O agro é offshore: a face agrária dos citados nos Pandora Papers

Do casal que patrocina o Palmeiras aos irmãos Grendene, donos da Azaleia, base de dados evadida por consórcio de jornalistas contém empresários que atuam no agronegócio e mandam divisas para fora por meio de paraísos fiscais

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Por Leonardo Fuhrmann para a “De olho nos Ruralistas”

Os Pandora Papers mostram que ter empresas offshore para não pagar impostos no Brasil é uma prática comum entre grandes empresários do sistema financeiro, autoridades econômicas do governo Jair Bolsonaro, financiadores de fake news e grandes devedores de impostos e tributos. Mas a atitude, que tem algo de tech e nada de pop, é também uma marca do agronegócio.

A partir dos nomes citados em reportagens do consórcio de jornalistas – que no Brasil tem a participação da Piauí, El País Brasil, Metrópole, Poder 360 e Agência Pública —, De Olho nos Ruralistas identificou nomes importantes do agronegócio brasileiro que mandam divisas para fora do país, sem custos e impostos.

A manutenção de contas no exterior, caso sejam declaradas à Receita Federal, não configura crime em si. Revela, no entanto, como alguns ricos fogem de tributação e ganham com o enfraquecimento da moeda brasileira em relação às estrangeiras. No caso do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, donos de offshores, o conflito de interesses fica claro: eles comandam uma política econômica que lhes favorece.

No caso do agronegócio, um setor que tem demonstrado apoio ao atual governo como poucos, o benefício é triplo: os custos com máquinas e insumos importados ficam menores, os lucros aumentam em moeda nacional e eles também ganham com a especulação contra o real no exterior. Em vários casos, os empresários citados tem diversos negócios em áreas distintas da educação à comunicação, mas sempre com um braço no agronegócio.

Família Lamacchia, da Crefisa, atua no campo desde 1940

O empresário José Roberto Lamacchia é conhecido por ser dono do Centro Universitário FAM, a Faculdade das Américas, e do banco Crefisa, ambos patrocinadores do Palmeiras, atual campeão da Copa Libertadores da América. Sua esposa, a advogada Leila Pereira, deve se tornar a próxima presidente do clube.

O agronegócio está na família de José Roberto Lamacchia desde 1940. (Foto: Palmeiras)

Os negócios do casal incluem redes de clínicas médicas e veterinárias, empresas de publicidade, serviços cadastrais e cobrança e a holding Crefipar. Eles aparecem no Pandora Papers como proprietários da offshore Koba Investors Limited, criada em 2008 nas Ilhas Virgens Britânicas.

A face ruralista de Lamacchia vem de família. Morador de Birigui, no interior paulista, o pai do palmeirense atuava no setor bancário e na produção de café, entre outros produtos agrícolas, pelo menos desde os anos 40. José Roberto e seu irmão mais velho, Antonio Luiz, iniciaram a Crefisa na década de 60. José Roberto criou a Agropecuária Arauc em meados dos anos 70. A empresa foi incorporada em 2015.

Antonio Luiz ficou com a JL Agropecuária, atualmente JL Participações, que administra junto com os filhos. O grupo é dono de fazendas em Nova Andradina, Iguatemi, Sonora, Campo Grande e Bataguassu, no Mato Grosso do Sul, e Rondonópolis, no Mato Grosso.

Irmãos Grendene colecionam fazendas no Matopiba

Do gado à soja, irmãos Grendene tem fazendas em vários estados. (Foto: Reprodução)

Já citados no Bahamas Leaks, de 2016, e no Paradise Papers, de 2017, os irmãos gêmeos gaúchos Pedro e Alexandre Grendene Bartelle também aparecem no atual vazamento. Alexandre preside a ABG, nas Ilhas Virgens Britânicas. Pedro dirige duas empresas no Delaware, estado dos Estados Unidos com legislação liberal para a criação de offshores. São a PGB San Marino USA, criada em 2016, e a PBCW San Peter USA, de 2017.

Eles são mais conhecidos pela atuação no ramo de calçados: são donos das marcas Azaleia, Olympikus Rider e Vulcabrás. Mas os irmãos atuam em diferentes ramos, inclusive o agronegócio. São donos de empresas de siderurgia, empreendimentos imobiliários e fazendas em Farroupilha (RS), Valparaíso e Andradina (SP) e em Baianópolis, Barreiras e São Desidério (BA). Seus negócios rurais incluem gado de corte, cana-de-açúcar e grãos.

Os irmãos Grendene chegaram a ser condenados em primeira instância por sonegação fiscal em 2000, na Justiça Federal no Rio Grande do Sul. Em 2010, Pedro voltou a ser investigado pela Polícia Federal, desta vez por evasão de divisas. Alexandre é sócio de um cassino em Punta Del Este, no Uruguai. Foi lá, no bairro de Beverly Hills, que os gêmeos comemoram, no ano passado, 70 anos de vida.

Sócia de Soros tem dívida de R$ 27 milhões com a União

Sócia de Soros também está no Pandora Papers. (Foto: Divulgação)

Sócia da Adecoagro, ligada ao megainvestidor George Soros, e dona da Companhia Monte Alegre, Corina Almeida Leite é outro nome do agronegócio na lista do Pandora Papers. Segundo as investigações do consórcio de jornalistas, ela mantém a offshore Etiel Societé Anonyme, que, segundo um documento do Pandora Papers, detinha US$ 500 mil em ações da Adecoagro em 2016. A empresa tem sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

Corina tem uma dívida com a União de R$ 27,4 milhões. A empresária é de uma família tradicional do setor.  Segundo pesquisa genealógica do professor Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ela é prima de Marcelo Weyland Barbosa Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira entre 2018 e 2020 e atualmente um dos conselheiros da entidade.

Casada com Francisco Almeida Leite, ela é filha de Mário Barbosa Vieira. Marcelo é filho de Milton Barbosa Vieira. O avô de Corina e Marcelo, Jorge Vieira, é fundador da Usina Monte Alegre, em uma fazenda mais do que centenária em Minas Gerais, que hoje está incorporada ao grupo Adecoagro. A família também atua no confinamento de gado.

