A lona e o picadeiro do ministro do Meio Ambiente

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Por Ascema Nacional

Nesta semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, transferiu seu gabinete e os dos presidentes do IBAMA e ICMBio para o Sul do Pará. O picadeiro armado pelo ministro busca expor aos holofotes da opinião pública os soldados da Força Nacional, seguindo as ordens do ministro para levantamentos de pátio de madeireiras e aplicação de multas de desmatamento, repaginando a estratégia fracassada de militarização da fiscalização ambiental utilizada durante as operações Verde Brasil I e II, em 2019 e 2020, obtendo como resultado o maior índice de desmatamento em 10 anos, e a maior taxa de desmatamento no mês de abril (580 km²) em toda série histórica, segundo dados do DETER/INPE1.

Longe dos holofotes e por debaixo dos panos, o ministro desmonta a ação dos especialistas em meio ambiente, inviabilizando a aplicação da legislação ambiental pelos Agentes de Fiscalização, por meio das Instruções Normativas Conjuntas 1 e 2/2021, denunciadas pela ASCEMA Nacional, apoiando documento técnico assinado por mais de 600 servidores do IBAMA2 e 254 do ICMBio3. A Conciliação Ambiental é outra estratégia utilizada para a paralisação do julgamento dos Autos de Infração, conforme densa análise produzida por técnico do IBAMA em resposta à investigação do Tribunal de Contas da União4.

O circo do ministro foi armado na mesma semana em que estava programada a etapa final da operação planejada a partir de trabalhos de inteligência dos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, iniciados em fevereiro de 2020.

Segundo documentação do processo 02126.001169/2021-29 constante no SEI do ICMBio, a análise dos alvos estratégicos por parte do trabalho de inteligência identificou uma fazenda no interior da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, com área de 2.260 hectares desmatados ilegalmente. Considerando que as dezenas de multas aplicadas recentemente somavam mais de R$ 59 milhões, que a fazenda possui recomendação para desocupação imediata por parte da Procuradoria Federal Especializada do ICMBio e ainda que os processos de autuação e julgamento estão pública e irresponsavelmente paralisados, os servidores planejaram em detalhes a logística para a apreensão e a doação das mais de 1.000 cabeças de gado criadas ilegalmente naquela Unidade de Conservação.

Segundo a Ascema Nacional apurou, às vésperas da operação, ao tomar conhecimento dos detalhes, os militares que ocupam a direção do ICMBio ordenaram a mudança do alvo, e a modificação do foco da operação para o simples levantamento de outros alertas de desmatamento na região. Com toda razão, os servidores se recusaram a atuar na palhaçada armada pelo ministro.

Essa notícia chega a ASCEMA Nacional no mesmo dia em que policiais federais foram atacados por garimpeiros na TI Yanomami, e o dia que o ministro Paulo Guedes tenta comparar servidores concursados com “militantes”.

Tal ato da direção do ICMBio mais uma vez demonstra a necessidade de se combater a tentativa de reforma administrativa imposta por este governo que ataca o meio ambiente, usando palavras e atos, mas principalmente, funcionários comissionados que nada entendem de ambiente e agem para proteger infratores, como no caso exposto.

Com seus militantes, como disse Paulo Guedes, ocupando postos chaves no ICMBio, IBAMA, FUNAI e em outros órgãos, vemos se acumularem denúncias de autoritarismo, perseguição, assédio, favorecimentos a criminosos, improbidades e perseguição a povos originários.

Solicitamos assim, mais uma vez, que o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União e demais autoridades competentes, que apurem mais essa denúncia de mau uso de recursos públicos, que jogaram no lixo meses de trabalho de inteligência, sem que ocorresse o retorno esperado: a interrupção do desmatamento e a ocupação ilegal de unidade de conservação federal, contrariando os deveres constitucionais de proteção ao meio ambiente.

Esperamos a apuração dos fatos relatados, para abertura de investigação e punição rigorosa sobre os nomeados políticos indicados por este governo, que têm corroído as instituições públicas de meio ambiente por dentro.

Brasília, 12 de maio de 2021

Associação Nacional de Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema Nacional)

DIRETORIA EXECUTIVA

 1 https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/05/07/abril-de-2021-registra-recorde-de- desmatamento-na-amazonia-legal-580-55-km

2 http://www.ascemanacional.org.br/carta-aberta-ao-presidente-do-ibama-e-a-sociedade-brasileira/.

3 http://www.ascemanacional.org.br/a-ascema-nacional-manifesta-integral-apoio-aos-servidores-do icmbio-que-subscrevem-a-carta-aberta-encaminhada-aos-dirigentes-do-orgao-o-documento-corrobora- e-complementa-denuncia-feita-pelos-mais-d/.

4 Doc. SEI do Ibama n. 986-8495, amplamente divulgado pela imprensa, disponível na íntegra em: https://www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2021/05/SEI_IBAMA-9868495-Nota-Informativa-1.pdf. https://revistaforum.com.br/meio-ambiente/servidor-do-ibama-e-intimidado-apos-denunciar- ineficacia-do-modelo-de-multas-criado-por-ricardo-salles/