O estado de Mato Grosso registrou o uso de 142.738,855 kg de princípios ativos de agrotóxicos e é o estado brasileiro que mais utiliza substâncias tóxicas na agropecuária. Os municípios de Poconé, Cáceres e Mirassol D’Oeste foram afetados com importante quantidade de substâncias que contaminam o solo e principalmente os recursos hídricos levando assim doença e destruição dos bens comuns.
Essas e outras conclusões alarmantes estão reunidas no Relatório Técnico: “Agrotóxicos no Pantanal”, realizado pela educadora da FASE, mestre em Saúde Pública, Fran Paula; com a colaboração da professora Marcia Montanari, do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT; Naiara Andreoli Bittencourt, advogada da Terra de Direitos e Lucinéia Freitas do MST e com revisão de Maria Emília Pacheco, assessora do Grupo Nacional da FASE.
Para baixar a íntegra do relatório, basta clicar [Aqui!]
A ação climática está ficando para trás na escala de tempo necessária para atingir as metas do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C ou pelo menos impedir que ultrapasse 2°C neste século. Muitos cenários apontam agora para uma ultrapassagem dessas temperaturas por várias décadas, enquanto formuladores de políticas públicas e privadas defendem o uso de tecnologias ainda não validadas de remoção de dióxido de carbono (CDR) para trazer as temperaturas para baixo no futuro.
Uma pesquisadivulgada hoje (27) mostra como essa extrapolação de temperatura pode causar danos importantes e potencialmente irreversíveis à biodiversidade e aos ecossistemas em todo o mundo. Ao modelar o comportamento de mais de 30 mil espécies em diferentes ecossistemas, a análise descobriu que para quase 25% dos locais estudados, as chances de volta ao “normal” são incertas ou inexistentes, e isto inclui a Amazônia e o Pantanal. Para 8% dos locais observados, é correto dizer que nunca retornariam a esses níveis, diz a pesquisa.
O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade da Cidade do Cabo (UCT) e do University College London (UCL) e publicado no periódico Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences. Nele, os cientistas exploram um cenário de excesso de emissões de CO2 que continua crescendo até 2040, depois inverte seu curso e cai para menos de 2°C após 2070 por meio de cortes profundos de carbono e à implantação maciça do CDR.
Segundo o estudo, para a maioria das regiões, os efeitos da exposição a temperaturas acima de 2°C chegará repentinamente, com muitas espécies sendo simultaneamente empurradas para além de seus limites de nicho térmico. Já o retorno dessas espécies às condições confortáveis será gradual e ficará atrás do declínio da temperatura global hipoteticamente alcançado no futuro.
As regiões tropicais serão mais afetadas por estes riscos, com mais de 90% das espécies no Indo-Pacífico, Oceano Índico Central, Norte da África Subsaariana e Norte da Austrália sendo levadas para fora de seus nichos térmicos. E na Amazônia, uma das regiões mais ricas em espécies do mundo, mais da metade delas estará exposta a condições climáticas potencialmente perigosas. O mesmo cenário é apontado para o Pantanal, o bioma de planície alagada mais biodiverso do mundo.
“Na Amazônia, isto poderia significar a substituição de florestas por pastagens e, como consequência, a perda de um importante sumidouro global de carbono, o que teria efeitos colaterais em múltiplos sistemas ecológicos e climáticos, assim como nossa capacidade de reduzir o aquecimento global”, explica Andreas Meyer, um dos autores da pesquisa e membro da Iniciativa Africana para o Clima e Desenvolvimento (ACDI) da UCT.
“Um estudo como este, que modela explicitamente os riscos para a biodiversidade do excesso de temperatura seguido de um retorno para baixo de 2°C, era há muito tempo uma peça faltante na pesquisa sobre a mudança climática”, declarou em nota a equipe que conduziu a análise.
Atualmente, a biodiversidade do planeta já está afetada pelas mudanças climáticas em curso. O aquecimento global — que hoje é de 1,2°C acima dos níveis pré-industriais — está causando mortandades precoces em espécies florestais e em massa nos recifes de coral, além de alterar a distribuição das espécies e eventos reprodutivos.
Tempo importa
O estudo ressalta a importância de uma perspectiva temporal nas discussões sobre cenários de ultrapassagem da temperatura de 2°C. Muitas projeções sobre o aquecimento global descartam as consequências potencialmente irreversíveis desta extrapolação desde que ao final a temperatura volte a estar abaixo deste limite perigosamente alto. Isso tem contribuído para subestimar a necessidade, apontada pelo IPCC, de reduções rápidas e profundas nas emissões e para promover tecnologias de remoção de carbono que supostamente estariam maduras no futuro.
Além disso, os autores observam que as CDR também podem ter impactos negativos sobre os ecossistemas: por exemplo, o plantio florestal em larga escala ou a produção de biocombustíveis requerem muita terra e água, gerando impactos socioambientais negativos e efeitos secundários sobre o sistema climático.
“É importante perceber que não existe uma solução ‘bala de prata’ para mitigar os impactos da mudança climática. Muitas tecnologias de remoção de dióxido de carbono e soluções baseadas na natureza, como o florestamento, vêm com potenciais impactos negativos”, afirma Joanne Bentley, uma das autoras do trabalho e membro da ACDI.
“Temos que reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa. Nosso estudo mostra que, se ultrapassarmos a meta de 2°C de aquecimento global, poderemos pagar caro em termos de perda de biodiversidade, comprometendo a prestação dos serviços ecossistêmicos com os quais todos nós contamos para nossa sobrevivência. Evitar um excesso de temperatura deve ser uma prioridade, seguido pela limitação da duração e da magnitude de qualquer excesso”.
Lutar pelo futuro passa por barrar o avanço dos incêndios e toda a devastação do agronegócio que atinge, principalmente, os povos e comunidades tradicionais. Essa pauta será debatida durante a Audiência Pública da Articulação Agro é Fogo e da Comissão Externa de Queimadas em Biomas Brasileiros, coordenado pela Deputada Professora Rosa Neide, na Câmara dos deputados, no próximo dia 19 de maio às 14h (horário de Brasília). O momento será no formato híbrido, presencialmente no Anexo II — Plenário 7 da Câmara dos deputados, pelo zoom e com transmissão ao vivo pelo Youtube da TV Câmara.
Em favor da manutenção da sociobiodiversidade da Amazônia, Cerrado e Pantanal, será apresentado, junto a representantes das comunidades, a nota técnica, elaborada em parceria com o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA), pautado nos casos apresentados no Dossiê Agro é Fogo.
Já temos a presença confirmada de Claudia Sala de Pinho, da Rede de comunidades tradicionais Pantaneiras (MS); Leonida Aires, Liderança da Comunidade Barra de São Lourenço (MS); Davi Krahô, Liderança Indígena do povo Krahô (TO); Leandro dos Santos, Liderança da comunidade quilombola Cocalinho (MA); Isolete Wichinieski, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Eliane Martins, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O fogo continua
Estamos chegando na estiagem com grande quantidade de focos de incêndios e isso requer atenção do poder público. Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até a metade de maio deste ano mais de 4 mil focos de incêndios foram contabilizados só no Cerrado, isso significa 20% a mais do que o mesmo período ano passado; Na Amazônia, já a são mais de 3.500 focos e no Pantanal os focos já são maiores do que toda a quantidade do ano passado.
