Quem não escuta cuidado, escuta coitado. E isso é verdade também na Uenf

Por Douglas Barreto da Mata

Submetida a um estado de permanente penúria, a universidade brasileira mergulhou em um pântano traiçoeiro, onde a pobreza acadêmica se mistura a técnicas de sobrevivência pouco recomendáveis. Com raras exceções, o ambiente universitário nacional foi devastado pelas políticas ultraliberais dos últimos anos, incluídos aí os anos de governo Lula e Dilma.

Como “casa que falta pão, todos gritam e ninguém tem razão”, o que assistimos foi a degradação do senso público de servidores, professores, pesquisadores e alunos, que passaram a mais renhida luta pela sobrevivência.

Como eu já disse antes, neste espaço, a universidade foi capturada pelo capitalismo ao longo dos anos, para funcionar como uma espécie de estuário intelectual e tecnológico, provendo esse modo de produção de formas mais eficientes para a exploração e concentração de renda, a partir do uso de tecnologias e saberes.

Apesar do pessoal das ciências sociais imaginarem que produzem conhecimento “livre”, raramente há algo antissistema nas teses acadêmicas, ou quando há, são prontamente desacreditadas, na maioria das vezes, por pares acadêmicos, que preferem a obediência e a verba.

Ainda estamos no tempo da revolução industrial, no tocante ao entendimento do modo de produção e suas sócio reproduções.  A academia, em geral, acredita que democracia e capitalismo possam conviver.

Pois é, mas voltemos ao principal.  No campo das ciências tecnológicas e naturais não é diferente.  A regra é a obediência. Quem dá o pão, dá o castigo. Pouca gente desafia essa lógica.

O professor Carlos Eduardo de Rezende, professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf,), é um destes irascíveis resistentes.  Ele, comumente, nos brinda com boas observações sobre a fauna da Uenf , como neste texto.

Nos últimos anos, a Uenf conseguiu, a duras penas, não se contaminar pelo escandaloso esquema descoberto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde milhões de reais foram, supostamente, desviados em contratos duvidosos eram celebrando em convênios para prestação de serviços e alegadas cooperações acadêmicas com mediação de ONGs e etc.

Aqui há um parêntese que precisa ser feito. Apesar de manter a universidade sob controle, o capitalismo sempre que pode, investe contra aquela rebeldia imanente do ambiente acadêmico, que é a chance de questionamento.  A cada ciclo histórico, esse garrote aperta mais ou afrouxa. São tempos sombrios.

O professor Marcos Pedlowski, que mantém esse cantinho de ar fresco intelectual, publicou um sem números de textos sobre a pirataria/parasitismo das revistas e periódicos acadêmicos, que são a referência para a métrica de produtividade da pesquisa, ou seja, quanto mais se publica, e quanto mais citação a publicação tiver, mais valor tem a pesquisa ou o pesquisador.  Isso virou um mercado, um tipo de rede social acadêmica, onde a pós-verdade e a fraude se instalaram, reduzindo tudo a “engajamentos” fabricados.

A Uenf que se salvou  por enquanto, da quadrilha que atuou na Uerj, parece que sucumbiu a um outro tipo de prática, como narrou Rezende em seu texto acima. Incapaz de mobilizar a comunidade para reivindicar o que é justo para toda a universidade, a representação política da Uenf, a reitoria, optou por criar um Frankenstein acadêmico destinado a oferecer um caraminguá a quem se comportar bem.

Sem um critério público e universal, o expediente, que como tudo que é duvidoso, usa um nome pomposo, carece de sustentação legal, mas sobra em marketing.  O mais cruel é a chantagem feita aos “famélicos” da universidade, que desprovidos das condições de dignidade para exercício de suas funções ou de tocarem suas vidas acadêmicas, sairão no tapa para obter um trocado, ignorando as questões éticas, legais e tratando os críticos como traidores ou coisa pior.

Eu gosto muito de uma frase que cunhei, em uma conversa com minha esposa: Dever que não é para todos, é abuso de autoridade, enquanto direito apenas para alguns é privilégio.  Essa é a essência de nossa sociedade.

E a Uenf não é exceção, ao contrário, ela está do lado da triste regra.

Refletindo sobre a Bolsa Pró-UENF: Ética, critérios e responsabilidade institucional

Por Carlos Eduardo de Rezende*

Em uma instituição de ensino superior, onde o livre pensamento é um de seus pilares fundamentais, há quem defenda que divergências, de qualquer nível, devam ser tratadas internamente. A princípio, isso pode parecer razoável dentro da liturgia acadêmica, que valoriza o debate estruturado e a deliberação criteriosa. No entanto, quando princípios essenciais, de uma instituição, são impactados, torna-se imprescindível ampliar o debate, garantindo que as decisões sejam tomadas com reflexão e responsabilidade.

