do petróleo e seus contatos com a mídia.
Böttcher também conseguiu transmitir sua mensagem a líderes empresariais e políticos em seu país de origem. “Ele era altamente estimado pela elite intelectual, principalmente por causa de sua formação no Clube de Roma”, explica Pier Vellinga, co-fundador do IPCC e, no início dos anos 90, o primeiro professor de mudança climática na Holanda. Ele dava palestras em eventos onde a elite holandesa se encontrava. Como suas histórias de negação climática infundiram política e política.
Vellinga dava regularmente palestras sobre seu trabalho para o IPPC nos mesmos eventos. “Normalmente, um silêncio ensurdecedor seguiria minha fala”, diz ele. – Ou os simpatizantes de Böttcher me atacariam, alegando que – como formado na TU Delft – eu não tinha o conhecimento adequado em meteorologia.
Rede complexa
Böttcher tinha uma rede impressionante. Foi assim que o ex-CEO da KLM, Jan de Soet, descreveu Böttcher em seu aniversário de 80 anos, em outubro de 1995: ‘Ao longo de sua vida, ele ocupou cargos em uma ampla gama de círculos, faculdades, guildas e inúmeras associações e empresas . Ele opera em uma rede mística e intrincada que abrange quase todos os movimentos espirituais e sociais em nossa sociedade. O conjunto com o qual os outrora tão formidáveis ’200 van Mertens’ só podiam sonhar.
O professor de química era membro de duas associações informais que admitiam apenas o topo absoluto da elite política e econômica holandesa: o Tafelronde e o De 8CHT. Ele fundou o último em 1972; o grupo se reúne aproximadamente seis vezes por ano. Outros membros incluíam Allerd Stikker (DSM), Jan de Soet (KLM), André Spoor, Hans Wiegel (VVD), Nout Wellink, Henny de Ruiter (conselho consultivo da Shell), Karel Vuursteen (presidente do conselho da Heineken) e Hans Wijers .
“Ele visitava regularmente o departamento de energia do [Departamento de] Assuntos Econômicos”, diz Frans W. Saris, diretor do Centro de Pesquisa Energética (ECN) de 1996 a 2002. Stan Dessens, chefe da divisão de Energia no Departamento de Assuntos Econômicos, entre 1988 e 1999, ele admite ter apoiado Böttcher: ‘Eu pensava que, como porta-voz de uma posição de compensação, ele deveria receber uma plataforma adequada. Afinal, ele tinha uma reputação acadêmica e uma ótima reputação, e alguém que você não esperava ser politicamente oportunista.
Os arquivos parlamentares mostram que, especialmente, o VVD acolheu a cetro de Böttcher. Jan te Veldhuis, que foi seu porta-voz ambiental entre 1982 e 2003, se referiu a Böttcher quando ele pediu uma “política realista de CO2” em 1992. Te Veldhuis continuaria a enfatizar disputas e dúvidas científicas nos anos seguintes.
SOBRE OS PAPÉIS SHELL
Este artigo é parte do Shell Papers, um projeto de pesquisa conjunto conduzido pela Platform Authentieke Journalistiek e Follow the Money, sobre os laços entre o governo holandês e a gigante do petróleo. Em abril de 2019, registramos um total de 17 pedidos FOIA, exigindo cópias de todos os documentos relacionados à Shell de nove ministérios, três províncias e cinco municípios.
Em março de 2020, os procedimentos FOIA ainda estão em andamento. Você pode acompanhar o progresso deles aqui:
Em uma entrevista, Te Veldhuis nos informou que ele e Ad Lansink (CDA) ‘pressionaram’ pelo convite de Böttcher para falar perante a comissão climática do Parlamento em 1995. Durante essa conversa, Böttcher começou a trabalhar: ‘O único fato é que o CO2 na atmosfera está aumentando […] e isso é benéfico para as plantas. Tudo o resto é hipotético.
Sua mordida chegou ao noticiário da noite. “Fui o único orador naquela reunião que apareceu na TV”, escreveu Böttcher depois a Dirk Hudig, um lobista da Imperial Chemical Industries. ‘Eu estava no oito’ ou no relógio e entendi bem meu ponto.
O financiamento seca
“Cheguei gradualmente ao ponto em que, no meu país, sou visto como o líder da oposição em relação ao assunto”, escreve Böttcher para Ian Christmas, do IISI, no início de 1996. Seu status não era páreo para o Zeitgeist. Até então, o professor de química esperava há meses que a Shell retomasse seu apoio ao projeto de CO2. A Shell não queria mais financiar diretamente os céticos climáticos, ‘temendo a opinião pública’, escreve Böttcher.
Finalmente, em setembro de 1996, Henny de Ruiter telefona. De Ruiter é membro do conselho consultivo da Shell e, naquele momento, uma das pessoas mais influentes da Holanda. Ele tinha más notícias para comunicar, escreve Böttcher ‘[De Ruiter] falou com [John] Jennings [diretor da Shell Trading em Londres, eds.], que reconheceu que hesitava em me apoiar porque a Shell já havia cometido outros erros, como os de Brent Spar e da Nigéria.
Mas uma lasca de esperança. Böttcher – cujas anotações, aliás, não mostram ira sobre os eventos nefastos com os quais seu trabalho aparentemente está concentrado – recebe uma oportunidade. [Jennings] se deixou persuadir ‘, escreve Böttcher. “Eu posso entrar e defender meu caso.”
A nova estratégia de Böttchers é revelada em suas extensas anotações sobre a conversa com Jennings na sede da Shell em Londres. Se a Shell tem medo de financiar os céticos climáticos, a empresa deveria financiar o novo projeto de Böttcher: ‘energia e desenvolvimento sustentável’.
Böttcher explica a seus interlocutores que este novo projeto é sobre o “papel dominante da energia na sociedade” e servirá para “alertar políticos e economistas que são insolentes sobre a implementação de impostos drásticos sobre a energia e intervenções comparáveis”.
O assunto é eminentemente importante para a Shell. A empresa sabe que os chefes de Estado estão prestes a tomar medidas destinadas a reduzir as emissões de CO2 na próxima cúpula de Kyoto em 1997. E o conceito de um imposto europeu sobre energia ou CO2 já foi levantado por ministros do meio ambiente, como Angela Merkel (Alemanha) e Margreeth de Boer (Holanda).
Jennings está entusiasmado com a proposta de Böttcher: “[Jennings] basicamente decidiu no local”, escreve Böttcher “, e me disse que Peter Langcake cuidaria do acordo e da supervisão que se seguiu”.
