3ª Conferência Territorial do Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário do Norte Fluminense

Senhor do Bonfim sediará 3ª Conferência Territorial de Desenvolvimento  Rural Sustentável e Solidário – Blog do Eloilton Cajuhy

A 3ª Conferência Territorial do Norte Fluminense será um momento fundamental para conseguirmos consolidar a re-homologação do território e avançar na integração das ações e políticas públicas desenvolvimento rural sustentável e solidário para a nossa região. 

Convidamos todos os parceiros, instituições, produtores e representantes da sociedade civil e governamental a participarem e contribuírem com suas ideias e proposições, que poderão ser apresentadas já no ato da inscrição para debate nos cinco grupos temáticos da Conferência.

📅 Data: 05 de novembro de 2025

📍 Local: UENF – Campos dos Goytacazes

Segue o link formulário de inscrição, além do folder de apoio e a programação.

Contamos com sua participação e apoio na divulgação para fortalecer esse importante espaço de diálogo e construção coletiva!
Dúvidas, perguntas e sugestões podem ser encaminhadas através do e-mail: 3cot.nf.rj@gmail.com

Conversa prá boi dormir

Conversa pra boi dormir | copeiros

Por José Luís Vianna da Cruz

– Que história é essa, compadre, de botar Campos e os entornos no “semiárido”?

– É que, dessa forma, compadre, 22 municípios do Norte e Noroeste vão ter direito de receber uma dinheirama barata do governo para aplicar em negócios.

– Mas nós somos semiárido, compadre?

– Veja bem, compadre; o negócio é o seguinte: é uma jogada dos graúdos para conseguir dinheiro barato para montar negócio de agricultura, indústria, etc., para, segundo eles, trazer o desenvolvimento.

– Mas, somos ou não semiárido?

– Não somos, mas parece que podemos vir a ser, se a agricultura e a pecuária de grande monta continuar envenenando as terras e secando as águas e se não recuperar as matas que foram derrubadas pela agricultura e a pecuária de séculos e séculos nessa terra de meu Deus!

– Isso não é feiquinius, compadre?

– Nananinanão! É conhecimento investigado, dito, jurado, registrado e provado pela ciência, que nossos professores estão divulgando. É muito sério, competente e verdadeiro o pessoal que diz que não é semiárido. Tem estudo que diverge, mas eu acredito na ciência que diz que não é semiárido. Está nos livros de geografia, desde o primeiro grau, compadre!

– E então, compadre, como é que fica, então?

– Fica que não é isso que está por trás dessa movimentação pra conseguir essa moleza. As assessorias e consultorias do governo já provaram que não é semiárido.

– Então, por que os graúdos da política e do dinheiro dizem que é?

– É para não perder essa grana barata, compadre! Não dá para perceber? Eles não estão nem aí para esse papo de semiárido. É conversa pra boi dormir e quando acordar eles já pegaram tudo pra eles.

– A gente não tem róialti desde há muito tempo? Por que a gente não tem desenvolvimento até hoje?

– Pois é…a gente recebeu bilhões e bilhões de róialti…evaporou…antes, a gente teve a cana, o açúcar. Sabia o compadre que recebemos tantos milhões do governo, na época das usinas, que hoje seriam bilhões? Tá tudo registrado, documentado, pesquisado, provado e publicado pelos pesquisadores das faculdades.

– Então, tem caveira de burro enterrada na encruzilhada, compadre?

– Não, compadre, porque a turma que domina a grana e a política nessas paragens quer tudo só pra eles…não bastante isso fazem de tudo para que os que têm menos, têm pouco ou não têm nada, nunca tenham condição de ter alguma coisa…pegam tudo pra eles, vigiam quem quer mudar isso, quem quer uma parte do bolo e cuidam pra que todas as atitudes para o povo ter direito a uma parte do bolo, pra modo de viver bem, satisfeito e feliz, sejam cortadas pela raiz.

– Mas, pra onde foi e vai essa dinheirama toda?

– Aí que o bicho pega, aí é que está o é da coisa, compadre! Veio pra mim, pra você, pro pobre, pro pessoal da favela, das periferias, das casinhas? Veio pro pessoal que rala em trabalho de exploração, em serviço de esgotamento sem compensação? Pros pequenos que plantam e colhem, que tem negócio miúdo? Pros que querem serviço e emprego de maior ganho, de maior respeito, de direitos, sem humilhação, sem sujeição a regime de tirar o couro e receber pouca paga? Veio pra quem quer ser bem atendido, com rapidez e bom tratamento de saúde, seja onde quer que o sujeito ou sujeita more, na hora que tiver precisão? Veio pra quem necessita de creche, de escola de dia inteiro, com boa educação, alimentação, transporte, esporte e arte? Pra todo lado é só carência, compadre, depois de séculos de abastança!

– Eles gastam em quê, compadre, se a gente continua penando?

– Deixa pra lá, compadre, isso é prosa para os que tratam da lei, compadre! O que é importante é que desde o século passado que, mesmo nadando em dinheiro, os graúdos dessas abas choram miséria, mendigam dinheiro de governo e não aplicam nos direitos de vida, de trabalho, de renda, de saúde, de transporte, de segurança, etc., pro povo, compadre! Receberam rios de dinheiro e o dinheiro não virou oportunidade nem boas condições pro povo! É tudo pra eles! É um tal de condomínio fechado de luxo, hotéis de bacana, carraria de exibição, construção nova de montão e o povo penando pra ir e vir, pra arranjar trabalho de respeito, pra desenvolver na sua produção, na sua labuta, no seu serviço.

– E, então, como ficamos?

– Não ficamos, compadre! Dinheiro novo só se for pra botar na mão dos trabalhadores, das associações, cooperativas e da gente que cata lixo, planta e colhe nos conforme da agroecologia, que pesca sem esgotar os cardumes, dos que não aguentam exploração e querem montar negócio junto e justo, que distribui e dá condições de gente, de cidadão. São esses que protegem o ambiente, que podem garantir condições de Bem Viver nas cidades e nas roças. É gente que, atualmente, trabalha e acaba produzindo pra enriquecer quem já tem tudo. É hora dos que pensam nos outros, dos que querem o do bom pra todo mundo, pros que querem uma cidade onde todos usufruam dela todinha, sem muros, sem discriminação, compadre.

