Estudo científico sobre a disseminação do DNA por mosquitos geneticamente modificados causa reações de fabricante

mosquitos ogmAo contrário do prometido, mosquitos geneticamente modificados liberados no Brasil produziram descendentes 

Por Kelly Servick para a Science

Por 10 anos, a empresa Oxitec vem testando se os mosquitos geneticamente modificados (GM) podem suprimir populações de seus irmãos naturais, que carregam vírus devastadores, como o zika e a dengue.  A estratégia da empresa: implantar mosquitos machos (não mordentes) do Aedes aegypti portadores de um gene que deveria condenar a maior parte de seus filhotes antes da idade adulta.

Agora, uma equipe de pesquisadores independentes que analisam um teste inicial da tecnologia da Oxitec está soando o alarme – e atraindo a ira da empresa – com um relatório  onde se afirma que alguns descendentes dos mosquitos transgênicos sobreviveram e produziram descendentes que também chegaram à maturidade sexual. Como resultado, os mosquitos locais herdaram partes do genoma dos mosquitos geneticamente modificados, revelou a equipe de pesquisadores na semana passada em um artigo publicado na revista Scientific Reports.

Não há evidências de que esses híbridos ponham em risco mais os seres humanos do que os mosquitos selvagens ou que tornem a estratégia da Oxitec ineficaz, concordam os autores do artigo e a empresa. “O importante é que algo inesperado aconteceu”, diz o geneticista da população Jeffrey Powell, da Universidade de Yale, que fez o estudo com pesquisadores brasileiros. “Quando as pessoas desenvolvem linhas transgênicas ou qualquer coisa a liberar, quase todas as informações são provenientes de estudos de laboratório. … As coisas nem sempre funcionam da maneira que você espera. “

Mas a sugestão do artigo de que essa mistura genética poderia ter tornado a população de mosquitos “mais robusta” – mais resistente a inseticidas, por exemplo, ou mais propensa a transmitir doenças – provocou reportagens anti-GM, uma reação de alguns cientistas e forte resposta da Oxitec. A empresa, subsidiária da biotecnologia americana Intrexon, tem muito em jogo; recentemente submeteu uma nova geração de seus mosquitos GM para a revisão regulatória dos EUA e espera realizar seu primeiro teste de campo nos EUA no próximo ano.

“Não estamos surpresos com os resultados, mas o que nos surpreende são as especulações feitas pelos autores”, diz Nathan Rose, chefe de assuntos científicos e regulatórios da Oxitec em Oxford, Reino Unido. Ele diz que a empresa pediu à Nature Research , que publica relatórios científicos, para “abordar a gama de declarações enganosas e especulativas” no estudo. Na terça-feira, a revista adicionou uma nota do editor ao jornal dizendo que suas conclusões “estão sujeitas a críticas que estão sendo consideradas pelos editores”.

Mesmo antes da Oxitec ter realizado lançamentos piloto de seus mosquitos alterados no Brasil, Malásia e Ilhas Cayman, sabia que o gene inserido não era inevitavelmente letal. Testes de laboratório mostraram que, quando os machos GM acasalavam com fêmeas selvagens, cerca de 3% de seus filhotes sobreviveram. “Temos sido muito claros sobre isso”, diz Rose.

O que não estava claro era se esses filhotes raros, muitas vezes doentes no laboratório, poderiam produzir descendência, diz Powell. Para ver se os sobreviventes se saíram bem o suficiente para espalhar seu DNA, ele contatou os colaboradores da Oxitec na véspera de um grande teste de campo na cidade brasileira de Jacobina. De 2013 a 2015, a Oxitec liberou cerca de 450.000 mosquitos machos GM por semana –  e a empresa relatou reduziu a população geral de mosquitos em cerca de 90%. Powell e seus colaboradores coletaram mosquitos de vários bairros antes, durante e nos 3 meses após o experimento. Dentro dessas populações, eles estimam que entre 5% e 60% dos insetos tinham algum DNA da cepa Oxitec em seu genoma – até 13% do genoma em um caso.

Jason Rasgon, um entomologista da Universidade Estadual da Pensilvânia, que estuda doenças transmitidas por insetos, diz que o achado genético é importante. “Mas acho que há várias coisas realmente exageradas e irresponsáveis ​​no artigo”, diz Rasgon, que não tem vínculos financeiros com a Oxitec. Os autores deveriam ter enfatizado que não encontraram nenhum mosquito portador dos transgenes da Oxitec, diz ele, referindo-se aos dois genes estranhos ao A. aegypti, introduzidos para matar os filhotes e rotular fluorescentemente os mosquitos como GM. O novo DNA que apareceu na população de Jacobina era do “background” genético dos mosquitos Oxitec – um cruzamento entre cepas de Cuba e México.

