Agrotóxico e incidência de câncer de mama: estudo feito no Paraná ganha projeção internacional

Pesquisa coordenada pela professora Carolina Panis, na região de Francisco Beltrão, foi publicada na prestigiada revista The Lancet 

Uma professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) ganhou projeção internacional por ser a primeira cientista do mundo a evidenciar a relação entre agrotóxicos e câncer de mama.

 A pesquisa, de autoria da professora doutora Ana Carolina Panis, foi tema de um editorial da prestigiada revista The Lancet, periódico científico da área médica de respaldo internacional.

Bioquímica, Carolina é docente do curso de Medicina do campus da Unioeste em Francisco Beltrão. Especializada em pesquisa na área do câncer, quando chegou ao Sudoeste do Paraná, região marcada pelo agronegócio, ela entrou em contato com mulheres agricultoras e iniciou o estudo, que hoje se tornou referência.

Professora Ana Carolina

Docente tem formação em bioquímica e pesquisa o câncer. Foto: Divulgação

A pesquisa é resultado da parceria entre a Unioeste e o Departamento de Saúde Global da Universidade de Harvard em Boston, nos Estados Unidos, onde a docente é pesquisadora visitante desde 2019.

Uma história que definiu uma carreira

O estudo teve início em 2014, quando Carolina começou a trabalhar na Unioeste. Ela já desenvolvia pesquisas relacionadas ao câncer em áreas urbanas, mas em Francisco Beltrão observou que havia um componente diferente que era o agrotóxico.

A professora começou a conversar com as pacientes e notou que, de dez mulheres portadoras de câncer de mama, sete eram agricultoras. “Essa história definiu minha carreira”, diz.

alunos unioeste

Estudantes também integram grupo de pesquisa. Foto: Divulgação Unioeste

Após a constatação, Carolina recorreu à literatura científica em busca de artigos que trouxessem informações comprovando ou relacionando o câncer de mama e os agrotóxicos, mas para a surpresa dela nada foi encontrado.

Botinas e pés na estrada

A partir da constatação feita, a professora pegou as botinas e saiu em busca de mulheres nas propriedades rurais. Ela ia às casas para tomar café com elas e conversar. Assim, observou que as mulheres eram agricultoras, porém não aplicavam agrotóxico nas lavouras, tarefa restrita aos filhos e maridos.

Professora Ana Carolina Panis

Estudo demonstrou o vínculo entre o agrotóxico e o câncer de mama. Foto: Divulgação Unioeste

Durante as visitas, a professora teve a oportunidade de ver os maridos chegarem da lavoura e colocarem no tanque a roupa usada para aplicar agrotóxico. E caberia à esposa lavar. Elas lavavam, sem luvas, camisas e calças contaminadas.

Os agricultores usavam EPIs, que são equipamentos de proteção, contudo isso não impedia a contaminação das roupas internas. Ao notar o contato direto das esposas com as roupas, a professora decidiu coletar urina e sangue delas. Foi aí que constatou a presença de glifosato, atrazina e 2,4 D diclorofenoxiacético no organismo das mulheres.

No Sudoeste, o índice de câncer de mama, o que mais acomete as mulheres, é 40% maior que no restante do país.

Mulheres expostas e não expostas ao agrotóxico

A partir da constatação, a cientista comparou em um grupo de mulheres portadoras de câncer de mama as que são expostas e não expostas ao agrotóxico.

Com isso, ela pôde confirmar que as agricultoras tinham um tipo de câncer de mama mais agressivo e maior risco de metástase, cuja consequência é menos chance de sobrevida.

“Nós temos uma função perante a sociedade e temos que pensar que alguém tem que trazer uma resposta”, frisa a pesquisadora.

O estudo envolveu dados de 758 mulheres de toda a Região Sudoeste do Paraná. As mulheres expostas aos agroquímicos são as agricultoras, e as não expostas, aquelas que vivem na área urbana, sem contato com as atividades do campo, ou seja, não têm histórico de exposição aos agrotóxicos, não manipulam, não lavam roupa e não vivem na área rural.

Elas são mães e têm uma enorme preocupação

As mulheres são mães e têm enorme preocupação em saber o que está acontecendo, diz Ana Carolina. Após verificar a relação entre o agrotóxico e o câncer de mama, teve início um trabalho de toxicovigilância e educação.

Assim, começaram a ser realizadas oficinas. Nesse trabalho foram colhidos mais relatos. Algumas mulheres disseram ter dores de cabeça, sentir forte cheiro e até vomitar quando os maridos aplicavam agrotóxicos na lavoura.

Com informações em mãos, os pesquisadores começaram a recomendar que as agricultoras usassem luvas de borracha, que custam R$ 3,80, para lavar as roupas. O próprio projeto de pesquisa passou a distribuir as luvas e óculos de proteção a partir de recursos do governo estadual e parceiros privados.

As mulheres também passaram a ser aconselhadas a procurar acompanhamento médico caso o exame de coleta de urina apontasse a presença de agrotóxico.

A professora diz que a pesquisa continua e na próxima década o objetivo é tentar estabelecer quais níveis e quais tipos de agrotóxicos têm relação com o câncer de mama.

O grupo de pesquisa envolve 32 alunos ligados à medicina – graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. 

Reconhecimento Internacional

O trabalho recebeu menção no editorial da revista The Lancet em janeiro deste ano, após Ana Carolina e o grupo publicarem um artigo na revista Enviromental Science & Techonology, com o título Exposure to Pesticides and Breast Cancer in na Agricultural Region in Brazil (Exposição a Agrotóxicos e Câncer de Mama em Região Agrícola do Brasil).

Confira os artigos:

Pesticide exposure and increased risk of breast cancer for women in rural Brazil – The Lancet Oncology
https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(24)00726-5/abstract

Exposure to Pesticides and Breast Cancer in an Agricultural Region in Brazil | Environmental Science & Technology
https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.est.3c08695


Fonte: H2FOZ

Agricultores brasileiros são envenenados e mortos por Diquat, agrotóxico da Syngenta banido na Europa

Quando o Brasil proibiu o famoso herbicida paraquat, os agricultores mudaram para diquat, um primo químico próximo. Mas agora o diquat – um agrotóxico da Syngenta proibido na Suíça e na UE – está causando seus próprios problemas 

valdemar diquat

Por Naira Hofmeister, Laurent Gaberell e Crispin Dowler para a Public Eye

Quando um lado do corpo dele traumático depois de trabalhar nos campos de sua pequena propriedade, Valdemar Postanovicz temeu estar tendo um derrame.

“Todo o lado direito do meu corpo estava paralisado. Eu não conseguia sentir meu pé e minha mão. Minha boca se contorcia para a direita”, ele diz.

Na verdade, ele estava apresentando sintomas de envenenamento agudo por agrotóxicos. Postanovicz havia absorvido acidentalmente Reglone, um herbicida poderoso baseado no diquat químico, enquanto limpava ervas daninhas de sua terra em uma vila isolada no sul do Brasil, em 2021.

“Foi só uma vez na minha vida, mas eu me senti tão mal que nunca mais usei”, ele conta à Unearthed e à Public Eye. Hoje em dia, ele capina seus campos de feijão e tabaco manualmente.

Postanovicz é um dos agricultores de um número crescente que foram envenenados com diquat no Paraná, o coração agrícola do Brasil e seu maior consumidor do herbicida. Desde que a proibição do notório herbicida paraquat entrou em vigor no Brasil em 2020, o uso de diquat no país – um primo químico próximo – disparou. Entre 2019 e 2022, as vendas anuais de diquat no Brasil dispararam de cerca de 1.400 para 24.000 toneladas – um aumento de mais de 1.600%.

“Agricultores brasileiros envenenados por agrotóxico da Syngenta proibido na Europa”.  

Uma marca popular desse herbicida no Brasil é o Reglone, uma solução contendo 20% de diquat que é fabricada em Huddersfield, no norte da Inglaterra, pela gigante agroquímica Syngenta, sediada na Suíça. O uso do diquat foi proibido na Suíça e na União Europeia (UE) após a identificação de um “alto risco” para pessoas que vivem perto de campos onde ele foi pulverizado . No entanto, a Syngenta continua vendendo-o no Brasil e em outros países, onde os riscos geralmente são maiores.

A lei britânica até permite que a Syngenta continue fabricando o herbicida no Reino Unido, para exportação a países com regulamentações mais fracas, embora seu uso seja proibido em fazendas britânicas. No ano passado, a Syngenta exportou mais de 5.000 toneladas de diquat do Reino Unido, e mais da metade disso – 2.661 toneladas – foi para o Brasil.

O uso de diquat no Paraná aumentou ainda mais acentuadamente do que no Brasil como um todo; agora o estado começou a ver um aumento nos casos relatados de envenenamento por diquat. Entre 2018 e 2021, o estado registrou apenas um a três casos anualmente. Isso saltou para seis em 2022 e novamente para nove em 2023. Especialistas dizem que esses números oficiais são provavelmente a ponta do iceberg. Muitos incidentes de envenenamento por pesticidas não são relatados, devido à falta de acesso a cuidados de saúde em áreas remotas ou medo de represálias dos empregadores.