Em uma carta ao diretor da Bovag, Joop Hoekzema, Böttcher escreve mais tarde: ‘Por um lado, [Jennings] não estava mais disposto a apoiar um projeto que contraria a opinião popular. Por outro lado, ele estava tão entusiasmado com o meu novo projeto “energia e desenvolvimento sustentável”, que decidiu dentro de uma hora que a Shell International forneceria a soma total necessária para esse projeto em 1997: f 80.000. Ele me deu reinado livre.
O apoio da Shell ao projeto ‘energia e desenvolvimento sustentável’ acabaria sendo de vida relativamente curta. Em 1998, a Shell prometeu apoio uma última vez – a Böttcher receberia 30.000 florins finais por concluir ‘atividades com vistas ao CO2 e à energia sustentável’ – e isso seria o fim.
A Texaco e outros patrocinadores do projeto de CO2 também se retiraram naquele ano. No ano anterior, Böttcher já havia notado que a empresa americana parecia estar ficando nervosa: Texaco havia lhe pedido para ‘continuar’ o projeto de CO2, mas ‘parecia estar trabalhando em outra coisa’. Para esse fim, Böttcher renomeou sua ‘Conta Separada de CO2’ para ‘DS’, para Desenvolvimento Sustentável.
Um dos livros publicados pelo Global Institute for the Study of Natural Resources. Melissa Houbden
A DSM tinha um motivo diferente para interromper seu financiamento: ‘[a decisão] é baseada em nossa impressão de que o impacto do seu lobby está diminuindo’ ‘, informa a empresa. O contexto indicado na carta do DSM: o Protocolo de Kyoto demonstrou amplamente que o mundo prestava mais atenção ao IPCC do que a um punhado de céticos.
Böttcher, que nunca foi menosprezado, persistiu e até sua morte em 2008, continuou a fazer lobby, criar redes e fornecer conselhos ambientais a seus amigos e contatos na comunidade empresarial. Apenas alguns meses após o encerramento do projeto de CO2, ele disse a Ian Christmas, do IISI, como estava feliz com “a liberdade” que agora tinha para eleger seus próprios súditos. A partir de agora, ele poderia desconsiderar a questão da ‘sustentabilidade’: ‘Continuaremos a batalha que travamos há anos’.
Fundações do ceticismo climático
Então, o que Böttcher conseguiu com seus esforços? Aqui é onde as opiniões divergem. O seu principal feito parece ser o fato de ele ter desencadeado um debate sobre se as mudanças climáticas existem e, se existirem, se foram causadas pela intervenção humana. Em setembro de 1996, eu disse a Clement Malin e Jaap Meinema, da Texaco, que, embora “poucos relatórios e livros sejam realmente lidos”, eles têm um efeito: “As pessoas percebem que a oposição está crescendo”.
Além disso, Böttcher divulgou as conclusões do ceticismo climático holandês, um movimento que ainda chama muita atenção por organizações como Clintel e partidos políticos de direita, como o PVV e o Forum voor Democratie, que costumam abordar os mesmos pontos que Böttcher falou. sobre na década de 1990.
Pier Vellinga, professor de clima, descreve Böttcher como “instrumental” para adiar a política climática na Holanda nos anos de 1990. “Suas publicações chegaram até o Departamento de Assuntos Econômicos e foram usadas para argumentar que as coisas não eram tão ruins e que havia muitas perguntas sem resposta.” Vellinga acredita que essa seja uma das razões pelas quais a Holanda e outros que a Alemanha, nunca implementou nenhuma política eficaz de redução de CO2.
Margreeth de Boer (PvdA / Trabalho) foi ministra da Habitação, Planejamento e Meio Ambiente de 1994 a 1998. Negociou o Protocolo de Kyoto em nome da Holanda. Quando ela apresentou os resultados – uma intenção de reduzir as emissões de CO2 em 6% em 2012, em relação a 1990 – ela ficou com o ombro frio. De fato: “as pessoas ficaram completamente infelizes”. A meta nunca foi alcançada: entre 1990 e 2012, as emissões holandesas de CO2 conseguiram aumentar 1,2%.
De acordo com De Boer, medidas compulsórias como uma taxa de CO2 estavam ‘sobre a mesa de vez em quando’, mas nunca havia apoio suficiente para elas. Quando conversamos com ela, ela explicou que foi principalmente o Departamento de Assuntos Econômicos quem frustrou essas medidas: ‘Hans Wijers estava definitivamente convencido de que isso seria ruim para a economia e para as empresas. Sempre devemos nos antecipar, afirmou ele, e esse também era o ponto de vista do VVD.
Wijers, atualmente no conselho consultivo do ING, qualifica a afirmação de De Boer: ‘Minha posição era que definitivamente tínhamos que levar a sério as mudanças climáticas, mas também precisávamos garantir que não fecharíamos as usinas a gás mais eficientes da Holanda enquanto A Alemanha ainda estava abastecendo suas usinas de energia com linhito. ‘Wijers afirma que isso não estava no topo da lista de prioridades do departamento de De Boer:’ Eles eram um pouco mais visionários e pensaram: “descobriremos o resto mais tarde”.
Em retrospecto, Wijers reconhece que a Holanda poderia e deveria ter feito mais na época. Mas faltava apoio, afirma ele, tanto na sociedade quanto no gabinete. “Nosso país tende a assumir um papel visionário, enquanto na verdade está na retaguarda.” Atualmente, a Holanda está balançando em algum lugar no fundo quando se considera a parcela de energia sustentável na produção total de energia.
Mas esse é o “mérito” de Böttcher? O ex-presidente do De Nederlandsche Bank Nout Wellink era membro do De 8CHT de Böttcher e discutiu o clima com ele lá. Segundo Wellink, Böttcher era um ‘cientista de primeira classe’, mas, quando questionado sobre o impacto de seu trabalho nas políticas políticas, a resposta foi resolvida: ‘Nenhum, pelo menos não na medida em que observei. E ele definitivamente era o tipo de homem que se gabaria desse tipo de coisa.
Hans Wiegel discorda. “É claro que ele foi influente”, afirma o membro proeminente do VVD e do De 8ACHT. ‘Ele estava em todo lugar, todo mundo o conhecia. Mas ele próprio nunca admitiria isso. Ele não era vaidoso.
O próprio Wiegel definitivamente parece ter sido influenciado pelas idéias de Böttcher. Em um artigo de opinião de 2015 no NRC Handelsblad, ele escreveu: ‘Estou hesitante em escrever isso, mas anos atrás o único membro holandês do Clube de Roma, o falecido professor Frits Böttcher, disse que todas essas histórias alarmantes sobre mudanças climáticas são infundadas. “
RESPOSTAS DAS EMPRESAS E ORGANIZAÇÕES QUE APOIAM O PROJETO CO2
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Esta reportagem foi originalmente publicada em inglês pelo “Follow the Money” [Aqui!].
