O PT, os anéis, os dedos e a vergonha na cara

Por Douglas Barreto da Mata

Essa semana eu comentei com um conhecido que ocupa o Olimpo da política local que os 12 votos da bancada do PT na PEC da bandiblindagem só tinha duas explicações.  Ou rebeldia de uma ala, ou negociação com Hugo Motta, presidente da Câmara Federal.

E deu bingo, hoje, Jilmar Tatto, deputado petista confirmou a barganha, falando com a Folha de São Paulo.  Os votos foram um pedido de Motta, e em troca, Motta “mataria” o projeto de anistia. Bem, se foi isso, faltou combinar com os russos.

A urgência do projeto teve sucesso, e nada indica que Motta vá cumprir o acordo.  Porém, mesmo que cumpra, a questão é outra.  Por que cargas d’água o PT faria um escambo desses, se a anistia tende a cair no STF?  Não se sabe, e eu torço para um plano mirabolante, porque se for só burrice, aí é demais.

De todo modo, arrisca o PT ficar sem o velório da anistia, e ainda ter colocado suas digitais em uma PEC que, em algum dia no passado, o PT teria vergonha de votar.

Eleições do PT terminam em confusão por causa de suposto uso de transporte irregular e a direita agradece

Jefferson e Danilo disputam a presidente do PT de Campos – Opiniões

Eleições do PED 2025 acabam em confusão em Campos dos Goytacazes, e a direita agradece (nada) comovida

As eleições realizadas pelo Partido dos Trabalhadores dentro do chamado Processo de Eleição Direta (PED) acabaram em uma confusão que não tem hora para parar em Campos dos Goytacazes. É que circulam vídeos nas redes sociais de apoiadores da chamada liderada pelo Professor Jefferson Manhães alegando que a chapa vencedora encabeçada pelo sindicalista Danilo Farias Dutra, atual tesoureiro do Diretório Municipal do PT, teria se valido do uso de tranporte irregular de eleitores.

As reclamações já foram formalizadas em documento assinado por Jefferson Manhães e enviado à direção nacional do PT, onde é requerida a anulação dos votos recebidos pela chapa de Danilo Dutra (ver abaixo)

Como ex-filiado, militante e dirigente zonal do PT na Ilha do Governador, eu fico me perguntando o que realmente deu de errado com o partido, a ponto das disputas internas envolverem fatos que no meu tempo de militância só eram imagináveis em partidas de direita.

Por outro lado, não posso deixar de notar que o PT mudou muito desde que eu deixei a militância partidária há quase 35 anos.   E é realmente uma mudança lamentável já que o partido nasceu para fazer diferente, até na resolução das suas disputas internas.

 De toda forma, como nessas disputas há sempre o direito ao contraditório, imagino que a chapa encabeçada por Danilo Freitas vá responder ao pedido de Jefferson Manhães, e não deve ser apenas com imagens de vídeos.  Mas agora, cá entre nós, dadas as mudanças internas, me parece que a essas alturas do campeonato, o simples uso de vídeos como elementos probatórios tenha muita chance de prosperar seja no PT ou fora dele.

De minha parte, o que me deixa realmente lamentoso é que com esse tipo de entrevero quem agradece é a direita e a extrema-direita em Campos dos Goytacazes. Afinal, se o maior partido da esquerda institucional é capaz de produzir esse tipo de disputa, não há muito com o que se preocupar em termos de disputar o voto dos campistas nas eleições de 2026.

A unanimidade burra em torno de Rodrigo Bacellar fala mais sobre quem o elegeu do que sobre ele mesmo

Aliado de Jair Bolsonaro e investigado pelo TRE, Rodrigo Bacellar foi reeleito para presidir a Alerj por unanimidade. Na foto, Bacellar segura medalha ‘imbrochável’ ao lado do ex-presidente

O deputado estadual Rodrigo Bacellar (União Brasil) acaba de conseguir o feito inédito de ter sido reeleito presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por unanimidade.  Esse é um fato que nunca ocorreu na história da Alerj, e que dificilmente se repetirá: Bacellar recebeu todos os 70 votos possíveis para continuar no cargo!

A mim não me assombra o fato de que Bacellar ter sido reeleito e, tampouco, por unanimidade. Eu diria que essa votação inédita reflete muito bem o estado de coisas na política fluminense. Quem tiver um mínimo de curiosidade para analisar como as eleições proporcionais vem se dando no Rio de Janeiro saberá que tem algum tempo que determinadas candidaturas recebem votações expressivas, sem que isso reflita uma capacidade mínima do candidato de articular propostas ou, quiçá, um raciocínio inteiro.

Agora, há que se dizer que há algo muito esquisito na chamada esquerda parlamentar, incluindo aí o PSOL,  o spinoff do PT que em seu nascedouro insaiou os trejeitos da rebeldia original dos barbudos de São Bernado do Campo.  Eu não me surpreendo nem um pouco com o PT, pois a degeneração do pai (ou seria mãe?) do PSOL já está evidente há alguns anos. Mas do pessoal do PSOL, tenho que dizer queo partido envelheceu muito mais rápido do que o PT, parecendo até uma repetição da decadência do PSDB em relação ao PMDB.