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná. Ele diz que os casos de intoxicação por diquat estão aumentando na região. ©Marcelo Curia

“Esses números refletem uma pequena parcela da realidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada intoxicação registrada, haverá 50 não registradas”, disse Marcelo de Souza Furtado, especialista da Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, responsável pelo rastreamento de intoxicações na região oeste do estado. As autoridades paranaenses não sabem a real dimensão do problema de intoxicação por agrotóxicos no estado, ele acrescenta, mas “o problema é grande”.

Furtado notou pela primeira vez que as notificações de envenenamento por diquat estavam começando a substituir o paraquat no ano passado.

“Estamos preocupados”, ele diz, quando lhe contam que esse produto químico é proibido no Reino Unido. “Se ele já foi proibido em outros países, isso já mostra que ele tem um efeito muito tóxico.”

“Agricultores brasileiros envenenados por pesticida da Syngenta proibido na Europa”. ©Marcelo Curia

O Reglone, campeão de vendas da Syngenta, é a marca mais comumente citada em casos de envenenamento por diquat no Brasil. Dos 36 casos de envenenamento por diquat registrados nacionalmente pelo Ministério da Saúde do Brasil entre 2018 e 2022, o Reglone foi citado em 30, ou 83%.

“Eu não sabia disso (fato), que eles não usam no país deles”, diz Darley Corteze, um jovem fazendeiro de Pérola d’Oeste, no extremo oeste do Paraná. Corteze foi envenenado com diquat no ano passado, enquanto trabalhava nas plantações de soja ao redor da casa de seus pais. “Eles fabricam, mandam para o exterior (mas) não usam”, ele acrescentou. “Agora vou tentar evitar usar, a menos que eu não tenha outra opção.”

Um porta-voz da Syngenta disse que as necessidades agrícolas diferem ao redor do mundo e que o “uso de produtos agroquímicos é baseado na avaliação dos governos nacionais sobre os riscos e benefícios do uso em seu próprio país”.

“Com base nisso”, ele continuou, “em alguns casos, as unidades de fabricação da Syngenta no Reino Unido fornecem produtos que não estão mais disponíveis ou são necessários no contexto doméstico do Reino Unido, mas são considerados necessários por razões agronômicas e agrícolas por fazendeiros e reguladores no país importador”.

A Syngenta continua produzindo diquat em Huddersfield, no norte da Inglaterra, embora seu uso seja proibido em fazendas do Reino Unido. ©Shutterstock

Ele disse à Unearthed e à Public Eye que herbicidas como o diquat eram “ferramentas essenciais” para fazendeiros que queriam implementar a agricultura sem lavoura, um método de cultivo sem perturbar o solo, e que o diquat também era usado como um dessecante pré-colheita em plantações de soja brasileiras. Esse uso deu aos fazendeiros a capacidade de “cronometrar com precisão a colheita e o plantio subsequente”, o que significa que eles poderiam ter “duas colheitas por ano na mesma terra, aumentar a produtividade agrícola e reduzir a pressão para limpar novas áreas para cultivo”.

“A Syngenta está profundamente ciente de todas as regulamentações relevantes”, ele acrescentou, “e as cumpre rigorosamente na produção, venda e transporte de nossos produtos de proteção de cultivos”.

Uma ocupação perigosa

O diquat foi finalmente banido na UE e no Reino Unido devido ao “ alto risco ” que representava para moradores e transeuntes perto dos campos onde era pulverizado. Mas autoridades de segurança da UE também citaram preocupações sobre os riscos representados para fazendeiros que trabalham com o produto químico. Em um cenário modelado usando equipamento montado em trator, a Agência Europeia de Segurança Alimentar concluiu que a exposição do trabalhador excederia o nível máximo aceitável em mais de 4000% – mesmo se o trabalhador rural estivesse usando equipamento de proteção individual (EPI).

A rotulagem brasileira da Syngenta para o Reglone recomenda que os trabalhadores usem EPI, incluindo macacão, botas, luvas, gorro, avental, óculos de proteção e proteção respiratória.

No entanto, no Brasil, os pequenos agricultores nem sempre estão cientes da importância do EPI, diz Furtado. Calor e umidade tornam o uso consistente ainda mais difícil.

“O uso de EPI está melhorando entre os fazendeiros locais, mas continua sendo um desafio cultural e prático significativo”, ele disse. “Muitos fazendeiros e trabalhadores não o usam ou usam apenas parte do equipamento.”

Pequenos agricultores nem sempre estão cientes da importância do EPI. Calor e umidade tornam o uso consistente ainda mais difícil. ©Marcelo Curia

Corteze era um desses trabalhadores. Ele diz que, apesar de usar equipamento de proteção completo – incluindo luvas e macacão – ele pulou a viseira.

“Você tem que lavá-lo toda vez, e isso atrapalha sua visão porque é plástico na frente dos seus olhos”, diz ele.

Corteze diz que a dor que sentiu após ser acidentalmente envenenado com diquat não era normal – algo que ele “não sentia antes”. Mais de um ano depois, ele acrescenta, sua cabeça ainda dói um pouco quando ele usa o produto químico.

Seus pais agora são cautelosos com pesticidas. Eles ainda vivem na pequena casa onde ele cresceu, a uma curta distância de um grande campo de soja.

“Agricultores brasileiros envenenados por agrotóxico da Syngenta proibido na Europa”. ©Marcelo Curia

“Quando eles pulverizam pesticidas (naquele campo), você tem que se fechar, bloquear as frestas sob as portas, fechar as janelas para que o ar envenenado não entre”, diz sua mãe, Joselaine. “O cheiro vai direto para sua cabeça, (e) as dores de cabeça começam, a náusea.”

Às vezes, os trabalhadores rurais dizem que seus EPIs não são eficazes. Quando Fábio Souza estava preparando o equipamento para pulverizar as plantações de seu empregador com Reglone em abril de 2023, ele diz que usou uma viseira para se proteger.

“Mas o líquido veio de baixo e atingiu meu olho”, ele conta ao Unearthed e ao Public Eye.

Souza ainda sente sequelas de sua lesão, incluindo uma sensação de queimação em dias ensolarados. O nome de Souza foi alterado para proteger sua identidade, porque ele teme represálias de seu empregador por falar com a mídia.

O estado do Paraná, no sul do Brasil, é o coração agrícola do país e seu maior consumidor de diquat. ©Marcelo Curia

“Isso afetou minha visão, que às vezes fica turva”, ele diz. “Nós só temos esses olhos. Se sua visão se for, tudo se será, ficará escuro, o mundo se será.”

Ele ainda usa Reglone, mas, com medo de deriva, só pulveriza quando seus filhos estão na escola. Sua casa fica a 100 metros das plantações.

“Depois do acidente, comecei a ser ainda mais cauteloso no uso de pesticidas. Tenho muito medo de usá-los. É perigoso”, ele conta à Unearthed e à Public Eye.

Especialistas dizem que os riscos provavelmente são particularmente altos para pequenos agricultores, que cuidam de pequenas áreas de terra e pulverizam agrotóxicos manualmente.

“Agricultores brasileiros envenenados por pesticida da Syngenta proibido na Europa”. ©Marcelo Curia

“O maior risco de contaminação está principalmente na pessoa que aplica (o agrotóxico)”, diz Renato Young Blood, diretor da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar). “Provavelmente é por isso que essas contaminações ocorrem em cultivos mais comuns na agricultura familiar, onde você vai ter o uso de equipamentos de pulverização de menor tecnologia e vai ter uma exposição maior da pessoa que aplica (o agrotóxico).”

Postanovicz é um desses fazendeiros: ele mora em uma modesta casa de três cômodos, em uma área remota. Fazendas pequenas como a dele dominam. Postanovicz cultiva frutas e feijões suficientes para sua própria subsistência, e planta um pouco de tabaco para cobrir suas contas. Ele trabalha sozinho em sua propriedade de 35 hectares, e usou um pulverizador de mochila para aplicar Reglone.

Postanovicz vive em uma modesta casa de três cômodos, em uma área remota. Pequenas fazendas como a dele dominam. ©Marcelo Curia

“O Reglone é um produto muito forte, se ele tocar na planta do tabaco, ele a mata (imediatamente)”, ele diz. Assim como Corteze, ele diz que usou calças, botas e luvas de proteção, mas omitiu a viseira. “Quando respiramos, ele embaça toda essa coisa de plástico e não conseguimos enxergar direito. É perigoso: podemos tropeçar, cair e nos machucar.”

Postanovicz diz que seus sintomas começaram depois que ele terminou o trabalho e tomou banho. Sua visão ficou turva, sua perna e braço direitos ficaram dormentes, e tremores sacudiram sua mão direita. Mesmo agora, o cheiro de Reglone desencadeia uma reação visceral.