Donos de jornais, rádios e TV são fazendeiros 

Yolanda Queiroz,  da retransmissora da Globo no  Ceará. (Foto: Divulgação)

Citada nas reportagens dos Pandora Papers como empresária de comunicação, Yolanda Vidal Queiroz, morta em 2016, tinha muitos outros negócios. O Grupo Edson Queiroz, pertencente à sua família, é dono de rádios, da TV Verdes Mares, retransmissora da Rede Globo no Ceará, e do jornal Diário do Nordeste.

O grupo também tem a engarrafadoras de água Minalba, além de outras distribuidoras, fabricantes de bebidas, a distribuidora de gás Nacional e da Copa Energia e a fábrica de fogões Esmaltec. São donos ainda da Esperança Agro, com produção de leite, mel e gado de corte. A Esperança tem três fazendas no Ceará, uma no Maranhão e outra no Piauí.

Os Pandora Papers mostram uma offshore registrada em seu nome, a Water Overseas S.A.. A empresa consta no documento de transferência de suas ações para os filhos e netos.

Di Genio foi multado por desmatamento no MS

Os Panama Papers, que reuniam documentos vazados em 2016, já tinham uma grande participação de empresas e pessoas ligadas ao agronegócio, como a JBS, gigante do setor de carnes pertencente aos irmãos Joesley e Wesley Batista, a família Benedictis, então proprietária do Laticínios Shefa, e sócios de duas gigantes do ramo de papel e celulose: a Suzano, da família Feffer, e a Klabin.

A família Ferreira Telles, antiga dona da marca de cachaça Ypioca, é outra citada como dona de offshores. Eles são donos da Agropaulo, que produz etanol de cana e milho e tem fazendas no Ceará e Rio Grande do Norte, além de pecuária no Tocantins. Outros empresários do ramo de bebidas e alimentos, Jorge Paulo Lemann, Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto Sicupira, da Ambev, Laerte Cadonho, da Dolly, Walter Faria, da Cervejaria Petrópolis, e Francisco Ivens Júnior, da M. Dias Branco (dona de marcas como a Piraquê e a Adria), apareciam como donos de offshores.

Mais conhecido pelo colégio e cursinho Objetivo e pela Universidade Paulista (Unip), o empresário João Carlos Di Genio foi mais um citado nos Panama Papers. Di Genio é dono da Fazenda Di Genio, em Pereira Barreto (SP), a Águas Claras, em Iguatemi (MS), a Aimoré, em Juti (MS), e a Maruins e Santa Maria em Machadinho D’Oeste. Nos dois últimos municípios, Di Genio foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento, em 2006. Em Machadinho D’Oeste, duas autuações somaram R$ 1,21 milhão. Em Juti, a multa foi de R$ 3 mil. A criação de gado nelore é a atividade principal das propriedades.

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O fazendeiro e dono de offshore Di Genio já foi multado pelo Ibama. (Foto: Unip)

Blairo Maggi e dirigentes do BTG foram citados em outros vazamentos

O ex-ministro de Temer Blairo Maggi tem dinheiro em paraíso fiscal. (Foto: Beto Barata/PR)

Dono da BRPec, empresa que recebeu a maior multa por desmatamento no Pantanal nos últimos vinte anos, o banco BTG teve seus principais dirigentes citados como proprietários de offshore. Seus nomes aparecem na base de dados que ficou conhecida como Bahamas Leaks, de 2016. A BRPec recebeu uma multa de R$ 57.999.500, em 12 de maio de 2018, em Corumbá, maior município do Mato Grosso do Sul, na fronteira com Bolívia e Paraguai, e uma das capitais da pecuária no Brasil.

Dirigentes do banco, Sérgio Cutolo dos Santos, Guilherme da Costa Paes e André Esteves apareceram como beneficiários dessas empresas no exterior.  Esteves é um dos dez maiores bilionários brasileiros, segundo a revista Forbes. Santos ocupou cargos importantes no governo federal: foi ministro da Previdência no governo Itamar Franco e presidente da Caixa Econômica Federal na primeira gestão Fernando Henrique Cardoso.

Outro nome ligado à política e ao agronegócio a aparecer como dono de offshore é o de Blairo Maggi. Dono da Amaggi, uma das principais produtoras de soja do mundo, Blairo foi ministro da Agricultura no governo Michel Temer, senador pelo Mato Grosso e governador do estado. Seu nome apareceu nos Paradise Papers, documentos evadidos em 2017.

| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

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Este texto foi originalmente publicado pela “De olho nos Ruralistas” [Aqui!].

Eldorado para ladrões de impostos

Com “Cum-Ex-Files 2.0”, o escândalo de bilhões em compartilhamento de ações assume dimensões monstruosas. FRG mais atingido

ilha dubaiAs “ilhas de palmeiras” criadas artificialmente em Dubai: é aqui que vive o banqueiro de investimentos Sanjay Shah, procurado por um mandado de prisão internacional.

Por Ralf Wurzbacher para o JungeWelt

Até agora, o estado do conhecimento era: Malabaristas financeiros criminosos roubaram cerca de 55 bilhões de euros com acordos fiscais fraudulentos do tipo “Cum-Ex” e “Cum-Cum” somente na Europa. Esse foi o monstruoso equilíbrio do trabalho de pesquisa de uma equipe internacional de jornalistas, cujas descobertas há três anos deram a volta ao mundo sob o título “Cum-Ex-Files”. Agora está claro: a dimensão do crime é três vezes mais monstruosa. De acordo com as revelações atuais, os danos ao público em geral chegam a 150 bilhões de euros em todo o mundo – pelo menos. Pois quem sabe o que virá à luz no futuro após a atualização chamada “Cum-Ex-Files 2.0” que foi publicada nesta quarta-feira. Na verdade, as maquinações continuam, apesar de todas as “contra-medidas” da política.