Mariane Crespolini em evento promovido pela Scot Consultoria onde proferiu a palestra intitulada “De que adianta adubar, se eu não sei meu custos?”: Fonte CEPEA USP/ Facebook
O fato do governo Bolsonaro estar repleto de figuras que rejeitam o conhecimento científico que atesta de forma inescapável a ocorrência de um processo de mudanças climáticas causadas pela ação humana não chega a ser novidade. Nesse time nada seleto de negacionistas climáticos estão inclusos o próprio presidente Jair Bolsonaro, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e também o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Mas foi em uma “live” feita por Jair Bolsonaro que o Brasil pode conhecer, digamos, uma face mais doce do negacionismo climático que grassa no atual governo na figura da diretora do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação na Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação (SDI) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a doutoranda da Universidade de São Paulo, Mariane Crespolini dos Santos (ver vídeo abaixo).
Como se vê nesse trecho, Mariane Crespolini dá uma espécie de “aulão privé do negacionismo climático” a Jair Bolsonaro, à sua chefe imediata, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a outros presentes no “evento”.
Dentre os diversos absurdos proferidos por Mariane Crespolini neste curto vídeo é de que “muito pesquisador bom, de credibilidade, que mostra que mudança climática não existe“. Esse tipo de afirmação poderia até passar batida se quem a proferisse não tivesse sido treinada em duas das melhores universidades do Brasil e da América Latina, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É que apesar dessas instituições certamente possuírem docentes que negam as obviedades em torno da ciência das mudanças climáticas, elas também hospedam pesquisas de peso e de grande influência nos debates em curso em torno dos problemas causados por esse processo, a começar pelo pesquisador e professor do Departamento de Física, Paulo Artaxo, que é membro e importante contribuinte dos documentos científicos produzidos pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
Assim, ao reduzir uma discussão que será estratégica até para o setor do qual ela é claramente uma expert, o da pecuária bovina, Mariane Crespolini não apenas presta um desserviço ao governo do qual participa, mas aos interesses dos segmentos mais vinculados ao comércio global, da qual ela é aparentemente membro (ver abaixo vídeo de 2017 onde Crespolini fala sobre preços de bois em confinamento).
É que como mostrou matéria publicada hoje pelo “The Guardian”, a pressão política e econômico sobre os grandes frigoríficos para que se desvinculem de fornecedores vinculados ao desmatamento na Amazônia está aumentando fortemente a partir da União Europeia. Como já está demonstrada estreita ligação entre desmatamento e emissões de CO2 que aceleram as mudanças climáticas, Mariane Crespolini pode até estar tocando música para os ouvidos de seus chefes no governo Bolsonaro, mas também está aumentando os riscos de que o Brasil e sua produção agropecuária sejam duramente punidos nos próximos anos pelo que está acontecendo na Amazônia em termos de desmatamento e violência contra os povos indígenas.
Por outro lado, o ataque de Mariane Crespolini à ciência das mudanças climáticas faz parte, como eu disse, de um movimento feito por pesquisadores brasileiros de baixa ou nenhuma credibilidade contra um sólido corpo de conhecimento científico. O problema é que até este momento não tenho visto uma ação firme dos estudiosos das mudanças climáticas para isolar essas vozes, de modo a impedir que tenham qualquer influência na formulação das políticas do Estado brasileiro que afetam a conservação das nossas florestas e, por que não, a estabilidade do comércio de nossas commodities agrícolas.
A minha expectativa é que a partir dos resultados desastrosos que a participação da delegação brasileira na COP25 e nas restrições que isto trará para a balança comercial brasileira, o governo Bolsonaro a falar com quem entende do assunto e não com quem adota uma postura ideológica que despreza o conhecimento científico, como parece ser o caso de Mariane Crespolini, para mostrar serviço aos setores mais atrasados e retrógrados do agronegócio exportador.
Em seu tour pelos EUA, o chanceler Ernesto Araújo parece disposto a aumentar o enorme imbróglio diplomático em que o Brasil está metido.
O ministro de Relações Exteriores do governo Bolsonaro, o embaixador junior Ernesto Araújo, é um conhecido negacionista das mudanças climáticas. Araújo já declarou, inclusive, que as mudanças climáticas não passam de um complô orquestrado por marxistas.
Até aqui a veia negacionista do chanceler brasileiro estava mais ou menos restrito ao consumo interno. Mas com sua fala no dia de ontem no “think thank” conservador Washington’s Heritage Foundation, as ideias e percepções de Ernesto Araújo passaram a ser de conhecimento planetário, inclusive nos EUA onde existe um acirrado debate sobre as posturas negacionistas do governo de Donald Trump (ver vídeo abaixo).
Em sua fala para plateia amiga, Ernesto Araújo chega a divulgar um conceito pouco corrente, o “climatismo”, que seria segundo ele uma espécie de tese alarmista com o objetivo de violentar as formas democráticas de governança. Mas a azeitona da empada de Araújo foi quando ele concluiu afirmando que “A Amazônia é o palco inicial na luta contra o globalismo e pela recuperação da dignidade humana”.
Ainda que a posição de negacionismo das mudanças climáticas do chanceler do governo Bolsonaro possa agradar a setores extremistas da política mundial, o problema é que todas os dados e falas usados para negar o óbvio terão como consequência o afastamento de investidores do Brasil, justamente em um momento em que o país necessita de aportes econômicos para serem injetados em atividades produtivas.
Um sintoma de que a fala de Araújo caiu muito mal até nos EUA foi uma série de tweets de Ishaan Tharoor, jornalista do jornal “The Washington Post” , onde o chanceler brasileiro é retratado, no mínimo, como um excêntrico de extrema direita que é defensor de posições incoerentes e que resvalam em conhecimento obtido no Wikipedia.
A verdade é que Ernesto Araújo não é o único negacionista climático dentro do ministério formado por Jair Bolsonaro, apenas o mais tentado a se posicionar publicamente sobre o tema, ainda que sob o risco de parecer um lunático desvairado.
Derretimento acelerado do gelo tem nos Ursos Polares as primeiras vítimas, mas eles não são as únicas.