“Eu odeio isso. Eu posso sentir se alguém estiver usando longe daqui, é horrível”, ele diz.

Veneno ao alcance de todos

A exposição ocupacional não é o único perigo enfrentado por pessoas que têm que trabalhar com pesticidas perigosos. A própria disponibilidade de produtos tóxicos em comunidades agrícolas apresenta seus próprios riscos. De 2010 a 2019, 138 pessoas no Brasil morreram de envenenamento por paraquate, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Ceará. Destes, 129 foram classificados como suicídios.

O paraquat é fatal em quantidades muito pequenas – apenas um gole de herbicida à base de paraquat pode matar, e não há antídoto. Isso o torna extraordinariamente perigoso quando ingerido, seja por acidente ou em atos de automutilação. Alguns especialistas argumentam que o acesso a um produto como esse é em si um risco à saúde pública, devido à alta probabilidade de que usá-lo em um ato impulsivo de automutilação seja letal.

Agora há sinais de que, à medida que o diquat substitui o paraquat, ele também está sendo usado em tentativas de suicídio. Entre 2018 e 2022, o Brasil registrou oficialmente 36 casos de envenenamento por diquat em todo o país. Quase metade deles, 17, foram tentativas de suicídio, quatro das quais fatais. O número nacional para 2023 ainda não está disponível.

Conversamos com a família de Luiz Patalo, um pequeno agricultor do centro do Paraná, que morreu de envenenamento por diquat em fevereiro de 2019.

Elza Patalo: “Eram 18h quando ele entrou na cozinha e me disse que tinha bebido Reglone”. ©Marcelo Curia

“Eram 18h quando ele entrou na cozinha e me disse que tinha bebido Reglone”, disse a mãe de Patalo, Elza, à Unearthed e à Public Eye, com lágrimas nos olhos. “Na manhã seguinte, ele estava morto.”

“Ele teve uma parada cardíaca, não conseguiram salvá-lo”, acrescenta sua irmã Luciana. “Os médicos fizeram tudo o que puderam, mas o efeito do pesticida foi muito forte.”

Luiz não mostrou sinais de depressão em geral, segundo Elza. Ele era um homem feliz, sempre rindo, que se dava bem com sua comunidade.

“Nós nunca teríamos esperado isso – ele era uma pessoa alegre”, ela continua. Mas quando ele chegou em casa naquela noite, ele discutiu com um vizinho que estava bebendo em uma festa da comunidade, e a situação se tornou violenta. Ele estava claramente chateado, ela disse. Ele tomou o que sua família acredita ter sido uma decisão impetuosa. O diquat foi mantido em um “pequeno armário trancado” no jardim atrás da casa.

Agricultores brasileiros envenenados por pesticida da Syngenta proibido na Europa.©Marcelo Curia

“Acho que se ele não tivesse tido acesso ao agrotóxico, talvez as coisas pudessem ser diferentes hoje, porque foi fácil para ele pegar e beber o pesticida”, diz Luciana.

De acordo com o professor de toxicologia clínica Michael Eddleston, especialista em envenenamento por pesticidas na Universidade de Edimburgo, essas circunstâncias não são incomuns: pessoas que engolem pesticidas geralmente agem por um impulso passageiro que tem pouco a ver com um desejo profundo de morrer. O ato imediato de beber um líquido parece mais fácil e menos violento do que outros métodos de suicídio. Mas produtos de toxicidade aguda como paraquat e  diquat são implacáveis ​​com atos impulsivos.

“Não deveríamos pensar em pessoas que bebem pesticidas como pessoas que querem se matar”, ele diz. “Elas nem sempre fazem isso. Elas estão se autoenvenenando para se comunicar. E elas fazem isso com o que estiver disponível.”

“Automutilação é um método de comunicação. Alguém que está bravo, estressado, pode pensar que é a única maneira de comunicar a você e à comunidade o quão machucado e ferido está por uma situação.”

É por isso, diz Eddleston, que as taxas de mortalidade podem cair vertiginosamente quando pesticidas altamente tóxicos são substituídos por alternativas não tóxicas ou menos tóxicas. O Sri Lanka, por exemplo, era famoso por ter uma das maiores taxas de suicídio do mundo no início dos anos 1990. Mas as restrições e regulamentações de pesticidas contribuíram para uma queda nas taxas de suicídio de mais de 70% desde 1995.

Um anúncio de 1986 diz: “No caso improvável de ingestão, o emético do GRAMOXONE SUPER induzirá o vômito”

Da mesma forma, uma pesquisa na China descobriu que as proibições de alguns produtos extremamente tóxicos e perigosos contribuíram para uma queda substancial na taxa de suicídio do país entre 2006 e 2018. “Se esses produtos químicos não estivessem nas casas das pessoas por uma razão ocupacional, as pessoas não estariam morrendo”, acrescenta Eddleston.

A tentativa de suicídio de Fernanda Characovski com Reglone e outro agroquímico, em 2020, foi similarmente não planejada. Characovski havia se mudado recentemente com seu parceiro para trabalhar na fazenda de tabaco de sua família. O trabalho era exaustivo, e ela se sentia isolada — ela não tinha vizinhos e nem sempre se dava bem com a família de seu parceiro.

Ela bebeu o agrotóxico depois de “uma briga feia” com seu então parceiro. Foi, ela diz, “um impulso”.

“(Foi) um momento de raiva. Eu queria me vingar, sabe?” ela conta à Unearthed e à Public Eye. “Foi algo desesperador de se fazer, mas eu também não o culpo. Como eu disse, acho que minha psique já estava muito abalada. Também foi devido a um pouco de depressão.”

Characovski passou duas semanas no hospital, incluindo vários dias na Unidade de Terapia Intensiva. O envenenamento deixou efeitos duradouros: ela não consegue mais comer certos alimentos.

“Meu estômago queimou com o pesticida”, ela diz.

Ela fala eloquentemente sobre sua tentativa de suicídio e diz que a facilidade de acesso foi um fator crítico.

Agrotóxicos letais como o Reglone são frequentemente armazenados em pequenos armários no jardim atrás das casas de pequenos agricultores. ©Marcelo Curia

“Eu acho que quando você está de cabeça quente você age sem pensar, e quando você está deprimido é algo que você faz sem sentir na hora, como se você não estivesse sentindo nada”, ela conta ao Unearthed e ao Public Eye. “Se eu não tivesse acesso ao armário de  agrotóxicos, eu não teria tentado me matar. Eu não teria tido coragem de me jogar em uma fornalha, teria?”

O Brasil não é o único lugar que viu envenenamentos fatais com diquat desde que o produto químico foi usado para substituir o paraquat. A China proibiu o paraquat em 2016 e, desde então, o diquat se tornou seu substituto amplamente utilizado. De acordo com Eddleston, os médicos relataram centenas de mortes por envenenamento por diquat na China desde que a proibição do paraquat entrou em vigor. Estudos de pessoas que engoliram diquat na China relatam taxas de mortalidade variando de 17% a 60% . Eddleston ressalta que os fabricantes estão vendendo diquat em formulações líquidas de 20%, assim como normalmente vendiam paraquat. Essas formulações, diz ele, reproduzem “as propriedades mais perigosas do paraquat”, incluindo a facilidade com que pode ser engolido e a ausência de um antídoto.

Até o momento, pessoas não morreram de envenenamento por diquat, no Brasil ou na China, em números semelhantes aos que morreram anteriormente por paraquat. No entanto, Eddleston tem certeza de que as formulações de 20% que estão sendo vendidas são “perigosas demais para pequenos agricultores terem em mãos”.

“A consequência de tomar até mesmo uma pequena dose dessa coisa é letal. E uma pequena dose pode acontecer por acidente”, ele acrescenta.

“Isso não era um problema há dez ou 20 anos. Mas agora estamos vendo claramente que é um problema, e isso é novo, mudou, pois o diquat substituiu o paraquat.”

O novo paraquat

Como o maior produtor mundial de soja, cana-de-açúcar, café e laranja, o Brasil é um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo, e seu uso de agroquímicos está aumentando a cada ano. Mas a curva de uso de diquat é dramaticamente diferente, transformando-se de um produto químico marginalmente usado em um dos herbicidas mais prevalentes do Brasil. O uso geral de pesticidas aumentou em um fator de 1,5 de 2018 a 2022 no Brasil; para diquat, o uso aumentou em um fator de 18.

O catalisador para esse aumento foi a proibição do paraquate no país. De acordo com a ANVISA, a agência reguladora de saúde do país, essa proibição ocorreu por quatro motivos: a gravidade dos casos de envenenamento ocupacional e acidental, o fato de que a exposição dos trabalhadores ao paraquate excedeu os níveis seguros mesmo usando EPI, o potencial mutagênico do produto químico e estudos que o relacionam com a doença de Parkinson.