Essa acomodação da esquerda parlamentar fluminense ao jogo/jogado é particularmente inquietante, na medida em que dada essa votação em Bacellar, as chances de uma candidatura para enfrentar a direita e a extrema-direita em 2026 se tornaram basicamente nulas.  Esse é o resultado de se juntar, usando um jargão familiar, no mangueirão com o resto da turma, incluindo a extrema-direita bolsonarista.

E aí quem sofrerá somos todos nós que gostaríamos de ver o Rio de Janeiro trilhando um caminho diferente do que se tem visto nas últimas décadas com governantes medíocres que conseguiram aniquilar com quaisquer possibilidades de um modelo de desenvolvimento social e economicamente mais justo.

Para terminar, uma observação recolhida de uma das tiradas do dramaturgo Nelson Rodrigues que dizia que “toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Se ainda estivesse vivo, Nelson Rodrigues certamente nos diria que é preciso vencer unanimidades como a que foi criada em torno de Rodrigo Bacellar.

O PT do Rio e o de Campos dos Goytacazes: do casamento de interesses à solteirice por rejeição (do eleitorado)

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Lula e Eduardo Paes e a tratativas de um casamento de interesses que colocou o PT do Rio de Janeiro em um buraco muito profundo

Por Douglas Barreto da Mata

Antes que as feministas se irritem, eu vos digo, não se trata de corroborar um arquétipo machista, mas sim de reconhecer que essa era uma categoria (de pessoas) que estavam sujeitas a uma ordem patriarcal, no chamado de “mercado matrimonial”.

Sim, sempre foi costume, que ainda persiste em alguns cantos, a “arrumação” de casamentos, a partir da lógica de conveniências econômicas e sociais (“famílias tradicionais”), onde ao pai, principalmente, cabia decidir qual das filhas iria casar com quem, e quando seria, caso fosse mais de uma.  As moças mais velhas, com grandes diferenças de idade para as irmãs mais novas, eram colocadas como tutoras dessas caçulas, não raro, dividiam com as mães o cuidado da casa, e por isso, quase sempre eram preteridas na ordem do mercado do matrimônio. Como se dizia, de forma ofensiva e jocosa, ficavam para “titias”.

Hoje, algumas mulheres ou não têm essa opção, como as negras e pobres, geralmente “cabeças das famílias”, por abandono de seus parceiros, ou têm a opção (classe média e classe alta) de ficarem sozinhas, e não raro, optam por maternidade solo. 

O PT do Rio, assim como o PT do Brasil, e como não poderia deixar de ser, o de Campos dos Goytacazes, parece que se encaminha para a solteirice por rejeição. Rejeição do eleitor, diga-se.

Vamos ao caso do Rio de Janeiro.  O PT da cidade do Rio se ofereceu (e foi oferecido por Lula), de todos os modos, para Eduardo Paes, e teve nele (Lula, o pai) um intermediário tão insistente que alguns, mais ácidos, diriam que beirou a cafetinagem política.  Há comentários de que essa união também teria a predileção da mãe (Janja), que adora os convescotes e o ambiente tipo Leblon/Gávea, com artistas e socialites que o moço prefeito proporciona. 

O PT do Rio nada conseguiu que já não tivesse, ou seja, uns carguinhos de menor importância na administração municipal carioca, e quem sabe, mais e mais promessas de “casamento futuro”, já que Lula insiste em desidratar o PT do Rio para ceder terreno ao prefeito carioca. 

É como se Lula pagasse o dote ao prefeito carioca Eduardo Paes, mesmo sem ele ter aceitado casar-se com a “noiva”, mas a “moça” fosse mantida como mera serviçal para agradar os favores e desejos do prefeito. Agora, a “noiva”, o PT do Rio, mesmo preterida, teve que se deitar com o prefeito, para satisfazer as suas demandas políticas, sobre a cruel justificativa de que é o preço de ser governo. 

Um preço alto, é verdade, que vai corroer o resto de capital político do partido em sua base sindical. Vejam bem, não há nenhum problema nessas, digamos, “promiscuidades”, o problema é não levar vantagem alguma, não obter nenhum ganho a curto, médio, e longo prazos, que permitam que, um dia, quem sabe, possam reverter essa condição de subordinação vergonhosa.  É o caso do PT no planalto central, que de tanto se abaixar para o centro e para o mercado, ninguém mais consegue distinguir se é o PT ou se é um PSD com “orégano”.

O resultado: não são reconhecidos pelos eleitores de direita, que preferem a direita original, e são rejeitados pelos que sempre votaram no PT, porque o partido deixou de representar qualquer demanda dessa parte da sociedade. 

Em Campos dos Goytacazes, a vergonha é ainda maior.  Em nome de uma desastrada estratégia eleitoral, ficaram sem um vereador, justamente o que era o argumento para se unirem ao pior espectro político possível, servindo-lhes de “força auxiliar”.

Novamente eu afirmo, nada demais, mas fica a pergunta, era necessário?  Claro que não, as chances de ter mais ou menos votos para eleger um vereador não residiam na alternativa de puxar o saco da ultra direita local, e terem levado um sonoro tapa na cara da deputada estadual, que em plena campanha, aderiu a essa candidatura protofascista. 

