Campos dos Goytacazes tem plano diretor, mas que é um ilustre desconhecido nas esferas de governo

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A cheia de 2022 do Rio Paraíba do Sul ameaçou uma Campos dos Goytacazes desprovida de estruturas de governança para mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais, o que revela paroquialismo e despreparo

A minha postagem sobre o caráter arcaico do sistema municipal de trânsito em Campos dos Goytacazes suscitou uma observação interessante nas redes sociais acerca da completa ausência de menções ao Plano Diretor Municipal (PDM) nos debates que ocorrem na Câmara de Vereadores. Esse observador notou que “precisamos urgentemente discutir Campos como cidade de médio porte, não como uma cidadezinha minúscula, sem estudos de impacto social e ambiental, planejamento e engenharia de tráfego.”  

Como já citei várias vezes neste blog a dissertação de Mestrado defendida pelo cientista social André Moraes Barcellos Martins Vasconcellos acerca dos obstáculos criados pelas formas tradicionais de governar que perduram em Campos dos Goytacazes, busquei no documento dois elementos que reforçam a necessidade de que o  PDM seja um instrumento que sirva minimamente a gestão urbana em nossa cidade. O primeiro dado é que dos cinco candidatos melhores colocados no primeiro turno das eleições municipais ocorridas em 2020, apenas dois (Wladimir Garotinho e Caio Vianna) mencionaram o PDM em seus planos de governo, ainda que com um olhar restrito sobre as chamadas “áreas verdes urbanas”. Por outro lado, nem Wladimir Garotinho ou Caio Vianna mencionaram a chamada “Agenda 2030” em suas prioridades de governo, o que demonstra um claro afastamento com quaisquer preocupações com os desafios que estão ali postos, a começar pelos objetivos 11 (desenvolvimento de cidades e comunidades sustentáveis) e 13 (ação contra as mudanças climáticas globais).

A questão é que a ausência de qualquer conexão das práticas de governo com o PDM e com a Agenda 2030 reflete o claro despreparo que temos nas esferas de poder no plano local no tocante à assumir formas mais democráticas e articuladas com os processos de governança que extrapolam os acordos paroquiais que continuam regendo a política municipal. O resultado disso é que passada a ameaça da inundação, tudo parece voltar ao normal (quando este está longe de ser o caso).

O problema é que as chuvas de 2022 mostram que há efetivamente um padrão de agravamento climático que é marcado pela ocorrência de eventos meteorológicos extremos que claramente colocaram em xeque a capacidade de governos estaduais e municipais de responder à ação destrutiva das águas das chuvas.  E está claro que governantes que não entenderem o que está acontecendo poderão até fazer poses para postar nas suas redes sociais, mas isto não ajudará em nada o estabelecimento de políticas de enfrentamento dos efeitos adversos das mudanças climáticas.

Quem quiser ler um artigo muito interessante sobre a necessidade de inserir o tema das mudanças climáticas no interior dos PDMs, basta clicar [Aqui!].

Campos dos Goytacazes: estudo na UENF revela que formas tradicionais de governar geram despreparo para enfrentar mudanças climáticas

campos dos goytacazes

Uma das principais razões que me trouxeram para ocupar o cargo de professor associado na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) no início de 1998 foi participar da formação de quadros intelectuais que pudessem contribuir para novas formas de pensar os problemas e soluções para os problemas existente na região Norte Fluminense, em especial no município de Campos dos Goytacazes. 

A recente conclusão de uma dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (PGPS/UENF) intitulada “O Desafio da Gestão Urbana em Campos Dos Goytacazes no Contexto das Mudanças Climáticas: Entre a Construção da Resiliência e a Persistência de Fórmulas Tradicionais de Governar” me traz a sensação de que essa razão inicial está mais do que justificada. É que a dissertação realizada pelo meu orientando André Moraes Barcellos Martins Vasconcellos representa um esforço intelectualmente qualificado de pensar qual seria o peso das formas tradicionais de governar sobre a capacidade da sociedade local de refletir e agir sobre os desafios impostos pelas mudanças climáticas.

É importante notar que o estudo em questão foi realizado em meio à pandemia da COVID-19 que criou enormes dificuldades para a sua realização, mas nem isso impediu a realização de um esforço laborioso para analisar a situação de despreparo completo para iniciar o necessário esforço de preparar o município de Campos dos Goytacazes para responder aos desafios que já estão sendo gerados por mudanças radicais nos eventos climáticos.  Também noto que a banca examinadora incluiu um pesquisador finlandês da University of Helsinki, o professor Markus Kroger, o que representou uma situação inédita, criada aliás pela própria pandemia, visto que se tornou corrente a realização de bancas examinadoras via plataformas online.

Os principais resultados do estudo apontaram para a inexistência de uma agenda socioambiental vazia de pautas climáticas, o que reflete uma postura de pouca preocupação com a criação resiliências frente a desastres. Além disso, o estudo verificou que existe uma clara desconexão entre o discurso e as crenças dos atores sociais estudados (incluindo aí o programa de governo do prefeito Wladimir Garotinho) em relação às práticas efetivas de política urbana no município.  Um fato especialmente importante foi a verificação que inexiste no Plano Diretor Municipal recentemente aprovado pela Câmara Municipal qualquer menção a esforços para mitigar os efeitos que deverão advir de eventos climáticos extremos que marcam as mudanças climáticas.  Finalmente, um estudo de caso no Centro Histórico de Campos, identificou a formação de um processo de crise socioambiental e do aumento gradativo de riscos à eventos extremos, aos quais os campistas já se tornaram acostumados em dias de chuva.

Entre suas principais conclusões, o estudo aponta para a necessidade uma maior atenção em torno da construção de uma agenda de adaptação climática em Campos, pois seu autor considera que o processo de preparação para se fazer frente às mudanças climáticas não apenas é urgente e necessário para garantir a qualidade de vida e segurança das gerações futuras, mas como também abre precedente para se pensar um novo paradigma de economia para Campos dos Goytacazes em um contexto para além do petróleo.

Quem desejar ler o estudo em sua íntegra, basta clicar [Aqui!].