O Dossiê Agro é Fogo, que se encaminha para sua terceira fase, afirma que os problemas e descontrole de incêndios no campo são orquestrados para o avanço do agronegócio. O documento reúne discussões e relatos de conflitos que denunciam um processo sistemático de avanço do agronegócio e suas interfaces, por incêndios, intimidação, destruição de propriedades, bens ou recursos dos modos de sobrevivência e de produção das comunidades, permeando a grilagem, garimpo, agrotóxicos e desmatamento.
Além disso, entre outras graves consequências desse processo de devastação, que impacta tanto o campo quanto a cidade, também é fruto dessa violência o aumento da fome, da insegurança alimentar, frente às commoditiesde monocultura que cresceram nos últimos dois anos de pandemia, como bem expõe o artigo do pesquisador Sílvio Isoppo Porto e da pesquisadora Diana Aguiar.
Por outro lado, o Dossiê Agro é Fogo ressalta os anúncios dos povos e comunidades tradicionais que, apesar de tudo, resistem para permanecer, com vida digna, em seus territórios. Nesse sentido, brigadas indígenas junto a Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) são uma das formas de organização coletiva para combate e, principalmente, realizar a prevenção do fogo.
Com a sabedoria ancestral a respeito do fogo, as brigadas funcionam promovendo a educação ambiental, treinamento e conscientização para a comunidade em situações de incêndios. Importante ressaltar que são brigadas formadas também por mulheres indígenas que, aliadas ao treinamento da PrevFogo, “acalmam” o fogo e evitam o avanço da morte sobre suas comunidades.
De acordo com investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) e publicação do El País, incêndios e desmatamento na Amazônia podem ser estratégia para negócios milionários. Uma área de mil hectares incendiada vale um milhão de reais no mercado ilegal. A devastação de 2019, no chamado Dia do Fogo, na Amazônia e no Pantanal, está calculada em vinte milhões de reais que, pelo que apontam os indícios, tem a participação de grupos criminosos.
Além disso, conforme matéria do Repórter Brasil,um dos locais mais atingidos no Dia do Fogo, foi o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa onde, devido a invasão de fazendeiros e inoperância do Estado, atualmente são áreas repletas de monocultura. Tal cultivo contraria a finalidade da terra destinada à reforma agrária e que ainda está em processo de regulamentação pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Um ano depois do evento, apenas 5% dos responsáveis pelo ocorrido foram punidos, segundo levantamento do Greenpeace Brasil.
Guardar a sociobiodiversidade é manter as comunidades em seus territórios
“Tem muita gente aqui com problema respiratório, teve gente que desmaiou, eu mesma estou com problema, até hoje tenho uma coceira no corpo, outras pessoas também têm, não sei o que pode ser. E já a gente tem que fazer exames pra saber e teve gente que ficou ruim, várias pessoas desmaiaram devido à fumaça, à cinza”, relata Leonida Aires, da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço.
Um dos casos a ser apresentado na Audiência Pública será o da Comunidade Pantaneira Barra de São Lourenço, que sofreu e sofre as consequências intensas dos incêndios do agronegócio. O caso foi relatado no DOSSIÊ AGRO É FOGO por Claudia Sala de Pinho, coordenadora regional da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.
Os incêndios florestais no Pantanal brasileiro já vinham fazendo estragos em anos anteriores a 2020 e suas cicatrizes não cessaram depois desse ano trágico. A comunidade, que perdeu uma criança durante tais acontecimentos, ainda reúne forças para sobreviver ao desmatamento, aos agrotóxicos, à falta de qualidade da água, a falta de saúde física e mental, e até de direito à terra, pois é um território em processo de demarcação para ser reconhecido como Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Segundo levantamento, os conflitos por terra envolvendo o fogo (2021) concentram 47% nas áreas do Cerrado e suas transições, na Amazônia contabilizam 25% e no Pantanal 6% do total. Somado a isso, no ano de 2021, foram 37 mil famílias afetadas pelo uso do fogo como arma nos conflitos no campo. Além disso, os incêndios destroem não só o componente material, mas, principalmente, afeta o sagrado e os saberes dos povos, isso se mostra em relaçãoàs casas de reza, violência que já envolveu quase 6 mil famílias no Brasil.
Dados da Agro é Fogo e CEDOC-CPT, reafirmam a relação dos incêndios quando o assunto são os conflitos por terra. É possível perceber que as regiões que sofrem com desmatamento, grilagem e o sistema agro-minerador são as mesmas atingidas, de alguma forma, pelo fogo criminoso, que ameaça a sociobiodiversidade, a vida, e avança violentamente devastando por onde passa.
Ouça o alerta que vem dos povos!
Serviço
Dia 19 de maio
Horário: 14h (horário de Brasília)
Local: Anexo II — Plenário 7 — Câmara dos deputados
Youtube: TV Câmara
Entrar na reunião Zoom
O Departamento de Comissões está convidando você para uma reunião Zoom agendada.
Cientistas visitaram uma área do Pantanal 48 horas após um incêndio
Por Victoria Gill, correspondente de Ciências, BBC News
Em meio à desolação de 2020, os cientistas no Brasil concluíram um estudo de conservação particularmente sombrio – tentando contar os animais mortos por enormes incêndios florestais no Pantanal.
Eles estimam que até 17 milhões de vertebrados – incluindo répteis, pássaros e primatas – morreram.
Os incêndios florestais ocorreram entre janeiro e novembro, destruindo 30% da maior área úmida tropical do mundo.
O Pantanal é a maior área úmida do planeta localizada no Brasil, Bolívia e Paraguai.FONTE DA IMAGEM,AFP
A Dra. Mariana Napolitano Ferreira, chefe de ciência do WWF-Brasil, explicou que houve 22 mil incêndios separados registrados naquele ano.
Esta nova pesquisa destaca, dizem os pesquisadores, a importância de prevenir tais desastres no futuro.
Contagem de corpos
O Pantanal queima naturalmente, mas os incêndios florestais de 2020 foram “apocalípticos”, de acordo com o Dr. Alex Lees, um ecologista da Universidade Metropolitana de Manchester que trabalhou extensivamente no Brasil Central, incluindo no Pantanal.
Eles eram “muito diferentes” daqueles que a região normalmente experimenta e do ciclo típico de queima e recuperação, explicou o Dr. Lees.
“Esses incêndios eram incomuns por causa de sua escala e estavam claramente ligados à megasseca que [a área] estava passando naquela época.
“O Pantanal não pode continuar queimando tanto ano após ano – a biodiversidade não pode se recuperar disso.”
Cervos do brejo que sobreviveram aos incêndios florestais. FONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBIO
O próprio estudo foi baseado em um exercício de contagem de corpos.
Os cientistas conseguiram alcançar áreas do pântano em 48 horas após um incêndio. Eles caminharam por trechos em intervalos definidos e examinaram todos os animais mortos que encontraram.
A equipe conseguiu identificar as espécies de 300 animais que encontraram. Eles então extrapolaram a partir da área que examinaram para dar uma estimativa de quantos animais foram mortos no total.
FONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBIO
O Dr. Walfrido Moraes Tomas, ecologista do instituto de pesquisas Embrapa Pantanal, em Brasília, conduziu o estudo. Ele disse à BBC que ele e sua equipe “não ficaram surpresos com os números”, dada a vasta escala geográfica do desastre.