E agora, José? Agora é o de sempre.  Os vestidos das “noivas” estão puídos, amarelados, e restará ao PT nacional, estadual e campista a triste tarefa de trocar as fraldas geriátricas dos “patriarcas da direita”.

PT, direita volver!

pt direita volver

Passados alguns dias do segundo turno das eleições municipais já é possível afirmar, lendo declarações de alguns dos seus principais dirigentes, que o PT está inclinando-se para a direita, com uma firmeza que não deveria deixar mais dúvidas. Uma hora é o deputado federal (PT/SP) que afirma que o PT deveria ter feito um esforço maior para se aproximar do prefeito recém-eleito da capital paulista. De forma quase sincrônica, o (de) novo prefeito de Maricá, Washington Quaquá, classificando o apoio dado a Guilherme Boulos (PSOL) como uma espécie de morte anunciada, pois, para o falante vice-presidente nacional do PT, o certo seria fazer alianças mais à direita com partidos como PP, PSD e Republicanos que garantiram a vitória apertada em Fortaleza. E a chamada “esquerda” do PT, essa até onde se sabe permanece muda, sem mostrar capacidade ou, pior, disposição de combater a narrativa de próceres do calibre de Tatto e Quá quá.

O que sabe até agora é que foi disparada uma disputa pelo comando nacional do PT, e que deverá  contrapor membros da mesma tendência interna, a “Construindo um Novo Brasil” (CNB), que, apesar de discordâncias pontuais, quer fixar o partido em uma posição de centro (direita) a partir da qual se poderá continuar apoiando as medidas recessivas retiradas do mais puro caldo neoliberal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Aliás, falando em Haddad, ele após visitar os banqueiros da Faria Lima está preparando um pacote de maldades dignas de terem sido engendradas por Paulo Guedes. que está sendo escondido pelo singelo nome de “pacote de revisão de gastos”.  Mantido até agora sob uma cortina de fumaça, esse pacote deverá atingir os mais pobres, começando por limitar via reformas da constituição federal gastos com saúde e educação.  Mas de forma prática, os cortes deverão afetar o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego e outros direitos essenciais.

O fato é que com a aplicação desse pacote, o que deverá ocorrer será uma concentração ainda maior dos recursos públicos nas mãos dos banqueiros, e um aumento ainda maior  das dificuldades dos trabalhadores brasileiros de terem acesso a serviços públicos essenciais. E aí que o PT e o governo da frente ampla se dão as mãos para abraçarem os partidos da direita e da extrema-direita, seja na aprovação do pacote de maldades de Fernando Haddad, seja na formação de alianças para as eleições de 2026.

Esclareço que essa é uma análise muito preliminar do que eu estou chamando de uma inexorável e firme marcha do PT para a direita.  A lição que fica, até para militantes sinceros do PT, é que não é possível ficar apostando em uma suposta guinada para a esquerda, que sempre se espera em nome da memória afetiva do que o PT já foi ou de que poderia ter sido.  A verdade crua e nua é que há que se apostar na construção de outros instrumentos de luta, partidária e ´para além dela, para fazer frente às políticas neoliberais que continuam sendo impostas sobre os trabalhadores brasileiros.

Essa guinada para a esquerda deve começar por abandonar as ilusões no PT, rejeitar as teses neoliberais e de contrapor esse programa de destruição do Estado e da coisa pública com a construção de uma nova direção política que seja capaz de mobilizar a classe trabalhadora em defesa de seus direitos.  Um bom exemplo desse esforço de construção, é o abaixo-assinado que está circulando para obter apoio para a luta contra o que está sendo chamado de “Pacote Antipovo” de Fernando Haddad. Quem se interessar em ler e apoiar, esse movimento em defesa dos direitos trabalhadores, basta clicar [Aqui!].

Apesar das aparências, Lula foi o grande vencedor do 1o. turno das eleições municipais

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Lula, e não Gilberto Kassab (PSD), foi o grande vencedor no primeiro turno das eleições municipais de 2024

Tenho lido e ouvido análises sobre os resultados do primeiro turno das eleições municipais onde a maioria dos analistas, alguns até honestos, apontam para o que seria uma derrota flagrante do presidente Lula e do seu partido, o PT.  Essas análises são apoiadas em números de votos recebidos e candidatos eleitos, o que dá uma aparência de irrefutabilidade às indicações de que Lula e o PT foram derrotados por partidos que seriam de centro ou centro-direita, seja lá o que seja isso em termos práticos.

Eu discordo dessas análises porque avalio que a estratégia eleitoral determinada por Lula e pela cúpula dirigente do PT era algo que ia no sentido de “entrar em campo para jogar, fingindo que se quer ganhar, mas  fazendo uma força danada para perder”.  Basta ver o tipo de suporte político e financeiro que foi dado aos candidatos oficiais do PT, a começar aqui pela terra do chuvisco, Campos dos Goytacazes.