– Eita, é osso, né, compadre!

– É osso, compadre, mas nós temos disposição pra roer esse osso. Nós somos iguais a erva daninha, compadre, podem cortar que nascemos de novo! Do jeito que tá, nada de meter Campos e os outros 21 municípios do Norte e Noroeste em lei de semiárido. Melhor usar esse dinheiro para quem necessita. Pra isso nós estamos juntos, compadre!

José Luis Vianna da Cruz, Campos dos Goytacazes, 2025.

Na tarde/noite deste um de setembro, de mais um dia da desgraçada e proibida fuligem que envenena os pulmões dos nossos filhos e filhas há gerações. Minha singela homenagem a todos que, antes de mim, alertaram, na fala e na escrita, sobre esse trelelê de semiárido.

MPF recomenda à PM do Rio de Janeiro a criação de protocolo para atuação em conflitos agrários e em assentamentos

Documento propõe medidas para garantir respeito aos direitos humanos e reduzir violência no campo

Foto: PMRJ  

Por ASCOM Procuradoria da República

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Secretaria de Estado de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro para que, no prazo de 60 dias, elabore protocolos específicos para a atuação de suas forças em conflitos agrários. A medida busca assegurar a atuação proporcional, a proteção dos direitos humanos e a mitigação do uso excessivo da força em áreas rurais.

Entre as propostas apresentadas pelo MPF estão a instalação de câmeras corporais em operações, a garantia do direito à presença de advogados e defensores públicos durante diligências, a criação de canais formais de diálogo com movimentos sociais, a implementação de treinamento técnico focado na resolução pacífica de conflitos e a estruturação de mecanismos de proteção para populações vulneráveis. Além disso, o MPF recomenda o fortalecimento do controle externo da atividade policial.

A recomendação, assinada pelo procurador adjunto dos Direitos do Cidadão Julio Araujo surge após a constatação de ações policiais consideradas ilegais e intimidatórias no Assentamento Josué de Castro, em Campos dos Goytacazes (RJ). Viaturas e agentes da Polícia Militar foram vistos circulando e monitorando o local de forma ostensiva, sem justificativas claras, conforme relatos de moradores e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em uma das ocasiões, um helicóptero da polícia sobrevoou em baixa altitude a sede da associação dos assentados, aumentando o clima de medo e constrangimento.

O MPF destacou que a atuação policial, nesse contexto, contraria normas constitucionais, leis nacionais e parâmetros internacionais sobre o uso da força, incluindo as diretrizes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre conflitos fundiários. O documento ressalta, ainda, que a reforma agrária no Brasil historicamente se associa a episódios de violência, e que o país já foi condenado diversas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violações cometidas contra trabalhadores rurais e pessoas defensoras de direitos humanos.

Julio Araujo enfatiza que é legítima a atuação das forças policiais no contexto de remoções forçadas, “mas desde que o façam como instrumento do cumprimento de ordem judicial, e não como fator de resolução direta ou desequilíbrio de um conflito determinado, missão que foge do escopo e das atribuições policiais”. 

Segundo a recomendação, a adoção de protocolos específicos para conflitos agrários é essencial para combater a chamada “impunidade estrutural” identificada pela Corte IDH em casos anteriores e para alinhar a atuação policial às obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro. 

O secretário de Polícia Militar tem 15 dias para se manifestar sobre o acatamento da recomendação.


No Norte Fluminense,a soja é sonho para poucos, mas poderá ser pesadelo para muitos

Tenho acompanhado anúncios publicitários disfarçados de matérias jornalísticas dando conta do que se pode chamar de chegada da soja no Norte Fluminense. A produção é ainda residual, mas existe o incentivo para dar algum tipo de uso para as estruturas subutilizadas do Porto do Açu. Além disso, em face das pressões por reforma agrária em terras improdutivas, que são maioria por estas bandas, a ideia de plantar soja acaba sendo uma espécie de saída de oportunidade.  

Por essas e outras é que a soja se tornou uma espécie de sonho para latifundiários e autoridades municipais. Mas o que é um sonho para poucos poderá se tornar um pesadelo para a maioria. É que quem vende a ideia de que a soja pode prosperar por aqui, esquece oportunamente de dizer que esta monocultura só é viável com muito agrotóxico sendo aplicado ao longo de todo o processo, desde antes do plantio até a estocagem dos grãos.

Não é à toa que a soja sozinha é responsável pelo consumo de mais de 50% de todos os agrotóxicos consumidos no Brasil, incluindo produtos altamente tóxicos e perigosos para o meio ambiente, a começar pelos herbicidas Glifosato e Diquat. Como esta região já tem uma alta memória em seus solos e recursos aquáticos de agrotóxicos utilizados em outra monocultura, a da cana de açúçar, a expansão da soja significará ainda mais resíduos de produtos altamente venenosos na água que chega na torneira dos campistas, bem como na poeira que invade as casas quando venta forte na região.

Uma pesquisa publicada recentemente com os resultados de coletas feitas em residências na Europa encontrou resíduos de nada menos do que 197 agrotóxicos diferentes, a maioria deles oriunda de campos cultivados com esses venenos agrícolas. O estudo mostrou que esses resíduos chegaram na forma de poeira trazida pelos ventos ou até por animais domésticos que retornavam de seus passeios em áreas públicas.

De minha parte, considero que diferente dos anúncios publicitários em prol da soja e da monocultura de árvores, o que se precisa por aqui é de uma ampla reforma agrária que impulsione a produção de alimentos saudáveis, especialmente em um momento de altas incertezas sobre o comércio mundial que está causando a elevação contínua da cesta básica.