Mas, de alguma forma, os golpistas não se sentem culpados. A revista ARD »Panorama« fez com que o banqueiro de investimentos Sanjay Shah, procurado por um mandado de prisão internacional, falasse em uma entrevista na noite de quinta-feira. O britânico foge dos investigadores em uma vila nas “ilhas das palmeiras” artificiais em Dubai. Ele ganhou mais de 1,2 bilhão de euros com “Cum-Ex” e ações semelhantes, dos quais ele disse que conseguiu colocar 500 milhões de euros em seu próprio bolso. Shah se sente perseguido injustamente. “Se houver um grande cartaz que diz ‘Por favor, faça a sua escolha’, então eu aceito, ou outra pessoa o fará”, disse ele na frente da câmera e continuou: “Meu plano é voltar ao negócio em breve . “

O plano declarado dos reguladores era, na verdade, impedir os banqueiros, comerciantes e seus advogados, levá-los à justiça e recuperar seu saque. A partir de agora, de acordo com o Ministério Federal das Finanças (BMF), 102 casos cum-cum estão a ser processados a nível nacional com um pedido de reembolso de 135 milhões de euros, todos relativos a processos mais antigos. Nenhum Ministério Público tratou ainda do complexo cum-cum ao abrigo do direito penal. “Cum-Cum” é suposto desempenhar o papel principal no grande roubo do estado. Com o truque, os investidores estrangeiros mudam suas ações no mercado interno antes que os dividendos sejam pagos, a fim de economizar impostos ilegalmente. As transações “cum-ex”, por outro lado, visam o reembolso do imposto sobre ganhos de capital sobre os dividendos,que não foram pagos à administração fiscal.

De acordo com pesquisas do professor de impostos de Mannheim, Christoph Spengel – principal informante por trás dos últimos “Cum-Ex-Papers” – “Cum-Cum” e “Cum-Ex” causaram danos de quase 36 bilhões de euros só na Alemanha entre 2000 e 2020. Em cálculos anteriores, ele havia assumido quatro bilhões de euros a menos. O que é impressionante: em nenhum outro lugar os ladrões têm um jogo tão fácil como no FRG. Pelo menos onze outros países são afetados, como Espanha, Itália, Bélgica e EUA. Mas apenas a França registrou perdas semelhantes com 33,4 bilhões de euros, seguida pela Holanda com 27 bilhões de euros.

Em que pode estar o papel especial da Alemanha? Depois que a brecha crucial na lei foi fechada, pelo menos no que diz respeito a »Cum-Ex«, os negócios »Cum-Cum« ainda estão na ordem do dia neste país, de acordo com Spengel. Elas foram apenas tornadas mais difíceis, mas “ainda são possíveis”. As coisas são diferentes nos EUA, onde a agitação parou há alguns anos. Spengel, que é membro do conselho consultivo científico do BMF, transmitiu as suas informações ao ministro das finanças e pediu a Olaf Scholz (SPD) que se tornasse “activo”. »Panorma« e a rede de pesquisa corretivaverificou com o BMF e recebeu a resposta de que não havia evidências de casos específicos “cum-cum” após 2016. Os prejuízos fiscais apurados pela Spengel também poderiam “não ser confirmados com base nas informações fornecidas pelos países responsáveis pelo imposto administração”.

Sabemos por Scholz que, durante seu período como Primeiro Prefeito de Hamburgo do banco privado M. M. Warburg, ele inicialmente economizou o devido reembolso de uma quantia de 47 milhões de euros roubada por remoção de dividendos. Só no início de 2021 é que a casa do dinheiro saldou a sua dívida de 155 milhões de euros dos anos de 2007 a 2011. Claro, seria melhor tornar o roubo impossível de uma vez por todas. Uma sugestão vem do malandro Sanjay Shah de todas as pessoas: uma espécie de código de barras para cada ação, específico e inconfundível. Dessa forma, as autoridades fiscais poderiam reconhecer que estão reembolsando impostos várias vezes para a mesma parcela. “Acho que seria fácil de implementar.”

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Este texto foi escrito inicialmente em alemão e publicado pelo Jungewelt [Aqui!].

Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro, está preso no pântano de Pandora

guedesFoto: AFP

Por Peter Steiniger para o Neues Deutschland

Se seu nome não tivesse sido mencionado na divulgação dos Documentos de Pandora , teria sido muito suspeito. Isto se dá porque o Ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, fundamentalmente não separa política de negócios. Assim, mesmo depois de ingressar no gabinete do terror de Jair Bolsonaro, ele não teria tirado suas mãos de empresas offshore em paraísos fiscais. Desta forma, Guedes encarna a reorganização neoliberal da economia do país, que é flanqueada pelo autoritarismo do chefe de Estado de ultradireita, o presidente Jair Bolsonaro. Claro, que o escândalo atingiu também o auxiliar de, Roberto Campos Neto, o presidente do banco central indicado por Bolsonaro, que também prefere acumular seus tesouros no exterior. Nenhum deles precisa tremer muito antes de uma investigação.

Nas eleições presidenciais de 2018, o nome de Paulo Guedes, em particular, fez com que houvesse grande otimismo nas associações patronais – que contribuíram para a vitória do Bolsonaro – e nas bolsas. O guru financeiro continuaria de onde o governo do presidente de fato Michel Temer parou. Com a privatização de empresas estatais e de infraestrutura em grande escala, com a remoção de obstáculos à exploração desenfreada de todos os recursos do país. Além dos esforços por suas políticas ultraliberais, houve a pandemia; e hoje, muitos brasileiros estão em situação pior e alguns estão ainda melhor do que antes. 

Nascido no Rio de Janeiro em 1949, Guedes aperfeiçoou-se no banco de investimentos Banco Pactual, do qual foi cofundador em 1983. Guedes estudou economia em Minas Gerais e na década de 1970 em Chicago, onde internalizou o liberalismo econômico sob a proteção de Milton Friedman. Passou seus conhecimentos no think tank de direita Instituto Millenium e na Universidade do Chile durante a ditadura de Pinochet . Uma ditadura de mercado à la Chile também é seu modelo.

