Ação e Reação

Por Marcelo Chalréo*

Redijo essa por conta do incidente que causou graves e sérias lesões em um cinegrafista de um grupo de mídia na cidade do Rio de Janeiro na última quinta-feira. A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB RJ esteve presente no Hospital Souza Aguiar na noite da ocorrência para não só emprestar toda solidariedade à família, mas também para melhor se inteirar do ocorrido e compartilhar com dirigentes do Sindicato dos Jornalistas e amigos do atingido sua expectativa de que tudo corresse da melhor forma possível, buscando, outrossim, junto à administração do Hospital, todas as informações possíveis que pudessem dar um quadro real da situação existente.

Na ocasião, declaramos à imprensa que seria precipitado e leviano naquele momento, como já faziam alguns órgãos de mídias, imputar a este ou aquele a responsabilidade pelo artefato que atingira o mencionado profissional de imprensa. Constatamos no ato um fato que já vinha sendo posto: o repórter não portava durante seu trabalho qualquer identificação claramente visível de ser profissional de imprensa nem usava qualquer equipamento de proteção individual, como capacete, máscara antigases etc, apetrechos essenciais em coberturas que podem implicar em risco à integridade física, como praxe em certos segmentos da mídia. O uso desses equipamentos de identificação e proteção, reclamados há meses pelo Sindicato dos Jornalistas ao empresariado da mídia, porém não fornecidos aos profissionais de imprensa, poderiam ter evitado ou minorado, a contundência sofrida. 

Isso posto, resta pontuar que têm sido recorrentes desde o ano passado ferimentos, lesões, danos físicos de maior ou menor gravidade em decorrência dos protestos que têm tomado as ruas brasileiras, em sua maior medida, como mais de uma vez apurado, mas sem a devida responsabilização dos seus causadores, originários de atos e ações da polícia. Mais uma razão, repete-se, para que os profissionais destacados para essas coberturas portem os necessários equipamentos de proteção individual como meio e modo de resguardarem sua incolumidade física. 

Nesse contexto, as reações dos manifestantes às ações policiais, que na maioria das vezes usaram e usam força desmedida, desproporcional e até incontrolável, têm sido um fato. O uso de táticas e métodos contraofensivos é mecanismo mais que antigo na seara do protesto social em face da truculência policial, bastando retroagir aos acontecimentos de Paris em 68, aos protestos estudantis do Rio em 67 e 68 ante a ditadura civil-militar, às greves do ABC no fim dos anos 70, às ações militantes da Alemanha no início dos anos 80, à greve da CSN em 88, às manifestações contra o aumento das passagens de ônibus no Rio no fim dos anos 80, às passeatas de Buenos Aires no início dos anos 90 e mais recentemente aos protestos sociais na Espanha, em Portugal, no Chile, na Turquia, na Colômbia, no Egito e no Brasil. 

Frente a uma polícia despreparada, na verdade na ausência de uma política de segurança pública cidadã e que não veja e não tenha o manifestante como um inimigo a ser batido (a propósito, ver reportagem de “O Globo” do dia 02/09 : “Sem Preparo . Em pesquisa, 64% dos policiais assumem não ter treinamento adequado para agir em manifestações”) impera a força a qualquer custo e preço, o que, segundo os próprios policiais ouvidos (em todo o Brasil) decorre da “… (a) atuação da tropa é determinada pelos governos estaduais”, não é impensável, muito menos improvável (e os exemplos mais uma vez vêm do nosso próprio e não distante passado e de outros países), que os manifestantes se preparem para o pior e portem o que consideram necessariamente defensivo em face da brutalidade policial iminente. No mesmo diapasão, a reforçar ações contraofensivas de maior alcance, insere-se o perfil de uma força de segurança militarizada dos pés à cabeça, das mais violentas e que mais mata no Mundo. 

Não bastasse, houve e há um conjunto de medidas administrativas e legais draconianas, muitas vezes inconstitucionais e ilegais, adotadas por nossos governantes municipais, estaduais e federal a jogar mais gasolina na fogueira da insensatez pura e simplesmente repressiva, como se não houvesse um estado geral de insatisfação com um conjunto de práticas e políticas governamentais que fizeram e fazem eclodir os protestos em inúmeros pontos do Brasil, o que obviamente não se restringe aos grandes centros e às grandes cidades. 