Na maioria dos casos, faltou de tudo nas campanhas “raiz” do petismo, a começar por uma linha política que habilitasse seus candidatos a terem um mínimo de chance.  Isso também ficou claro em campanhas próximas do que seria o campo popular, como foi o caso da campanha de Guilherme Boulos, o mais petista dos psolistas ainda no PSOL.  A imposição de Marta Suplicy como candidata a vice-prefeita, por exemplo, só serviu para esmaecer as tinturas esquerdistas de Boulos que, convenhamos, não eram tão fortes para começo de conversa. De resto, o PT paulistano e o paulista não fizeram muita coisa para apoiar Boulos que quase conseguiu a façanha de enviar dois candidatos bolsonaristas para o segundo turno, o que foi alcançado pelo PT de Curitiba que resolveu apoiar uma espécie de não-candidatura do PSB local.

Mas é para além das derrotas do petismo raiz que o sucesso da estratégia eleitoral de Lula ficou mais evidente. Seja nas vitórias como a de Eduardo Paes no Rio de Janeiro onde o PT foi aliado de primeira hora de uma candidatura que aposta na privatização até do ar poluído que os cariocas respiram, seja nas alianças com os ditos partidos de extrema-direita pelo Brasil afora. Foi pouco noticiado, mas até com o PL de Jair Bolsonaro, o PT esteve aliado.

Alguém pode me perguntar como é que eu possa estar fazendo este tipo de análise contra um presidente tão com cara de esquerda como Lula.  O problema é que tanto Lula quanto a direção do PT já abandonaram o campo da esquerda faz algum tempo (eu diria que desde a Carta aos Brasileiros de 2002). O que restou do velho PT foi um simulacro de partido de esquerda que em alguns aspectos está mais à direita do que o Partido Democrata está nos EUA.

Pode-se perguntar o motivo das opções estratégicas de Lula para abandonar o esforço de eleger prefeitos e vereadores do próprio PT e entregar de graça a chance de governar para a direita ou até a extrema-direita.  A primeira coisa é que Lula sabe muito bem que os partidos políticos no Brasil, com a possível exceção do próprio PT, não passam de agremiações que juntam oportunistas e aventureiros de todo tipo e matiz que estão dispostos a servir caninamente os que realmente mandam no país (banqueiros e latifundiários) em troca das migalhas que ainda restam nos cofres de governos municipais e estaduais.  Partidos no sentido ensejado pela democracia liberal burguesa que é bom, nem sombra. E Lula, como poucos, sabe operar nesse mar de oportunistas.

A segunda coisa é que ao entregar os anéis, Lula sabe que aumenta em muito as chances de manter os dedos que, no caso presente, é o controle do governo federal.  Em que pese o esperado encarecimento do preço político das eleições (normalmente contado em número de ministérios e de cargos de segundo e terceiro escalão), ao entregar as prefeituras para a direita, Lula também se livra o ônus de ter que conversar sob o tacão das políticas neoliberais que são impostas aos municípios pelo seu próprio governo.  De quebra, diante do inevitável fracasso das promessas feitas pela direita nas eleições municipais, Lula, ou um escolhido para substituí-lo,  pode manter a fachada de esquerda para ganhar as eleições de 2026, usando a repetida, manjada, mas efetiva assertiva de que a direita não governa para os pobres.

Em suma, discordo de quem diz que a política da “Frente Ampla” de Lula foi derrotada no primeiro turno das eleições municipais de 2024. Na verdade, essa política ficou fortalecida ao apontar para um cenário em 2026 em que novamente será o PT (e seus aliados) contra o conveniente fantasma da extrema-direita.

O fato é que a primeira tarefa de quem realmente deseja mudar o cenário político brasileiro e movê-lo para a esquerda é superar toda e qualquer ilusão em Lula. Com isso será possível liberar as forças populares da paralisia que lhes é imposta por Lula e pelo PT. Essa, convenhamos, não será uma tarefa fácil, pois basta ver o que foi feito para desmoralizar quadros emergentes da esquerda como era o caso de Marcelo Freixo e Guilherme Boulos, ou para abandonar e deixar à mercê da direita uma liderança ascendente como Glauber Braga. 

Contudo, em tempos históricos tão desafiadores, não posso deixar de lembrar de uma frase de Rosa Luxemburgo que dizia que “há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?” Mas  para a frase de Rosa Luxemburgo ser transformada em realidade, há que se entender como o jogado é realmente jogado, e aquilo que precisa ser feito para virar o placar.  Mas pelo que eu vejo e ouço, as forças que lutam por um novo mundo estão aí e se movimentando com vigor.  O que nos impede de saber disso é que noticiar a existência e a ação dessas forças não interessa a quem controla a distribuição da informação.

O PT Campos continua esperando Godot

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Por Douglas Barreto da Mata

Estive na Convenção do PT em Campos dos Goytacazes, a convite do meu amigo José Alves de Azevedo, irmão do candidato a prefeito Jefferson. Como imaginei, foi parecido com um encontro com uma pessoa que você foi muito íntima por anos, mas que agora só restam memórias afetivas. Mas, surpreendentemente, não foi tão ruim como imaginava.

Encontrei muita gente querida por lá, o próprio Zé Alves, Érica e  Zé Luis, Norma, Afrânio, Dudu Peixoto e sua esposa Odisseia, Luciano D’Angelo, tive um bom papo com alguns deles, conheci gente nova, como o companheiro Alan, enfim, foi uma manhã interessante.