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Este artigo foi escrito inicialmente em alemão e publicado pelo Neues Deutschland [Aqui!].

Paulo Guedes: trabalhadores no inferno, negócios no paraíso (fiscal)

paulo guedes e roberto campos neto

O ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foram flagrados nas malhas da Pandora Papers, um dos maiores vazamentos da história sobre contas em paraísos fiscais

A bombástica revelação trazida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos sobre a existência de milhares de contas de propriedade de artistas, empresários e políticos em contas secretas em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas, Seychelles, Hong Kong, Belize, Panamá, Dakota do Sul e outras jurisdições sigilosas é uma daquela velhas novidades. Afinal, já faz tempo que é sabido que os mais ricos e influentes detestam pagar impostos, preferindo mandar seus dinheiros (boa parte obtida de forma nebulosa) para locais onde poderão fugir do fisco, deixando de fazer o que fazem os trabalhadores que ainda possuem algum tipo de renda, qual seja, pagar impostos. Estamos assim diante de uma verdadeira “coalizão dos corruptos” que sapateiam sobre a miséria que existe dentro de seus país, com a diferença de que agora temos nomes e faces claramente revelados.

Mas o caso do “Pandora Papers” traz informações preciosas sobre os brasileiros que foram pegos nessa rede de burla fiscal. É que dentre os nomes corporativos mais salientes estão muitos daqueles que têm se notabilizado por defender o governo Bolsonaro e suas políticas anti-trabalhadores, a começar por Flávio Rocha, o proprietário da lojas Riachuelo que tem sido um defensor notável de Jair Bolsonaro e sua trupe.

Entretanto, as duas jóias mais preciosas reveladas pelo vazamento dos documentos aglomerados na forma do Pandora Papers são o ministro da Fazenda, Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que também são membros do Conselho Monetário Nacional (CMN) que é o órgão cuja responsabilidade inclui órgão responsável por emitir resoluções sobre temas relacionados a ativos mantidos no exterior.  Além disso, os dois (Guedes e Campos Neto) têm acesso a informações sensíveis relacionadas a flutuações nas taxas de câmbio e variação nas taxas de juros (ou seja tem tudo a ver com políticas que tendem a favorecer aqueles que possuem contas em paraísos fiscais).

No caso de Paulo Guedes, a situação é mais complicada porque sua empresa, a Dreadnoughts Internacional, não possui apenas o ministro da Fazenda como proprietário, mas também a mulher e filha dele (ver certificado abaixo).

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Certificado de 2015 da Dreadnoughts International, com os nomes de Paulo Guedes, sua mulher e sua filha

Essa situação é claramente um conflito de interesses, seja pela função que Paulo Guedes ocupa como ministro da Fazenda, seja pela posição que ele ocupa no CMN.  Assim, em qualquer país com instituições com funcionamento minimamente republicano, Paulo Guedes estaria hoje sendo despachado para algum paraíso fiscal para usufruir da sua fortuna sem nos obrigar a ouvir seu “conversê” tosco sobre os méritos da economia de mercado desregulada. No entanto, não tenho muitas expectativas de que isto ocorra, pois Guedes certamente terá o amparo dos companheiros de jornada em paraísos fiscais para continuar no posto em que possibilita vida mansa para eles.

Entretanto, o que este caso evidencia é que Paulo Guedes e seus amigos operam pela lógica de jogar os trabalhadores e os mais pobres no inferno, enquanto reservam para si os prazeres do paraíso (fiscal).  E o que isso demonstra é que não haverá solução real para os problemas que afligem os brasileiros enquanto houver tolerância para as práticas de evasão fiscal que só aumentam a grotesca concentração de renda que existe no Brasil.

Pandora Papers: Um tsunami de dados offshore

Os 11,9 milhões de registros da Pandora Papers chegaram de 14 empresas de serviços offshore diferentes em uma confusão de arquivos e formatos – até mesmo tinta no papel – apresentando um enorme desafio de gerenciamento de dados

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Por  Emilia Díaz-Struck, Delphine Reuter, Agustín Armendariz, Jelena Cosic, Jesús Escudero, Miguel Fiandor Gutiérrez, Mago Torres, Karrie Kehoe, Margot Williams, Denise Hassanzade Ajiri e Sean McGoey

O acervo de dados de 2,94 terabytes expõe os segredos offshore das elites ricas de mais de 200 países e territórios. São pessoas que usam paraísos fiscais e secretos para comprar propriedades e ocultar ativos; muitos evitam impostos e coisas piores. Eles incluem mais de 330 políticos e 130 bilionários da Forbes, bem como celebridades, fraudadores, traficantes de drogas, membros da família real e líderes de grupos religiosos em todo o mundo.

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos passou mais de um ano estruturando, pesquisando e analisando os mais de 11,9 milhões de registros do vazamento de Pandora Papers. A tarefa envolveu três elementos principais: jornalistas, tecnologia e tempo.

O que são os Pandora Papers?

A investigação da Pandora Papers é a maior colaboração jornalística do mundo, envolvendo mais de 600 jornalistas de 150 veículos de comunicação em 117 países.

A investigação é baseada no vazamento de registros confidenciais de 14 prestadores de serviços offshore que prestam serviços profissionais a indivíduos e corporações ricas que buscam incorporar empresas de fachada, fundos fiduciários, fundações e outras entidades em jurisdições de baixa ou nenhuma tributação. As entidades permitem que os proprietários ocultem suas identidades do público e, às vezes, dos reguladores. Freqüentemente, os provedores os ajudam a abrir contas bancárias em países com regulamentação financeira leve.

Os 2,94 terabytes de dados, vazados para o ICIJ e compartilhados com parceiros de mídia em todo o mundo, chegaram em vários formatos: como documentos, imagens, e-mails, planilhas e muito mais.