O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e o uso de agroquímicos aumenta a cada ano. ©Marcelo Curia

Agora, diante do aumento exponencial do uso do diquat, mesmo com o herbicida tendo sido proibido nas fazendas de toda a Europa, alguns questionam por que esse parente próximo do paraquat ainda está no mercado brasileiro.

“Paraquat e diquat são praticamente a mesma molécula”, disse Marcos Andersen, engenheiro agrônomo que trabalha na Secretaria Estadual de Saúde do Paraná. “A ação é a mesma, e o diquat também deveria ter sido proibido.”

Em 2024, as autoridades sanitárias do Paraná incluíram o diquate pela primeira vez em seus testes anuais de resíduos de pesticidas em alimentos. “Estamos preocupados com o aumento do uso dessa substância”, acrescenta Andersen.

No entanto, há poucas chances de que as autoridades brasileiras tomem medidas para restringir o uso de diquat no país em breve.

“A Anvisa está conduzindo um processo interno para decidir qual pesticida é o mais problemático, para começar a reavaliar isso, mas eles estão realmente no início do processo”, disse Gamini Manueera, especialista da Universidade de Edimburgo que costumava liderar o regulador de pesticidas do Sri Lanka.

Pelo contrário, o Brasil aprovou recentemente uma lei chamada “pacote do veneno” , uma legislação favorável ao agronegócio que enfraquece o papel das agências de saúde e meio ambiente na regulamentação de  agrotóxicos e simplifica o processo de aprovação de pesticidas.

“A legislação começou a ficar um pouco mais branda, mais relaxada quando se trata de liberar agroquímicos”, diz Furtado. “Muitos novos agrotóxicos foram introduzidos, e ainda não sabemos o quão prejudiciais muitos deles são para a saúde humana.”

Outros argumentam que o advento desta nova lei coloca uma responsabilidade maior sobre os países e empresas do Norte Global para parar de exportar agrotóxicos proibidos como o diquate para o Brasil.

“O Brasil aprovou no ano passado, com o apoio das empresas agroquímicas, uma nova lei de pesticidas, que flexibiliza ainda mais o registro e o uso de agrotóxicos”, diz Alan Tygel, porta-voz da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida do Brasil. “Nesse contexto, os países europeus que produzem e exportam pesticidas proibidos em seu próprio país para o Brasil devem reconhecer sua responsabilidade e parar de nos enviar produtos que são muito perigosos para (suas próprias fazendas).”

“Muitos novos agrotóxicos foram introduzidos, e ainda não sabemos o quão prejudiciais muitos deles são para a saúde humana.

A Syngenta responde que cada país tem o direito soberano de decidir quais agrotóxicos são necessários em suas fazendas. “Ao exportar produtos do Reino Unido, a Syngenta respeita a soberania e a direção do país importador, atende a todos os requisitos regulatórios internacionais, incluindo Consentimento Prévio Informado, e fornece administração e informações detalhadas no país para promover a aplicação segura pelos usuários finais”, diz o porta-voz da empresa.

A empresa só produz agrotóxicos em alguns lugares do mundo, para garantir que os compostos “tenham a mais alta qualidade”, ele diz, e bloquear o acesso a “produtos de alta qualidade e autorizados incentiva um mercado de produtos falsificados e ilegais – muitos dos quais são produzidos por organizações criminosas sofisticadas que usam ingredientes nocivos e não regulamentados, o que coloca os agricultores em risco ainda maior”.

“Todos os anos, a Syngenta treina centenas de milhares de pessoas no uso seguro de nossos produtos”, ele acrescenta. “Este ano, esperamos treinar mais de 55.000 pessoas somente no Brasil.”

No entanto, para Marcos Orellana, relator especial das Nações Unidas sobre substâncias tóxicas e direitos humanos, a exportação de agrotóxicos proibidos para o Sul Global é uma forma de “exploração moderna”.

“Parece que para os países que produzem e exportam  agrotóxicos proibidos, a vida e a saúde das pessoas nos países receptores não são tão importantes quanto a de seus próprios cidadãos”, diz ele.

É um sentimento compartilhado por muitos trabalhadores rurais envenenados com diquat com quem a Unearthed e a Public Eye conversaram no Paraná, assim como por suas famílias.

©Marcelo Curia

“Acredito que é errado proibir um agrotóxicos em um país e enviá-lo para nós”, diz Luciana Patalo, que perdeu seu irmão Luiz para o envenenamento por diquat. “Se é perigoso para uma população, será para a outra também.”


Fonte: Public Eye

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valdemar diquatO produtor de fumo, Valdemar Postanovicz,  foi envenenado por diquat. Fotografia: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye 

Ele temeu que fosse um derrame. Na verdade, ele estava sofrendo sintomas de envenenamento agudo por agrotóxicos. Postanovicz, 45, havia absorvido Reglone, um herbicida poderoso baseado no diquat químico. “Foi apenas uma vez na minha vida, mas eu me senti muito mal”, ele diz.

Postanovicz mora no Paraná, sul do Brasil – o coração agrícola do país. Mas seu envenenamento acidental pode ser rastreado a mais de 4.000 km da América do Sul até a Grã-Bretanha, onde há uma grande chance de que oagrotóxico tenha sido feito.

Registros obtidos sob leis de liberdade de informação pela Unearthed, unidade investigativa do Greenpeace, e pela ONG Public Eye revelam que, apesar da proibição de seu uso no Reino Unido, o diquate e outros agrotóxicos perigosos estão sendo exportados legalmente para todo o mundo – com grandes volumes indo para países em desenvolvimento.

No ano passado, 8.489 toneladas de produtos químicos proibidos em fazendas britânicas devido a preocupações com a saúde e o meio ambiente foram enviadas para o exterior, de acordo com dados de exportação compartilhados com o Observer . Destes, 98% foram feitos pela empresa química Syngenta, de propriedade chinesa e com sede na Suíça.

Valdemar Postanovicz em sua plantio de fumo. Fotografia: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye

A maior exportação foi o diquat – do qual o Brasil é um dos principais consumidores do mundo. O herbicida, feito em apenas algumas fábricas ao redor do mundo, incluindo a planta da Sygenta em Huddersfield, é um primo químico próximo do paraquat, que foi proibido na Grã-Bretanha desde 2008 e é objeto de ações coletivas nos EUA e Canadá, onde fazendeiros alegam que ele os deixou sofrendo de problemas de saúde, incluindo Parkinson. A Syngenta, que relatou R$ 250 bilhões em vendas em 2023, contesta a alegação e diz que seus produtos são seguros quando usados ​​de acordo com as instruções.

O diquat é geralmente considerado menos tóxico que o paraquat, mas ainda pode ser extremamente prejudicial: a exposição pode levar à cegueira, vômito, irritação, convulsões, danos aos órgãos e até mesmo à morte. Ele foi proibido em fazendas da UE desde 2019 e fazendas britânicas desde 2020, depois que especialistas concluíram que ele representava um alto risco para trabalhadores, pessoas que moram nas proximidades e pássaros. No entanto, uma brecha legal permite que a Syngenta continue fabricando o herbicida em fábricas do Reino Unido, para exportação para países com regulamentações mais fracas. As exportações de diquat pela Syngenta atingiram 5.123 toneladas em 2023, mais da metade disso para o Brasil.

No total, o Reino Unido exportou agrotóxicos contendo 10 produtos químicos proibidos para 18 países no ano passado, incluindo produtos considerados altamente tóxicos para abelhas e aqueles com alto potencial de contaminação de águas subterrâneas.

Os números motivaram apelos pelo fim das exportações de agrotóxicos proibidos na Grã-Bretanha, que ativistas e especialistas em saúde descreveram como exploradoras e antiéticas.

A Syngenta rejeitou a alegação, dizendo: “Não é explorador nem antiético fornecer produtos quando o governo e as agências reguladoras do país importador deram permissão expressa para a importação e direcionaram e regulamentaram o uso desses produtos dentro do contexto agrícola específico daquele país.”

Um porta-voz disse que as necessidades agrícolas diferiam em todo o mundo e que as exportações de todos os produtos estavam de acordo com todas as leis e tratados globais. Eles disseram que a empresa fez “um esforço considerável” para garantir o uso seguro de seus produtos, incluindo garrafas à prova de violação e sistemas de transferência fechados, e que todos os anos dava treinamento de segurança para “centenas de milhares de pessoas”.

Eles disseram que herbicidas como o diquat eram “ferramentas essenciais” para agricultores que queriam aumentar a produtividade e implementar práticas de plantio direto ou de baixo índice de semeadura, o que ajuda a reduzir as emissões de carbono – e que bloquear o acesso incentivava um mercado falsificado.

O Departamento de Meio Ambiente, Alimentos e Assuntos Rurais disse que o Reino Unido foi “além do padrão internacional” ao exigir consentimento dos países importadores, permitindo que eles tomassem “decisões informadas”. “Este governo está comprometido em proteger a saúde humana e o meio ambiente dos riscos impostos pelos produtos químicos”, disse um porta-voz.