Enquanto no Brasil se vive o resultado de termos negacionistas das mudanças climáticas em postos chaves de governo (vide os exemplos do ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e Meio Ambiente, Ricardo Salles), os fatos constatados científicamente demonstram que as mudanças climáticas estão acelerando processos que apontam para a subestimação até dos piores cenários estimados pela comunidade científica.
O artigo abaixo produzido pelo site informativo Axios mostra que o derretimento do gelo no polo Norte está ocorrendo de forma muito mais rápida do que o estimado pelos cientistas do clima. Como a matéria aponta, o derretimento do gelo do Ártico trará consequências drásticas para o clima do hemisfério Norte.
O problema é que a mesma tendência das calotas de gelo em ritmo de “overdrive” também está sendo detectada na Antártida. Se isso se confirmar não apenas teremos processos semelhantes ocorrendo no hemisfério Sul, como teremos a provável sinergia entre Norte e Sul, com resultados imprevisíveis para o clima de todo o planeta.
Enquanto isso no Brasil, graças à postura dos negacionistas do clima encrustrados no governo Bolsonaro, dos quais Araújo e Salles são apenas as faces mais visíveis, a destruição das florestas amazônicas e do Cerrado continua também em ritmo de “overdrive”, comprometendo o ciclo de chuvas de todo o Brasil.
Extensão do gelo combinado nos mares de Chukchie Beaufort, 1979 a 2019
Por Andrew Freedman
No início deste ano, vimos o desaparecimento sem precedentes do gelo marinho do Mar de Bering durante uma época do ano em que ele deveria estar ganhando gelo. Essa tendência de queda do gelo marinho no Ártico do Alasca e do Canadá continua, desta vez centrada nos mares de Chukchi e Beaufort.
Por que é importante: a perda de gelo do mar está prejudicando o equilíbrio do calor no Hemisfério Norte, e está repercutindo nos ecossistemas, causando desde florescências de plâncton perto da superfície do Oceano Ártico até a presença de massas de morsas na Rússia e no Alasca. Também pode estar afetando os padrões climáticos em todo o Hemisfério Norte.
A grande figura: em todo o Ártico, a extensão do gelo marinho está em um recorde de baixa para este ponto no ano, e dependendo das condições climáticas durante o verão, é possível que 2019 possa estabelecer um novo recorde de baixa extensão de gelo.
O que eles estão dizendo?
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Este artigo sobre o derretimento do Ártico foi originalmente publicado em inglês pelo site de notícias Axios [Aqui!].
O Chanceler Ernesto Araújo, que nega o aquecimento da Terra (Foto: Arthur Max/MRE).
DO OC – O Ministério das Relações Exteriores preparou uma nota contendo informações sobre desmatamento e agronegócio. O objetivo é subsidiar diplomatas que precisam responder aos crescentes questionamentos feitos no exterior à política ambiental do governo Bolsonaro.
A nota, à qual o OC teve acesso, tenta vender a sustentabilidade do agronegócio brasileiro usando uma série de dados errados, distorções e meias-verdades. Além disso, várias das políticas às quais o documento se refere, que supostamente afiançariam a sustentabilidade da produção brasileira, vêm sendo abandonadas ou ativamente desconstruídas pelo governo de Jair Bolsonaro. Um exemplo são as políticas de clima, que a nota canta em prosa e verso, mas que o chanceler Ernesto Araújo acusa de serem uma armação globalista e o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, considera “secundárias”.
O desmonte das instituições ambientais brasileiras pelo novo governo foi denunciado por oito dos nove ex-ministros do Meio Ambiente vivos e será objeto de apuração pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que acatou um pedido do Ministério Público na semana passada. Governos estrangeiros, investidores e organismos multilaterais vêm demonstrando preocupação. No fim de abril, 607 cientistas europeus e duas organizações indígenas pediram numa carta na revista Science que a União Europeia condicione qualquer acordo comercial com o Mercosul ao cumprimento de uma série de salvaguardas socioambientais.
Vários dos dados usados pelo Itamaraty já haviam sido checados pelo OC neste vídeo. Nesta edição do Agromitômetro, reproduzimos a nota da chancelaria (em itálico) e comentamos seus pontos problemáticos.
Leia a seguir.
Informação sobre desmatamento
Na qualidade de reconhecida potência ambiental, com as maiores reservas de florestas tropicais, recursos genéticos e água potável do mundo, o País conseguiu, nas últimas décadas, conciliar políticas ambientais eficazes com uma pujante produção agrícola, o que lhe permitiu converter-se em parceiro comercial imprescindível para a segurança alimentar do planeta. O compromisso do Brasil com a conservação e o uso sustentável do meio ambiente coaduna-se plenamente com o direito ao desenvolvimento, fundamental para a geração de empregos e de renda no País, reconhecido no princípio 3 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de 1992, além de perpassar toda a Agenda 2030 sobre Desenvolvimento Sustentável.
Atualmente, cerca de 66,3% do território brasileiro são dedicados à proteção e preservação da vegetação nativa (unidades de conservação, terras indígenas,assentamentos rurais, quilombolas, áreas militares, reserva legal nos imóveis rurais e terras devolutas)…
MENTIRA: 67% do território brasileiro está coberto com vegetação nativa. Isso é muito, muito diferente de estar “dedicado à proteção e preservação”. O Itamaraty põe na conta áreas de produção familiar, como terras quilombolas e assentamentos, áreas onde múltiplos usos (inclusive agricultura e mineração) são permitidos, como APAs (Áreas de Proteção Ambiental), terras atualmente com floresta mas que podem ser legalmente desmatadas em propriedades privadas e áreas devolutas – terras públicas sem destinação formal, concentradas na Amazônia. Mesmo que a abordagem fosse correta, dados do Projeto MapBiomas mostram que a proteção efetiva é bem menor: se computarmos o que tem se mantido preservado nos últimos 30 anos, é menos de 50%.
…proporção muito superior à da maioria dos países.
MEIA-VERDADE: Há pelo menos 20 países que mantêm mais floresta como proporção do território que o Brasil, segundo dados do Banco Mundial que podem ser consultados neste link. A lista inclui o Suriname (98%), o Japão (68%), a Suécia (69%), a Finlândia (73%) e o Congo (67%).
Apenas 30,2% (257.002.000 hectares) das terras brasileiras são de uso agropecuário: 8% de pastagens nativas, 13,2% de pastagens plantadas, 7,8% de lavouras e 1,2% de florestas plantadas. O restante, 3,5% do território nacional, é ocupado por cidades, infraestrutura e outros.