Além disso, é preciso que se cobra a imediata imposição de um mecanismo de licenciamento ambiental que estabeleça limites claros para as distâncias permitidas dos cultivos de soja em relação à áreas residênciais e corpos hídricos.  Do contrário, o que teremos pela frente será um cenário de ampliação do processo de contaminação ambiental e de adoecimento da população em fase da exposição às dezenas de agrotóxicos que são utilizados nos plantios de soja.

MST e a luta pela reforma agrária: um espectro ronda o latifúndio no Norte Fluminense

Ocupação nas terras da falida Usina Sapucaia serviu para mostrar que o espectro da reforma agrária ronda o Norte Fluminense 

No Manifesto Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels colocaram uma frase que até hoje assombra a burguesia mundial: um espectro ronda a Europa, o espectro do Comunismo. Passados pouco menos de 200 anos desde a publicação do “Manifesto”, eu me sinto tentando a adaptar essa frase ao contexto do Norte Fluminense (e especificamente de Campos dos Goytacazes) para algo que poderia seguir as linhas do “um espectro ronda o latifúndio, o espectro do MST e da luta pela reforma agrária”.

A segurança em torno dessa adaptação se dá com base da aliança (nada santa) que foi formada para forçar a retirada de 400 famílias que ocupavam pacificamente a Fazenda Santa Luzia pertencente à massa falida da antiga Usina Sapucaia para exigir o uso de suas terras para a criação de mais um assentamento de reforma agrária.

Motivos para o governo federal fazer cumprir o Artigo 186 da Constituição Federal não faltam, a começar pela dívida milionária que a Sapucaia possui com a União e com os seus trabalhadores. Afinal, se existem pessoas querendo usar as terras produtivamente e existe débito milionária com a União, qual seria o problema de usar as terras da Santa Luzia para fazer cumprir o que está determinado na Constituição Federal?

Eu diria que o maior problema seria o exemplo. É que as usinas falidas em Campos dos Goytacazes possuem um estoque de terras que só não é maior do que o estoque de dívidas com o Estado brasileiro e com seus trabalhadores. Assim, o medo que deve assombrar o sono dos latifundiários é que mais trabalhadores sem terra queiram voltar para a terra para trabalhar com o simples uso de um dispositivo constitucional que só não é usado porque os latifundiários continuam a ter um controle exagerado sobre a política brasileiro, a começar pelo número de assentos na Câmara de Deputados e no Senado Federal.

O fato é que a alta concentração da propriedade da terra está na raiz de todas as injustiças sociais existentes no Brasil. No caso do município de Campos dos Goytacazes, a existência de uma fortíssima concentração da terra anda de braços dados com a injustiça econômica que põe mais da metade das famílias indignas de existência, com a perpetuação da indigência financeira para quase metade da população.  Assim, enquanto alguns poucos conseguem viver tranquilamente, a maioria é constrangida a existir em condições indignas na completa miséria.

Por isso, a organização social promovida pelo MST em prol da reforma agrária assombra, ao mesmo tempo em que mobiliza reações rápidas e raivosas. Por razões que eu desconheço, o MST retar seus planos de transformar o Norte Fluminense em outro “Pontal do Paranapanema” como se pensava no final dos anos de 1990. Mas aparentemente, o MST está de volta e disposto a cobrar a realização do que está disposto na Constituição Federal.  Se isso se confirmar, eu diria que estamos diante de um cenário interessante e que pode mobilizar grandes contingentes de brasileiros que hoje vivem em áreas esquecidas pelo Estado brasileiro nos diferentes municípios do Norte Fluminense, começando por Campos dos Goytacazes.

E não custa lembrar que no último dia 26 de janeiro se completaram 12 anos desde o assassinato do líder sem terra Cícero Guedes e que até hoje permanece sem que seus mandantes e executores tenham sido punidos pela justiça. De certa forma, é revigorante ver que a memória de Cícero continua impulsionando outros brasileiros a enfrentarem o medo e a repressão em nome da construção de um amplo processo de reforma agrária.

MST ocupa fazenda para pressionar a execução da Reforma Agrária no Norte Fluminense

Cerca de 400 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Santa Luzia que pertence à Usina Sapucaia

Integrantes do MST na Fazenda Santa Luzia, próximo à Usina Sapucaia (Reprodução)

Por J3 News 

Na manhã desta segunda-feira (10), cerca de 400 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Santa Luzia, pertencente à Usina Sapucaia, em Campos dos Goytacazes (RJ). O grupo reivindica a conclusão do processo de adjudicação (ato judicial que dá a alguém a posse e a propriedade de determinados bens) de duas matrículas que tramitam no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-RJ).

A reportagem entrou em contato com a assessoria da Coagro, indústria que funciona nas instalações da Usina Sapucaia para um posicionamento sobre a situação.

Em um comunicado oficial, a empresa diz que “repudia veementemente a invasão de terras produtivas pertencentes à Usina Sapucaia e arrendadas à cooperativa desde 2013. Essas áreas, arrendadas em processo judicial, são fundamentais para a geração de empregos e o sustento de milhares de famílias em Campos e Região” (leia na íntegra abaixo).

Veículos estacionados na fazenda ocupada pelo MST

A assessoria do MST afirma que áreas ocupadas serão destinadas à Reforma Agrária ainda este ano, com processos avançados na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. De acordo com o MST, as terras estão atreladas a dívidas superiores a R$ 200 milhões com a União, incluindo mais de R$ 90 milhões em débitos previdenciários devidos a trabalhadores.

A ocupação faz parte da estratégia do MST para pressionar o governo a acelerar a destinação das terras, garantindo o assentamento das famílias que desde abril do ano passado estão acampadas às margens da BR-101, próximo ao Morro do Coco. O movimento reivindica urgência na conclusão do processo e na efetiva implementação da Reforma Agrária nessas áreas.