Os registros incluem uma quantidade sem precedentes de informações sobre os chamados proprietários beneficiários de entidades registradas nas Ilhas Virgens Britânicas, Seychelles, Hong Kong, Belize, Panamá, Dakota do Sul e outras jurisdições sigilosas. Eles também contêm informações sobre os acionistas, conselheiros e diretores. Além dos ricos, famosos e infames, os expostos pelo vazamento incluem pessoas que não representam um interesse público e que não aparecem em nossas reportagens, como proprietários de pequenos negócios, médicos e outros, geralmente ricos, indivíduos longe dos holofotes públicos.

Embora alguns dos arquivos datem da década de 1970, a maioria dos revisados ​​pelo ICIJ foi criada entre 1996 e 2020. Eles cobrem uma ampla gama de assuntos: a criação de empresas de fachada, fundações e trustes; o uso de tais entidades para adquirir imóveis, iates, jatos e seguros de vida; seu uso para fazer investimentos e movimentar dinheiro entre contas bancárias; planejamento imobiliário e outras questões de herança; e a evasão de impostos por meio de esquemas financeiros complexos. Alguns documentos estão vinculados a crimes financeiros, incluindo lavagem de dinheiro.

 

O que há nos documentos Pandora?

Os mais de 330 políticos expostos pelo vazamento eram de mais de 90 países e territórios. Eles usaram entidades em jurisdições secretas para comprar imóveis, manter dinheiro em custódia, possuir outras empresas e outros ativos, às vezes anonimamente.

A investigação da Pandora Papers também revela como os bancos e escritórios de advocacia trabalham em estreita colaboração com prestadores de serviços offshore para projetar estruturas corporativas complexas. Os arquivos mostram que os fornecedores nem sempre conhecem seus clientes, apesar de sua obrigação legal de cuidar para não fazer negócios com pessoas que realizam negócios questionáveis.

A investigação também relata como os provedores de fideicomissos dos Estados Unidos tiraram proveito das leis de alguns estados que promovem o sigilo e ajudam clientes ricos no exterior a esconder riquezas para evitar impostos em seus países de origem.

Em que formato os dados vieram?

Os mais de 11,9 milhões de registros eram em grande parte desestruturados. Mais da metade dos arquivos (6,4 milhões) eram documentos de texto, incluindo mais de 4 milhões de PDFs, alguns dos quais tinham mais de 10.000 páginas. Os documentos incluíam passaportes, extratos bancários, declarações fiscais, registros de constituição de empresas, contratos imobiliários e questionários de due diligence. Também havia mais de 4,1 milhões de imagens e e-mails no vazamento.

As planilhas representam 4% dos documentos, ou mais de 467.000. Os registros também incluíram apresentações de slides e arquivos de áudio e vídeo.

O que há no vazamento de Pandora Papers? O vazamento de 2,9 terabytes contém um total de mais de 11,9 milhões de arquivos
 
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O que há de diferente nesse vazamento de outros sobre os quais ouvimos falar?

As informações do Pandora Papers –  os 2,94 terabytes em mais de 11,9 milhões de registros –  vêm de 14 provedores que oferecem serviços em pelo menos 38 jurisdições. A investigação do Panama Papers de 2016 foi baseada em 2,6 terabytes de dados em 11,5 milhões de documentos de um único provedor, o agora extinto escritório de advocacia Mossack Fonseca. A investigação da Paradise Papers de 2017 foi baseada em um vazamento de 1,4 terabytes em mais de 13,4 milhões de arquivos de um escritório de advocacia offshore, Appleby, bem como da Asiaciti Trust, um provedor com sede em Cingapura, e registros corporativos governamentais em 19 jurisdições sigilosas.

O Pandora Papers apresentou um novo desafio porque os 14 provedores tinham maneiras diferentes de apresentar e organizar informações. Alguns documentos organizados por cliente, alguns por vários escritórios e outros não tinham nenhum sistema aparente. Um único documento às vezes continha e-mails e anexos de anos. Alguns provedores digitalizaram seus registros e os estruturaram em planilhas; outros mantiveram arquivos em papel que foram digitalizados. Alguns PDFs continham planilhas que precisaram ser reconstruídas em planilhas. Os documentos chegaram em inglês, espanhol, russo, francês, árabe, coreano e outras línguas, exigindo ampla coordenação entre os parceiros do ICIJ.

Os Pandora Papers coletaram informações sobre mais de 27.000 empresas e 29.000 os chamados proprietários beneficiários finais de 11 dos fornecedores, ou mais do que o dobro do número de proprietários beneficiários identificados nos Panama Papers.

Os Pandora Papers conectaram a atividade offshore a mais de duas vezes mais políticos e funcionários públicos do que os Panama Papers. E os mais de 330 políticos e funcionários públicos dos Pandora Papers, de mais de 90 países e territórios, incluíam 35 atuais e ex-líderes de país.

De onde são os 336 políticos dos Pandora Papers?
 
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O novo vazamento também inclui informações sobre jurisdições não exploradas em projetos anteriores do ICIJ ou para as quais havia poucos dados, como Belize, Chipre e Dakota do Sul.

As entidades legais nos arquivos de seis provedores –  as empresas, fundações e trusts –  foram todas registradas entre 1971 e 2018. Os registros mostram provedores e clientes mudando seus negócios de uma jurisdição para outra após investigações e mudanças de regras resultantes.

Como você explorou os arquivos?

Apenas 4% dos arquivos foram estruturados, com os dados organizados em tabelas (planilhas, arquivos csv e alguns “arquivos dbf”).

Para explorar e analisar as informações nos Pandora Papers, o ICIJ identificou arquivos que continham informações de propriedade beneficiária por empresa e jurisdição e os estruturou de acordo. Os dados de cada provedor exigiam um processo diferente.

Nos casos em que as informações vieram em forma de planilha, o ICIJ removeu as duplicatas e as combinou em uma planilha mestre. Para PDF ou arquivos de documentos, o ICIJ usou linguagens de programação como Python para automatizar a extração e estruturação de dados tanto quanto possível.