A adoção de ações imediatistas, sem uma análise aprofundada dos impactos em longo prazo, pode comprometer o futuro de uma instituição de ensino e pesquisa, enfraquecendo sua missão acadêmica e científica. Ainda assim, alguns dos pontos abordados nesta reflexão podem ser considerados inoportunos por parte da comunidade, seja por resistência à mudança ou por diferentes perspectivas sobre os rumos institucionais.

Recentemente, foi instituído o Programa de Aprimoramento e Otimização da Gestão Pública da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (ProUENF). No âmbito desse programa, os integrantes da comunidade acadêmica que se inscreveram e atenderam ao que foi estabelecido na Resolução do Conselho Universitário da Uenf passaram a receber a Bolsa Pró-UENF, que pode durar 36 meses.

A comunidade acadêmica da Uenf é composta por docentes e técnicos (laboratório e administrativos), cujos níveis de formação variam entre Fundamental, Médio e Superior, incluindo servidores com titulação de mestrado e doutorado. É importante destacar que as atividades desempenhadas por essas categorias são essencialmente distintas. Diante disso, um programa que não estabelece critérios específicos e diferenciados para cada categoria parece, no mínimo, inadequado e demanda uma reflexão criteriosa.

Nesse sentido, a criação e a implementação desse programa deveriam fomentar debates mais amplos sobre a condução das políticas institucionais e seus impactos na integridade acadêmica e profissional da comunidade universitária. Embora iniciativas que incentivem a participação dos servidores sejam, em princípio, bem-vindas, os critérios que orientam a concessão dessas bolsas têm suscitado questionamentos legítimos e deveriam considerar as especificidades inerentes aos diferentes cargos ocupados.

A fragilidade na definição de parâmetros claros e objetivos abre margem para interpretações dúbias e, em alguns casos, favorecimentos que comprometem a transparência. Como assegurar a equidade se os critérios parecem desconectados de um processo robusto de avaliação? A ausência de rigor, acadêmico vamos dizer assim, pode transformar uma ação que deveria ser estratégica em um mecanismo questionável, que alimenta desigualdades e desmotiva aqueles que esperam justiça institucional.

Outro ponto preocupante é a percepção de que algumas pessoas estejam recebendo recursos para executar atividades que já deveriam ser parte de suas atribuições e outros que recebem sem mudar minimamente seu comportamento diante da responsabilidade institucional. Isso levanta uma questão ética fundamental em relação ao dever de cada integrante da universidade e suas responsabilidades institucionais.Os estímulos adicionais deveriam ser instrumentos de fomento a novas iniciativas ou de apoio a demandas extraordinárias e deveriam refletir a qualidade do servidor no que tange a sua atividade fim.

Nesse contexto, cabe perguntar: onde está a ética profissional e institucional? O fortalecimento de uma universidade pública de excelência, como a Uenf, exige não apenas infraestrutura e financiamento, mas também um compromisso inabalável com princípios éticos. Transparência, meritocracia e responsabilidade devem ser os alicerces de qualquer ação que envolva recursos públicos.

Se queremos uma Uenf mais forte e coesa, é imprescindível rever práticas que, ainda que sob a aparência de progresso, corroem a confiança na instituição. Um processo de reflexão coletiva é urgente, pautado pela busca de critérios claros, avaliação independente e um verdadeiro compromisso com o bem coletivo. Apenas assim poderemos garantir que ações como a Bolsa Pró-UENF estejam alinhadas ao propósito maior de promover a justiça, a inclusão e a excelência acadêmica.

Concluindo, tenho consciência de que partes isoladas deste texto poderão ser utilizadas para sugerir, de forma equivocada, que sou contrário a este programa. No entanto, isso não corresponde à realidade. Minha discordância reside na ausência de critérios claros e na implementação precipitada de um programa institucional sem a devida participação de um comitê externo, essencial para garantir sua integridade. Assim, minha maior preocupação é que programas dessa natureza têm caráter temporário, enquanto o Plano de Cargos e Vencimentos (PCV) da Uenf permanece defasado. Nossa capacidade de atrair e reter jovens docentes tem sido progressivamente reduzida em comparação com outras instituições de ensino superior.

Reafirmo a necessidade urgente de uma política que viabilize a imediata recomposição do PCV, pois medidas paliativas acabam gerando confusão na comunidade ao envolver valores que podem ser revogados a qualquer momento, além de consumirem recursos que deveriam ser direcionados à recomposição salarial de maneira estrutural e definitiva, inclusive para nosso quadro de inativos que possui paridade com o quadro ativo.


Carlos Eduardo de Rezende é professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf e Bolsista Produtividade 1A do CNPq.