Galões de agrotóxico viajam 300 km pelo rio Tocantins e são encontrados no Pará

Caminhão com mais de 25 mil litros de agrotóxicos caiu no rio após queda de ponte entre Maranhão e Tocantins, ocorrida em 22 de dezembro; falta de contenção e alta vazão do rio fizeram bombonas se deslocarem, mas apenas três pontos do rio são monitorados

A alta vazão do rio Tocantins, as águas turvas e a profundidade de mais de 40 metros dificultou o trabalho dos mergulhadores após desabamento de ponte. Buscas por galões de agrotóxicos estão suspensas desde janeiro (Foto: Divulgação/Marinha do Brasil)

Por Hélen Freitas/ Edição Diogo Junqueira para a Repórter Brasil 

Galões de agrotóxicos que caíram no rio Tocantins em dezembro, após o desmoronamento de uma ponte que ligava Maranhão e Tocantins, foram encontrados no Pará, a mais de 300 km do local do acidente. Algumas dessas substâncias são consideradas cancerígenas e podem causar riscos ao meio ambiente.

A informação consta em um documento do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) de fevereiro, obtido pela Repórter Brasil.

O desabamento da ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, entre Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), completou quatro meses nesta semana. Ao todo 14 pessoas morreram, e três continuam desaparecidas. Os trabalhos de resgate foram suspensos em janeiro, após alta no nível do rio.

Três caminhões caíram da ponte na hora do acidente, carregados com milhares de litros de agrotóxicos e ácido sulfúrico. Um deles transportava mais de 25 mil litros de pesticidas à base de 2,4-D, picloram e acetamiprido, acondicionados em galões de 20 litros.

Segundo o órgão ambiental, algumas bombonas de agrotóxicos foram localizadas em Nova Ipixuna e Itupiranga, no Pará, “a partir de 10 de janeiro”, 19 dias após o acidente. Um jornalista local chegou a noticiar a descoberta na época.

Apesar de o Ibama e outros órgãos governamentais afirmarem que não foi identificada contaminação da água até o momento, moradores locais e especialistas ouvidos pela Repórter Brasil temem que mais galões tenham se espalhado e jamais sejam retirados do leito do rio Tocantins. 

“A gente nem sabe se a maioria das bombonas ainda continua embaixo da ponte, ou se já estão a quilômetros de distância. Isso é terrível”, afirma Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Bombona de agrotóxico percorreu mais de 300 km até chegar à comunidade Volta Redonda, em Nova Ipixuna, no Pará (Foto: Divulgação/Prefeitura de Itupiranga)Bombona de agrotóxico percorreu mais de 300 km até chegar à comunidade Volta Redonda, em Nova Ipixuna, no Pará (Foto: Divulgação/Prefeitura de Itupiranga)

O trabalho de retirada dos materiais teve início logo após o desabamento. Mas até 9 de janeiro, apenas 29 dos cerca de 1.300 galões haviam sido retirados pelas equipes do Ibama, da Marinha e do Corpo de Bombeiros do Tocantins. 

Com o aumento das chuvas, houve a necessidade de abertura das comportas da Usina Hidrelétrica Estreito, localizada três quilômetros acima do ponto do acidente. Isso levou o Ibama a suspender os trabalhos ainda em janeiro, pois a elevação do nível das águas tornou as condições de mergulho inseguras. 

À Repórter Brasil, o órgão ambiental disse que, por esses motivos, “não foi possível verificar a integridade das bombonas”. “Com o término de tal período [chuvoso], as atividades de mergulho deverão ser retomadas para verificação e recolhimento das que ainda se encontram no local”, diz a nota do Ibama.. Estima-se que sejam necessários 145 dias para a retirada dos galões. Não há previsão para o reinício dos trabalhos.

O Ibama foi questionado pela reportagem sobre a dispersão dos galões pelo rio Tocantins, mas não respondeu a essa pergunta até a publicação da reportagem.