MEIA-VERDADE: Segundo o cruzamento das bases de dados do Projeto MapBiomas e do Atlas da Agropecuária Brasileira, o Brasil tem 245 milhões de hectares em uso agropecuário, o que dá 29% do país – um pouco menos até do que sugerem os dados da nota do Itamaraty. Essa cifra sobe para 34% do território (295 milhões de hectares) quando se consideram os campos naturais no Pampa e no Pantanal, que podem ser usados para pastoreio. É uma cifra próxima da média mundial, que é de 37%. Cidades, água e infraestrutura cobrem cerca de 5% do país. O Brasil é o quarto maior produtor agrícola do planeta e tem a terceira área sob cultivo, atrás apenas de China e Estados Unidos – países mais extensos e mais populosos que o Brasil. A área agrícola per capita é maior no Brasil (1,17 hectare por habitante) do que nestes dois países (0,34 ha/habitante e 1 ha/habitante, respectivamente). A área agrícola do Brasil equivale a 1,5 vez a área agrícola de todos os países da Europa somados.
A título de comparação, os Estados Unidos utilizam 74,3% do seu território para a
agropecuária, 5,8% são ocupados por cidades e infraestrutura e 19,9% são dedicados à proteção e preservação da vegetação nativa. A produção agrícola dos países da União Europeia ocupa entre 45% e 65%; da China, 17,7%; e da Índia, 60,5%.
FALACIOSO: O documento do Itamaraty usa dois pesos e duas medidas para comparar o Brasil a outros países. Computa, por exemplo, as florestas nativas manejadas nos Estados Unidos na categoria “uso agropecuário”, enquanto as florestas nativas manejadas ou passíveis de manejo no Brasil, como as Florestas Nacionais, são consideradas “área de preservação”. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA, que podem ser consultados aqui, os EUA têm 61% do território sob áreas privadas para agropecuária e outros usos, mas 66% de áreas naturais e de vegetação nativa, quase tanto quanto o Brasil, e 30% do país está sob proteção (12% integral e 18% sob uso sustentável). Nos EUA, a área de cobertura florestal corresponde a 74% do que existia em 1850. Embora haja menos floresta lá do que aqui, a proporção de florestas mantidas lá é maior do que aqui. Pesquisadores da UFMG esmiuçaram a comparação.
Dessa forma, diferentemente do que se possa sugerir, o Brasil é um dos poucos países com capacidade concomitante para produzir e conservar, e sua experiência, suas lições e seus desafios informam a elaboração de políticas sustentáveis em outros países. Contribuem para o alcance desse difícil equilíbrio políticas ambientais especificamente voltadas para a conservação e o manejo sustentável de florestas, com forte participação do setor privado e com o emprego de tecnologias de ponta que permitem produção agropecuária de precisão com sustentabilidade.
O Código Florestal (Lei 12.651/2012) estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação nativa, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APPs), e institui, entre outros, áreas de uso restrito e Reservas Legais dentro de propriedades rurais privadas, que variam de 20% (Mata Atlântica) a 80% (Amazônia) da propriedade. Com o Código Florestal, é possível fazer uma distinção entre “desmatamento legal”, que permite o desenvolvimento da agricultura, e “desmatamento ilegal”, que deve ser combatido nasReservas Legais, nas APPs e nas áreas de proteção (unidades de conservação, terras indígenas), por meio de políticas de comando-e-controle, incluindo monitoramento, fiscalização e combate de vetores econômicos e pressões sociais que contribuem para possíveis devastações.
VERDADE, MAS…: Com a anuência do governo Bolsonaro, a bancada ruralista no Congresso está tentando desmontar o Código Florestal. Uma Medida Provisória (867/2018) que trata da regulamentação de um dispositivo específico do código, o Programa de Regularização Ambiental (PRA), recebeu mais de 30 emendas na Câmara que desfiguram a aplicação da lei. A mais polêmica delas permite anistiar desmatamentos numa área equivalente à de Portugal ao alterar o entendimento sobre o percentual de proteção da reserva legal das propriedades. O projeto foi aprovado na Câmara e barrado no Senado, o que fará a MP perder a validade. Mas o presidente Bolsonaro disse nesta semana que editaria uma nova MP sobre o mesmo tema. O filho mais velho do presidente, Flávio, senador pelo PSL do Rio de Janeiro, foi além: propôs um projeto de lei que simplesmente extingue a reserva legal, o que legalizaria todo o desmatamento no Brasil.
O Código Florestal brasileiro permitiu o mais completo mapeamento florestal já realizado com a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Trata-se de sistema inovador que permite o cruzamento de dados informados pelos proprietários rurais e dados de satélites sobre a cobertura florestal das propriedades.
Segundo dados recentes do CAR, existem no País: 231.779.278 hectares de unidades de conservação (federais e estaduais), equivalentes a 27% do território nacional; e 117.057.916 hectares de terras indígenas em 600 unidades, ou seja, 13,7% das terras brasileiras.
A combinação da extensão das unidades de conservação com a das terras indígenas resulta num total de 348.837.194 hectares de áreas consideradas “protegidas” segundo parâmetros das Nações Unidas, ou seja, 41% do País, equivalente à superfície de pelo menos 15 países europeus. Esse percentual é muito superior ao de países agroexportadores concorrentes do Brasil, como Austrália (que protege 19,2% do seu território), os Estados Unidos (13%) e o Canadá (9,7%).
MENTIRA: O CAR, que é autodeclaratório, não é fonte de dados de unidades de conservação e terras indígenas. O Cadastro Nacional de Unidades de Conservação aponta a existência de 158 milhões de hectares de UCs continentais no Brasil sendo que 18% apresentam sobreposições entre si. Além disso 11,4 milhões de hectares das áreas protegidas são sobreposição de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
A soma de todas as unidades de conservação continentais, incluindo a categoria APA, muito permissiva (80% do território do Distrito Federal está numa APA, por exemplo), e de todas as terras indígenas (que, de fato, representam 14% do território), perfaz 259 milhões de hectares, cerca de 30% do território nacional – não 41%, como a nota do Itamaraty. É um número não muito distante da média mundial, 25%, e menor do que o de países da América do Sul, como Bolívia e Venezuela (mais de 40% cada um) e de países desenvolvidos, como Alemanha (38%) e Grécia (35%). Além disso, as áreas protegidas estão mal distribuídas no país: a maior parte delas está na Amazônia, região que responde por apenas 10% da produção agropecuária. Retirando a Amazônia, apenas 5% do país – que concentra 90% da produção – está sob alguma forma de proteção.