Mas o Dr. Marcos Orellana, relator especial da ONU sobre substâncias tóxicas e direitos humanos, disse que exportar agrotóxicos proibidos para o mundo em desenvolvimento era uma forma de “exploração moderna”.

Ele acusou o Reino Unido de permitir a produção para exportação de “agrotóxicos perigosos que sujeitam inúmeras pessoas que são expostas a eles, principalmente trabalhadores pobres nos campos do sul global” a “doenças e sofrimento grave”. “Parece que para países que produzem e exportam agrotóxicos proibidos, a vida e a saúde das pessoas nos países receptores não são tão importantes quanto seus próprios cidadãos”, disse ele.

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, diz que muitos casos de envenenamento não são notificados. Fotografia: Marcelo Curia/Unearthed/Public Eye

Outros países, incluindo França e Bélgica, já tomaram medidas para proibir a exportação de agrotóxicos proibidos. Em outubro, seis estados-membros apoiaram publicamente uma proibição em toda a UE de exportações químicas proibidas. Questionado se o Reino Unido seguiria o exemplo, o Defra não respondeu. Siân Berry, parlamentar do Partido Verde por Brighton Pavillion, disse: “É inacreditável que isso esteja aparentemente acontecendo legalmente.”

Doug Parr, cientista chefe do Greenpeace, descreveu as exportações como “padrões duplos”. Ele contestou a alegação da Syngenta de que o diquat estava ajudando a enfrentar as mudanças climáticas, dizendo que o produto químico – como o paraquat – “martela a terra e a biodiversidade para produzir culturas de commodities para exportação”.

Pesquisas da Pesticide Action Network descobriram que há alternativas aos agrotóxicos , incluindo mulches vivos, pastagem controlada, capina mecânica e capina térmica, bem como produtos sintéticos alternativos. “Esta é uma agricultura intensiva, não sustentável”, disse Parr.

De volta ao Brasil, alguns especialistas estão alertando sobre preocupações com a saúde pública. O ano passado foi o primeiro em que as exportações de diquat da Grã-Bretanha excederam as de paraquat, depois que o governo brasileiro proibiu o paraquat em 2020 por temores de saúde. Desde então, o uso de diquat no país aumentou — de 1.400 toneladas em 2019 para 24.000 toneladas em 2022.

Dados sugerem que, à medida que o uso de diquat aumentou, os envenenamentos acidentais aumentaram. Entre 2018 e 2021, o estado do Paraná – um dos maiores consumidores de diquat – registrou de um a três casos anualmente. Isso saltou para seis em 2022 e para nove em 2023, de acordo com dados obtidos pela Unearthed.

Marcelo de Souza Furtado, da Secretaria de Saúde do Paraná, que monitora as intoxicações no estado, disse que os números oficiais refletem uma “pequena parcela da realidade”, com muitos casos não notificados devido à falta de acesso à assistência médica em áreas remotas ou ao medo de represálias dos empregadores.

Mas ele disse que o problema dos agrotóxicos era “grande”. Ele notou pela primeira vez no ano passado que as notificações de envenenamento por diquat estavam ultrapassando o paraquat. Dos 36 casos de diquat registrados nacionalmente pelo Ministério da Saúde do Brasil entre 2018 e 2022, o produto Reglone da Syngenta foi citado em 83% dos casos.

“Estamos preocupados”, disse Furtado. “Se já foi proibido em outros países, isso já mostra que tem um efeito muito tóxico.”

A Syngenta recomenda que aqueles que usam seus produtos usem EPI, incluindo macacão, botas, luvas, boné, avental, óculos de proteção e proteção respiratória. Mas, na realidade, Furtado disse que muitos agricultores não estavam cientes de sua importância – com o calor e a umidade dificultando o uso consistente dos equipamentos.

Mesmo para aqueles que usam EPI, o uso ainda traz riscos. Em um cenário modelado usando equipamento montado em trator, uma revisão da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar de 2014 descobriu que a exposição do trabalhador para aqueles que usam macacões, luvas e botas ainda pode exceder o nível máximo aceitável em 350%.

Embora Postanovicz tenha se recuperado de sua exposição em 2021, ele acredita que outros devem saber dos perigos. “É um produto muito forte. Se tocar na planta do tabaco, ele a mata”, disse ele. Quando o usou, ele disse que usava calças, botas e luvas de proteção, mas omitiu a viseira. “Quando respiramos, ele embaça e não conseguimos ver corretamente”, disse ele. “É perigoso: podemos tropeçar e nos machucar.”

Ele diz que seus sintomas começaram depois que ele terminou o trabalho e tomou banho. Sua visão ficou turva, sua perna e braço direitos ficaram dormentes, e tremores sacudiram sua mão direita. Mesmo agora, o cheiro de Reglone desencadeia uma reação visceral. “Eu odeio isso”, ele diz. “Eu consigo sentir se alguém está usando longe daqui.”

Reportagem adicional: Naira Hofmeister


Fonte: The Guardian

Cidades com mais áreas verdes registram menos internações por doenças respiratórias

Pesquisadores da PUCPR analisaram dados referentes a 397 municípios do Paraná a partir de fontes como DATASUS, IBGE e Senatran

arborização

As internações hospitalares por doenças respiratórias são menores em municípios com mais áreas verdes. Foi o que comprovou estudo conduzido por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O objetivo do trabalho era avaliar como a infraestrutura verde urbana (IVU), composta por praças, parques, jardins planejados, fragmentos florestais, reservas florestais urbanas, bosques e arborização, impacta na saúde da população.

“A IVU contribui com as ações voltadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, reduz os riscos de desastres associados a eventos meteorológicos extremos e auxilia no planejamento e desenvolvimento urbano sustentável. Adicionalmente, ela age nos estressores ambientais urbanos relacionados de várias formas à saúde humana, como as poluições sonora e do ar, assim como nas ilhas e ondas de calor e na redução da poluição atmosférica, que aumenta os riscos e está muitas vezes associada à ocorrência de enfermidades respiratórias”, comenta a engenheira civil Luciene Pimentel, professora do PPGTU da PUCPR e uma das autoras da pesquisa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 99% da população mundial respira ar que excede os limites de qualidade recomendados pela entidade. Ainda, estima-se que, além de inúmeros problemas de saúde, a poluição atmosférica cause 7 milhões de mortes anuais no planeta.

Para desenvolver o estudo, os pesquisadores da PUCPR analisaram informações de 397 cidades do estado do Paraná, a partir de técnicas de mineração de dados de domínio público, oriundos de fontes como DATASUS, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Instituto Água e Terra (IAT) do Paraná.

Algumas características foram ponderadas pela população total e por segmentos relacionados a sexo e faixa etária. Dois indicadores foram escolhidos para representar a IVU: um associado à arborização de ruas e outro à área de unidades de conservação da biodiversidade por habitante nos limites do município.

“Os resultados mostraram que as características selecionadas para o estudo foram adequadas e tiveram sucesso na representação do fenômeno, no caso, as internações hospitalares por saúde respiratória. Nossa conclusão foi no sentido de que os espaços verdes urbanos como unidades de conservação da biodiversidade têm um efeito positivo na proteção para doenças respiratórias, uma vez que estes indicaram um efeito na redução das taxas de hospitalização”, pontua Luciene, acrescentando que indicadores de pobreza também são relevantes para analisar o cenário.

A professora da PUCPR ainda aponta que as taxas de internação por enfermidades do aparelho respiratório, descritas no Capítulo X da 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), foram inversamente correlacionadas com as taxas de biodiversidade. Em média, as internações por doenças respiratórias foram menores para os municípios com áreas verdes de biodiversidade. Ademais, o indicador de biodiversidade se mostrou mais relacionado à proteção da saúde respiratória do que o de arborização urbana.

“Esses resultados podem subsidiar políticas públicas voltadas para a sustentabilidade ambiental e da gestão da saúde urbana. A redução das taxas de internações por doenças respiratórias têm um benefício colateral na redução dos custos com hospitalizações por agravos de saúde e outras infecções, podendo contribuir ainda para a redução do absenteísmo escolar e no trabalho”, diz a engenheira civil. 

O artigo “Ecosystems services and green infrastructure for respiratory health protection: A data science approach for Paraná, Brazil” (“Serviços ecossistêmicos e infraestrutura verde para a proteção da saúde respiratória: Uma abordagem de ciência de dados para o Paraná, Brasil”, em tradução livre) pode ser acessado na íntegra no link: https://www.mdpi.com/2071-1050/14/3/1835. O estudo também é assinado pelos professores Edilberto Nunes de Moura e Fábio Teodoro de Souza, da PUCPR, e pelo doutorando do PPGTU Murilo Noli da Fonseca.