O que o surpreendeu, disse ele, foi como certos grupos de espécies foram mais impactados do que outros.
“O número extremamente alto de cobras mortas nos faz pensar sobre os efeitos em cascata”, explicou ele. “As cobras são geralmente predadores em pequenos mamíferos, rãs. Esse impacto pode resultar em um desequilíbrio inimaginável no ecossistema.”
O maior roedor do mundo, a capivara, é nativa do PantanalFONTE DA IMAGEM,CHESTER ZOO
O Dr. Ferreira, do WWF Brasil, explicou que a pesquisa de campo ainda está em andamento. “O impacto imediato foi muito chocante”, disse ela à BBC News. “Mas também precisamos entender como o ecossistema se recupera semanas, meses e anos após os incêndios.”
Uma consequência da mudança climática
Os pesquisadores apontaram que incêndios florestais mais frequentes estão “entre as consequências mais visíveis das mudanças climáticas induzidas pelo homem”.
Vista aérea mostra um trecho do Pantanal após o incêndio. FONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBI
Porém, por mais sombria que seja a conclusão deste estudo, colocar um número robusto na escala deste desastre, de acordo com o Dr. Tomas, poderia impulsionar os esforços para desenvolver “estratégias e políticas adequadas de gestão de incêndios” na região.
Outros cientistas levantaram preocupações sobre a precisão da estimativa neste estudo. Há uma grande margem de erro na extrapolação das poucas centenas de corpos que a equipe contou para o número total de animais perdidos.
“Eles estão extrapolando em uma área enorme da maior área úmida do mundo, então [o cálculo] é um pouco grosseiro”, explicou o Dr. Lees.
“Mas não me surpreenderia se essa estimativa for de um estádio – poderia ser mais. Haverá centenas de milhões de criaturas vivendo lá.”
O Dr. Ferreira descreveu o desastre no Pantanal como “uma mensagem” para a humanidade.
“Isso nos mostra que a natureza está sofrendo, mas também estamos sofrendo – de falta de água potável e de comida”, disse ela. “Precisamos mudar a maneira como interagimos com a natureza se quisermos que as gerações futuras vivam neste mundo.”
O tamanduá-bandeira é uma das milhares de espécies do Pantanal. FONTE DA IMAGEM,PA MEDIA
Este texto foi escrito inicialmente em inglês e publicado pela BBC News [Aqui! ].
O rio mais importante do país sul-americano tem o menor nível de água em 50 anos
Barcos encalhados no rio Paraná perto da cidade de San Lorenzo. Foto: Reuters / agosto Marcarian
Por Jürgen Vogt, Buenos Aires para o Neues Deutschland
Embora as fortes chuvas causem inundações em muitos lugares da Europa, o quadro é diferente na América do Sul: o Rio Paraná atingiu seu nível mais baixo em meio século. A falta de precipitação nas cabeceiras do rio brasileiro é citada como a causa. Em maio, o serviço meteorológico brasileiro relatou a menor precipitação em mais de 90 anos para os estados do sul de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. Muitos especialistas se perguntam como o fenômeno está relacionado às mudanças climáticas, que, por outro lado, há muito vêm causando fortes chuvas na América do Sul.
O tempo seco não é o único responsável pela vazante do Paraná, que flui do Brasil via Paraguai e Argentina 4.880 km ao sul até sua confluência com o Río de la Plata. Durante anos, as áreas florestais da Amazônia e do Pantanal no sul do Brasil foram desmatadas e convertidas em áreas aproveitáveis para o cultivo de produtos agrícolas e para a pecuária. No Paraguai e na Argentina, os limites do uso para a agricultura estão sendo empurrados cada vez mais para o norte.
No Paraguai, seis milhões de ha de floresta foram desmatados nos últimos 20 anos. Quase no mesmo período, as escavadeiras na Argentina arrasaram cerca de 14 milhões de ha de floresta. Assim como no Brasil, a área desmatada é destinada principalmente à pecuária e ao cultivo de soja nos dois países. Embora o consumo de água do rio esteja aumentando, a perda de áreas de floresta armazenadora de água, que sempre foi capaz de mitigar os efeitos extremos de chuvas fortes ou leves, é muito mais grave. O desaparecimento das florestas está mudando o microclima. As massas de ar úmido são atraídas cada vez mais fracas.
O nível médio da água do rio vem caindo desde meados de 2019. Isso já era perceptível no ano passado nas grandes áreas úmidas ao longo dos últimos 300 quilômetros do rio na Argentina. No delta do Paranás, 80 por cento da área está em níveis normais de água. Apenas 20 por cento é terreno sólido. Agora o relacionamento foi revertido. No ano passado, incontáveis incêndios destruíram mais de 500 km2 de pântanos. Um desastre ambiental que ameaça se repetir no máximo até o final de julho, quando os fazendeiros tradicionalmente queimam seus campos, embora isso tenha sido proibido há muito tempo.
Este texto foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo Neues Deutschland [Aqui! ].
Entre 2019 e 2020 os incêndios no Brasil chamaram a atenção do mundo, especialmente na Amazônia e no Pantanal, que perdeu quase 30% da sua área com a maior queimada registrada nas últimas duas décadas. Para atuar de forma eficaz contra esses incêndios, é preciso uma base de informações calcada em pesquisas científicas, agências governamentais com equipes bem treinadas e integração de políticas de manejo de fogo e terras. Essas são as orientações de pesquisadores da USP e de outras instituições em análise publicada na revista “Perspectives in Ecology and Conservation” na terça (20).
Os pesquisadores citam esses e outros itens como fundamentais para o desenvolvimento de abordagens eficazes de manejo do fogo nos biomas e ecossistemas do Brasil. Os investimentos em estrutura incluem o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e programas de capacitação local para manejo do fogo, além de ações de divulgação e educação sobre conservação de recursos naturais para fomentar um entendimento mais profundo sobre o papel do fogo nos diferentes ambientes. O estudo teve apoio financeiro do Programa Biota/Fapesp e do CNPq por meio do Centro de Síntese em Biodiversidade (SinBiose) e do Edital PrevFogo/Ibama.
Segundo Vânia Pivello, uma das co-autoras do estudo, o fogo é um tema bastante polêmico. “Algumas pessoas são bastante contrárias ao uso do fogo, o que é compreensível pois ele pode ser muito destrutivo e danoso. Porém é muito importante que possamos discutir onde o fogo ocorre e como ele ocorre, pois os efeitos são completamente diferentes em cada ambiente”.
O Brasil possui biomas e ecossistemas com diferentes respostas ao fogo. Enquanto as florestas tropicais, como a Amazônia e a Mata Atlântica, são extremamente vulneráveis às queimadas, os campos naturais do Sul e o Cerrado são adaptados ao fogo, sendo que muitos de seus processos ecológicos dependem dele. Mesmo esses ecossistemas podem sofrer com as queimadas dependendo da sua frequência, tipo e intensidade.
Além de afetar a biodiversidade, regimes intensos de fogo podem prejudicar a qualidade do ar e o fornecimento de água de regiões. Os pesquisadores alertam que o risco de eventos graves de incêndio provavelmente aumentará no futuro, à medida que os efeitos das mudanças climáticas se tornam mais fortes e causam eventos climáticos mais extremos. Por isso, é importante aumentar a resiliência geral de nossos sistemas socioecológicos ao fogo.