Em casos mais complexos, o ICIJ usou aprendizado de máquina e outras ferramentas, incluindo os softwares Fonduer e Scikit-learn, para identificar e separar formulários específicos de documentos mais longos.

Alguns formulários do provedor eram escritos à mão, exigindo que o ICIJ extraísse as informações manualmente.

Depois que as informações foram extraídas e estruturadas, o ICIJ gerou listas que vinculavam os proprietários beneficiários às empresas que possuíam em jurisdições específicas. Em alguns casos, as informações sobre onde ou quando uma empresa foi registrada não estavam disponíveis. Em outros, faltavam informações sobre quando uma pessoa ou entidade se tornara proprietária da empresa, entre outros detalhes.

Após estruturar os dados, o ICIJ utilizou plataformas gráficas (Neo4J e Linkurious) para gerar visualizações e torná-las pesquisáveis. Isso permitiu que os repórteres explorassem as conexões entre pessoas e empresas em todos os provedores.

Para identificar possíveis assuntos de história nos dados, o ICIJ comparou as informações do vazamento com outros conjuntos de dados: listas de sanções, vazamentos anteriores, registros corporativos públicos, listas da mídia de bilionários e listas públicas de líderes políticos.

O parceiro do ICIJ na Suécia, a SVT, gerou planilhas contendo dados extraídos de passaportes encontrados no Pandora Papers.

O ICIJ compartilhou registros com parceiros de mídia usando o Datashare, uma ferramenta segura de pesquisa e análise desenvolvida pela equipe técnica do ICIJ. A função de busca em lote do Datashare ajudou os repórteres a comparar algumas figuras públicas com os dados.

O vazamento contém documentos de rotina que os provedores de serviços reúnem para a devida diligência –  artigos de notícias, entradas da Wikipedia, informações do provedor de dados financeiros World-Check –  que não necessariamente confirmam se uma pessoa está escondendo riqueza em uma jurisdição sigilosa. O ICIJ usou o aprendizado de máquina para marcar esses arquivos no Datashare, permitindo que os repórteres os excluíssem de suas pesquisas.

Nossos 150 parceiros de mídia compartilharam dicas, leads e outras informações de interesse usando o I-Hub global do ICIJ, uma mídia social segura e plataforma de mensagens. Ao longo do projeto, o ICIJ realizou extensas sessões de treinamento para parceiros sobre o uso da tecnologia do ICIJ para explorar, minerar e compreender melhor os arquivos.

O que você pesquisou e como o organizou?

Tendo identificado documentos que continham informações sobre os proprietários de entidades offshore e estruturado as informações por provedor, o ICIJ unificou os dados em um banco de dados centralizado.

Isso forneceu ao ICIJ e seus parceiros de mídia um conjunto de dados exclusivo de proprietários beneficiários de empresas em jurisdições sigilosas.

O ICIJ eliminou duplicações nos dados e identificou elementos-chave, como nacionalidade do proprietário, país de residência e local de nascimento. Isso nos permitiu encontrar, por exemplo, quase 3.700 empresas com mais de 4.400 beneficiários que eram cidadãos russos –  o maior número entre todas as nacionalidades nos dados. O número inclui 46 oligarcas russos.

O ICIJ também pesquisou e analisou o uso de fundos americanos, usando buscas por palavras-chave e correspondências com dados públicos, entre outros métodos.

Como resultado, o ICIJ identificou mais de 200 trusts liquidados ou criados nos Estados Unidos de 2000 a 2019, com o maior número registrado em Dakota do Sul. Os trusts estavam ligados a pessoas de 40 países (sem incluir os EUA). O ICIJ identificou ativos em fundos únicos no valor entre US $ 67.000 e $ 165 milhões mantidos entre 2000 e 2019. Os dados mostram que os fundos fiduciários dos EUA detinham ativos no valor total de mais de $ 1 bilhão. Essas incluíam imóveis e contas bancárias dos EUA no Panamá, Suíça, Luxemburgo, Porto Rico, Bahamas e em outros lugares.

Quais estados dos EUA têm mais confiança nos Pandora Papers? A investigação mostra como os trusts norte-americanos se tornaram um veículo fundamental para o sigilo financeiro

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Para realizar a análise de trusts sediados nos Estados Unidos, o ICIJ reuniu manualmente informações sobre os criadores, conhecidos como liquidadores; os beneficiários e os ativos detidos pelos fundos fiduciários. O ICIJ conseguiu identificar e coletar dados sobre trustes de 15 estados dos EUA e do Distrito de Columbia.

O ICIJ e seus parceiros de mídia usaram buscas por palavras-chave para identificar políticos nos dados, usando informações de passaporte para ajudar na identificação.

O ICIJ usou registros públicos para verificar detalhes relacionados às empresas e para ter certeza de que as pessoas nomeadas nos dados eram na verdade os líderes políticos identificados com esses nomes. Encontramos alguns falsos positivos e os descartamos. Entre as fontes usadas na pesquisa estavam o banco de dados de Risco e Conformidade da Dow Jones, Sayari, Nexis, OpenCorporates, registros de propriedades nos EUA e no Reino Unido e registros corporativos públicos. Mais de 330 políticos e funcionários públicos de alto nível, incluindo 35 líderes de países foram confirmados.

O ICIJ estruturou as informações em uma planilha e as submeteu a duas rodadas de verificação de fatos. Os dados coletados sobre os políticos também foram visualizados nos perfis em nosso recurso Jogadores poderosos.

O ICIJ comparou as listas de bilionários da Forbes com os Pandora Papers para encontrar mais de 130 que tinham entidades em jurisdições secretas. Mais de 100 deles tinham uma fortuna combinada avaliada em mais de US $ 600 bilhões em 2021.

O ICIJ analisou 109 supostos relatórios de atividades suspeitas para autoridades financeiras, feitos pelo escritório de advocacia panamenho Alemán, Cordero, Galindo & Lee ou Alcogal, e descobriu que 87 dos formulários de combate à lavagem de dinheiro foram redigidos somente após autoridades ou jornalistas terem publicamente identificou os clientes da empresa como envolvidos em alegadas irregularidades.