Além do Código Florestal, existem diversas políticas agrícolas e ambientais que promovem o desenvolvimento de práticas sustentáveis e a conservação de florestas, incluindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas na Amazônia – PPCDAm , o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Cerrado –PPCerrado, para citar alguns. Existem, igualmente, diversas iniciativas de compromisso ambiental do setor privado, as quais serão descritas a seguir.
VERDADE ANTES DE BOLSONARO: O novo governo extinguiu a secretaria responsável pelo PPCDAm e pelo PPCerrado no Ministério do Meio Ambiente e até agora não disse se e como os planos terão continuidade. Não há mais nenhum órgão encarregado de formular as políticas de combate ao desmatamento – o ministro do Meio Ambiente já afirmou que o Ibama bastaria para cuidar disso. O mesmo ministro também lançou um ataque sem precedentes ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação, anunciando a revisão de todas as 334 Unidades de Conservação Federais, que segundo ele foram criadas “sem critério” apesar de contarem com estudos técnicos específicos para a sua criação. Várias poderão ser reduzidas ou até desfeitas.
Participação do setor privado
No que diz respeito à agropecuária, a Lei 12.651/2012 impõe ao agricultor nacional a obrigação de manter um percentual de sua área com floresta ou outra vegetação nativa (Reserva Legal), às suas expensas, inclusive tributárias, sem recebimento de qualquer compensação pecuniária por isso.
FALACIOSO: O Itamaraty dá a entender que os proprietários rurais deveriam receber dinheiro por cumprir a lei. Por essa lógica, então, nas cidades os proprietários de imóveis deveriam receber compensação para cumprir obrigações legais como manter recuo para calçada, observar o espaçamento entre imóveis ou manter áreas permeáveis, ou motoristas deveriam ser compensados por se ater aos limites de velocidade sem poder acelerar até o limite de seus veículos. Pela mesma moeda, os serviços ambientais prestados pelas florestas brasileiras em áreas públicas à agricultura, como manutenção do regime de chuvas, polinização e ciclagem de nutrientes do solo, avaliados em até US$ 700 por hectare por ano, deveriam ser em parte pagos pelos produtores, que os recebem como um subsídio hoje. Por fim as áreas destinadas a área de preservação permanente (APP) e reserva legal (RL) podem ser excluídas do cálculo do ITR (Imposto Territorial Rural), o principal encargo tributário incidente sobre a propriedade rural.
Na Amazônia, esse percentual de conservação obrigatório é de 80% da propriedade. Segundo cálculos do Serviço Florestal Brasileiro, cerca de 212.750.000 hectares são Reserva Legal em áreas privadas brasileiras, aproximadamente 25% do território (aproximadamente 100.000.000 dos quais são declarados como vegetação nativa em propriedades privadas, 12% do território brasileiro – uma área pouco inferior aos territórios de França, Espanha e Portugal combinados), enquanto 257.002.000 hectares são de uso agropecuário (30,2% do território). Portanto, em média, para cada 1 hectare plantado/cultivado, o setor privado tem a obrigação por lei de preservar ou recuperar 0,82 hectare de vegetação nativa.
NÃO É BEM ASSIM: Excluindo-se as sobreposições entre si e com terras indígenas e unidades de conservação de domínio público, as áreas privadas cadastradas no Brasil somam cerca de 365 milhões de hectares e possuem pouco menos de 190 milhões de hectares cobertos com vegetação nativa (primária ou secundária). É correto afirmar que para cada hectare ocupado por agropecuária no Brasil existe 0,74 hectare de vegetação nativa em propriedades privadas – não necessariamente protegidos, como mostram as taxas anuais de desmatamento no Brasil. Sem considerar a Amazônia, que responde por 10% da produção agropecuária brasileira, esse índice cai para 0,64. As áreas de reserva legal das propriedades privadas podem ser utilizadas para produção florestal, como acontece já em escala tanto na Amazônia quanto na caatinga.
Além da instituição das Reservas Legais, contribui para a proteção das florestas brasileiras o desenvolvimento da pesquisa agropecuária de ponta nas últimas décadas, com empresas como a Embrapa à frente, bem como o avanço de tecnologias que aumentaram a produtividade, contribuindo para intensificar a produção e evitar a incorporação de novas áreas à exploração agrícola. Esses avanços tecnológicos permitiram que, nos últimos 40 anos, o crescimento da produção de grãos quintuplicasse, ao passo que a área ocupada pelas plantações permanece praticamente estável.
MEIA-VERDADE: O desenvolvimento da pesquisa agropecuária tem sido a chave para o salto de produtividade da agricultura brasileira, que de fato poupou terras: de 1991 até 2017, a produção de grãos cresceu 312%, enquanto a área plantada cresceu 61%, sendo que parte importante da agricultura cresceu sobre áreas de pastagem. A área ocupada não “permaneceu estável”, como alega o Itamaraty, mas trata-se de um caso de sucesso. Quando se observa a área total ocupada pela agropecuária no Brasil, ela cresceu quase 40% entre 1985 e 2017. Isso decorre principalmente do fato de a pecuária permanecer com índices de produtividade média muito baixos. Segundo o projeto TerraClass, do Inpe e da Embrapa, 63% de toda a área desmatada na Amazônia dos anos 1980 até hoje está ocupada por pastagens em sua grande maioria de baixa produtividade.
À luz do que precede, é correto afirmar que os produtos agrícolas que são produzidos no País comportam a forte contrapartida de serviços ecossistêmicos prestados pela área conservada na Reserva Legal em cada propriedade. Devem ser reconhecidos como commodities que contribuem para a manutenção da biodiversidade, para a proteção de fontes de água potável e para a estabilidade do clima mundial.
MEIA-VERDADE: Embora parte do agronegócio, em especial entre os exportadores de grãos e celulose, venha cumprindo a legislação trabalhista e ambiental, com certificação e rastreabilidade, isso ainda está longe de ser a regra no setor. O Brasil ainda é o país que mais desmata no mundo em termos absolutos: são cerca de 15 mil quilômetros quadrados por ano. As reservas legais vêm sendo desmatadas: propriedades privadas perderam 20% da vegetação nativa nos últimos 30 anos, enquanto as áreas protegidas perderam 0,5%. Cerca de 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa vêm da atividade agropecuária, seja diretamente, pelo metano emitido pelo rebanho bovino, seja indiretamente, pelo desmatamento. O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do planeta – seu agronegócio, se fosse um país, seria o oitavo maior emissor do mundo, à frente do Japão.
Atualmente, o Brasil concorre nas exportações de grãos com países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Austrália, mantendo grande parte de seu território intacto.
No que se refere à produção de soja, está vigente desde 2006 a Moratória Brasileira da Soja, iniciativa originalmente liderada pelo setor privado.