Fonte: J3 News

Manguezais no Rio de Janeiro: em tempos de mudanças climáticas, o descuido desses ecossistemas é garantia de tragédia

Por Carlos Eduardo de Rezende

Os manguezais são ecossistemas de extrema importância ecológica, social e econômica, ocupando uma extensa faixa do litoral brasileiro, ao longo de 6.800 km de costa. Com uma cobertura estimada em 1,38 milhão de hectares, o Brasil, junto com a Austrália, abriga a segunda maior área de manguezais do planeta.

Apesar de representarem apenas cerca de 1% da cobertura vegetal global, os manguezais desempenham um papel essencial na manutenção da biodiversidade marinha, fornecendo matéria orgânica e áreas de reprodução para diversas espécies de vertebrados e invertebrados. Além disso, são fundamentais para a estabilidade da zona costeira, atuam como barreiras biogeoquímicas na retenção de poluentes e são considerados ecossistemas estratégicos para a mitigação das mudanças climáticas.

No entanto, a ideia de que os manguezais vêm sendo valorizados e preservados nos últimos tempos não se sustenta diante dos dados disponíveis. Estudos baseados em levantamentos de campo e sensoriamento remoto revelam uma perda progressiva dessas áreas ao longo do último século, chegando, em alguns locais, à supressão total do ecossistema.

Um exemplo próximo é a foz do Rio Paraíba do Sul, onde estudos realizados, por nosso grupo de pesquisa em 2010, constataram perdas significativas, como nas regiões de Atafona e nas Ilhas do Lima e Graça. A degradação, principalmente por ação humana, dos manguezais nessa área tem contribuído para o avanço da erosão costeira e para a redução da pesca, especialmente do camarão. A queda na produção pesqueira, por sua vez, está associada a dois fatores principais: o uso de redes de pesca com malhas inadequadas, que capturam indivíduos ainda jovens, sem ter se reproduzido uma única vez, e a drástica redução da vegetação de manguezal nos estuários dos rios Paraíba do Sul e Itabapoana.

A destruição dos manguezais tem implicações econômicas expressivas. Entre 1986 e 2001, por exemplo, o estuário do Rio Paraíba do Sul perdeu aproximadamente 200 hectares de manguezal, representando uma taxa de supressão de 13 hectares por ano, assumindo obviamente uma taxa anual, que pode ter sido diferente, isto é, alguns anos maiores e em outros menores. Considerando que cada hectare de manguezal armazena cerca de 6 toneladas de carbono e que o valor de mercado do carbono é de R$ 400,00 por tonelada, essa perda equivale a aproximadamente R$ 500.000,00 por ano. No entanto, esse cálculo não inclui outros impactos econômicos indiretos, como a intensificação da erosão costeira, a redução da pesca e a perda de serviços ambientais essenciais, como o controle hidrológico.

Diante desse cenário, é fundamental promover estratégias de conservação e manejo sustentável dos manguezais, garantindo sua proteção e integrando a valorização econômica desse ecossistema com o desenvolvimento sustentável. Políticas públicas eficazes e ações locais de recuperação e monitoramento contínuo são essenciais para reverter esse quadro e assegurar que os benefícios ambientais, sociais e econômicos dos manguezais sejam mantidos para as gerações futuras.

Os serviços ambientais  fundamentais que são cumpridos pelos ecossistemas de manguezais e a necessidade urgente de sua proteção

Mangue conservado transforma pescadores em guias de turismo | Agência Brasil

No estado do Rio de Janeiro, as maiores áreas de manguezal encontram-se na foz do rio Paraíba do Sul e nas baías de Guanabara, Sepetiba e Angra dos Reis. Esses ecossistemas, que ocupam aproximadamente 16.000 km², abrigam espécies típicas como Avicennia germinans (L.) Stearn., Avicennia schaueriana Stapft & Leechm., Laguncularia racemosa (L.) Gaertn. e Rhizophora mangle L. Segundo uma proposta de classificação (1990), os manguezais do Norte Fluminense estão incluídos na Unidade que se estende do Recôncavo Baiano (13º00’S) até Cabo Frio (23º00’S). Nessa região, destacam-se os manguezais localizados na foz dos três principais rios do litoral norte: Itabapoana, Paraíba do Sul e Macaé.

Os manguezais são ecossistemas fundamentais para a manutenção da biodiversidade, pois abrigam espécies vegetais e animais de elevada importância ecológica. Muitas plantas ocorrem associadas a esses ambientes, e sua diversidade reflete tanto as condições climáticas locais quanto a proximidade com outros ecossistemas. A composição da flora é altamente variável entre regiões e até mesmo dentro de um mesmo sistema. Entre as espécies associadas mais amplamente distribuídas no Brasil, destacam-se Acrostichum aureum L., Conocarpus erecta L., Hibiscus pernambucensis Arruda e a gramínea Spartina alterniflora Loisel.

A fauna dos manguezais também é rica e diversa. Os caranguejos, por exemplo, são espécies bandeira desse ecossistema e ocorrem em toda a costa brasileira, desempenhando um papel crucial na ciclagem de nutrientes e na manutenção do equilíbrio ecológico. Além deles, diversas espécies de moluscos (ostras, mexilhões), aves, répteis e peixes encontram abrigo e alimento nesses habitats, evidenciando sua importância ecológica e socioeconômica.

Apesar da relevância desses ecossistemas, há poucas informações sobre os atributos estruturais e a dinâmica dos manguezais da região Norte do Estado do Rio de Janeiro. Alguns estudos foram conduzidos pelo nosso grupo de pesquisa, como os da Dra Elaine Bernini, ex-aluna da Uenf e atualmente professora na Universidade Federal da Paraíba. No entanto, a carência de dados dificulta a determinação de padrões estruturais para esses manguezais. Por outro lado, pesquisas mais avançadas já foram desenvolvidas nos manguezais da Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba e Lagoa da Tijuca, fornecendo subsídios importantes para a compreensão desses ecossistemas.