Estudo indica que pterossauros tinham comportamento semelhante ao de aves atuais

fossil

Paleoarte do Caiuajara. Autor: Maurilio Oliveira

Em novo estudo publicado no periódico científico internacional Historical Biology, pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, Universidade Regional do Cariri/URCA e Universidade do Contestado/UNC, identificaram por meio de análises paleohistológicas – estudo miscroscópico da composição dos ossos fossilizados – que a maior parte dos fósseis da espécie de pterossauro Caiuajara dobruskii, pertencia a indivíduos que estavam em seus primeiros anos de vida. De acordo com a pesquisa estes animais tinham comportamento de segregação, como fazem os juvenis de muitas aves atuais.

O Caiuajara dobruskii era um pterossauro de pequeno porte, com uma envergadura que podia variar de 0,65 m a 2,35 m, que viveu durante o período Cretáceo (~90-70 milhões de anos). Descoberta em 2014, essa espécie foi encontrada no interior do Paraná, em rochas do município Cruzeiro do Oeste e representou um importante achado para a paleontologia nacional. Essa foi a primeira vez que esses répteis alados foram encontrados fora da região nordeste, no local do achado, estavam presentes centenas de ossos dessa espécie.

“Pela primeira vez foi feito um estudo paleohistológico com um número expressivo de ossos de um pterossauros e isto só foi possível dada a abundância de registros desta espécie, um cenário normalmente raro para os paleontólogos que estudam os pterossauros” – comenta o aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Zoologia (PPGZoo), Esaú Araújo, líder da pesquisa. Com um bom número de amostras, foi possível compreender a partir das microestruturas dos ossos, o grau de desenvolvimento dos indivíduos, sua taxa de crescimento, fisiologia e aspectos comportamentais.

A técnica aplicada no estudo

Denominada paleohistologia essa técnica tem sido empregada extensivamente nos estudos paleontológicos mais atuais, seu objetivo é extrair fragmentos dos ossos, que são então preparados em lâminas até que estejam finos ao ponto de permitir a visualização em microscópio óptico. “A partir da observação e interpretação das microestruturas das células ósseas, conseguimos compreender uma série de questões relacionadas a fisiologia e biologia dos animais extintos, o que não seria possível visualizando apenas olhando a anatomia do osso”, relata a Paleontóloga do Museu Nacional Juliana Manso Sayão, uma das orientadoras da pesquisa desenvolvido Araújo e especialista nessa linha de pesquisa. Por se tratar de uma técnica relativamente destrutiva, estudos deste tipo por vezes não podem ser realizados em fósseis menos abundantes.

Na constituição óssea do Caiuajara dobruskii foi observado um córtex ósseo extremamente fino com a presença de um complexo ósseo tecidual denominado fibrolamelar. O padrão em questão, é bem conhecido na literatura, estando presente em diferentes espécies de pterossauros. Este tipo de tecido ósseo sugere que o C. dobruskii apresentava taxas de crescimento altas, o que faz com que seu crescimento seja comparável ao das aves atuais. Ele crescia a um ritmo superior ao de outras espécies de pterossauros, como espécies da China, Argentina e Alemanha que foram comparadas ao longo da pesquisa.

Desde o princípio dos achados do Caiuajara, a grande quantidade de indivíduos associados a espécie intrigou os pesquisadores. “Identificar o grau de desenvolvimento (estágio ontogenético), foi um fator importante para compreender porque tantos indivíduos estavam presentes naquela localidade, ainda mais se considerarmos o ambiente desértico dominante na região há aproximadamente 80 milhões de anos”, comenta o Geólogo Luiz Carlos Weinschutz da Universidade do Contestado. Os pesquisadores constataram que a maior parte dos exemplares, cerca de 80% da amostra, pertencia a indivíduos ainda em estágio juvenil. Deste modo, muito possivelmente os pterossauros usaram a localidade, hoje pertencente ao município de Cruzeiro do Oeste no Paraná, como ponto de reprodução (breeding point). “Além disso, estes pterossauros quando juvenis, aparentemente ficavam reunidos em grupos, um comportamento também visto em aves atuais. Esta estratégia de agrupamento dos juvenis é denominada “creching”, e costuma ser um mecanismo de sobrevivência que permite melhor regulação da temperatura e proteção dos juvenis contra predadores”, enfatiza Araújo.

“Esse trabalho é fruto da união de cientistas de diferentes instituições que, além da descoberta, estão auxiliando na reconstrução do Museu Nacional/UFRJ. Vale destacar que os resultados desta pesquisa são oriundos do mestrado do primeiro autor Esaú Victor de Araújo, então contemplado pela bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Isto demonstra a importância dos investimentos que são feitos a partir das bolsas de pós-graduação às universidades públicas brasileiras. E é mais uma demonstração de que o Museu Nacional Vive”, afirma Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional/UFRJ.

Surto de COVID-19 força fechamento de escolas no Paraná. Em Campos, querem abrir

Escola-abertas-na-pandemia

Por motivos que não têm nada a ver com o processo pedagógico e o interesse da segurança de estudantes e suas famílias há no Brasil uma pressão crescente para forçar a reabertura de escolas. Um dos lugares em que essa medida descabida foi o estado do Paraná.  Mas mesmo aqui em Campos dos Goytacazes há uma forte pressão por parte de proprietários de escolas particulares e também de membros do governo municipal (às vezes fica difícil separar esses dois setores tantas os interesses em comum) para que as aulas presenciais sejam retomadas, ainda que em suposto estilo híbrido (parte presencial e parte remoto).

Aos que acham que isso não causará maiores problemas em termos da difusão ainda maior do Sars-Cov-2, deveria olhar o que está acontecendo no já citado estado do Paraná onde diversos municípios estão tendo fechar suas escolas reabertas por causa do alto nível de infecção principalmente entre professores. Segundo o jornalista Esmael Morais publicou em seu blog, a situação é tão grave que os sindicato que representa de 120 mil trabalhadores da educação do estado do Paraná, a APP-sindicato, está “recolhendo as fichas de saúde dos contaminados para responsabilizar administrativa, civil e criminalmente o governador Ratinho Junior (PSDB) e o secretário da Educação, o empresário Renato Feder“.  

Eu diria que se aqui em Campos dos Goytacazes, essa mesma medida intempestiva for adotada, SEPE terá que fazer rapidamente o mesmo, responsabilizando quem tiver de ser responsabilizado.  Aos pais de crianças que estão achando que colocar seus filhos e a si mesmos em situação de risco, sugiro olhar bem a situação que está ocorrendo no Paraná. Afinal, melhor em casa “atrapalhando” o sossego do que infectado e sob risco de contrair as formas mais agudas de COVID-19.  Até porque os donos de escola estão avisando que não vão se responsabilizar se alguma criança contrair o coronavírus nas dependências de seus estabelecimentos de ensino.

Com risco de colapso por causa da COVID-19, governador Ratinho Junior decreta “lockdown” até 8 de março no Paraná

Santa Catarina anuncia lockdown e aumenta expectativa das medidas do Paraná

Na iminência de enfrentar um colapso generalizado na rede de saúde estadual, o governador Ratinho Júnior PSD) decretou nesta sexta-feira a imposição de um “lockdown” a partir de amanhã (27/02)  em todo o estado do Paraná, que deverá se prolongar inicialmente até o dia 08 de março.

A decisão de Ratinho Junior inclui a suspensão do funcionamento de todas as atividades consideradas não essenciais e a proibição da circulação de pessoas no período de 20 h até os 05 h, bem como está proibida a venda de bebidas alcoólicas em público no mesmo período.

Além disso, estão suspensas as aulas presenciais em escolas públicas e privadas de todo o Paraná, inclusive nas entidades conveniadas com o estado do Paraná, cursos técnicos e em universidades públicas e privadas.

O governo do Paraná também suspendeu por 30 dias a realização de cirurgias eletivas em hospitais públicos e privados para assegurar os estoques de medicamentos anestésicos e reduzir a demanda por leitos hospitalares.

Quem desejar ler todas as medidas adotadas pelo governador do Paraná, basta clicar [Aqui!].

Agrônomos do Paraná estão sendo investigados por receitar agrotóxicos num ritmo sobrehumano

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Por Taís Seibt para o “The Intercept”

NO BRASIL, para comprar um agrotóxico, você precisa de uma receita assinada por um engenheiro agrônomo ou um técnico agrícola. Esses profissionais visitam as fazendas e indicam as melhores práticas para o controle de pragas e o manejo sustentável das lavouras. Funciona exatamente como um médico receitando um antibiótico: ele precisa primeiro examinar o paciente para depois fazer a prescrição. Mas o Ministério Público no Paraná descobriu que muitos agrônomos estão abusando da caneta e emitindo receitas às cegas, sem visitar as propriedades.

Em dezembro, três engenheiros agrônomos foram denunciados pelo Ministério Público em Campo Mourão, no interior do Paraná, por prescrever receitas para a compra de agrotóxicos sem sequer visitar os campos. Um levantamento da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná, obtido com exclusividade pelo Intercept, sugere que estes não são casos isolados.