Desde 2014 o Brasil conta com uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo que procura controlar a quantidade de material de fácil combustão e diminuir o risco de incêndios florestais. Ela integra as práticas tradicionais de gestão de incêndios das populações locais ao manejo do fogo, mas ainda não foi amplamente implementada em todo o país. Os pesquisadores apontam a necessidade de desenvolvimento de uma estratégia geral para lidar com o fogo em terras privadas, com uso controlado, quando for benéfico, e sem uso quando os efeitos negativos predominarem.
Pivello cita o Parque Nacional das Sempre Vivas, na região de Diamantina, Minas Gerais, como exemplo de aplicação de uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo. “As populações locais usam o fogo para manejo das sempre vivas, pequenas flores típicas da região, pois se acredita que o fogo possa estimulá-las a produzir mais flores”, explica Pivello. Num esforço conjunto, pesquisadores e gestores do Parque conseguiram chegar a um manejo de fogo adequado para conservar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, permitir que a população local possa extrair seu sustento das flores.
Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!]
A demanda global por soja viu a produção anual da safra no Brasil subir de 30 milhões de toneladas em 2000 para 125 milhões de toneladas hoje. A maior parte dos agroquímicos consumidos no Brasil é utilizada nesta cultura.
A cultura da soja também responde pela maior parte dos agroquímicos usados no Brasil, e a atividade agrícola concentrada no estado de Mato Grosso agora está vendo esses produtos químicos serem lavados rio abaixo até o Pantanal.
Maior planície de inundação do planeta, o Pantanal é relativamente intocado pela agricultura, com apenas 0,01% de sua área ocupada por fazendas de soja.
Cientistas mostraram que os cursos de água que alimentam o Pantanal estão contaminados e assoreados, e que os peixes estão escasseando em alguns locais.
Por Fernanda Wenzel , Naira Hofmeister , Pedro Papini/ Traduzido para o inglês por Maya Johnson
O anzol que Lourenço Pereira Leite lança no rio Paraguai atrai cada vez menos pintados , cacharas e pacus com o passar dos dias. Essas espécies nativas de peixes sustentaram sua família por muitas gerações, mas nenhuma das habilidades que aprendeu pescando no Pantanal com seu pai e avô o ajudou a evitar as embalagens vazias de agrotóxicos que aparecem em suas armadilhas em vez de peixes. “Isso tem que vir de montante, porque não há grandes fazendas por aqui”, diz ele.
Sua observação resume a encruzilhada em que se encontra este bioma brasileiro: apenas 0,01% do vasto Pantanal selvagem foi transformado em fazendas de soja, mas a área úmida tornou-se um enorme depósito para os resíduos de agroquímicos que lavam das terras agrícolas ao norte do rio. planaltos do estado de Mato Grosso. A crescente demanda internacional por soja fez com que as fazendas invadissem áreas preservadas e empurrou os campos de soja para mais perto das nascentes que alimentam o Pantanal.
No ano passado, o bioma passou por uma queimada histórica que atingiu 30% da região e chamou muita atenção da imprensa internacional – a exemplo dos incêndios de 2019 na Amazônia – com foco na inércia do governo federal em proteger seu patrimônio natural. Mas, na realidade, a região está sofrendo em silêncio há muito mais tempo. Os poluentes viajam rio abaixo, ameaçando uma das poucas regiões naturais do Brasil ainda bem preservada da atividade humana.
Lourenço Leite pesca no município de Cáceres, no sudoeste de Mato Grosso, porta de entrada para o bioma reconhecido pela UNESCO comoPatrimônio Mundial. A água que rege a vida do Pantanal passa pelo local onde ele lança seu fio. As chuvas que caem ao norte, na planície mato-grossense, fazem subir as nascentes dos rios Paraguai, Sepotuba e Cabaçal. Essa abundância de água desce para Cáceres, de onde forma a maior planície alagáveldo planeta , habitada porespécies raras e ameaçadas de extinção,como onças, tamanduás-bandeira e tatus gigantes.
“O Planalto Mato Grosso faz parte do Planalto Central”, diz Débora Calheiros, bióloga da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) do Ministério da Agricultura. A região é considerada o reservatório de água do Brasil por abrigar as nascentes das principais bacias hidrológicas do país. Além da Bacia do Alto Paraguai que forma o Pantanal, outras quatro grandes bacias têm origem aqui: a Amazônia, a São Francisco, a Paraná e a Araguaia / Tocantins, diz Calheiros, que também trabalha no Ministério Público Federal e tem se dedicado sua trajetória na compreensão do impacto do uso de agroquímicos no ecossistema da região.
“O Pantanal é uma espécie de buraco”, diz Nilza da Silva, pescadora de Cáceres. “Nós estamos aqui embaixo e eles plantam soja em cima. Quando as chuvas vêm, para onde flui a água? Descendo a ladeira até aqui.
“O centro de Cáceres fica na margem do rio”, acrescenta Nilza. “Ela costumava ser um buraco muito profundo pesca onde poderíamos até mesmo pegar jaú ” – o bagre dourada, uma das maiores espécies de peixes nativos do Brasil, que pode atingir comprimentos de 1,5 metros. “Hoje em dia, na estação seca, você pode atravessar o rio com água abaixo dos joelhos por causa de todo o lodo. E quase não há peixes ”, diz Nilza.
A soja não é nativa do Brasil e hoje é cultivada em fazendas de monocultura que requerem grandes volumes de inseticidas e herbicidas para manter as pragas afastadas. Por isso, embora represente 42% da área plantada no Brasil, a soja responde por mais de 60% do uso de agroquímicos no país – umcoquetel de mais de 450 fórmulas químicas diferentes, a maioria considerada tóxica para o homem ou prejudicial à natureza, de acordo com a Agência Nacional de Saúde e o Ministério do Meio Ambiente.
Os olhos do mundo no Brasil
Das 125 milhões de toneladas de soja que o Brasil produziu em 2019-2020, apenas um terço ficou no país. A maior parte da produção é exportada para servir de ração para bovinos, aves e suínos , que por sua vez são abatidos para alimentar a crescente população do planeta.
A Noruega, principal doador do Fundo Amazônia que visa proteger a floresta tropical contra o ataque de ameaças como a agricultura, atualmente importa 328.000 toneladas de soja por ano, pelo menos 70% dos quais vêm do planalto de Mato Grosso. Também importa outras 278.000 toneladas na forma de proteína de soja, para usar em suas fazendas de salmão, de acordo com a Statistics Norway.
É uma pequena parcela da produção total do Brasil (cerca de 0,5%), mas representa 86,3% de toda a soja importada por um país que continua pressionando o Brasil a cuidar do meio ambiente por meio do Fundo Amazônia.
Segundo a plataforma daTrase , seis municípios são os principais fornecedores de soja integral para a Noruega: Sapezal, Diamantino, Nova Ubiratã, Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio e Tangará da Serra. Essas cidades – que também exportam para China, Holanda, Turquia, Tailândia, Reino Unido, Arábia Saudita, México e Cuba – estão todas localizadas no planalto de Mato Grosso, região de grande importância ambiental.