O estudo da estrutura da vegetação dos manguezais é essencial para sua conservação e manejo sustentável. Esse tipo de pesquisa envolve a caracterização da altura das árvores de cada espécie, o número de indivíduos vivos e mortos em uma determinada área, o diâmetro médio dos troncos, a quantidade de plântulas – plantas jovens – por área, os períodos de floração e frutificação, além do padrão de distribuição das espécies ao longo do tempo e do espaço. Esses parâmetros são fundamentais para embasar qualquer iniciativa de recuperação da vegetação suprimida ilegalmente por atividades humanas.

A preservação dos manguezais é uma questão ambiental e social de grande relevância. Além de funcionarem como berçários naturais para inúmeras espécies marinhas e estuarinas, esses ecossistemas protegem a linha costeira contra erosão, regulam a qualidade da água e fornecem recursos essenciais para comunidades tradicionais. Assim, estudos sobre sua estrutura e dinâmica devem ser incentivados, garantindo a manutenção da biodiversidade e a sustentabilidade dos serviços ecossistêmicos que eles oferecem para toda sociedade.

 Tarefas que continuam ignorados pelas diferentes esferas de governo na proteção e conservação dos manguezais

Com toda sinceridade, não vejo nenhuma ação concreta por parte do poder público para modificar o cenário de desmatamento e degradação desta importante vegetação costeira, exceto pela elaboração de documentos formais que, na prática, têm apresentado poucos resultados na conservação e no uso sustentável desses valiosos recursos naturais. O Brasil, de fato, é pródigo em documentar boas intenções, mas, muitas vezes, falha em implementar o que é proposto nos expedientes legais.

Recentemente, a Presidência da República, por meio da Casa Civil e da Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos, publicou o Decreto nº 12.045, de 5 de junho de 2024, que institui o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil, denominado ProManguezal. A divulgação desse decreto é relevante, pois demonstra uma intenção formal de conservar esse ecossistema crucial. Contudo, um decreto não possui a mesma força normativa de uma lei, o que já evidencia a dificuldade na implementação do que está previsto no ProManguezal. O descumprimento de decretos pelos estados e municípios muitas vezes ocorre pelo simples fato de que não foram discutidos e aprovados no legislativo, o que enfraquece a eficácia de qualquer iniciativa estabelecida por esse meio.

Portanto, embora existam mecanismos legais que deveriam garantir a conservação e o uso sustentável dos manguezais ao longo da costa brasileira, o cenário atual é alarmante e extremamente vulnerável em todas as regiões, especialmente devido ao alto interesse econômico sobre essas áreas costeiras. Para que uma política pública consistente e eficaz seja estabelecida, é imprescindível que ela se baseie em sólidos argumentos científicos e que haja um compromisso genuíno por parte dos políticos em promover uma mudança de comportamento em relação aos recursos naturais e sua conservação.

Entre os múltiplos bens e serviços frequentemente destacados na literatura – como o fornecimento de matéria orgânica para a cadeia alimentar costeira, a função de área de reprodução para vertebrados e invertebrados marinhos, e a estabilização da zona costeira –, este texto enfatiza, sobretudo, a relevância dos manguezais no ciclo global da matéria orgânica e seu papel crucial na dinâmica de poluentes. Além disso, espero que este texto contribua para estimular o interesse de novos pesquisadores na atuação junto aos ecossistemas de manguezais, pois acredito que essa é uma das muitas responsabilidades de cientistas e professores de universidades comprometidas com o bem-estar da humanidade.

Carlos Eduardo de Rezende é Professor Titular do Laboratório de Ciências Ambientais, Centro de Biociências e Biotecnologia, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf).


Uma reportagem sobre a importância dos manguezais e a necessidade de sua proteção foi publicada por J3 News neste domingo 09/fev/2025 (Aqui!)

Programação de 31 anos da Uenf: a montanha pariu um rato. Mas o pulso ainda pulsa!

Darcy-Ribeiro-Leonel-Brizola-e-Oscar-Niemeyer

Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e Oscar Niemeyer: os três arquitetos da Uenf que completa 31 anos sem lhes prestar a devida reverência

Quem se der ao trabalho de ler a programação preparada pela reitoria da Universidade Estadual do Norte Fluminense notará um esforço claro de posicionar a instituição dentro do contexto do que seria comumente conhecido como “inovação” a partir de um evento obscuro denominado de “Rio Inovation Week”.  Fora isso,  o que se nota é um fragmentação de atividades que dificilmente atrairão o público interno e menos o externo porque simplesmente não celebram nada que mereça ser celebrado.

Essa opção, não nos enganemos, reflete a posição da atual administração de abraçar o sempre elusivo mercado, esquecendo das tarefas estratégicas estabelecidas por Darcy Ribeiro nos documentos fundacionais da instituição. É preciso que se diga que Darcy pensava sim em estabelecer ligações dinâmicas com empresas que permitissem um alavancamento do processo de desenvolvimento econômico e, principalmente, social da região Norte Fluminense.  Mas a diferença fundamental é que Darcy pensava as coisas a partir de um posicionamento por cima da Uenf, e não a partir de um esforço de transformar as pesquisas feitas pela instituição em uma espécie de bugiganga que é oferecida a potenciais compradores que nem estão no horizonte para serem vistos. 

A questão fundamental é que se olharmos para o interior da instituição, o que veremos é uma espécie de estado de hibernação contínua que tem como consequência o contínuo rebaixamento do papel da universidade não apenas no plano local e regional, e nacional. Um exemplo desse rebaixamento são as bancas examinadoras de Mestrado e Doutorado que antigamente atraiam a nata da comunidade científica nacional para o interior do campus da Uenf, quadro que hoje está muito distante disso. A cereja do bolo é santificação das bancas remotas (ou híbridas para dar um tom mais chique) que apenas escondem a dificuldade de trazer para Campos dos Goytacazes os melhores quadros científicos nacionais e internacionais para avaliar o que está sendo produzido como ciência pelos nossos pós-graduandos.