MENTIRA: A moratória da soja começou devido a uma iniciativa do Greenpeace, que em 2006 denunciou que a soja que alimentava os frangos do McDonald’s vinha de desmatamento ilegal na Amazônia. O setor privado aderiu com relutância, por pressão dos compradores estrangeiros.
A iniciativa alcançou resultados consistentes, como a contenção a apenas 2% da expansão da produção de soja em áreas de desmatamento ilegal desde 2008. Iniciativa similar no Cerrado ficou conhecida como o “Manifesto do Cerrado”.
VERDADE, MAS…: A moratória de fato foi um sucesso, apesar de ter quase implodido várias vezes. Tentativas de expandi-la ao cerrado têm enfrentado resistência do setor privado.
Com relação à sustentabilidade da pecuária, responsável por cerca de 65% das áreas desmatadas da Amazônia, tem obtido êxito o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, implementado pelo Ministério Público Federal juntamente com frigoríficos. Atualmente, cinco estados da região amazônica estão contemplados no TAC.
MEIA-VERDADE: Como o nome indica, o TAC da carne não foi uma iniciativa do setor e sim um acordo feito com o Ministério Público para evitar que as empresas voltassem a delinquir e garantir que continuassem recebendo crédito rural. O TAC foi um importante primeiro passo na regularização da pecuária na Amazônia, mas o setor continua sendo o principal responsável pelo desmatamento na Amazônia– que vem aumentando desde 2012 após oito anos com tendência de queda.
Quanto ao setor florestal privado, segundo dados da IBA, estima-se que, para cada hectare de floresta plantada no Brasil, o setor privado conserva 0,7 hectare de vegetação nativa. Atualmente, o setor de florestas plantadas possui um total de 7.84 milhões dehectares. Estima-se que, até 2030, o setor alcance 2 milhões de hectares de novas áreas de plantio florestal comercial, baseado na intensificação sustentável e na adoção de boas práticas de manejo. O crescimento do setor florestal privado deve ser considerado importante para a conservação ambiental no Brasil.
VERDADE: O setor de florestas plantadas tem o melhor desempenho de sustentabilidade de todo agronegócio brasileiro. Se todo o agronegócio brasileiro tivesse a performance em sustentabilidade do setor de florestas plantadas, seguramente o Brasil teria a produção rural mais sustentável do mundo.
O setor de florestas plantadas é responsável pela geração de 508 mil empregos diretos e 3,2 milhões de empregos indiretos. Juntamente com o setor agropecuário, são mais de 20 milhões de empregos diretos e indiretos. Esse número é expressivo, tendo em conta que a população economicamente ativa do Brasil é de aproximadamente 104 milhões de pessoas. O campo é portanto responsável, direta ou indiretamente, por aproximadamente um quinto dos empregos brasileiros e tem potencial para gerar muito mais oportunidades de trabalho.
Florestas e mudança do clima
Atualmente, estão vigentes no País as seguintes normas e compromissos no âmbito das ações de combate à mudança do clima com implicações para o setor florestal:
VERDADE ANTES DE BOLSONARO: As políticas citadas abaixo são de fato importantes e é bom que o Itamaraty reconheça seu valor, porque o governo Bolsonaro tem se dedicado a desmontá-las, uma a uma.
– Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009); com meta de redução de 36,8% a 38,9% das emissões em 2020 em relação à trajetória calculada em 2009, será cumprida graças à estimativa inflada de crescimento anual do PIB (5%). Mas sua principal meta, a redução de 80% no desmatamento da Amazônia, não será cumprida. Para que fosse, seria necessário chegar a 2020 com desmatamento na casa dos 3.900 km2/ano. Estamos em 8.000 km2 em 2018.
– Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei nº 12.651/2012) – Implementação dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs); o Código Florestal está sendo atacado no Congresso pela bancada ruralista e pelo filho do Presidente da República. A implementação do Cadastro Ambiental Rural já foi adiada três vezes e o PRA ainda não foi concluído. Em resumo, não se está recuperando floresta, nem se está cortando crédito de quem não recuperou.
– NDC do Brasil – compromisso de recuperar de 12 milhões de hectares de florestas até 2030 para usos múltiplos, eliminar o desmatamento ilegal no bioma Amazônia até 2030, fortalecer o cumprimento do Código Florestal; há uma confusão na nota sobre o que é a NDC: trata-se da meta de reduzir emissões em 37% até 2025. Para cumpri-la, o governo listou uma série de ações, entre elas restaurar 12 milhões de hectares e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
O Brasil até hoje não apresentou um plano de implementação da NDC, nem uma estratégia de longo prazo. Ao contrário, extinguiu a secretaria responsável por isso no MMA e a divisão que negociava o Acordo de Paris no Itamaraty. O chanceler do Brasil é um franco negacionista do clima, que recentemente atribuiu o aquecimento da Terra a “termostatos” (sic) “no asfalto”. Também o é o ministro do Meio Ambiente, que se refere às mudanças climáticas como uma “discussão acadêmica” e já disse que o governo “não será ativo” no debate climático internacional – segundo ele, há problemas mais “tangíveis” para atacar no país.
– Desafio de Bonn e da Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, com a meta de promover a recuperação de 12 milhões de hectares até 2030;
Não há sequer instância no governo para cuidar da sua implementação.
– Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Decreto 8.792, de 23 de janeiro de 2017 e Portaria Interministerial nº 230, de 14 de novembro de 2017) ;
Idem.
– Zoneamento Agrícola de Risco Climático – ZARC;
– Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas na Amazônia – PPCDAm;
Seu futuro é incerto após a extinção da diretoria que cuidava de sua implementação no MMA. Até hoje o governo não disse o que será feito dele.
– Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas no Cerrado – PPCerrado;
Idem.
– Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura – Plano ABC;
Foi mantido no Ministério da Agricultura, mas seus recursos no Plano Safra vêm caindo ano a ano. No ano passado, a linha de crédito do Programa ABC, que implementa o Plano ABC, foi a menor desde a sua criação – menos de 1% do Plano Safra.
– Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima – PNA.
Foi engavetado após a extinção da Secretaria de Mudanças Climáticas do MMA.
O Brasil foi um dos poucos países em desenvolvimento a informar uma Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), com metas de redução absoluta de emissões de
gases de efeito estufa para o conjunto da economia, no âmbito do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A NDC brasileira
indicou, entre outros, o compromisso de fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, até 2030, o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira, a compensação das emissões de gases de efeito estufa provenientes da supressão legal da vegetação, bem como a restauração e o reflorestamento de 12 milhões de hectares de florestas.