Em um exemplo extremo, no ano de 2017, um único profissional emitiu entre 15 mil e 20 mil receitas – uma média superior a 50 receitas por dia, considerando 280 dias trabalhados no ano, sem descontar férias. Para uma jornada de oito horas, é aproximadamente uma receita a cada 10 minutos. Além de tecnicamente inviável devido à distância entre uma propriedade e outra, esse desempenho indica, segundo os especialistas que ouvimos, uma prescrição de veneno bem acima do razoável.

Não que esse agrônomo seja o único a ter um ‘superdesempenho’. Entre os cerca de 2 mil profissionais que prescrevem receitas de agrotóxicos no Paraná, incluindo agrônomos e técnicos de nível médio, 613 prescreveram entre sete e 17 receitas por dia em 2017. O número é o equivalente a ao menos uma receita a cada hora de trabalho.

Faltam parâmetros oficiais sobre a quantidade de agrotóxicos ou o número de receitas que cada agrônomo deve emitir. O Crea justifica que cada propriedade, planta e região demandam um acompanhamento específico. E é justamente o critério técnico que está em jogo quando profissionais cedem a interesses comerciais de seus empregadores e passam a emitir receitas apenas para formalizar a venda de agrotóxicos. É a chamada receita “de balcão”, que a Adapar e o MP buscam combater.

pulv 0Entre os cerca de 2 mil profissionais que prescrevem receitas de agrotóxicos no Paraná, incluindo agrônomos e técnicos de nível médio, 613 prescreveram entre sete e 17 receitas por dia em 2017.

Calendário vem pronto de fábrica

O tamanho das propriedades e a distância entre elas são centrais para entender se os agrônomos estão de fato se deslocando até as fazendas e receitando a quantidade correta de agrotóxicos. Um mesmo profissional teria condições de atender até 150 propriedades ao longo de um ano, segundo informações prestadas pelo Crea ao Ministério Público em Campo Mourão.

“Comparativamente a uma receita médica, a receita agronômica deveria partir de uma visita ao agricultor. Com base no que o agrônomo viu, ele faz a recomendação dos insumos”, explica Nelson Harger, diretor técnico da Emater Paraná. Ele considera que, apesar de uma mesma propriedade poder demandar várias receitas, já que as aplicações de agrotóxicos nem sempre são feitas ao mesmo tempo em toda a área plantada, a média de prescrições desses 613 agrônomos e técnicos é bem mais alta do que a esperada. “O doente vai ao consultório, mas não dá para levar a lavoura até o consultório”, compara Harger.

Técnicos da Adapar e da Emater também questionam o dado. “O Crea tem trabalhado com esse número, mas não há parâmetro de acompanhamento. Como é que você pode falar que 150 propriedades é acessível? Vai depender da distância, é relativo”, afirma o engenheiro agrônomo Marcílio Martins Araújo, fiscal de Defesa Agropecuária da Adapar.

‘O agrônomo é funcionário de cooperativas e revendas, ele precisa vender insumos para garantir o emprego.’

Em culturas de grãos, normalmente se utiliza de dez a 12 receitas por ano, explica Harger, o que ele já considera uma quantidade exagerada. Trata-se exatamente do modelo de assistência técnica pré-definido pela indústria, que condiciona o trabalho do agrônomo ao calendário do fabricante sem levar em conta as especificidades de cada lavoura ou região.

O problema, diz Harger, começa com quem paga os salários dos profissionais. “O agrônomo é funcionário de cooperativas e revendas, ele precisa vender insumos para garantir o emprego. A receita virou um documento de finalização do processo de compra, um papel burocrático a ser preenchido.”

Parte dos profissionais, por exemplo, dão expediente integral nas lojas de produtos agropecuários apenas para assinar receitas, uma mera formalidade para atender à exigência legal de venda de agrotóxicos. Um caso identificado pela Adapar em 2014 ilustra a prática: somente entre os dias 8 e 9 de abril, um único profissional prescreveu 892 receitas. Considerando uma carga horária de 8 horas, foram quase 56 receitas por hora ou uma por minuto.

pulv 1Pulverização aérea de agrotóxicos em plantação de milho em Campo Mourão, no Paraná. O MP investiga o excesso de prescrição de pesticidas para lavouras da região. Foto: Dirceu Portugal/Folhapress

‘O engenheiro deixa de ser agrônomo para ser vendedor de agrotóxico’

A partir de denúncias de moradores, a 1ª Promotoria de Justiça de Campo Mourão investigou a atuação de três profissionais no oeste paranaense. Dois deles são ligados à Cooperativa Agropecuária Mourãoense, a Coamo, de Campo Mourão, a maior cooperativa da América Latina: Erick Adriano Reis e Alessandro Vitor Zancanella. O terceiro, Maickon Ramalheira Afonso, é sócio-proprietário de uma loja de insumos agrícolas em Luiziana. Também foram denunciados três produtores rurais: Osmael Pressinato, João Batista Ventura de Oliveira e Márcio Fin, vereador pelo PR em Luiziana e atual presidente da Câmara Municipal, o que seria mero detalhe se a investigação não tivesse como base uma lei municipal descumprida pelo próprio legislador.

Tentamos contato com todos os denunciados, mas nenhum dos agrônomos nos respondeu. A Coamo também não se pronunciou. O advogado do vereador Fin informou que o cliente não o autorizou a falar sobre o processo e o escritório de advocacia responsável pela defesa de Oliveira não retornou os questionamentos. O advogado de Pressinato, por sua vez, nega que o produtor tenha passado veneno em área indevida.

Desde 2017, vigora uma lei em Luiziana que estabelece margem de segurança entre a zona de aplicação de agrotóxicos e áreas residenciais, escolas e hospitais. Esse era o mote original da investigação do MP, que acabou revelando os excessos nas receitas de agrotóxicos. Os processos seguem em andamento.

“Em muitas situações, receituários para uma área ‘X’ são aplicados em uma área ‘Y’, que não é a área devida”, explica a promotora Rosana Araújo de Sá Ribeiro, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente. Para completar, ao fazer buscas nas propriedades, foram encontrados produtos de 2012 em estoque, o que é proibido pela Lei dos Agrotóxicos. “Uma demonstração inquestionável de que é vendido muito além do necessário”, destaca a promotora.

Embora os agrônomos denunciados pelo MP tenham agido individualmente, as condutas são semelhantes, o que, para Ribeiro, mostra o modus operandi do setor. “Começa na faculdade, o engenheiro que está se formando já vem com esta visão. Ele deixa de ser engenheiro agrônomo para ser vendedor de agrotóxico”, afirma.

‘A cultura do veneno ignora soluções que dispensam os químicos.’

Há 15 anos na profissão, o engenheiro agrônomo Arthur Barbist Junior reforça o argumento da promotora e admite ter recebido prêmios por desempenho comercial quando ligado a cooperativas da região. “A maioria dos agrônomos são meros vendedores de agroquímicos. Quando o profissional trabalha ligado a uma empresa, ele é treinado e doutrinado a sempre ter que vender, não se pode voltar de alguma visita ao produtor sem trazer algum pedido assinado”, conta Junior, que atua de forma independente há quatro anos.

O relato de Junior evidencia que o compromisso técnico do agrônomo perde para interesses comerciais. “Você tem sempre que recomendar produtos de sua linha de trabalho, mesmo que algum produto de outro fabricante seja mais eficiente e de melhor custo-benefício, você tem que vender produtos que dão maiores margens à empresa”, conta.

Ao MP de Campo Mourão, todos os denunciados negaram receber qualquer benefício pela venda de agrotóxicos. Ainda assim, a investigação do MP dá indícios fortes de que as receitas eram emitidas “no balcão”, segundo a promotora Rosana Ribeiro, “sem diagnósticos, sem visitas às propriedades, sem responsabilidade técnica”. Tudo para beneficiar a indústria: “Se coloca para os agricultores que quanto mais veneno, melhor. Melhor para a indústria, não é melhor para o agricultor, esta é a questão. Nós estamos na defesa da sociedade, e este agricultor faz parte desta sociedade”, conclui a promotora.

A cultura do veneno ignora soluções que dispensam os químicos. A Emater Paraná, por exemplo, vem conseguindo reduzir o uso de pesticidas em até 50% nas lavouras da região com um trabalho técnico que resgata práticas antigas, como o Manejo Integrado de Pragas e o Manejo Integrado de Doenças.

O principal diferencial dessas práticas é o monitoramento constante das lavouras para entrar com mecanismos de controle de pragas e doenças quando elas de fato aparecem. “O critério de aplicação (de agrotóxicos) é a presença ou não da doença, assim que deveria funcionar, mas isso exige tempo, recursos, acompanhamento técnico”, diz o diretor técnico da Emater Paraná Nelson Harger. “Muitas das aplicações são feitas com critério preventivo, de antecipação a pragas e doenças, e por isso se usa muito acima das necessidades”.

pulv 2Um mesmo profissional teria condições de atender até 150 propriedades ao longo de um ano, de acordo com o Crea. Foto: Mauro Zafalon/Folhapress

Técnicos ou vendedores?