Destaque para a presença do pessoal do MST e do Sindipetro. Eu sou ranzinza, mas eu entendo que o MST use camisetas, bonés, e toda sua identificação visual para se destacar na cena, mas, confesso, não consigo entender porque os “petroleiros”, ao invés de estarem com bonés, camisas, e as mesmas ferramentas visuais, usam aquele uniforme laranja, com se estivessem a caminho do embarque.  É como policiais sindicalizados e petistas fossem a um evento político fardados, ou ostentando armas. O mais engraçado é que boa parte dos “petroleiros” nunca subiu em uma plataforma, e só exerceu funções administrativas. Mais uma vez comparando, é como se policiais da oficina da PM fossem a um ato político fantasiados de “BOPE”. Fetiche estranho.

A saia justa, inclusive, que pude perceber, foi a presença do candidato e coordenador do sindicato dos petroleiros no palco com os convidados e com o candidato majoritário, que provocou a esperada reação dos que ficaram de fora. Como se vê, mesmo entre “companheiros”, as cotoveladas e as atitudes do tipo “manda quem pode, obedece quem tem juízo” são mais comuns do que se imagina.

Pois bem, e por óbvio, sendo coerente com o título, Godot não foi a Convenção, e nem a deputada estadual Carla Machado, que até então, junto com Godot, eram a esperança de salvação do partido na cidade. Cansativo.

O problema do PT de Campos, concordou comigo um companheiro, é o que digo faz tempo: é melhor ser cabeça de mosquito a ser rabo de elefante. O PT insiste em ser o rabo e a bosta do bicho. É repetitivo, eu sei, mas para um partido que comete sempre os mesmos erros, enquanto aguarda resultados diferentes, nunca é demais dizer.

Foi legal ver o entusiasmo e a força de Luciano D’Angelo, e seu amor pela política, e ao mesmo tempo, angustiante ver que sua onipresença representa justamente a falta de renovação do partido e dos seus quadros pensantes.

O incômodo que percebi pela ausência da deputada, não é maior que o incômodo que senti ao ver que o partido está lá em 1988, e Jefferson me lembrou Luís Antônio Magalhães, o então candidato do PT, que não aceitou entrar no movimento Muda Campos, que elegeu Anthony Garotinho.

Mas há uma sensível diferença: mesmo Luís Antônio e seus correligionários de um lado, e os que desejavam embarcar no projeto político da frente ampla contra a dinastia moribunda de Zezé Barbosa, havia um senso político mais amplo, visões de mundo em debate, enfim, havia vida no partido. Não é saudosismo, é fato, e a História prova.

Aquele PT conseguiu, a duras penas, demarcar um campo, uma posição firme, era quase uma aldeia de gauleses no meio do Império Romano, como desenharam Goscinny e Uderzo. A fórmula mágica era a esperança. Na convenção do dia 20/07 havia barulho sim, mas vida política não. Esperança? Nem rastro.

Outra coisa que me chamou a atenção foi que, findada a Convenção, realizada na sede do Sindicato dos Bancários, alguns foram para o sindicato ao lado, o dos trabalhadores em saneamento. Confesso que não entendi a divisão em dois lugares, mas pode estar relacionado com o funcionamento do Sindicato dos Bancários, sei lá.

Porém, ficou parecendo que há uma clara divisão em uma estrutura que já não reúne muita coisa. Dividir quase nada resulta em nada para todos. Não vejam na minha fala uma crítica a divisões, não.  Divisões, comportamentos e posturas diferentes são desejáveis, pois do conflito nasce o novo, é o atrito que gera energia necessária ao movimento. A questão é a hora e a forma de apresentar tais cismas.

Assim, o PT de Campos espera Godot e seus salvadores.

Em uma rede social, assisti um vídeo daqueles feitos em massa, pela Presidenta do PT, Gleisi. Além da horrorosa impessoalidade, me assombrou a falta de cuidado, o zelo em, pelo menos, repetir a gravação e corrigir o erro quando fala: “PT de Campos “do” Goytacazes”, coisa horrível, descortês mesmo.

A candidatura do PT em Campos parece um parente indesejado, que chegou sem avisar e diz que vai ficar um dia, e acaba ficando três meses. O pior é que esse parente chega em um casa de meio cômodo e sem banheiro, tal a dimensão do partido na cidade.

Tudo isso, como resultado de uma tática maluca, que foi tentar manter no páreo quem não podia estar nele, na crença que as intenções de votos consagradas à deputada Carla Machado, por encanto, fossem para no colo de outra candidatura.

Kafka não escreveria melhor: Uma candidata que não podia ser, transferiria votos que ainda eram intenções, cuja entrega nunca pretendeu ou seria impossível. Assusta a ingenuidade de quem, lá no PT, acha que essas intenções migraram para Jefferson, como se houvesse essa identidade partidária entre a deputada e o partido, ou pior dizendo, como se ela não tratasse desse capital eleitoral como um brinquedo que não quer emprestar a ninguém, como aquelas crianças egoístas.

O problema do PT de Campos não é a infidelidade declarada de Carla Machado, ou o seu completo desprezo pelos protocolos políticos caros ao partido.