VERDADE, MAS…: O atual governo não apenas não fez nenhum movimento no sentido de implementar sua NDC como tem jogado ativamente contra as políticas de controle de desmatamento e o Código Florestal, que formam o pilar da NDC. O ministro do Meio Ambiente, principal responsável pela implementação, sequer acredita em mudanças climáticas causadas por seres humanos.
No que se refere ao período pré-2020, o País antecipou o cumprimento do objetivo das Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (NAMAs) quanto à redução de emissões de gases de efeito estufa associada à redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
MENTIRA: Quando as metas brasileiras foram anunciadas, antes da conferência de Copenhague (2009), a principal delas era reduzir o desmatamento em 80% na Amazônia. Quando o país registrou a meta na ONU, esses 80% de redução foram “traduzidos” em toneladas de CO2 (564 milhões). O governo vem tentando argumentar que já cumpriu a meta em toneladas de CO2 usando um truque contábil: computar o carbono supostamente “sequestrado” em florestas em propriedades privadas inscritas no Cadastro Ambiental Rural – que, como já vimos, é autodeclaratório. O fato permanece, porém, que o atual nível de desmatamento é mais do que o dobro previsto na meta para 2020.
A meta para o cerrado, que foi calculada sem o monitoramento adequado do desmatamento no bioma e ainda sofreu um expurgo da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, já estava cumprida desde antes de ser enunciada.
Ressalte-se que a redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes de desmatamento ocorreu simultaneamente ao aumento da produção
agrícola no País.
VERDADE: Isso demonstra que, ao contrário do que afirma o Presidente da República, a conservação ambiental não atrapalha a produção.
Ressalte-se também o REDD+ – instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados relacionados a atividades de redução de emissões no setor florestal. No Brasil, a Estratégia Nacional para REDD+ (ENREDD+), estabelecida em 2015, tem como objetivo contribuir para a mitigação da mudança do clima por meio da eliminação do desmatamento ilegal, da recuperação dos ecossistemas florestais e do desenvolvimento de uma economia florestal sustentável de baixo carbono, gerando benefícios econômicos, sociais e ambientais.
VERDADE ANTES DE BOLSONARO:
VERDADE ANTES DE BOLSONARO: O ministro do Meio Ambiente, como amplamente noticiado, empreende um ataque inédito ao Fundo Amazônia: já acusou irregularidades inexistentes nos convênios com ONGs, atacou a equipe gestora, causando a demissão da diretora do fundo, e quer mudar a governança de seu comitê orientador de forma a interferir politicamente na destinação da verba. Também anunciou que pretende usar recursos do fundo para pagar por desapropriações em áreas protegidas, o que afronta diretamente o objetivo da doação e as regras do BNDES.
Recentemente, o País teve aprovado pelo Fundo Verde para o Clima (GCF) a Proposta de Pagamentos Baseados em Resultados de REDD+ Alcançados pelo Brasil no Bioma Amazônia nos anos de 2014 e 2015, o qual atinge US$ 96,4 milhões. Essa proposta foi submetida em resposta à chamada do Programa Piloto para Pagamentos por Resultados de REDD+ do GCF e contém, além de iniciativas de fortalecimento da ENREDD+, programa piloto inovador de incentivos para serviços ambientais na região da Amazônia Legal, em conformidade com os artigos 41 e 58 do Código Florestal do Brasil, com a ENREDD+ e com a NDC do Brasil.
VERDADE ANTES DE BOLSONARO: O diretor responsável por finalizar a negociação com o GCF foi exonerado assim que o Conselho do fundo aprovou o pagamento ao Brasil. Hoje o recurso também está no limbo, à espera da nomeação de quem o opere no governo.
DEMA I – 29.05.2019
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Esta análise foi originalmente publicada pelo Observatório do Clima [Aqui!].
Ricardo Salles posa de valente com servidores do IBAMA e ICMBio, mas foge do embate de ideias como o diabo foge da cruz.
Como figuras importantes do ministério formado pelo presidente Jair Bolsonaro estão no time dos “negacionistas climáticos“, não chega a ser surpreendente que mais uma atividade organizada pela ONU, um evento regional da Convenção-quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), tenha sido cancelada pelo dublê de ministro e agroboy, Ricardo Salles.
É que mesmo antes de sua posse, o presidente Bolsonaro Antes pediu ao então presidente de facto, Michel Temer, que cancelasse a Conferência do Clima que estava programada para dezembro no Brasil. E que por conta disso, a COP25 será realizada no Chile e não mais no nosso país.
O que mais me chama a atenção é a alegação usada por Ricardo Salles para cancelar o evento que estava sendo organizado pelo governo do estado da Bahia e pelo da cidade de Salvador. É que segundo informa o site “Direto da Ciência”, o cancelamento se deveu pelo temor de que o evento serviria como “um foco gerador de protestos de ambientalistas contra sua gestão“. E não contente em dar uma de fujão, Salles ainda atacou a validade da reunião afirmando que “não faria evento do clima na BA só para se ‘fazer turismo’ e ‘comer acarajé.
Ora bolas, se esses são realmente os motivos (além claro do perfil de negacionistas das mudanças climáticas) para o cancelamento de uma atividade que geraria pouco ou nenhum ônus para o governo federal e ainda atrairia um número significativo de pessoas que ajudariam a movimentar a economia local, Ricardo Salles está consolidando outro aspecto marcante do governo Bolsonaro, qual seja, o de fugir de embates de ideias em questões cruciais, inclusive para as relações comerciais, e ainda tentar dar uma de valente. É que essa não é a primeira “fuga” que se vê por parte de representantes de um governo que utiliza de discursos altamente belicosos para tentar resolver as paradas em que se envolvem.
O pior é que mais essa saída à la Leão da Montanha do governo Bolsonaro ocorre em um momento em que a questão das mudanças climáticas vem mobilizando movimentos sociais e governos em todas as partes do mundo, sendo que pelo menos dois governos nacionais já declararam “emergências climáticas” (i.e., Reino Unido e Nova Zelândia) e outros tantos ameaçam seguir o mesmo caminho.
Deste modo, o que o governo Bolsonaro e seu antiministro do Meio Ambiente estão fazendo é nos colocar uma posição altamente delicada no tocante à proteção do meio ambiente, pois enquanto a maioria dos governos nacionais se move no sentido de enfrentar as consequências já visíveis das mudanças climáticas, o Brasil insiste em boicotar eventos em que estão sendo discutidas saídas multilaterais para os problemas decorrentes desse processo. Adivinhem que sairá perdendo.