Rasgon, como a Oxitec, discorda da afirmação do artigo de que a mistura de genomas “provável” fortaleceu a população ao aumentar sua variação genética. (“O fracasso do experimento de controle de mosquitos transgênicos pode ter fortalecido os insetos selvagens”, dizia uma manchete na semana passada.) “Não sabemos o que acontece aqui, mas sabemos que essa população é um híbrido de três linhagens”, afirma Powell. Sua equipe, no entanto, não testou se os mosquitos híbridos eram mais resistentes a pesticidas ou mais propensos a transmitir doenças. Nem aconteceu com os mosquitos Oxitec, diz Rose.

Rasgon está preocupado com o fato de o artigo na Scientific Reports ter alimentado suspeitas infundadas sobre organismos geneticamente modificados. Os lançamentos anteriores da Oxitec propostos na Flórida enfrentaram oposição de moradores. “Não acho que [o jornal] precise ser retirado. Mas algum tipo de esclarecimento ou declaração ou algo deve ser feito ”, diz ele.

A mais recente variedade de mosquitos GM da Oxitec foi projetada para espalhar o gene letal de maneira mais eficaz. Em vez de matar os filhotes, independentemente do sexo, elimina apenas as fêmeas. A prole masculina sobrevive para transmitir o gene letal. Em um teste de campo brasileiro, esses mosquitos de segunda geração fizeram com que as populações locais caíssem em até 96%, anunciou a Oxitec em junho. Na semana passada, a Proteção Ambiental dos EUA abriu uma janela de um mês para comentários públicos sobre os lançamentos propostos pela empresa na Flórida e no Texas.

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Este artigo foi originalmente publicado em inglês pela revista Science [Aqui!].

 

Nota Técnica da Abrasco frente à liberação comercial de mosquitos transgênicos pela CTNBio

Associação posiciona-se sobre o uso de mosquitos geneticamente modificados

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva recebeu com grande preocupação a cópia da transcrição da 171ª Reunião Ordinária da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –  CTNBio – de 03/05/2014 em que autoriza a liberação comercial de mosquitos transgênicos.

As decisão da CTNBio ocorreu no contexto em que uma fábrica de produção de mosquitos transgênicos já estava instalada na  cidade de Campinas – SP. Os mosquitos transgênicos serão usados para pesquisa e combate ao  vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti, no país.

A responsável pela produção é empresa inglesa de biotecnologia Oxitec. A instalação da fábrica de mosquito  começou em 2013. A equipe técnica é formada basicamente por especialistas estrangeiros, que na Europa desenvolvem biotecnologias adotadas pela indústria farmacêutica para a malária e febre amarela.

A unidade produtiva (Technopark) da Oxitec, em Campinas produz em laboratório mosquitos machos de Aedes aegypti geneticamente modificados (linhagem OX513A), mediante a utilização de tetraciclina usada para a modificação das larvas selvagens.

Mesmo sem ter a autorização da CTNBio para a produção em escala do mosquito transgênico, a empresa disponibilizou o Aedes aegypti transgênico desde 2011,  para experimentos inicialmente na cidade de Jacobina e posteriormente em Juazeiro, ambas do Estado da Bahia e que contou com o apoio do governo do estado e das prefeituras dos respectivos municípios. As pesquisas foram apoiadas por organização social denominada Moscamed.

Os experimentos foram executados nessas duas cidades, considerados como projetos específicos e isolados.   A proposta é que cada cidade brasileira poderá montar sua fábrica de ovos transgênicos. Após os testes nessas duas cidades, a Oxitec protocolou a solicitação de liberação comercial na CTNBio.

Apesar do uso por  dois anos de mosquito transgênico na  cidade de Jacobina, Bahia, o Decreto Nº 089 de 10 de Fevereiro de 2014,  pela  prefeitura Municipal de Jacobina (D.O. Terça-feira • 18 de Fevereiro de 2014 • Ano IX • Nº 798) prorrogou a situação de emergência para  dengue no Município. Para fundamentar esse decreto o Prefeito da cidade considerou: “que Jacobina é endêmico para a dengue e conta em sua série histórica duas epidemias de dengue registradas nos anos de 2009 e 2012; que no ano de 2012 o Município não realizou os trabalhos de campo de forma adequada, registrando 1708 casos suspeitos e inclusive a ocorrência de dois óbitos; que as ações empreendidas em 2013 com o trabalho de campo, ainda não encerrou a cadeia epidemiológica, devendo a municipalidade em ação continuar a manter o controle antes do período de início de atividade do mosquito Aedes aegypti; que os casos de dengue se concentram principalmente no primeiro semestre do ano, com pico no mês de abril, conforme perfis de sazonalidade do mosquito Aedes aegypti observadas no país, e que para encerrar a cadeia epidemiológica é necessário iniciar as atividades de controle antes desse período de maior atividade do mosquito; que as ações em 2014 são planejadas e realizadas de modo a tentar conter uma nova epidemia, buscando proteger a população, investindo em ações de prevenção, combate”. (http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Decreto-Jacobina2014.pdf).