Ao longo do caminho, forma as curvas sinuosas que compõem as vistas panorâmicas muitas vezes associadas ao Pantanal brasileiro. Mas dos sete lagos originais, apenas três ainda retêm água, e um deles está perigosamente baixo. “Estão desaparecendo por causa da falta de vegetação e da quantidade de soja e pecuária nas proximidades”, diz Jacildo de Siqueira Pinho, biólogo da secretaria estadual de saúde. “Quem sobrevoa a região vê apenas monocultura. Eles removeram quase toda a vegetação ao redor dos lagos. ”
Foto 1 (canto superior esquerdo): Quatro dos sete lagos dentro da Área de Proteção Ambiental das Cabeceiras do Rio Paraguai secaram devido ao assoreamento; Foto 2 (canto superior direito): Pesquisadores da UFMT coletam amostras de água para verificação de contaminação por agroquímicos; Foto 3 (embaixo à esquerda): Apesar de seu uso proibido, os agroquímicos são usados indiscriminadamente dentro da EPA; Foto 4 (embaixo, à direita): 40% da vegetação nativa da área de conservação foi substituída por soja, milho e pecuária. Todas as imagens de Jacildo de Siqueira Pinho.
O Código Florestal do Brasil torna obrigatória a conservação das matas ciliares no entorno dos mananciais. Isso significa que na nascente do rio Paraguai, uma área maior do que a capital da Noruega, Oslo, está ostensivamente sob proteção. Conhecida como Área de Proteção Ambiental da Nascente do Rio Paraguai (APA), abrange 77.743 hectares (192.107 acres) e abrange os municípios de Alto Paraguai e Diamantino. Este último é um dos seis principais exportadores de soja para a Noruega.
Todas as atividades que agridem o meio ambiente são proibidas pela EPA, principalmente aquelas que ameaçam os mananciais, e o uso indiscriminado de agroquímicos não é tolerado. Apesar disso,40% da vegetação nativadentro da EPA foi desmatada para fazendas de soja e milho e pastagem de gado.
Entre os poderosos proprietários de terras da APA estão o grupo pecuarista argentino Telhar e Gilmar Mendes, um juiz do Supremo Tribunal Federal que já foi comparado por um colega a um chefe do crime organizado. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso não tem conseguido processar com sucesso nenhum dos agentes agrícolas da região.
Os promotores ajuizaram 19 ações cíveis contra várias partes em provas que incluíam um estudo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) mostrando vestígios de pelo menos 10 agroquímicos em amostras de água, sedimento de rio e até solo de dentro da APA da nascente do rio Paraguai. Mas não venceram em nenhuma das ações, nem conseguiram um acordo com os fazendeiros para reduzir a quantidade e a toxidade dos agrotóxicos que utilizam em suas lavouras. Em vez disso, foi o procurador da comarca de Diamantino, Daniel Zappia, que acabou sendo alvo de um processo administrativo do CNMP , a mando de um dos fazendeiros investigados: o ministro Mendes.
“Já provamos que os agroquímicos usados nas cabeceiras chegam aos rios Pantanal e que todos os estuários do bioma estão contaminados”, diz o biólogo Calheiros, que liderou o estudo da UFMT que encontrou vestígios de agroquímicos na unidade de conservação.
A atrazina em humanos causa irritações na pele, olhos e sistema respiratório. Esses mesmos sintomas vêm aumentando entre os moradores de Cáceres ao longo do baixo rio Paraguai, segundo Claudia de Pinho, coordenadora da Rede Cáceres de Comunidades Tradicionais do Pantanal. “Algumas comunidades reclamam muito de doenças de pele. Isso piorou ainda mais após a queima de 2020 ”, diz ela. Na APA da Fonte do Rio Paraguai, os incêndios florestais de 2020afetaram 70% da área protegida.
“O desmatamento que ocorre em altitudes mais elevadas envia sedimentos pelos rios para a planície de sedimentos, que é o Pantanal”, diz Solange Ikeda, uma das fundadoras do Instituto Gaia ,uma ONG de Cáceres que trabalha pela proteção do Pantanal. “Isso reduziu o nível da água e, aqui, alguns centímetros a menos de água já impacta a biodiversidade, que é controlada pelo pulso de inundação.”
No entanto,a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (SEMA)minimizou as conclusões do relatório da UFMT, dizendo que “não demonstrou que os limites legalmente estabelecidos foram ultrapassados” e que “a legislação não inclui limites para muitos dos [ produtos químicos] listados no relatório. ” Na verdade, o limite aceitável do Brasil para os níveis de glifosato na água é5.000 vezes maior do que na Noruega e na União Europeia.
Impacto no fundo da bacia
O modo de vida dos moradores do Pantanal mudou com a qualidade da água: já se foi o tempo em que uma pessoa podia matar a sede simplesmente se inclinando na lateral de sua canoa. “Não podemos mais beber do rio porque nos dá diarreia e vômito. Hoje em dia, quando vou pescar, tenho que levar uma garrafa de água mineral ”, diz Lourenço Leite, o pescador de Cáceres. Mas, uma vez que os sintomas que ele descreve surgem tão comumente decasos de envenenamento agudo poragrotóxicos quanto de infecção por parasitas e bactérias que podem ser encontrados na água, é difícil atribuir a culpa.
Mas foi demonstrado que os agroquímicos fluem das planícies altas para a bacia inferior. Um estudo de 2014 verificou a presença de sete dessas substâncias na Bacia do Rio Cuiabá, que também abastece o Pantanal. Segundo os autores, “atos realizados na alta bacia podem impactar diretamente o Pantanal”. As evidências chamaram a atenção de cientistas do exterior, e agora uma equipe de pesquisadores do Brasil, Argentina e Reino Unidoestá trabalhando no assunto. Eles ainda não divulgaram suas descobertas.
Pescador tradicional do rio Paraguai no município de Poconé, MT. Imagem de André Dib.
Um estudo de 2008, liderado por Débora Calheiros e três outros pesquisadores, mostrou a presença de quatro agrotóxicos, alguns deles usados em fazendas de soja, em amostras de água do Pantanal. Como o cultivo da soja ainda é uma atividade nova no bioma, isso reforça a hipótese de contaminação da bacia hidrológica.
“A soja começou a surgir no Pantanal há dez anos”, diz Clovis Vailant, do Instituto Gaia. “As fazendas já ocupam toda a planície da fronteira com o Paraguai e a Bolívia, de onde vem se espalhando de oeste para leste. O Pantanal está bem no caminho desse crescimento, é a última barreira. ”
A agricultura já chegou a Cáceres e a Poconé, a cerca de 180 km de distância. “Já estávamos sentindo o impacto da agricultura na bacia alta e agora há plantações de soja no Pantanal”, diz Claudia de Pinho, da Rede Cáceres. “Isso nos deixa ainda mais preocupados com a contaminação, porque ela está acontecendo ainda mais perto das comunidades tradicionais. Temos comunidades em Poconé que estão tendo dificuldade em manter suas hortas vivas. Os vegetais morrem porque o vento traz pesticidas das áreas circundantes e os impacta diretamente. ”
De acordo comas projeções dos cientistas, se o crescimento das fazendas continuar neste ritmo, o agronegócio terá substituído a vegetação nativa em uma área de 1,4 milhão de hectares (3,5 milhões de acre) da Bacia do Alto Paraguai até 2050, e a quantidade de agrotóxicos usados na região aumentará em 4,3 milhões de litros (1,1 milhão de galões) por ano – o equivalente a duas piscinas olímpicas cheias de agroquímicos tóxicos. O efeito de tudo isso em grandes altitudes não será grande: representaria um aumento de 7% sobre o volume de agroquímicos usados hoje. Mas nas planícies do Pantanal, onde hoje há pouco uso de agrotóxicos, o aumento pode chegar a 50%.