Para Kummrow, deveria ter sido feito algum tipo de contenção para evitar que as bombonas se espalhassem. “Seria necessário um monitoramento a cada 50 km, por exemplo, porque todo o percurso do rio pode ter sido impactado. Não dá para ficar só ali onde aconteceu o acidente”, defende.

O professor explica que, apesar de as bombonas serem bem resistentes, o longo período embaixo da água, as colisões com pedras e outros sedimentos do rio podem ter aberto fissuras que permitem que pequenas quantidades estejam sendo despejadas, trazendo impactos ambientais.

O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), órgão responsável pela ponte e que agora coordena o monitoramento da água, afirmou que não foram implantadas barreiras físicas de contenção devido a falta de viabilidade para a ação. “O rio Tocantins pode chegar a 48 metros de profundidade em alguns locais, com forte correnteza, o que impossibilitaria a instalação de equipamentos de contenção”. Leia a resposta completa.

(Mapa: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

Rio Tocantins é ‘elemento central’ na vida de comunidades

O rio Tocantins nasce em Goiás e flui mais de 2.400 km no sentido sul-norte, passando por Tocantins, Maranhão e Pará, onde recebe as águas do Araguaia, até desaguar na Baía de Marajó, próximo a Belém (PA). Ele é uma das principais fontes de água para os municípios ao longo do trajeto, além de ser usado na irrigação de lavouras, no sustento de comunidades pesqueiras e como opção de lazer para moradores. 

“Ele é muito mais do que um corpo d’água. É um elemento central em nossa vida cotidiana, economia e cultura”, afirma Conceição Amorim, coordenadora do Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo, de Imperatriz (MA), cidade banhada pelo Tocantins.

Ela mostra indignação ao tratar da falta de informações dos órgãos públicos. “Eles não divulgam absolutamente nada! Não falam sobre estudos, sobre a situação da água, eles não dizem nada”, protesta Conceição. “Parece que já deram como certo que, por causa da profundidade do rio e da falta de estrutura e condições técnicas, infelizmente os galões vão acabar ficando lá no fundo mesmo”, declara.

Desde o acidente, ao menos cinco ações foram ajuizadas para cobrar explicações do Estado sobre o desabamento e exigir planos e prazos para a reconstrução. Uma delas foi movida pela organização de Imperatriz, que pede também o monitoramento contínuo do rio Tocantins, com adoção de medidas para conter os danos e mitigar a contaminação.

Análises de água não são divulgadas desde janeiro

Apesar dos pedidos da população, apenas dois testes de análise de água foram divulgados até o momento pelas autoridades. E um deles identificou o 2,4 D na água. Essa substância é utilizada na composição do “agente laranja”, usado pelo Exército norte-americano na guerra com o Vietnã para retirar a cobertura florestal e localizar soldados inimigos.

Em 24 de dezembro, dois dias após a queda do caminhão, o agrotóxico foi encontrado em uma amostra de água coletada em Porto Franco (MA), a 30 km abaixo do ponto do acidente. A ANA (Agência Nacional das Águas e Saneamento Básico), então responsável pelo monitoramento, afirmou à época que o valor detectado era “significativamente inferior à concentração máxima permitida pelo Ministério da Saúde” para os padrões de potabilidade da água. Disse também que a concentração encontrada é comum em rios que atravessam regiões agrícolas. 

Em comunicado conjunto no início de janeiro, emitido por ANA, Ibama e MMA (Ministério do Meio Ambiente), os órgãos afirmaram que uma nova amostra de água foi coletada no mesmo local, mas dessa vez a substância não foi detectada. Desde então, os resultados das análises não foram mais divulgados.

Em fevereiro, o Ibama repassou ao Dnit, órgão responsável pela ponte, a tarefa de monitorar a qualidade da água. Foi aplicado no caso o princípio do poluidor-pagador, pelo qual o responsável pelo dano ambiental custeia ações de reparação e prevenção.

Atualmente, estão sendo coletadas três amostras de água por mês: uma acima do local do acidente, outra abaixo e uma no ponto do acidente. Segundo o Dnit, a previsão é manter esse monitoramento até dezembro.