Quando cheguei na Uenf, a instituição era palco de uma espécie de romaria contínua não apenas de quadros científicos nacionais e internacionais, mas de dirigentes das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil. Essa proeminência nascia em função da força do modelo institucional que se mostrava inovador e arrojado. Lamentavelmente após seguidas administrações que operaram para objetivamente desmontar o projeto institucional idealizado por Darcy Ribeiro, a Uenf hoje não é mais vista assim, e para que alguém se dê ao trabalho de vir a Campos dos Goytacazes, há que se arranjar a concessão de uma medalha ou nada feito.

Alguém poderia dizer que essa minha avaliação é do tipo de quem perdeu a esperança no futuro da instituição.  A questão é que eu sempre tendo a olhar o futuro da Uenf a partir de um prisma temporal mais longo, como no caso de qualquer instituição universitária.  Em especial no caso de instituições universitárias, é normal que se tenha fortes solavancos ao longo do processo de construção. E a Uenf só está completando 31 anos, o que a torna uma espécie de criança recém-nascida no mundo das universidades.

O problema me parece mais de como iremos retomar o caminho planejado por Darcy Ribeiro, do qual estamos evidentemente afastados.  Me parece que a primeira coisa que precisamos fazer é retomar a ousadia da crítica para nos afastarmos de uma visão paroquial e endógena de universidade que faz nos parecer cada vez menos com aquilo que se sonhou que poderíamos ser.  Há que se retomar o caminho da qualidade sobre a quantidade. Precisamos ter um controle do que é apresentado como sendo produtos de pesquisa da Uenf, pois há muita coisa de baixíssima qualidade sendo publicada com o nosso selo.  

Mas para isso precisamos acima de tudo reestabelecer a premissa de que pensamento crítico e criativo. e inquieto como era Darcy Ribeiro, deve prevalecer sobre as ideias rotineiras e conformadas com uma condição de dependência intelectual em que nada de novo é produzido.  Para isso há que se recuperar o compromisso com a maioria oprimida e socialmente abandonada da nosso população em vez de querer transformar a Uenf em um entreposto de ideias pasteurizadas.

Um longo viva à Uenf de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. Que o nosso futuro seja aquilo que nossos fundadores sonharam que ela poderia ser. Afinal, o pulso ainda pulsa, e enquanto isso estiver ocorrendo, haverá esperança.

Degradação da Mata Atlântica pela agricultura chega a 93% em áreas do Norte e Noroeste do estado do RJ

SOJA NORTE FLUMINENSEAgricultura é uma das principais causas de degradação da Mata Atlântica no estado do RJ; na foto, lavoura de soja no Norte Fluminense

bori conteudo

A perda da cobertura vegetal na Mata Atlântica no norte e noroeste do estado do Rio de Janeiro (RJ), ao longo de 35 anos, criou áreas isoladas de floresta que põem em risco a biodiversidade local. A área mais degradada teve uma redução de 93% de sua cobertura original até 1985, afetada, principalmente, pela agricultura e a pastagem. É o que aponta estudo da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) publicado na segunda (22) na revista científica “Ambiente e Sociedade”. 

A pesquisa examinou dados sobre a vegetação original e as transformações ocorridas entre 1985 e 2020 nas regiões norte e noroeste da Mata Atlântica fluminense. Os pesquisadores identificaram diferentes tipos de formações florestais da região, a partir de categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e analisaram as tendências de ganho e perda de cobertura florestal e suas possíveis causas ao longo do tempo.

A análise revelou que a Mata Atlântica traz um histórico de degradação em toda a área estudada, com a cobertura florestal reduzida para 13,16% da área original até 1985. Um dos principais impactos dessa diminuição é a fragmentação da floresta, ou seja, a sua divisão em pequenas áreas verdes isoladas, segundo explica Patrícia Marques, pesquisadora da UENF.

“Em uma floresta fragmentada, muitos animais ficam impossibilitados de transitar por áreas abertas. Até mesmo a dispersão de plantas é afetada, pois muitas delas dependem de animais para levar suas sementes para outras áreas”, observa. A pesquisadora ressalta, ainda, que a fragmentação pode causar alterações climáticas e eventos de extinção local, especialmente para espécies com distribuição restrita.

Embora a perda de vegetação afete toda a área estudada, o trabalho sugere que ela não é uniforme. A Floresta Estacional Semidecidual de Baixada foi a região mais afetada pelas mudanças no uso da terra, com redução de 93% de sua cobertura vegetal até 1985 e mantendo apenas 3% de sua vegetação original em 2020. Segundo o artigo, esse tipo de formação é dominado por áreas de regeneração efêmera – onde o processo de renovação natural começa, mas é interrompido por ciclos subsequentes de desmatamento.

A fisionomia florestal Floresta Ombrófila Densa Alto Montana foi a menos afetada pelas mudanças até 2020, com 88% de sua cobertura original remanescente. No entanto, Marques alerta que esse cenário pode estar prestes a mudar. “Mais recentemente, a perda de floresta nestas áreas está se intensificando devido ao crescimento urbano”. Ela também destaca que a ocupação irregular de encostas e topos de morros na região, associada aos deslizamentos de terra provocados pelas fortes chuvas, tem colaborado para perdas de vegetação, além de bens materiais e vidas humanas.

Segundo dados oficiais, o Rio de Janeiro é um dos estados com maior cobertura percentual relativa de Mata Atlântica. Os remanescentes da floresta cobriam 29,9% do seu território em 2018. Atualmente, menos de 8% da vegetação do noroeste e norte do estado está em áreas incluídas em alguma categoria de proteção prevista pela legislação. No entanto, mesmo nesses locais, o estudo identificou uma perda de 16% da vegetação em 35 anos.

De acordo com o artigo, é crucial estabelecer políticas públicas para proteger a vegetação que resta e recuperar a que foi perdida. “Isso envolve proteger os remanescentes de floresta primária por meio de unidades de conservação, incentivar a regeneração em áreas de floresta secundária e promover a restauração de áreas degradadas”, conclui Marques.