Nessa linha, ação e reação se combinam e se enlaçam em um contexto sócio-político-econômico explosivo (e isso só não ver quem não quer), onde o diálogo cessa ou é escasso, com valoração da força bruta do Estado para tentar inibir e conter o que é crescente: uma insatisfação popular cada vez menos latente e mais explícita na qual a juventude precariada é aríete claro à qual se somam outros estamentos sociais de oposição a um modelo excludente e permissivo de tudo que não que seja sua própria negação. 

Para finalizar, não podemos deixar de apontar que até momento a grande massa dos que deram entrada nos hospitais públicos e privados brasileiros após os confrontos em nossas ruas, estradas, vilas, favelas, universidades foram os atingidos por ações e artefatos disparados pelas forças policiais, alguns dos quais com lesões irreversíveis, sem que se tenha notícia de quaisquer atos governamentais (administrativos ou judiciais) que de fato tenham buscado apurar e responsabilizar os praticantes desses “ excessos “, o que, por óbvio, só faz reforçar o sentido e a necessidade de uma autodefesa por parte do mais fraco, gerando, em consequência do aviltamento da cidadania violada em seu direito de manifestação e protesto, cenas como as vistas no Rio na quinta passada e muito provavelmente se voltarão a repetir em razão da falta de uma cultura efetivamente democrática, distributiva, partícipe, cidadã e de transparência no trato da coisa pública.

A violência, como parteira da história, se apresenta (na verdade sempre esteve presente) indelevelmente aos nossos olhos de hoje.

Marcelo Chalréo é o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro)

BBC mostra repressão policial e cinegrafista ferido por bomba em protesto contra aumento de passagens no Rio de Janeiro

As previsíveis reações ao aumento de passagens de ônibus determinadas pelo (des) prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), estão sendo reprimidas com a costumeira selvageria pelas tropas da polícia militar. No dia ontem (06/02), a rotina de protesto e repressão selvagem fez uma vítima inesperada: um cinegrafista da Band TV. Felizmente, ainda que ferido gravemente, o cinegrafista não corre risco de vida.

Agora, uma coisa é certa: ainda teremos mortes de manifestantes nas ruas do Rio de Janeiro, caso a PM do (des) governo de Sérgio Cabral não aprenda a se relacionar com a crescente mobilização popular de um jeito menos truculento, visto que as atuais táticas, além de nada corresponder a uma sociedade democrática, coloca a vida de civis (participantes do protesto ou não) em grave risco.

Vídeo da BBC mostra socorro a cinegrafista ferido em protesto

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Este vídeo não existe

Cinegrafista da Band é ferido em protesto no Rio | Crédito: BBCWyre Davies e Chuck Tayman, da BBC inglesa, prestam os primeiros socorros a cinegrafista ferido

Durante uma manifestação contra o aumento das passagens de ônibus na tarde de quinta-feira no centro do Rio de Janeiro, a reportagem da BBC flagrou o momento em que um cinegrafista da TV Bandeirantes foi ferido por um explosivo.

O repórter Wyre Davies e o cinegrafista Chuck Tayman, ambos da BBC inglesa, foram os primeiros a socorrer Santiago Ilídio Andrade. Tayman chegou a tirar a camisa para ajudar a estancar o sangue que escorria da cabeça do cinegrafista.

Segundo um comunicado divulgado pela TV Bandeirantes, ainda não é possível saber se Andrade foi atingido por uma bomba caseira ou por uma bomba de gás lacrimogênio.

O confronto começou do lado de dentro da estação e depois se estendeu mais intensamente nas redondezas da Central do Brasil, a principal estação de trem do Rio de Janeiro, provocando um nó no trânsito e pânico entre os que passavam pelo local.

Policiais atiraram bombas de gás e de efeito moral contra cerca de 1 mil manifestantes, que protestavam contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 2,75 para R$ 3. O reajuste, anunciado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, passa a vigorar a partir de sábado, 8 de fevereiro.