Nos anos 1970, o engenheiro agrônomo José Lutzenberger, que trabalhou para a multinacional alemã Basf e se tornou um dos ambientalistas pioneiros do Brasil, iniciou uma campanha para criar o receituário agronômico, no intuito de impedir que alguém comprasse veneno sem que um técnico assinasse como responsável. E queria mais: o agrônomo que o receitasse não pudesse ser vinculado à indústria agroquímica.

O Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a regular a venda de agrotóxicos, exigindo acompanhamento técnico, por meio de uma lei aprovada em 1982. A Associação Nacional de Defensivos Agrícolas moveu uma ação de inconstitucionalidade contra a lei gaúcha, mas outros estados também criaram legislações próprias. Enquanto o processo corria, a indústria passou a defender a necessidade de uma nova lei federal.

Em 1985, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a inconstitucionalidade das leis estaduais. Pedro Simon, do MDB gaúcho, então ministro da Agricultura, formou uma comissão para criar um anteprojeto de lei federal, que foi apresentado à Presidência em janeiro de 1986. Em fevereiro do mesmo ano, Iris Rezende, do MDB de Goiás, assumiu a pasta e não levou o projeto adiante.

A exigência da assinatura de um técnico não tem sido suficiente para frear as investidas da indústria.

Somente em 1989 a receita se tornou obrigatória por lei, porém não há restrição legal para que os agrônomos sejam funcionários de revendas, como desejava Lutzenberger e a Agapan. A exigência da assinatura de um técnico, portanto, não tem sido suficiente para frear as investidas da indústria do veneno nas lavouras brasileiras. Em julho do ano passado, o Intercept revelou detalhes de um tour de fiscais de agrotóxicos brasileiros para os Estados Unidos patrocinado pelo governo americano e pelas gigantes do mercado de pesticidas.

Os dados apresentados pela Adapar foram extraídos do Siagro, criado em 2010 pela agência, em colaboração com o Crea-PR, para monitorar o receituário de agrotóxicos no Paraná, segundo maior produtor de grãos do Brasil. O relatório mostra que, pelo menos desde 2015, há um padrão no volume anual de receitas emitidas por profissional.

A partir da implementação do sistema, a Adapar identificou até mesmo casos de profissionais de fora do Paraná que estavam emitindo receitas no estado. Segundo o engenheiro agrônomo Marcílio Martins Araújo, fiscal de Defesa Agropecuária da Adapar, esses profissionais ficavam na sede das empresas emitindo receitas conforme as recomendações dos técnicos que atuavam no campo. “Hoje é possível fazer a receita no campo, para tirar cada vez mais a receita de balcão”, afirma.

Uma portaria recém-publicada pela agência agora obriga o georreferenciamento da propriedade na emissão da receita. “Isso vai permitir identificar riscos a bacias hidrográficas e outros pontos sensíveis, como a relação dos princípios ativos usados e possíveis consequências em outras culturas”, observa Araújo. A norma deve entrar em vigor até o fim de junho.

A Adapar fiscaliza o uso indevido do agrotóxico conforme denúncias ou por fiscalizações de rotina, muitas delas a partir de buscas pelo Siagro, mas Araújo destaca que o órgão não tem interferência na remuneração do profissional. As questões éticas envolvidas no exercício da profissão, diz o fiscal, ficam a cargo do Crea. Por e-mail, o agrônomo Jhony Möller, que coordena a Comissão Especial Temporária Agrotóxicos no Crea-PR, afirmou que “ao Crea, preocupa qualquer desvio de conduta” e que o conselho incentiva “várias formas de acesso à formação continuada” para o aprimoramento dos profissionais. Möller ressaltou ainda que no Paraná há um máximo de dois agrotóxicos por receita, o que poderia aumentar o número de receitas emitidas. Segundo ele, “utilizar agroquímicos além do necessário significa aumento de risco ao produtor, ao meio pela exposição desnecessária, e aumento do custo de produção”.

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Este artigo foi originalmente publicado pelo site “The Intercept” [Aqui!]

Amedrontado, Ricardo Salles, o antiministro do Meio Ambiente, foge da rua e se refugia em palácio no Paraná

Em uma situação que deverá se repetir ainda por muitas vezes enquanto ele for o ministro (ou, melhor antiministro) do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu uma de “Leão da Montanha” e realizou uma saída pela direita para evitar uma multidão que o aguardava na região central de Curitiba.

ricardo salles fujão

Assim, em vez de ir para a rua e oferecer suas explicações para o desmanche em curso do sistema de proteção ambiental brasileiro e para as perseguições contra servidores do IBAMA e do ICMBio, Ricardo Salles preferiu o conforto dos gabinetes para o lançamento do Programa Lixão Zero – que visa acabar com os lixões no Brasil.

Suspeito que essa fuga das ruas em direção à proteção e o conforto dos gabinetes não será a última vez em que isto se dará, mas apenas a primeira de uma longa de escapadas enquanto Salles for o antiministro do Meio Ambiente.  É que ele parece gostar de falar grosso contra servidores que cumprem suas funções e tem completa ojeriza ao “bafo das ruas”.

É que, ao contrário do que se propala, a decisão de fragilizar o sistema de proteção ambiental e possibilitar o avanço da degradação ambiental não possui o apoio da maioria da população e, especialmente, daqueles setores mais organizados em torno da pauta temática do meio ambiente. 

Aliás, a minha suspeita maior é que a sobrevivência de Ricardo Salles no cargo em que sequer deveria estar será cada vez mais colocada em xeque por uma combinação de ações internas como a ocorrida ontem em Curitiba com o aumento das cobranças externas que deverão aumentar quando os dados sobre desmatamento na Amazônia forem atualizados, bem como forem devidamente compiladas as informações sobre o tipo de agrotóxicos que estão sendo autorizados para uso no Brasil a despeito do seu banimento em outras regiões do planeta, especialmente naquelas onde estão alguns dos principais parceiros comerciais do Brasil.

A falta de capacidade e preparo demonstrada ontem em Curitiba para enfrentar o contraditório é um verdadeiro calcanhar de Aquiles não apenas de Ricardo Salles, mas da imensa maioria dos ministros do governo Bolsonaro. Mas especialmente no caso da pasta do Meio Ambiente, onde as pressões maiores talvez venham de fora do território nacional, o discurso tosco e a incapacidade de responder temas básicas relativos à pasta ainda exporão Ricardo Salles a grandes vexames, dos quais ele não conseguirá escapar mesmo que repita fugas para dentro de palácios climatizados.

Sem Terra são assassinados no Paraná

Até o momento existe a confirmação de dois mortos e aproximadamente seis feridos.

Da Página do MST 

sem terra

Na tarde dessa quinta-feira (7), duas equipes da Polícia Militar do Paraná, acompanhadas de seguranças da empresa Araupel atacaram o acampamento Dom Tomás Balduíno, na região de Quedas do Iguaçu, Centro do estado.

Até o momento existe a confirmação de dois mortos e aproximadamente seis feridos – o número exato ainda não foi confirmado -, pois a polícia militar está, nesse momento, impedindo a aproximação de integrantes do Movimento no local. 

Histórico

O acampamento, localizado em uma área pertencente a empresa Araupel, está organizado com 2500 famílias, cerca de sete mil pessoas.

Os Sem Terra do local sofrem com constantes ameaças por parte de seguranças e pistoleiros da empresa, ameaças essas que contam com a conivência do governo e da Secretária de Segurança Pública do Estado. 

Conflitos agrários no estado

Este cenário reflete parte do clima de tensão que nasce na luta pelo acesso à terra e contra a grilagem na região. O conflito tem relação com o surgimento de dois acampamentos do MST na região centro-sul do Paraná, construídos nas áreas em que funcionam as atividades da empresa Araupel, exportadora de pinus e eucalipto.

O primeiro acampamento, Herdeiros da Terra, está localizado no município de Rio Bonito do Iguaçu. A ocupação aconteceu em 1º de maio de 2014 e hoje abriga mais de mil famílias. Ali, elas possuem aproximadamente 1,5 mil hectares para a produção de alimentos.

O segundo acampamento, Dom Tomás Balduíno, cuja ocupação teve início em junho de 2014, possui 1500 famílias e fica na região de Quedas do Iguaçu. Ao contrário da outra ocupação, esta possui 12 alqueires de área aberta, sendo apenas 9 – cerca de 30 hectares – utilizados para o plantio.

Procurado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou não poder se posicionar sobre o caso, já que trata-se de um acampamento, e não assentamento. Já a Ouvidoria Agrária Nacional informou que não tem informações sobre o caso, mas que está verificando o ocorrido.

FONTE: http://www.mst.org.br/2016/04/07/sem-terra-sao-assassinados-no-parana.html