Cerca de 1.300 galões de agrotóxicos caíram no rio Tocantins após desabamento da ponte. Apenas 29 galões foram recolhidos até o momento (Foto: Divulgação/PM-TO)Cerca de 1.300 galões de agrotóxicos caíram no rio Tocantins após desabamento da ponte. Apenas 29 galões haviam sido recolhidos até 9 de janeiro, dias antes de os mergulhos serem suspensos (Foto: Divulgação/PM-TO)

Questionada pela Repórter Brasil, a ANA afirmou que “relatório elaborado pelo Dnit indica que não há alterações relevantes dos parâmetros de qualidade de água”. Já o Ibama declarou que “nenhuma alteração na qualidade da água foi identificada acima dos parâmetros previstos nas normas” desde o início do monitoramento. 

O Dnit, por sua vez, afirmou que todas as amostras coletadas desde fevereiro estão abaixo do limite de quantificação – valor mínimo que o equipamento de análise consegue medir de certa substância na água. “Mesmo que haja traços dessas substâncias no rio, suas concentrações não são relevantes ou preocupantes neste momento”, diz o Dnit (veja as respostas na íntegra).

No Brasil, o alerta para contaminação da água para consumo humano costuma ser acionado apenas quando os níveis de agrotóxicos detectados ultrapassam o valor máximo permitido por lei.

Repórter Brasilsolicitou à ANA e ao Dnit o acesso aos resultados das análises de agrotóxicos na água, mas os órgãos não enviaram os laudos.  

Especialistas apontam que há riscos do consumo contínuo de pequenas quantidades de agrotóxicos, mesmo quando estão dentro dos limites considerados seguros. O picloram, por exemplo, pode contaminar cursos d’água e afetar a biota aquática – seres vivos que habitam o ecossistema aquático. O 2,4-D é classificado como possivelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde. Já o acetamiprido tem alta toxicidade para organismos aquáticos.

Logo após o acidente, a ANA chegou a dizer que a alta vazão do rio Tocantins ajudaria a diluir rapidamente os agrotóxicos, o que diminuiria os riscos para a população. Para Kummrow, da Unifesp, não é possível garantir essa afirmação sem que os resultados sejam divulgados à população.

“É muito fácil assumir que está chovendo, que a vazão está alta e que não há risco. É um discurso válido, mas sem dados numéricos, é um discurso vazio”, afirma. “Se está tudo normal, por que não divulgam os dados?”, questiona

NOTA DA REDAÇÃO: Este texto foi alterado às 16h de 25 de abril de 2025 para incluir novo posicionamento enviado pelo Dnit.


Fonte: Repórter Brasil

Estudo apresenta sistema de nanotecnologia que detecta o herbicida picloram em solos e alimentos

rice_farmingUm agricultor com um monte de plantas de arroz. Pesquisadores desenvolveram um novo sistema para detectar com precisão o herbicida ultrassensível picloram na água e no solo do arroz. Copyright: Sorapong Chaipanya , (foto Pexels, livre para usar)

Um estudo publicado em junho na revista Scientific Reports diz que o sistema é simples, rápido, econômico e altamente preciso na detecção da substância, que pode causar uma série de problemas de saúde .

O picloram é um derivado clorado do ácido picolínico que é pulverizado na folhagem, injetado nas plantas, aplicado em superfícies cortadas ou lixiviado nas raízes. Uma vez absorvido em qualquer um desses pontos, o herbicida é transportado por toda a planta.

“Focamos o estudo na detecção de água de arroz, pois é uma cultura alimentar comum e vários estudos relataram a presença desse herbicida no arroz”.

Pranjal Chandra, professor associado, Escola de Engenharia Bioquímica, Instituto Indiano de Tecnologia

A exposição humana a uma alta concentração de picloram pode causar problemas de saúde, incluindo distúrbios do sistema nervoso central, perda de peso, fraqueza e diarreia, de acordo com o estudo.