Perguntamos, como se aceita fazer experimentos que afetam uma doença de notificação compulsória em um contexto sanitário absolutamente sem controle? Como os resultados de experimentos com mosquito transgênico para controle da dengue  em Jacobina  foram utilizados para validar a decisão da CTNBio que autorizou a liberação de mosquito transgênico para o controle de dengue?

Sabemos que não houve ainda posicionamento e autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa – sobre a produção, venda e uso desses mosquitos transgênicos.  Mas,  como fica  a situação da fábrica de mosquitos que está propagandeando esse produto em Prefeituras  Municipais para que comprem milhões de mosquitos  transgênicos a serem liberados  semanalmente em seus territórios?

Essas pesquisas com mosquitos transgênicos foram apoiadas pela Fundação Bill Gates, que abriu edital internacional em 2004, para o qual concorreram diversas universidades. Sobre esse tema o Gt de Saúde e  Ambiente da Abrasco já alertava em Carta ao Editor da Revista Científica Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz- sobre “Os verdadeiros desafios da saúde global” (GOUVEIA; LIEBER; AUGUSTO, 2004).

O controle da endemia e dos surtos epidêmicos de dengue seguem protocolos da Secretaria de Vigilância em Saúde , do Ministério da Saúde – SVS/MS – e orientação internacional da Organização Pan-americana de Saúde – OPAS. A despeito das controvérsias sobre a eficácia dos sucessivos programas de controle vetorial da dengue no Brasil,  até o momento não houve nenhuma norma técnica desses órgãos orientando mudanças no programa de controle vetorial da dengue incluindo a modalidade trangênica. Sobre uma perspectiva crítica do controle vetorialpara dengue é possível ler outro alerta feito por pesquisadores na mesma revista (AUGUSTO et al, 1998) e também,  entre outros, no livro de  Augusto e Colaboradores (2004), onde diversos entomologistas se posicionaram. A questão da dengue é complexa e vai para além de medidas focais. O Brasil, nas últimas duas décadas,  deixou de ser um país epidêmico para dengue, para ser endêmico em todo território nacional.

A doença dengue é uma virose, na qual estão implicados, no Brasil, os quatro sorotipos do virus. Embora, considerada de baixa letalidade, as dificuldades no acesso à assistência médica, a baixa resolutividade dos serviços de saúde, os equívocos de orientação e isuficiências de medidas sanitárias, faz com que nesse contexto, as complicações da infecção pelo virus do dengue se tornam mais frequente, mais grave e a mortalidade da dengue maior no país. A complicação mais preocupante tem sido a Febre Hemorrágica, mas que não é necessariamente letal, quando há atendimento médico correto.

Mais uma vez, a decisão de controlar essa endemia, apenas focando no vetor, é um equívoco. Pois, a determinação da dengue é muito mais social e ambiental do que biológica, embora estejam envolvidas na sua produção três ecologias: do virus, do vetor e do ser humano, todas interdependentes.

Analisando a Ata da 171ª Reunião Ordinária da CTNBio acima referida foram observados diversos elementos com  análise inadequada ou com  questões sem resposta técnica suficiente. Também se observa argumentos pouco consistentes por parte do representante da saúde nessa comissão, de quem se esperaria maior compromisso com os aspectos sanitários envolvidos.

