
Por José Luís Vianna da Cruz
– Que história é essa, compadre, de botar Campos e os entornos no “semiárido”?
– É que, dessa forma, compadre, 22 municípios do Norte e Noroeste vão ter direito de receber uma dinheirama barata do governo para aplicar em negócios.
– Mas nós somos semiárido, compadre?
– Veja bem, compadre; o negócio é o seguinte: é uma jogada dos graúdos para conseguir dinheiro barato para montar negócio de agricultura, indústria, etc., para, segundo eles, trazer o desenvolvimento.
– Mas, somos ou não semiárido?
– Não somos, mas parece que podemos vir a ser, se a agricultura e a pecuária de grande monta continuar envenenando as terras e secando as águas e se não recuperar as matas que foram derrubadas pela agricultura e a pecuária de séculos e séculos nessa terra de meu Deus!
– Isso não é feiquinius, compadre?
– Nananinanão! É conhecimento investigado, dito, jurado, registrado e provado pela ciência, que nossos professores estão divulgando. É muito sério, competente e verdadeiro o pessoal que diz que não é semiárido. Tem estudo que diverge, mas eu acredito na ciência que diz que não é semiárido. Está nos livros de geografia, desde o primeiro grau, compadre!
– E então, compadre, como é que fica, então?
– Fica que não é isso que está por trás dessa movimentação pra conseguir essa moleza. As assessorias e consultorias do governo já provaram que não é semiárido.
– Então, por que os graúdos da política e do dinheiro dizem que é?
– É para não perder essa grana barata, compadre! Não dá para perceber? Eles não estão nem aí para esse papo de semiárido. É conversa pra boi dormir e quando acordar eles já pegaram tudo pra eles.
– A gente não tem róialti desde há muito tempo? Por que a gente não tem desenvolvimento até hoje?
– Pois é…a gente recebeu bilhões e bilhões de róialti…evaporou…antes, a gente teve a cana, o açúcar. Sabia o compadre que recebemos tantos milhões do governo, na época das usinas, que hoje seriam bilhões? Tá tudo registrado, documentado, pesquisado, provado e publicado pelos pesquisadores das faculdades.
– Então, tem caveira de burro enterrada na encruzilhada, compadre?
– Não, compadre, porque a turma que domina a grana e a política nessas paragens quer tudo só pra eles…não bastante isso fazem de tudo para que os que têm menos, têm pouco ou não têm nada, nunca tenham condição de ter alguma coisa…pegam tudo pra eles, vigiam quem quer mudar isso, quem quer uma parte do bolo e cuidam pra que todas as atitudes para o povo ter direito a uma parte do bolo, pra modo de viver bem, satisfeito e feliz, sejam cortadas pela raiz.
– Mas, pra onde foi e vai essa dinheirama toda?
– Aí que o bicho pega, aí é que está o é da coisa, compadre! Veio pra mim, pra você, pro pobre, pro pessoal da favela, das periferias, das casinhas? Veio pro pessoal que rala em trabalho de exploração, em serviço de esgotamento sem compensação? Pros pequenos que plantam e colhem, que tem negócio miúdo? Pros que querem serviço e emprego de maior ganho, de maior respeito, de direitos, sem humilhação, sem sujeição a regime de tirar o couro e receber pouca paga? Veio pra quem quer ser bem atendido, com rapidez e bom tratamento de saúde, seja onde quer que o sujeito ou sujeita more, na hora que tiver precisão? Veio pra quem necessita de creche, de escola de dia inteiro, com boa educação, alimentação, transporte, esporte e arte? Pra todo lado é só carência, compadre, depois de séculos de abastança!
– Eles gastam em quê, compadre, se a gente continua penando?
– Deixa pra lá, compadre, isso é prosa para os que tratam da lei, compadre! O que é importante é que desde o século passado que, mesmo nadando em dinheiro, os graúdos dessas abas choram miséria, mendigam dinheiro de governo e não aplicam nos direitos de vida, de trabalho, de renda, de saúde, de transporte, de segurança, etc., pro povo, compadre! Receberam rios de dinheiro e o dinheiro não virou oportunidade nem boas condições pro povo! É tudo pra eles! É um tal de condomínio fechado de luxo, hotéis de bacana, carraria de exibição, construção nova de montão e o povo penando pra ir e vir, pra arranjar trabalho de respeito, pra desenvolver na sua produção, na sua labuta, no seu serviço.
– E, então, como ficamos?
– Não ficamos, compadre! Dinheiro novo só se for pra botar na mão dos trabalhadores, das associações, cooperativas e da gente que cata lixo, planta e colhe nos conforme da agroecologia, que pesca sem esgotar os cardumes, dos que não aguentam exploração e querem montar negócio junto e justo, que distribui e dá condições de gente, de cidadão. São esses que protegem o ambiente, que podem garantir condições de Bem Viver nas cidades e nas roças. É gente que, atualmente, trabalha e acaba produzindo pra enriquecer quem já tem tudo. É hora dos que pensam nos outros, dos que querem o do bom pra todo mundo, pros que querem uma cidade onde todos usufruam dela todinha, sem muros, sem discriminação, compadre.
– Eita, é osso, né, compadre!
– É osso, compadre, mas nós temos disposição pra roer esse osso. Nós somos iguais a erva daninha, compadre, podem cortar que nascemos de novo! Do jeito que tá, nada de meter Campos e os outros 21 municípios do Norte e Noroeste em lei de semiárido. Melhor usar esse dinheiro para quem necessita. Pra isso nós estamos juntos, compadre!
José Luis Vianna da Cruz, Campos dos Goytacazes, 2025.
Na tarde/noite deste um de setembro, de mais um dia da desgraçada e proibida fuligem que envenena os pulmões dos nossos filhos e filhas há gerações. Minha singela homenagem a todos que, antes de mim, alertaram, na fala e na escrita, sobre esse trelelê de semiárido.