Bando de andorinhas-do-mar (Phaetusa simplex) nas margens do rio Cuiabá no município de Poconé, Mato Grosso. A relação entre os recursos hídricos e a biodiversidade é muito importante no bioma Pantanal e a poluição da água devido aos agroquímicos pode resultar em um desequilíbrio geral. Imagem de André Dib.
Resíduos também chegam à Amazônia
Dos seis municípios brasileiros que mais exportam soja integral para a Noruega, quatro estão entre os maiores usuários de agroquímicos do Brasil . Segundo dados de 2015, estudo de Wanderley Pignati, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso que se tornou a autoridade brasileira em agroquímicos. Há evidências de defeitos de nascença em crianças, mostra o trabalho de Pignati. Ele também observa que as taxas de câncer em crianças da região são superiores à média nacional e as hospitalizações por intoxicações graves são frequentes.
Três outros estudos de 2016 e 2017 mostram que a contaminação por agroquímicos atingiu municípios que ficam na bacia do rio Juruena, que deságua no Tapajós, ele próprio afluente do rio mais poderoso de todos aqui: o Amazonas.
Como a complexa hidrografia da Amazônia é bastante extensa, o efeito das toxinas se dilui, e é difícil provar que elas chegam à floresta. Mas a bióloga Débora Calheiros afirma que a contaminação é real.
“Por ser crônica, a contaminação se espalha. O ingrediente ativo se decompõe após entrar no sistema de água, mas os compostos resultantes dessa decomposição são às vezes mais tóxicos do que o ingrediente ativo. Quem mais sofre são as pessoas que dependem dessa água e dos peixes ”, afirma.
Muita soja, mas comida insuficiente
Além de comprometer a qualidade da água de dois biomas fundamentalmente brasileiros, o sistema de produção de commodities em larga escala também representa uma ameaça à segurança alimentar das populações locais.
Um estudo de 2019mostrou que os moradores dos municípios de Campo Novo do Parecis, Sapezal e Campos de Júlio obtêm alimentos em outros estados porque é quase impossível cultivar alimentos em uma região onde 98% das terras são dedicadas ao cultivo de culturas comerciais como soja e milho.
Não há espaço suficiente para cultivar frutas e vegetais, ou para criar galinhas e porcos, ou para criar vacas leiteiras. Quem tenta produzir alimentos nesses municípios sofre com a deriva de agroquímicos, fenômeno do vento que leva as toxinas para propriedades vizinhas.
Quase metade das fazendas nesses municípios tem mais de 1.000 hectares (2.500 acres) e são mantidas por apenas alguns proprietários, então o impacto de pulverizar as monoculturas com agroquímicos é grande. “As nuvens de veneno não chegam apenas ao seu alvo (plantas e pragas), mas atingem também os trabalhadores da fazenda e, indiretamente, o ar, o solo e a água, as pessoas que ali vivem, os animais e outras plantas do entorno”, afirma. para o estudo de 2019 .
Este se tornou um dos desafios do dia a dia para os pequenos agricultores agrupados sob a CEIBA, a Associação de Agricultores Familiares do Assentamento Caeté, em Diamantino – um dos principais municípios usuários de agrotóxicos no Brasil e um importante fornecedor de soja para a Noruega.
O CEIBA é formado por cerca de 15 famílias que buscam produzir alimentos com pouco ou nenhum agroquímico. Suas fazendas confinam com os campos de soja, o que exige um esforço extra para proteger os pomares e as hortas dos assentamentos. “Plantamos árvores ao longo das propriedades e do lado que tem soja plantamos mandioca”, diz o agricultor Ruseveth Marques Martins. Eles escolheram a mandioca porque suas folhas se erguem a mais de um metro (3 pés) do solo, formando uma barreira natural contra a deriva; a parte comestível da planta cresce no subsolo, protegida da contaminação do ar.
A deriva compromete a saúde de alunos de escolas próximas às fazendas de soja e mesmo de residentes em áreas urbanas desses municípios. A bióloga Lucimara Beserraidentificou resíduos de agrotóxicos na água usada em quatro escolas de Campos de Júlio, Sapezal e Campo Novo do Parecis. “Quem mora aqui está acostumado a ver os aviões jogando veneno”, diz Mauro Flávio de Souza , professor de uma escola da zona rural de Campos de Júlio. “Você pode sentir o cheiro no ar. Se uma pessoa tem algum tipo de alergia a agroquímicos, ela tem que sair da cidade ”.
Pesquisa é tabu na terra dos agrotóxicos
Em 2017, o consumo brasileiro de agrotóxicos foi três vezes maior que a média mundial. Então, só em 2020, o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovou o uso de outros 493 agrotóxicos – uma média de quase 10 por semana. Um relatório publicado este ano pelo Parlamento Europeu alerta que um terço dessas substâncias contém ingredientes ativos proibidos ou restritos para uso dentro da UE.
Mas os cientistas brasileiros não podem se mover tão rápido quanto os aviões que lançam os agroquímicos nos campos. “Precisamos de uma rede de laboratórios credenciados, validados e certificados no Brasil para estudar os resíduos de agroquímicos na água, na chuva, na terra, no ar, no sangue, na urina e no leite materno, assim como fazemos na alimentação ”, Afirma Wanderley Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso.
Graças a uma parceria com o Ministério Público do Trabalho, o laboratório da universidade federal conseguiu adquirir novos equipamentos. Ainda está em fase de teste para uso devido a atrasos relacionados à pandemia.
Enquanto isso, a universidade conseguiu identificar a presença de 15 princípios ativos, uma fração dos 504 princípios ativos aprovados para uso no Brasil, segundo estudo da pesquisadora Larissa Bombardi .
Por enquanto, a logística de testar qualquer amostra da região para a presença de agrotóxicos significa que ela deve ser enviada à Fiocruz, instituto de pesquisas em saúde pública do Rio de Janeiro, ou percorrer mais de 2.000 quilômetros até Santa Maria Federal Universidade do Rio Grande do Sul. Mesmo assim, ambas as instituições têm capacidade limitada de detecção de glifosato, por exemplo.
O atual mal-estar econômico complica ainda mais as coisas. Os fundos estaduais e federais foram cortados em 80% nos últimos anos, enquanto as bolsas de pesquisa e pós-graduação foram cortadas pela metade. “Nossas instituições parceiras, como o Ministério Público, estão direcionando todos os seus recursos para o combate à pandemia”, diz Pignati.
Os obstáculos não são apenas técnicos e econômicos. Especialistas que pesquisam os efeitos do uso de agrotóxicos no Brasil podem receber ameaças de morte e até serem forçados a deixar o país. Foi o que aconteceu com Larissa Bombardi, autora de um dos estudos mais completos já produzidos sobre o tema.
Em carta abertaque enviou aos colegas da Universidade de São Paulo no dia 3 de março de 2021, Bombardi revelou que havia sido intimidada após a publicação de seu trabalho.
“Em junho de 2019, recebi recomendações de lideranças de movimentos sociais para que eu fizesse diversos rumos e variasse minha agenda para que minha rotina ficasse mais difícil de rastrear e para que eu ficasse mais protegido de possíveis ataques dos setores econômicos envolvidos no tema ao qual dediquei meu trabalho ”, escreveu ela.