Carla é Carla. Carla Machado construiu seu patrimônio político na base do mesmo personalismo que o PT diz querer combater em Campos, com uma sensível diferença: mesmo com muito mais dinheiro per capita para cuidar da sua gente sanjoanense, o que ela legou ao município, que a elegeu por duas vezes, foi 77% de pessoas na faixa da miséria e no CadÚnico.

Em qualquer avaliação séria, a administração de Carla Machado em SJB é um desastre sócio-econômico e socioambiental. O cerne é que o PT de Campos hoje é menor do que Carla Machado, e, como dissemos, ela mesma não é lá grande coisa. Além de votos em SJB, um colégio eleitoral adjacente de uma cidade satélite de Campos, qual é o grande feito de Carla Machado? O Porto? 

Hum, grilagem oficial de terra (ou reforma agrária invertida, tirando dos pobres e dando aos ricos), desterro de pessoas, desastre ambiental com salinização de terras e água potável, e agora o último dado recente que desmistifica as mentiras que o justificava sua existência: O porto gera poucos empregos de qualidade para as pessoas daqui, que, como sempre, ficaram só com o osso para roer. Combate à pobreza? Não é o que dizem os dados oficiais. Combate à desigualdade? Idem.

Então, qual é o encanto que faz Carla Machado parecer a salvação para o PT de Campos? Sinceramente, não sei responder, o coração tem razões que a própria razão desconhece, talvez.  Quem sabe?

Por onde anda Wally?

Por Douglas Barreto da Mata
Onde está Wally? Não, mesmo que você procure, você não vai encontrar Wally na foto abaixo.
wallyAliás, não é Wally que deveria estar na imagem, mas sim a deputada estadual Carla Machado.

Afinal, depois de ser a quase-ex-futura-candidata à prefeita pelo PT, e de juras de amor e fidelidade mútuas entre os petistas e a parlamentar, soa, no mínimo, intrigante o fato dela não estar na fotografia de convocação da Convenção do PT, ao lado de outras figuras proeminentes.

O PT, que poderia se chamar, no caso da deputada, de PG (porta giratória), parece que vai ter que sofrer para herdar as intenções de votos que deseja, e que estão no patrimônio político da deputada.

Ao que nos parece, a deputada recolheu “todos seus pertences”, e só não deixou o “lar” (partidário), por medo de ficar sem mandato. Assim, vão manter um “casamento de aparências”, sem qualquer laço de afinidade eleitoral. 

Os votos dela? Acho que o PT não vai ficar com nada, senão com as lembranças das promessas não cumpridas de “amor”. Porém, o que nos espanta não são essas conjecturas. Nada disso.

Espantosa é a falta de qualquer profissionalismo, de qualquer engenhosidade política, e permitir que se produza um material sem a deputada estadual, justamente ela que se dizia a referência de viabilidade do partido.

Ou seja, mesmo em um “casamento de aparências”, são necessárias certas formalidades, certos modos e salamaleques. E aqui, sim, entre a deputada e o PT tudo é o que parece ser. Enfim, por onde quer que se olhe, foi uma tragédia essa relação.

Pelo jeito, agora nem eu te ligo, nem você me telefona. Triste sina desse partido na cidade de Campos dos Goytacazes, e no Estado do Rio de Janeiro. Fazendo um trocadilho com os temas matrimoniais, um “péssimo partido”.

O PT de Campos dos Goytacazes, de volta para o passado

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Por Douglas Barreto da Mata

Não me refiro a estes últimos meses, em que o PT campista correu atrás de uma bolha de sabão, ou melhor, uma miragem no deserto de votos e de ideias do partido, em sua seção local. Falo de anos, décadas. Quem ouviu ou assistiu a fala do ilustre Professor Luciano D’ Ângelo, hoje pela manhã, em um veículo de comunicação da cidade, ficou com a impressão, não incorreta, que o PT campista vai às ruas para tentar atacar o candidato favorito, o Prefeito Wladimir Garotinho.

Nada demais, afinal, uma das táticas possíveis aos que largam atrás é desgastar o capital daquele que tem mais para perder. Outra abordagem seria investir contra os outros concorrentes na disputa, mas aí não há quase nada para ganhar, isto é, juntando o PT, a candidata delegada, o candidato que é deputado estadual, e outros nanicos, não dá meia candidatura.  Não citei os outros, como dizem os institutos de pesquisa, porque estão no traço, quando falamos das intenções de voto.

O problema da tática do PT de Campos é que ela está dissociada de qualquer estratégia de médio e longo prazos, e tem sido assim desde sempre. O PT não vai herdar quase nada dos chamados 100 mil votos de Lula, essa tese é uma lenda.

Quando Lula esteve no ápice de sua carreira, com popularidade presidencial nas alturas, o PT local nunca refletiu esse desempenho em suas votações municipais locais, nem regionais, e quiçá, estaduais.

O PT do Rio, e de Campos são uma lástima, correias de transmissão do PT de SP, um puxadinho, nada mais. As razões já cansei de dizer, a legenda sempre preferiu o adesismo, personificado em figuras como D’ ngelo, a quem nutro profundo respeito, porém com quem sempre tive enormes discordâncias. O PT do Rio e de Campos sempre quiseram ser rabos de elefantes a serem cabeças de mosquitos.