Andrade, da Band, chegou em coma ao Hospital Souza Aguiar, no centro da cidade, e passou por uma neurocirurgia. Ele teve afundamento do crânio e perdeu parte da orelha esquerda. Segundo o último boletim médico, seu estado de saúde ainda é grave.

Outras seis pessoas também ficaram feridas e 20 foram detidas.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigado (Abraji) divulgou uma nota de repúdio ao ataque sofrido pelo cinegrafista da Band.

Em 2013, 114 profissionais da imprensa foram feridos durante a cobertura de protestos.

FONTE: http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2014/02/140207_cinegrafista_band_atingido_bomba_lgb.shtml

Quem tem medo do rolezinho? Aparentemente, o promotor

De tempos em tempos vê-se a manifestação de órgãos que deveriam estar mais preocupados com questões mais importantes, mas que aproveitam o momento para mostrar um certa aura de utilidade. Esse parece ser o caso da ação do Ministério Público do Rio de Janeiro em Campos dos Goytacazes que, em atitude supostamente preventiva convocou a PM para coibir a realização de um “rolezinho” no Shopping Boulevard (Aqui!).

Se o douto promtor de justiça que emanou tal ordem já tivesse ido numa domingueira no mais fabuloso shopping campista já saberia que os rolezinhos ocorrem lá faz tempo. É que desprovidos de espaços públicos de lazer, os jovens campistas (especialmente aqueles que não tem dinheiro para ir para a Disney ou para a Europa) acabam encontrando no espaço privatizado do Boulevard aquele tipo de ambiente de congraçamento que uma cidade bilionária como Campos dos Goytacazes já deveria ter aos montes de forma pública, e não possui sequer um.

Aliás, eu que nem sou muito afeito ao trottoir privatizado que os ambientes de shopping centers oferecem aos cidadãos transformados em consumidores vorazes, penso que esse tipo de proibição acaba sendo gerando um efeito oposto e em potência redobrada. Aliás, a direção do Shopping Boulevard já até entendeu isso ao anunciar que não mudaria sua rotina por causa do anunciado “rolézinho”. Afinal, como educar a juventude nos “predicados” de consumir em ambientes climatizados se não for permitido o acesso? Aparentemente, aqui os agentes de mercado já entenderam que é melhor relaxar para deixar a juventude continuar gastando.

Por outro lado, em minha última passagem pelo Shopping Boulevard pude constar uma imensa multidão de jovens reunida e se manifestando em altos brados, sem que tivesse ocorrido qualquer quebra-quebra ou vandalismo. Nesse mesmo dia pude acompanhar o trabalho calmo e sereno dos próprios seguranças privados, sem que houvesse do lado de fora uma mísera patrulha da PMRJ.

Finalmente, numa região onde as violações dos direitos coletivos e individuais é tão marcante, é impressionante que ainda se perca tempo com manifestações de caráter político.

(Des) governador Sérgio Cabral não gosta mesmo de índio

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Nesta segunda-feira (16/12)  o Batalhão de Choque da PM do Rio de Janeiro removeu pela enésima vez um grupo de índios que protege o prédio do antigo Museu do Índio que fica localizado ao lado do Estádio do Maracanã.  Como se sabe, se fosse pela dupla Sérgio Cabral e Eduardo Paes, esse prédio histórico já teria sido demolido junto com a Escola Municipal Friedenreich e o Parque Aquático Júlio Delamare.  No lugar desses importantes símbolos da história, do esporte e da educação do nosso país, o plano era construir dois estacionamentos para servir aos interesses dos incorporadores privados que hoje controlam a administração do Maracanã. 

Foi a resistência da juventude e dos índios que impediu os planos de destruição do (des) governador Cabral de virarem realidade. Por causa disso, Cabral parece ter tomado completa ojeriza dos índios da chamada Aldeia Maracanã que insistem em não abandonar um local que só sobreviveu à sanha da especulação imobiliária por causa de sua defesa obstinada.

Mas todo esse uso descomensurado de força tem servido apenas para reforçar a disposição dos índios da Aldeia Maracanã.  E é quase certo que a remoção de hoje é apenas mais um capítulo nessa novela de resistência. Pior para Sérgio Cabral, pois a cada uso de força desproporcional e injustificado, mais um pouco do crédito que lhe resta acaba indo pelo ralo da história.