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Fonte: Agência Bori

Mar avança e preocupa praias da Região Norte Fluminense

Assim como Atafona, Farol, Macaé e Rio das Ostras também sofrem com erosão

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Atafona|Avanço do mar é conhecido mundialmente (Foto: Josh)

Por Ocinei Trindade para o J3News

Na praia do Farol de São Thomé, em Campos dos Goytacazes, uma família vai à região do Lagamar durante o verão, mas não consegue entrar no mar agitado. O avanço do mar tem destruído parte da orla, ameaçado a vegetação, construções e a estrada. A faixa de areia está cada vez mais reduzida. A constatação é de pesquisadores que estudam o fenômeno no Norte Fluminense. Estima-se que nos últimos 30 anos, trechos da praia campista perderam até 130 metros de faixa de areia. O processo erosivo mais conhecido ocorre em Atafona, São João da Barra, desde os anos 1960. Entretanto, grande parte do litoral do Rio de Janeiro e do Brasil sofre com o avanço do mar. Isto compromete cidades e parte do meio ambiente. Para combater o problema, ações governamentais são necessárias, mas pouco tem sido feito.

Farol de São Thomé|Estrada já foi destruída

A reportagem conversou com alguns moradores da localidade. Eles dizem que o avanço do mar em Farol tem piorado nos últimos anos. “Quando tem ressaca forte, a gente sente mais o perigo”, conta Maria Kelly Pereira que vive próximo à praia com a família. A estrada da orla vem sendo danificada com as ondas, o que dificulta o trânsito. Um bosque e algumas casas estão ameaçadas na região do Lagamar. O secretário de Defesa Civil de Campos, Alcemir Pascoutto, diz que o governo municipal está atento ao avanço, e que tem buscado prováveis soluções por meio de pesquisas e estudos científicos, além de parcerias com órgãos das esferas estadual e federal.

“Nós tivemos um recuo da orla em direção ao continente de cerca de 120, 130 metros. A Defesa Civil vem trabalhando, principalmente nos períodos de ressacas onde temos destruição de estrada. Estamos buscando fazer um novo traçado. Em momentos de ressaca, o mar já consegue atravessar a pista e provocar danos maiores em estruturas, inclusive prédio público no Lagamar. Nós temos ali um centro médico. Se nenhuma medida for tomada, logo estaremos sendo atingidos diretamente com os efeitos das ressacas”, comenta o secretário. Ele também destacou o avanço do mar em outra extremidade da praia, a 12 quilômetros dali, no acesso à localidade Maria Rosa e Lagoa do Açu, que se encontra interditado parcialmente.

No fim do ano passado, a prefeitura promoveu um encontro sobre desastres naturais e erosão costeira na orla marítima de Campos. Participaram representantes de cidades da região, do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Departamento de Estradas de Rodagem (DER-RJ) e também da Capitania dos Portos de São João da Barra. O geógrafo marinho Eduardo Bulhões, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) é referência no assunto. Ele apresentou uma série de estudos sobre o avanço do mar na região:

Macaé

“Entre São Francisco do Itabapoana e Rio das Ostras, temos um litoral de aproximados 200 km. Podemos constatar para esse litoral que 32% estão em erosão, outros 34% estão em acreção (aumento gradual devido à acumulação de sedimentos) e outros 33% encontram-se em estabilidade. Ou seja, um terço da linha de costa da região sofre algum grau de erosão, seja ele mais ou menos intenso. Campos, por exemplo, está em primeiro lugar, uma vez que 58% da orla apresentam algum grau de erosão quando são comparados dados dos últimos 40 anos. Enquanto isso, no mesmo período, Macaé tem apenas um trecho de aproximados 3 km (9%) com tendência erosiva”, explica.

Pesquisas sobre erosão

De acordo com Eduardo Bulhões, quanto à intensidade do fenômeno erosivo, a condição mais crítica é quando as taxas de erosão são superiores a cinco metros por ano, condição chamada de erosão extrema. No mundo, apenas 4% das praias apresentam esse padrão e aqui na região esse percentual é pequeno, de 1,5% e está concentrado em posições junto à foz do Rio Paraíba do Sul, na localidade de Atafona e na Ilha da Convivência.

“Quanto às causas da erosão, devemos lembrar que sempre há um desequilíbrio no volume de areias em consequência das perdas serem superiores ao suprimento desses materiais para o segmento de praia específico em questão. Esse desequilíbrio pode ter várias causas, mas está associado principalmente à incapacidade da praia se recuperar após um evento específico e esporádico de ressaca. Isso é mais comum em praias urbanas. Está associado a uma interrupção parcial, ou total, no transporte de areia que chega e se movimenta ao longo do litoral. Isso está normalmente ligado à construção de barragens em rios (gerando redução nas vazões líquidas e sólidas); atividades de mineração de areias nos leitos fluviais e/ou construção de grandes estruturas costeiras, como espigões, molhes, guias-correntes”, diz o pesquisador da UFF.

O biólogo marinho Carlos Rezende é especialista em oceanografia química e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). Ele considera que o avanço do mar possui especificidades em cada região. “Estamos em um período definido como Antropoceno, no qual as atividades humanas são responsáveis por transformações planetárias significativas. As regiões costeiras merecem atenção especial devido à sua história de colonização e atividades econômicas. A interface entre o continente e o oceano enfrenta uma pressão considerável devido à ocupação humana, uma vez que 21% e 40% da população mundial vivem respectivamente a 30 km e 100 km da costa. As principais causas incluem urbanização com ocupação irregular, agricultura, aquicultura, portos e controle hidrológico das bacias de drenagem para usos múltiplos. Esses são os principais fatores que desestabilizam o equilíbrio dinâmico da região costeira, desenvolvido ao longo do Holoceno (aproximadamente 11 mil anos), e agravado pelo aumento do aquecimento global e do nível do mar”.