Pois bem, com esse viés adesista, o PT campista sempre se privou de disputar o campo popular, ficando restrito a um nicho de classe média conservador e que torcia o nariz para qualquer política de proteção social, personificada na família Garotinho. Os Garotinhos são uma opção de esquerda? Não. Mas qual foi a opção de esquerda a qual o PT de Campos se aliou desde 1992? Arnaldo Vianna?  Alexandre Mocaiber? Rafael Diniz?

O resultado disso tudo?  O PT campista manteve uma faixa flutuante de eleitores da chamada “pedra”, tão conservador ou mais que os bolsonaristas que criticam, e cujo bolsonarismo Luciano tenta agora colar em Wladimir Garotinho.

A incoerência e o casuísmo saltam aos olhos, quando observamos que a carreira política dos D’ ngelo é um roteiro de costuras e alianças pragmáticas, com personagens muito mais conservadores que o prefeito atual.

Se queremos uma imagem desse adesismo petista mal sucedido, que encurrala o partido e o atual governo em uma coalizão onde Lula parece mais refém que articulador, é o Ministro Alexandre Padilha, para quem, não por coincidência, trabalha a filha do Professor.

Novamente é bom que se diga: aliança é uma coisa, adesismo é outra. Aliança você negocia, cede, ganha, no adesismo, você só adere, como diz o termo.   É o PT  e o governo federal, é o PT do Rio, é o PT de Campos, guardadas as proporções dos desastres que representam hoje.

Só essa inclinação ao adesismo explica, por exemplo, que o Professor Luciano tenha colocado o PT local na rota de colisão com a realidade, quando imaginou a candidatura da deputada Carla Machado, ela mesmo a expoente de um dos piores tipos de conservadorismo político da região, com “feitos” desastrosos para populações desprotegidas, como a do V Distrito de São João da Barra, e associação com tipos como Eike Batista.  O Porto do Açu é um clássico de destruição de gente e do ambiente. Um “case”, por assim dizer.  Também é de Carla Machado a gestão que afundou SJB nos piores índices de pobreza do país, mesmo a cidade contando com uma fortuna orçamentária per capita.

Então, o problema do Professor Luciano D’ Ângelo com Wladimir Garotinho não é o conservadorismo ou o bolsonarismo, senão o PT não estaria perto de gente que é capaz de tomar terra de gente pobre para dar aos ricos, ou atolar 77% de sua população na linha abaixo da faixa de pobreza, ou enfim, de dar espetáculos grotescos de misoginia, homofobia e outras condutas reprováveis, como são os padrinhos políticos da deputada.

A questão do Professor Luciano D’ Ângelo é tentar retomar seu quinhão de votos conservadores, aqueles da classe média e de parcela das elites, que giram entre 7 a 15% do eleitorado campista, e que hoje, por habilidade do prefeito e seu apetite por amplas alianças, acabou migrando, em parte, para o garotismo.

Como vemos, mais uma vez o PT campista na contramão da História, tenta uma volta ao passado para recuperar o que sempre o engessou como um partido antipopular.

Tentar colar no Prefeito Wladimir a pecha de extrema direita, o que ele, definitivamente não é, poderá ter dois efeitos:  aundar o PT local ainda mais, porque o campo eleitoral do antigarotismo está bem reduzido, e pior, encontra-se, aí sim, na mão de extremados, com quem o PT parece querer se igualar e;

Pode empurrar o eixo da política local ainda mais para a direita, o que, óbvio, no médio e longo prazos é a condenação à morte de quem já está, ou sempre esteve, na CTI.

Olhando o Professor Luciano D’ Ângelo hoje fiquei com a imagem do Christopher Loyd, o Professor Brown, da saga De Volta Para O Futuro, sucesso dos anos 80, nos cinemas. O problema é que o PT e o Professor Luciano embarcaram de volta para o passado.

As greves, os movimentos sociais e o Estado no Brasil

A conjuntura brasileira exige atenção e uma avaliação cuidadosa dos setores vinculados às políticas nacionais-democráticas e de emancipação popular. Não se poderá combater a extrema-direita sem conflitos e lutas contra as estruturas seculares da opressão do povo brasileiro que se aprofundam. Qualquer alternativa que busque contornar esta necessidade poderá desmoralizar as esquerdas e gerar resultados bastante negativos.

Os gráficos do Dieese sobre número de horas e dias parados entre 1983-2023 revelam quarenta anos de história dos movimentos sociais e populares no Brasi (ver abaixo). São extremamente úteis para indicar a centralidade que o seu ativismo assume no país ao condicionar as estratégias de acumulação das classes dominantes a partir das respostas que lhe dão. Tais respostas marcam pontos de inflexão, mudanças no padrão de acumulação e nos arranjos entre o Estado e as frações dominantes do capital que se estabelecem como reação aos momentos mais agudos das mobilizações populares. 