O ICIJ também leu vários milhares de perfis de funcionários disponíveis ao público e descobriu que mais de 220 advogados associados ao gigantesco escritório de advocacia Baker McKenzie em 35 países haviam ocupado cargos governamentais em agências, incluindo departamentos de justiça, repartições fiscais, Comissão da UE e escritórios de chefes de estado.

O ICIJ também fez pesquisas e análises para explorar o papel das finanças offshore no ocultamento de arte saqueada e relíquias antigas que autoridades e comunidades buscam recuperar.

Finalmente, a investigação da Pandora Papers identificou mais de 500 empresas de BVI que haviam sido clientes da Mossack Fonseca, o escritório de advocacia no centro do escândalo do Panama Papers, e transferiu seus negócios para outros provedores de BVI depois que encontramos nos dados.

O ICIJ também comparou os dados de empresas panamenhas dos Panama Papers com os dados disponíveis para o registro corporativo do Panamá na OpenCorporates e descobriu que pelo menos 113 empresas mudaram de agentes registrados e simplesmente se mudaram para Alcogal entre 3 de abril de 2016 e 2020. Juntamente com o The Miami Equipe de dados do Herald, o ICIJ também contou 759 empresas de BVI que consideraram especificamente a mudança para a Trident Trust como parte do chamado “Projeto Mossfon” do provedor.

Qual é o tamanho da fatia de todos os dados de fornecedores offshore do mundo que o vazamento de Pandora Papers representa?

A investigação Pandora Papers oferece uma visão ampla das jurisdições secretas e dos provedores de serviços offshore, mas os dados vieram incompletos.

A qualidade dos dados variava de acordo com o provedor. Em alguns casos, os dados vinculados às empresas não ofereciam informações sobre a jurisdição onde estavam registradas, o período durante o qual um indivíduo esteve vinculado a uma entidade ou sobre intermediários. Os dados ainda ofereciam informações importantes sobre os proprietários e, em alguns casos, transações e outros detalhes financeiros.

Os 14 provedores, que ofereciam serviços em pelo menos 38 jurisdições, fazem parte de uma indústria maior de serviços offshore operando em todo o mundo. É difícil dizer quanto do universo de dados do provedor temos, provavelmente uma pequena fração.

Por exemplo, nas BVI, onde seis, ou quase metade, dos provedores encontrados nos Pandora Papers atuaram como agentes registrados, eles estão entre pelo menos 101 firmas atuando nessa capacidade, de acordo com a Comissão de Serviços Financeiros do BVI. Em março de 2021, havia mais de 370.000 empresas ativas, cerca de uma dúzia para cada um dos habitantes da pequena nação insular.

Quem são as empresas que estão no centro dos Pandora Papers? Os arquivos vazados vêm de 14 provedores de serviços offshore que ajudam os clientes a estabelecer empresas em jurisdições sigilosas

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Por que tantos mais ‘proprietários beneficiários finais’ – UBOs – aqui do que em vazamentos anteriores?

Uma proporção significativa das informações de propriedade beneficiária nos Pandora Papers vem de relatórios gerados por fornecedores para o Sistema de Busca Segura de Propriedade Beneficiária das BVI, ou BOSS, estabelecido na sequência da publicação de 2016 dos Panama Papers. Esta informação não está disponível ao público.

Uma lei de 2017 das BVI exige que os fornecedores informem às autoridades das BVI os nomes dos verdadeiros proprietários das empresas ali registradas. O vazamento identificou muitos documentos contendo essas informações.

Por que tantos líderes mundiais e políticos nos dados?

Alcogal e Trident Trust foi onde encontramos um grande número de atuais e ex-políticos e funcionários públicos como clientes. A maioria de suas empresas estava registrada nas BVI e no Panamá. Os clientes da Alcogal incluem quase metade dos políticos e funcionários públicos identificados nos Pandora Papers. Nos dados de propriedade beneficiária que o ICIJ conseguiu estruturar, quase metade das empresas estavam vinculadas à Alcogal. A Alcogal, com sede no Panamá, tem entre seus fundadores vários políticos, um dos quais serviu como embaixador do Panamá nos Estados Unidos.

A quantos políticos cada empresa dos Pandora Papers serviu? Uma dúzia de diferentes firmas offshore prestaram serviços a 336 políticos identificados na investigação
 
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Por que tantos proprietários beneficiários da Rússia e da América Latina?

Alguns dos provedores, com base em sua localização e jurisdições onde fazem negócios, como Chipre, têm uma grande proporção de clientes russos, o maior grupo por nacionalidade nos dados do Pandora Papers.

Nos Pandora Papers, mais de 30% das empresas que receberam serviços da Demetrios A. Demetriades LLC, ou DadLaw, um provedor com sede em Chipre, tinham um ou mais russos como proprietários beneficiários. Da mesma forma, mais de 40% das empresas que receberam serviços do Alpha Consulting Group, com sede em Seychelles, também tinham um ou mais russos como proprietários beneficiários. Alcogal e Fidelity Corporate Services Limited também estavam entre os fornecedores com o maior número de clientes russos.

Uma grande proporção dos proprietários beneficiários que aparecem nos dados são da América Latina. Mais de 90 dos mais 330 políticos e funcionários públicos nos dados são da América Latina. Argentina, Brasil e Venezuela estão entre os países com maior representação de beneficiários efetivos. Nos dados vazados, a Alcogal, sediada no Panamá, possui o maior grupo de clientes latino-americanos.

Onde estão os cidadãos americanos e as empresas multinacionais?

Quando se trata de criar empresas offshore, fundações e fundos fiduciários, partes de diferentes partes do mundo e com necessidades diferentes selecionam diferentes fornecedores e jurisdições para suas empresas de fachada.

Os documentos da Pandora Papers cobrem um grande número de provedores, mas obviamente não todos, ou mesmo a maioria deles, e muitas jurisdições não estão representadas nos dados.