“A gravidade dos efeitos do picloram na saúde humana e no meio ambiente pode variar dependendo de fatores como concentração, duração da exposição e suscetibilidade individual”, disse Pranjal Chandra, autor do estudo e professor associado da School of Biochemical Engineering, Indian Institute of Technology.

“Focamos o estudo na detecção de água de arroz, pois é uma cultura alimentar comum e vários estudos relataram a presença desse herbicida no arroz”.

As técnicas convencionais para detectar e quantificar o picloram têm um baixo limite de detecção e geralmente precisam de preparação demorada de amostras, processos de purificação e configurações laboratoriais sofisticadas, disse Chandra ao SciDev.Net .

“Portanto, era necessária uma abordagem mais prática”, explicou.

“Uma dessas abordagens é o estudo eletroquímico de diversas moléculas que estão em ascensão nos campos clínico, biomédico e ambiental”.

O picloram foi descoberto no início dos anos 1960 pela Dow Chemical Company e introduzido no mercado em 1963.

Foi combinado com outros herbicidas para fazer e aprimorar o Agente Laranja, o notório herbicida químico usado durante a Guerra do Vietnã. O picloram é atualmente um dos herbicidas mais utilizados no manejo florestal. Também é eficaz no controle de ervas daninhas invasivas, particularmente em linhas de energia elétrica, trilhos de trem, estradas e oleodutos.

Syam Chand , pesquisador em química e professor associado do University College, disse que as descobertas permitiriam que o herbicida fosse facilmente detectado.

“O estudo é significativo e pode beneficiar o meio ambiente ao detectar substâncias que causam poluição”, disse ele.

Daphika S Dkhar e Rohini Kumari, co-autores do estudo, disseram que o nanohíbrido foi considerado altamente catalítico e eficiente em facilitar a eletro-oxidação ou neutralização do picloram.

“No futuro, o novo sistema pode ser implantado para testes de campo, uma vez que o alcance de detecção cai abaixo do limite permitido”, disseram os autores.

Contaminação por herbicida

Anoop Kuttiyil , pesquisador em fitopatologia e professor assistente no Zamorin’s Guruvayurappan College, diz que o picloram é tóxico para os seres vivos mesmo em baixas doses de exposição e tem o potencial de contaminar a superfície, bem como os suprimentos de água subterrânea.

“Os resíduos de herbicida no solo têm um impacto significativo na colheita, na saúde humana e animal, bem como na qualidade da água e do solo”, disse Kuttiyil ao SciDev.Net .

“Os herbicidas usados ​​na agricultura moderna, juntamente com o manejo inadequado, são as principais fontes de contaminação por herbicidas”, acrescentou Kuttiyil.

“Muitos herbicidas estão ligados ao risco de genotoxicidade (danos aos genes), citotoxicidade (danos às células), toxicidade no desenvolvimento e na reprodução. A bioampliação (concentração anormal) desses produtos químicos é uma grande ameaça tanto para alvos quanto para não alvos.”

Pranjal Chandra disse que o novo sistema de sensores está actualmente em fase de protótipo com o objectivo de eventualmente o produzir e distribuir à escala industrial.

Os pesquisadores dizem que o sensor é versátil e pode ser usado em outras amostras de culturas, não apenas no arroz.

“A ampla aplicabilidade permite a avaliação e monitoramento em diferentes condições ambientais e cenários agrícolas”, diz o estudo.

Segundo os pesquisadores, a capacidade de estender a análise do sensor a várias amostras reais abre um leque de possibilidades para sua implementação em diferentes campos, incluindo monitoramento ambiental , agricultura e gestão de recursos hídricos.

Ao fornecer dados precisos para essas aplicações, o sensor pode contribuir para a tomada de decisões informadas e práticas sustentáveis ​​em vários setores, disseram eles.

De acordo com  a Market Watch , prevê-se que o mercado global de picloram cresça a uma taxa considerável ao longo desta década.


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Este artigo foi produzido pela área de Ásia e Pacífico da SciDev.Net e foi publicado [Aqui!].