Para a Bombardi, a gota d’água foi em agosto de 2020, quando agressores invadiram sua casa. Eles a trancaram no banheiro e levaram seu computador, onde ela salvou todos os seus dados de pesquisa. “[Um] parente perguntou-me se a agressão pode ter tido a ver com o meu trabalho. Todo mundo sabe que eu não salvo meus arquivos na nuvem. Sinceramente, essa hipótese nem passou pela minha cabeça no dia do ataque. E eu realmente não tenho ideia se isso estava relacionado ao meu trabalho. É possível que não tenha sido. Mas eu nunca saberei ”, disse Bombardi antes de deixar o Brasil para morar na Europa.
Imagem do banner: Vista aérea do Parque Nacional do Pantanal, no estado de Mato Grosso, e do rio Paraguai na divisa entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com a Serra do Amolar ao fundo. Imagem de André Dib.
No Dia Mundial da Água, instituição aponta as principais ameaças à segurança hídrica devido aos impactos da ação humana no Pantanal
Conhecida como reino das águas, a maior área úmida do planeta, que fica nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e partes da Bolívia e Paraguai, tem sua segurança hídrica cada vez mais ameaçada. Esse é o alerta do WWF-Brasil no Dia Mundial da Água. Uma combinação de fatores que têm se intensificado ao longo dos anos – que vão das mudanças climáticas às queimadas, passando pelo crescente número de barragens que modificam o fluxo das águas – está alterando a dinâmica das águas do Pantanal, que se tornou especialmente vulnerável este ano. Níveis historicamente baixos do Rio Paraguai podem ocasionar uma nova temporada de queimadas como nos últimos anos, que pode trazer consequências irreversíveis.
Isso porque o Pantanal cumpre várias funções, entre as quais conservação de solo e da biodiversidade, estabilização do clima e fornecimento de água. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, o Rio Paraguai, principal indicador das condições de inundação do Pantanal, apresenta uma tendência de seca para este ano de 2021. Especialmente as regiões de Cáceres e Porto Conceição, ambas no Estado de Mato Grosso, apresentam níveis historicamente baixos no Rio Paraguai. No Mato Grosso do Sul, em Forte Ladário e Coimbra também são previstos níveis historicamente baixos. Os modelos de previsão indicam que a seca continuará nos próximos períodos, com uma interrupção da recuperação do nível do rio. Os gráficos no fim do texto mostram o nível do rio fora da zona de normalidade.
“Mesmo que o regime de precipitação se normalize, é pouco provável que o Rio Paraguai e o Pantanal tenham cheias significativas, mantendo-se em níveis historicamente baixos. Além disso, o fogo e as mudanças no uso do solo tendem a afetar a própria precipitação na região. Com a diminuição da cobertura vegetal, a tendência é que haja menor evapotranspiração, menor umidade no ar, e, logo, menor índice de chuvas. Temos um cenário de mudanças climáticas aliado à falta de controle ambiental e infraestrutura para combate a incêndios, isso traz sérias ameaças à biodiversidade do Pantanal, assim como a segurança hídrica da região. Há o risco de haver uma nova catástrofe em razão dos incêndios e uma, como aconteceu em 2019 e 2020”, alerta Cássio Bernardino, analista de conservação do WWF-Brasil.
O equilíbrio do Pantanal depende basicamente do baixar e subir de suas águas. Esse ciclo se repetia todo ano com certa regularidade, possibilitando a renovação constante da fauna e flora e formatando a cultura pantaneira. Porém, desde a década de 1970, a bacia do Alto Paraguai registra uma progressiva mudança em suas paisagens por causa do intenso uso e ocupação do solo. O bioma já perdeu em torno de 18 % de sua cobertura natural, que se converte geralmente em pastos e terras aráveis. O ano passado foi especialmente danoso: em 2020, 22.119 focos de incêndios, cerca de 120% a mais que no ano anterior. Estima-se que mais de 2,1 milhões de hectares foram atingidos pelas queimadas em 2020.
Paralelamente, a ação humana está impondo outro obstáculo ao fluxo natural das águas: existem mais de 100 pequenas centrais hidrelétricas planejadas na região do Pantanal e bacia do Alto Araguaia. Segundo o relatório Alternativas Energéticas Renováveis da Bacia do Alto Paraguai, do WWF-Brasil, todas esses projetos de barramento poderiam ser substituídos por fontes renováveis que têm capacidade de gerar cerca de três vezes a potência nominal das PCHs planejadas para serem construídas na Região Hidrográfica do Paraguai. Essa energia poderia ser gerada a partir de recursos disponíveis na região, tais como biomassa de cana-de-açúcar, dejetos animais, resíduos sólidos urbanos, particularmente das duas principais cidades da região (Cuiabá e Campo Grande), além da energia dos efluentes líquidos (esgoto) e a energia solar. A mudança evitaria os impactos ambientais que podem comprometer o equilíbrio da região e afetar atividades econômicas importantes, como turismo e pesca, além de gerar empregos duráveis.
“Neste Dia Mundial da Água é importante chamar a atenção para a necessidade da criação de uma estrutura robusta de combate, prevenção e previsão de incêndios, mas também para o desenvolvimento de alternativas de desenvolvimento sustentável na região”, ressalta Bernardino.
Abaixo, gráficos mostram o nível do Rio Paraguai fora da zona de normalidade nas regiões de Cáceres, Porto Conceição (MT), Forte Ladário e Coimbra (MS).
Sobre o Pantanal: O bioma ocupa os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai, uma área de 170.500.92km², equivalente ao tamanho de 4 países juntos: a Bélgica, Holanda, Portugal e Suíça. O bioma é morada de 4,7 mil espécies de animais e plantas e cumpre diversas funções: conservação da biodiversidade, conservação do solo, estabilização do clima e fornecimento de água.
Na época da cheia 80% do Pantanal é alagado, as enchentes se concentram entre dezembro e janeiro. Nesse período, cerca de 180 milhões de litros são despejados por dia nos rios pantaneiros. O equivalente a 72 piscinas olímpicas. Em 1988 o Pantanal foi decretado Patrimônio Nacional, e no ano 2000 foi reconhecido como Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera, pelas Nações Unidas.
Sobre o WWF-Brasil
O WWF-Brasil é uma organização não-governamental brasileira e sem fins lucrativos que trabalha para mudar a atual trajetória de degradação ambiental e promover um futuro em que sociedade e natureza vivam em harmonia. Criado em 1996, atua em todo Brasil e integra a Rede WWF. Apoie nosso trabalho emwwf.org.br/doe
No Pantanal, a instituição vem atuando de forma emergencial, por conta dos incêndios desde setembro de 2020, com apoio da Rede WWF, para atender pessoas e animais atingidos. Algumas ações realizadas:
– Criação de 6 brigadas comunitárias com treinamento e equipamentos de proteção individual; – Doação de 630 itens para ações de combate ao fogo; – Doação de 105 cestas básicas para indígenas; – Doção de 5 armadilhas fotográficas e 1 veículo para monitoramento da Arara-Azul; – 35 caixas de analgésicos e anestésicos; – 19 equipamentos de captura de animais; – 5 caixas de transporte de animais.