Em investigações anteriores do ICIJ, incluindo o Paradise Papers de 2017, o vazamento veio de um escritório de advocacia de prestígio com uma prática corporativa maior, Appleby. Como resultado, os dados incluíram mais documentos sobre multinacionais. As Bermudas e as Ilhas Cayman, paraísos populares para empresas, estão entre as jurisdições com grande presença nesse vazamento.

Quanto aos cidadãos norte-americanos, o ICIJ identificou mais de 700 empresas com proprietários beneficiários conectados aos Estados Unidos nos Pandora Papers; Os americanos também estavam entre as 20 principais nacionalidades representadas nos dados. Nos Pandora Papers, Rússia, Reino Unido, Argentina, China e Brasil estão entre os países com maior representação de beneficiários efetivos.

Nos Paradise Papers, os cidadãos americanos tiveram uma presença relativa maior.

O ICIJ vai divulgar os dados do Pandora Papers?

Com a publicação de hoje, o ICIJ está compartilhando dados e detalhes sobre o uso de empresas em jurisdições sigilosas por mais de 50 políticos, por meio do recurso Power Players. O ICIJ está planejando incorporar dados dos Pandora Papers ao banco de dados de Vazamentos Offshore. Para saber mais sobre os lançamentos de dados do ICIJ, assine o boletim informativo do ICIJ por e-mail .

Colaboradores : Bruno Thomas, Anisha Kohli, Helena Bengtsson, Shirsho Dasgupta, John Keefe, Miranda Patrucic, Pierre Romera, Marcos García Rey

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Este texto foi escrito originalmente escrito em inglês e publicado pelo International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) [Aqui!].

Relatório da UNCTAD mostra que Brasil é 5º país que mais enviou recursos para paraísos fiscais entre 2010 e 2014

Brasil é 5º país que mais enviou recursos para paraísos fiscais entre 2010 e 2014, diz ONU

Fluxo de recursos do Brasil para paraísos fiscais como Ilhas Cayman e Ilhas Virgens somou 23 bilhões de dólares entre 2010 e 2014, alcançando o quinto posto entre os países que mais enviaram dinheiro para esses centros financeiros, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

De acordo com o documento, também é crescente a tendência de holdings multinacionais de países desenvolvidos contabilizarem lucros em paraísos fiscais.

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Entre 2010 e 2014, Hong Kong liderou o envio de recursos para esses centros financeiros, com 33% do total (148 bilhões de dólares). Foto: JJ/Flickr

O Brasil foi o quinto país que mais enviou recursos para paraísos fiscais como Ilhas Virgens e Ilhas Cayman entre 2010 e 2014, em um total de 23 bilhões de dólares, segundo estudo divulgado nesta terça-feira (3) pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Entre 2010 e 2014, Hong Kong liderou o envio de recursos para esses centros financeiros, com 33% do total (148 bilhões de dólares), seguido por Estados Unidos (21%, ou 93 bilhões de dólares), Rússia (17%, ou 77 bilhões de dólares), China (10%, ou 45 bilhões de dólares) e Brasil (5%, ou 23 bilhões de dólares). Outros países responderam por 14% do total, ou 64 bilhões de dólares

Em 2015, os fluxos financeiros para paraísos fiscais somaram 72 bilhões de dólares, uma queda de 8% na comparação com o ano anterior. Apesar da baixa, a UNCTAD considerou que o volume “permanece alto”, citando as iniciativas internacionais para mitigação desse fenômeno que causa prejuízos bilionários aos Estados

“Os esforços para reduzir os fluxos financeiros offshore estão ocorrendo tanto em nível nacional como internacional”, disse a UNCTAD. “Além de reformas na Holanda e em Luxemburgo, e o pacote da Comissão Europeia contra a evasão fiscal, os EUA têm implementado gradualmente o FATCA (Foreing Account Tax Compliance Act)”, completou, citando ainda a cooperação internacional no âmbito do G-20.

“Revelações de que empresas grandes e pequenas têm usado centros financeiros offshore e outras jurisdições para evadir ou sonegar impostos forneceram ímpeto adicional a reformas políticas nessas áreas”, disse a UNCTAD, completando, porém, que “mais esforços são necessários”.

Multinacionais contabilizam maiores lucros em paraísos tributário

Uma das principais preocupações de reguladores globalmente é a potencial desconexão entre investimentos produtivos e a geração de lucro de multinacionais, o que tem sérias implicações para o desenvolvimento sustentável de suas economias, disse o relatório

O estudo mostrou que uma amostra de multinacionais de 26 países desenvolvidos teve mais lucros em Bermudas (43,7 bilhões de dólares) que na China (36,4 bilhões de dólares) ou no Brasil (31,6%) em 2014. A participação dos lucros dessas multinacionais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de Bermudas foi de 780% naquele ano, enquanto em países não considerados paraísos fiscais foi, em média, de 1%.

Segundo a UNCTAD, as perdas com práticas tributárias de multinacionais causam prejuízos substanciais aos Estados, já que há um crescente número de companhias globais que contabilizam mais lucros em jurisdiçõesoffshore caracterizadas como paraísos fiscais.

“A persistência dos fluxos de investimentos com destino a paraísos fiscais, assim como o nível de lucro contabilizado nessas jurisdições, enfatizam a crescente necessidade de se criar maior coerência entre as políticas tributárias e de investimentos no nível global.”

Em abril, após o vazamento de uma enorme quantidade de documentos financeiros confidenciais de uma empresa de advocacia do Panamá, um especialista em direitos humanos da ONU chamou a comunidade internacional a acabar urgentemente com o sigilo bancário.

“A evasão fiscal e o fluxo de fundos de origem ilícita minam a justiça e privam governos de recursos necessários para a concretização de direitos econômicos, sociais e culturais”, disse o especialista independente das Nações Unidas para dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky.

Clique aqui para ler o relatório completo da UNCTAD (em inglês).

FONTE: https://nacoesunidas.org/brasil-e-5o-pais-que-mais-enviou-recursos-para-paraisos-fiscais-entre-2010-e-2014-diz-onu/