Abaixo apenas alguns destaques para ilustrar como esse  assunto,  de tamanha importância para a saúde pública, foi tratado na CTNBio:

1) Dados Insuficientes: Os dados preliminares dos testes realizados nas cidades de Jacobina e Juazeiro, do estado da Bahia, “são  insuficientes para um posicionamento consistente de qualquer órgão de pesquisa, muito mais, para a CTNBio” (posicionamento de um dos conselheiros, Linha 180).  Um conselheiro indagou: “Que motivos justificariam a aceitação precipitada de resultados preliminares com antecipação da avaliação pela CTNBio” …, “contrariando a prática até então utilizada recomendada por esta própria Comissão?” (Linha 197). Os dados preliminares foram colhidos em três municípios do interior do país. “Foram somente realizados três estudos de caso — liberações em Caiman, Juazeiro e Mandacaru, Bahia”… “anos de 2012 e 2013”.  Esses  municípios possuem sistemas de vigilância epidemiológica incipientes e com “pouca sensibilidade no registro de casos da doença e da análise médica de alguma intercorrência da doença durante e depois da liberação planejada do organismo modificado. Portanto, não é possível aferir uma alta eficácia dessa biotecnologia, nem muito menos extrapolar esses resultados para uma escala planetária, como sugere o relatório da empresa” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 174 e 177). Destacou-se também outro aspecto: “A ocupação do nicho ecológico preferencial do Aedes Aegypti nas áreas urbanas não mereceu suficiente atenção por parte do dossiê ou dos demais pareceristas” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 297).

2) Rapidez no processo:  O  “tratamento concedido pela CTNBio a esse caso, se distingue pela excepcionalidade”.  Foi protocolado em três de julho de 2013 e publicado no dia 15 de julho de 2013, recebendo pareceres favoráveis dos relatores nas Subcomissões Humana e Animal, aprovada em fevereiro de 2014 e nas Subcomissões Vegetal e Ambiental.  Um dos conselheiros considera este fato indício de prevaricação, pois “ainda na fase de avaliação do processo, na Subcomissão Humana e Animal, Saúde Humana e Animal, de forma não protocolada e inesperada, registrou-se a intervenção do representante da proponente que realizou exposição do mérito da biotecnologia, confundindo-se com uma espécie de marketing institucional. O impacto dessa concessão, no que diz respeito à isonomia de tratamento com as outras biotecnologia e empresas não deve ser desprezado” (Posicionamento de um dos conselheiros, Linha 163, 186, 204 e 216).

3) Ausência de dispositivo de biossegurança: A liberação planejada é um dispositivo de biossegurança imprescindível. A Resolução Normativa Nº 6, de 6 de novembro de 2008, que dispõe sobre as normas para esse processo no meio ambiente de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), somente trata de organismos de origem vegetal e seus derivados.  No entanto, essas normas não são adequadas para avaliação de insetos (posicionamento de um dos conselheiros, Linha 188).  Sabe-se que  liberação planejada deve ser testada em todos os ecossistemas relevantes para a avaliação de risco e até o final.  Por exemplo, no caso do Milho D5, a  Justiça suspendeu a decisão  de sua produção e comercialização, com base no argumento que não foram realizados os estudos nos biomas do Norte e Nordeste, proibindo-se o cultivo naquelas regiões.

4) Falta análise entomológica e epidemiológica: O fato do Aedes aegypti ter sido considerado erradicado no Brasil na década de 70,  e que hoje se faz  presente em todo o território nacional, em que pese a sua capacidade de voo autônomo não ultrapassar os 200 metros, não foi considerado relevante. A liberação em larga escala do OX513A, alterando as condições de reprodução do Aedes Aegypti pode atrair outros vetores, como o A. albopictus, espécie selvagem  existente no Brasil e  com capacidade vetorial  para o vírus da dengue. Pergunta sem resposta feita por um dos conselheiros: nessa situação quais seriam as implicações sobre os mecanismos adaptativos do vírus em termos epidemiológicos? (Linha 254 a 252; 299).

5) Incongruências do relatório –  Classificação do risco: Com base na Resolução Normativa 02, de 27 de novembro de 2006, a subcomissão enquadrou o mosquito GM na classe do risco 1 (baixo risco individual e baixo risco para a coletividade), enquanto que a empresa afirma ser a classe de risco 2 (moderado risco individual e baixo risco para a coletividade).  Assim, a CTNBio foi  menos restrita que a própria empresa interessada.

Diante do Exposto, a Abrasco vem se manifestar contrária a autorização pela Anvisa e pela SVS/MS de utilização de mosquitos transgênicos para o controle vetorial da dengue. Propomos também que sejam criados fórum de debates públicos sobre o controle da dengue realizado por meio do mosquito transgênico. A Associação também se posiciona para abrir um debate nacional sobre a forma como a CTNBio delibera sobre temas de interesse da saúde pública e ambiental.

Em 15 de setembro de 2014

FONTE: http://www.abrasco.org.br/site/2014/09/nota-tecnica-da-abrasco-frente-a-liberacao-comercial-de-mosquitos-transgenicos-pela-ctnbio/