Panorama levantado pela SEMrush analisa o crescimento na busca por questões ambientais; queimadas e animais são alguns dos mais pesquisados
São Paulo, novembro de 2020 – O ano de 2020 trouxe consigo muitos desafios. Um dos que chama atenção em nível nacional e internacional são as questões ambientais que tem tomado grandes proporções na mídia. Um ano marcado por queimadas no Pantanal, aumento do desmatamento e morte de muitos animais em seu habitat natural fizeram com que a SEMrush, líder global em marketing digital, realizasse um levantamento para compreender se os brasileiros vêm buscando mais sobre o assunto na internet. E sim: os dados apontam que, de janeiro de 2020 a setembro do mesmo ano, a busca pela palavra ‘Pantanal’ teve um aumento de 1561%, com 673 mil buscas apenas em setembro.
Com isso, os brasileiros também aumentaram seu interesse por outras questões ambientais durante o mês de setembro de 2020. Como por exemplo a busca por queimadas, que somam 74 mil acessos no mês. Outro desdobramento desse interesse foi a pesquisa por animais queimados, com 1,9 mil buscas, e até mais específicos como onça pintada, com 2,9 mil. Os biomas nacionais mais afetados também despertaram mais interesses, e Cerrado e Mata Atlântica totalizam 135 mil e 90,5 mil, respectivamente, incluindo um aumento médio nas buscas por desmatamento, de 60,5 mil.
Veja abaixo os termos com maior crescimento nas buscas:
1) Animais do pantanal: aumento de 1976% 2) Onça do pantanal: aumento de 1605% 3) Pantanal: 1561 % 4) Queimadas: aumento de 1021% 5) Animais queimados: aumento de 804% 6) Desmatamento: 646% 7) Conservação Ambiental: aumento de 519% 8) Poluição: aumento de 401% 9) Mata Atlântica: aumento de 400% 10) Cerrado: aumento de 398% *média mensal de janeiro de 2020 a setembro de 2020
Outras preocupações ambientais também foram alvo do interesse dos brasileiros em suas pesquisas. O levantamento apontou um aumento de 401,5% na busca pela palavra poluição, seguida de um aumento de 516% por poluição da água. Outra pesquisa relevante que aumentou nesse período foi a pergunta “o que é meio ambiente?” que se desdobrou para a pergunta “o que é aquecimento global?”, ambas com um aumento de 516% e 825%, respectivamente. Todo esse contexto para saber mais sobre as questões ambientais presentes no Brasil também fizeram com que o interesse dos brasileiros aumentasse em 519% sobre a conservação ambiental.
“A preocupação com o que acontece com o meio ambiente não é mais uma questão que as pessoas estão deixando de lado. O aumento da busca por informação relevante é uma tendência que vai crescer com o passar dos anos, e quem quer se posicionar como um provedor de conteúdo de qualidade deve se focar no perfil dos comportamentos de buscas. Importante salientarmos que dados estratégicos são um aliado importante para quem quer ajudar e fazer a sua parte frente a questões sensíveis como o meio-ambiente”, conclui Fernando Angulo, Head of Communications da SEMrush.
No ano que acaba de terminar, os piores incêndios florestais em décadas assolaram o cerrado brasileiro e o Pantanal. As chamadas matas de galeria que margeiam as margens dos rios da paisagem de savana são particularmente afetadas pelos incêndios. Este ecossistema de floresta rica em espécies ameaça tombar. Este é o resultado de um estudo publicado recentemente no Journal of Applied Ecology.
As florestas de galeria perenes não são apenas particularmente ricas em espécies, elas evitam a erosão do solo e protegem os recursos hídricos. Eles também são essenciais para a sobrevivência de numerosas espécies animais, como a onça-pintada em extinção. As matas ciliares são seu refúgio preferido e uma parte importante dos corredores para a preservação da biodiversidade. Surpreendentemente, a proximidade com a água também não protege as matas ciliares dos incêndios florestais que foram causados principalmente para expandir as plantações de soja e pastagens de gado. Uma equipe internacional de cientistas com a participação da Universidade de Hohenheim em Stuttgart examinou os efeitos de um incêndio devastador no parque nacional brasileiro Chapada dos Veadeiros.
Em 2017, 860 quilômetros quadrados de cerrado foram queimados ali. Para parte da área, a equipe de cientistas avaliou imagens de satélite de antes e depois do incêndio e realizou estudos de campo no local. De acordo com isso, cerca de 90 por cento das matas ciliares na região de estudo ainda estavam intactas em 2003. Após os devastadores incêndios florestais de 2017, no entanto, a cobertura florestal nas margens do rio caiu para 20 por cento em alguns lugares. “Em média, a cada segunda árvore adulta e 88 por cento das mudas morreram”, disse a equipe de pesquisa.
“Para nossa surpresa, as florestas que inundavam na época das chuvas foram as que mais sofreram danos. Algumas dessas florestas foram completamente destruídas. Quase todas as árvores morreram e gramíneas e outras espécies invasoras invadiram as áreas «, explica o primeiro autor da publicação, Bernardo Flores, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os cientistas veem uma razão para isso na casca relativamente fina das árvores nas margens. Porque embora as matas ciliares cresçam em um ambiente onde os fogos fazem parte do ecossistema, os fogos naturais raramente os atingem por conta própria. Nesta área, a camada superficial do solo rica em húmus também foi queimada, o que levou à perda de nutrientes e à erosão do solo, além de liberar CO2
Incêndios naturais geralmente surgem de quedas de raios durante tempestades. A chuva subsequente geralmente extingue rapidamente esses incêndios. Além disso, normalmente ocorrem trovoadas na época das chuvas, de forma que o solo e a vegetação ficam úmidos e dificilmente inflamáveis ”, explica a pesquisadora Anna Abrahão, da Universidade de Hohenheim. Mas os produtores de soja e gado atearam fogo na estação seca, quando a vegetação está seca e fácil de incendiar.
Além disso, as espécies de gramíneas africanas não nativas das pastagens artificiais para gado espalharam-se pela savana adjacente e deslocaram a vegetação natural. Essas gramíneas exóticas, por sua vez, resultaram em mais biomassa acumulada e forneceram combustível adicional para o fogo. As matas ciliares não suportam esses incêndios intensificados. Ao mesmo tempo, os pesquisadores observaram uma extensão da chamada estação do tempo de fogo nas savanas tropicais de todo o mundo devido às mudanças climáticas. Na região tropical da América do Sul, esse período é 33 dias a mais do que há 35 anos. Os pesquisadores veem todo o ecossistema em perigo.
A expansão das monoculturas tornou o Cerrado e o Pantanal mais inflamáveis. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro enfraqueceu a política ambiental do Brasil nos últimos anos, o que também está levando ao aumento dos incêndios florestais, resume Rafael Oliveira, ecologista da Unicamp e coautor do estudo.
O Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, fundado em 1961 no nordeste do estado da Chapada, tinha originalmente uma área de 625.000 hectares. Sob pressão do lobby agrícola, foi drasticamente reduzido em 1972, inicialmente para 171.924 hectares e depois novamente em 1981 para apenas 65.500 hectares. Em 2017, o governo Michel Temer finalmente expandiu o parque nacional, que também está “protegido” como Patrimônio Mundial da Unesco desde 2001, para sua área atual de 235.000 hectares, que, no entanto, continua sendo um espinho no lado do lobby agrícola. A última tentativa de reduzir o parque para 65.500 hectares novamente fracassou em 2019 no Supremo Tribunal Federal.
Este artigo foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo jornal Neues Deutschland [Aqui!].