Carlos Rezende vê com preocupação o processo erosivo no estuário do Rio Paraíba do Sul. “Isto se alonga por décadas e nada foi feito pelo Município, Estado ou União. Reconheço que é um rio federal com um grande comitê criado em 1997 (Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul) e um comitê criado em 2009 (Bacia da Região Hidrográfica do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana). Precisamos que estes comitês também se posicionem com mais força para termos ações concretas. Considero que o controle da vazão, com uma redução ao longo do tempo de aproximadamente 50% para o uso na bacia, iniciou estes eventos erosivos na costa, onde vários quarteirões desapareceram e depois as alterações climáticas vieram para aprofundar este processo, gerando eventos extremos de grande intensidade. O município de Macaé apresenta um elevado nível de vulnerabilidade devido ao rápido processo de urbanização motivado pelas atividades de prospecção de petróleo. O Brasil possui um extenso litoral, com diversas cidades em áreas vulneráveis. No caso do estado do Rio de Janeiro, cerca de 11 milhões de pessoas estão em risco, e nas 12 maiores cidades costeiras brasileiras, mais de 19 milhões estão em situação vulnerável devido ao aumento do nível do mar. É uma discussão importante, especialmente neste momento em que tratamos das próximas eleições. Nunca incluímos nos planos de governo metas claras para lidar com as questões relacionadas às adaptações das cidades diante das mudanças climáticas”, avalia.

O geógrafo e pesquisador da Uenf, Marcos Pedlowski, atenta para um estudo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo que mostrou que o nível do mar no litoral paulista subiu cerca de 20 centímetros nos últimos 73 anos. “Esse mesmo estudo apontou que  até 2050 a elevação pode chegar a 36 centímetros se o padrão de emissão de dióxido de carbono (CO2) não cair. Se extrapolarmos os dados desse estudo para o Rio de Janeiro, provavelmente poderemos ter mais mudanças em um ritmo mais rápido do que o atual. No caso do Norte Fluminense, penso que os pontos de erosão costeira poderão aumentar em número e intensidade. O futuro será marcado por interações complexas entre fenômenos de caráter local e os de níveis regional e global. O alarme de urgência para que sejam desenvolvidas políticas urbanas de adaptação climática já deveria ter soado.  É uma situação muito preocupante, na medida em que as estruturas necessárias para a adaptação são muito caras e implicam em grandes investimentos.  A situação é agravada pela predominância de um modelo de urbanização que é social, economicamente e racialmente segregado. As próximas décadas serão marcadas por grandes dificuldades, especialmente para os segmentos mais pobres da população. A construção de barreiras físicas para fazer frente ao processo de erosão costeira já está sendo feita em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. No entanto, se não houver um processo de planejamento integrado, a construção de estruturas físicas não passará de mero paliativo, representando ainda desperdício de dinheiro público”, observa. 

As entrevistas completas com os pesquisadores da UFF e da Uenf estarão disponíveis no site do J3News ao longo da semana.

Ações governamentais na região

Rio das Ostras|

Nas últimas décadas, o avanço do mar em cidades como Campos, Macaé, São Francisco de Itabapoana, Rio das Ostras e São João da Barra, entre outras, tem provocado prejuízos urbanos e ambientais. A reportagem questionou os governos municipais sobre medidas de enfrentamento do processo de erosão no litoral. O Instituto Estadual do Ambiente, que representa o governo estadual, também foi indagado acerca de ações na região. Em nota, o Inea informou apenas que “a Secretaria de Estado de Habitação está em tratativas com o Governo Federal para as obras de intervenções necessárias para conter o avanço do mar em Atafona”. Saiba como se posicionam algumas prefeituras, a seguir.

São João da Barra
O processo de erosão costeira das últimas seis décadas na praia de Atafona e, mais recentemente, na praia do Açu vem ocasionando impactos negativos ao meio ambiente e à economia. Em nota, a prefeitura diz que “tem buscado junto aos órgãos estaduais e federais soluções eficazes para enfrentar a questão. Algumas propostas foram apresentadas, porém são necessárias comprovações e modelagens dos impactos, bem como a verificação de sua eficiência através de um estudo sobre o processo da erosão costeira, levando em consideração suas múltiplas influências e a dinâmica das mudanças climáticas. Com o diagnóstico atualizado será possível adotar ações de curto, médio e longo prazo”.

Macaé
A Secretaria de Defesa Civil informou que monitora os imóveis que estão localizados na poligonal de risco da praia da Fronteira, onde a erosão é maior. “Foram demolidos 40 imóveis e 13 estão a demolir. Há 67 processos para análise em seguimento, e 27 imóveis com moradores resistentes à adesão de demolição. A Defesa Civil realiza trabalho de monitoramento diariamente”.

São Francisco de Itabapoana
De acordo com a secretária de Meio Ambiente, Luciana Sofiatti, os efeitos do avanço do mar são sentidos em menor escala, se comparados aos municípios vizinhos. “Estamos monitorando frequentemente através do grupo de trabalho instituído para elaboração do Plano Municipal de Gerenciamento costeiro. Nos últimos anos, tivemos alguns registros de eventos isolados de erosão costeira/ marinha, sem grandes prejuízos, e que logo foram controlados através de ações integradas entre diversas secretarias do município”.

Rio das Ostras
A Prefeitura de Rio das Ostras deu início à elaboração do Termo de Referência, documento que reúne estudos técnicos preliminares, para licitar serviço de consultoria especializada com o objetivo de identificar as causas da erosão e da progradação (processo natural de ampliação das praias provocado pelo mar). “O passo seguinte será a elaboração de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) para a mitigação dos impactos negativos da erosão costeira que engloba as praias da Tartaruga e do Abricó. Isto visa fundamentar, por meio de análise sistêmica de diferentes variáveis sociais, ambientais, econômicas e técnicas, a alternativa mais adequada para orientar a construção de medidas mitigadoras e compensatórias desses impactos”, conclui a nota.


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Este texto foi originalmente publicado pelo J3News [Aqui!].