Os gráficos indicam tanto o caráter acelerado, vertiginoso e concentrado do avanço da consciência popular, que se traduz na conexão entre as reivindicações econômicas e políticas e em formulações de mudanças substantivas nas políticas de Estado, como a sua brusca interrupção, provocada pela ação efetiva das frações dominantes do grande capital para destruí-la, produzindo grande regressão e flutuação, ao atingir suas bases sociais de organização, suprimindo-as parcialmente.  Isso denota que a consciência política e ideológica, antes que individual, é um produto coletivo da práxis social. Esta por sua vez é condicionada pelo desenvolvimento e descontinuidades dos padrões de acumulação de capital e sua articulação com o Estado. No fomento às ondas de protestos sociais há uma dinâmica material, oriunda do próprio movimento do capital e seus processos de acumulação, outra procedente da ação consciente e capacidade de organização das classes populares e uma dimensão referente à interação dinâmica de seus vários segmentos. Rosa Luxemburgo e Lênin abordaram extensamente essas questões, dedicando-se Rosa Luxemburgo à primeira e à terceira dimensão, e Lênin à segunda, dando centralidade ao papel do partido político. A resistência das classes dominantes brasileiras a formas estáveis de avanço de consciência popular e o seu caráter acelerado abrupto, descontínuo e flutuante demonstram os limites do projeto de democracia liberal e de sua capacidade de articular o consenso e o nacional-popular em um país dependente.

A onda de greves e protestos que se estabeleceu entre 1978-90 foi resultado da modernização industrial impulsionada pela ditadura militar do grande capital nos anos 1970 e da redemocratização iniciada em 1979. Os trabalhadores dos segmentos automobilístico e metalúrgico do ABCD jogaram papel central neste processo expressando a liderança da indústria de transformação, sediada no Estado de São Paulo, no desenvolvimento nacional. Diferentemente das ditaduras chilenas e argentinas que apostaram na desindustrialização para destruir a base sindical dos cordões operários e do peronismo, a brasileira apostou na criação de uma nova classe trabalhadora vinculada à indústria manufatureira privada para romper o protagonismo da herança trabalhista, fortemente apoiada em trabalhadores de empresas estatais, de serviços e de transportes. As greves de 1978-80 aceleraram a redemocratização e se vincularam a uma onda de paralisações e protestos que cresceu durante a década de 1980 e se expressou na luta pelas eleições diretas, pela assembleia nacional constituinte e contra a política recessiva que pretendeu financiar a crise de gestão da dívida externa. Neste contexto se formou o Partido dos Trabalhadores e Lula, sua principal liderança, quase foi eleito Presidente da República após disputa acirrada com Leonel Brizola para definir o candidato das esquerdas no segundo turno das eleições de 1989. O número de horas paradas se multiplicou de aproximadamente 8.000 para cerca de 110.000 entre 1983-1990, com o pico de quase 130.000, em 1989. No mesmo intervalo, o número de greves saltou de pouco mais de 200 para cerca de 1.800, com o auge de quase 2.000 em 1989.

Frente a este formidável movimento de massas e a aproximação entre as principais lideranças do trabalhismo e do novo sindicalismo, a grande burguesia brasileira, o capital estrangeiro e o imperialismo decidiram abandonar os projetos desenvolvimentistas no país e impulsionar o desmonte das bases sindicais da indústria manufatureira por meio da desindustrialização. O Plano Collor marcou uma tentativa confusa de transição para a nova etapa por meio de uma recessão planejada, mas o novo período se consolidou com a adesão do Estado à financeirização e ao neoliberalismo por meio do Consenso de Washington, do Plano Brady e do Plano Real. Os efeitos sobre a organização dos trabalhadores foram drásticos: eliminação de empregos qualificados e formais, precarização do trabalho, aumento do desemprego e da superexploração, perda de direitos sociais, reformas previdenciária e administrativa e queda expressiva nas greves, paralisações e protestos. Após uma tentativa moderada de resistência em 1995-96, o número de horas paradas e de greves voltou a despencar para atingir cerca de 18.000 e de 300, respectivamente, em 2002.

A liderança do Partido dos Trabalhadores que emergiu do desmonte do movimento sindical é bastante diferente da que se constitui nos anos 1980. Partindo de uma concepção basista de transformação social que nega o papel estruturante e de liderança da vanguarda, o PT se opôs ao modelo de liderança política do trabalhismo e dos partidos comunistas. Seus documentos fundacionais na década de 1980 destacaram a importância da auto-organização dos trabalhadores, mas os da década de 1990 já a substituíram pela noção de organização da sociedade civil, onde também se destacam os poderes burgueses. Com a perda de força do movimento sindical nos anos 1990, a correlação de forças na sociedade civil se inclinou fortemente para os poderes do grande capital, alterando as metas, a estratégia e a tática do Partido dos Trabalhadores. A Carta ao povo brasileiro, produzida em 22 de junho de 2002, não teve por objetivo garantir a vitória de Lula, pois este já havia alcançado 40% das intenções de voto no primeiro turno nas pesquisas eleitorais (vide o Datafolha), mas sim estabelecer o centrismo como a estratégia política escolhida pelo PT. Nela se reivindica uma lúcida transição fundada em ampla negociação nacional para estabelecer novo contrato social. Esta transição deveria respeitar os contratos e as obrigações do país, gerar superávits primários para conter a dívida interna, apoiar o agronegócio e estabelecer superávits comerciais para reduzir a vulnerabilidade externa e as taxas de juros. Suas premissas determinam os limites do seu alcance e enredam o Partido dos Trabalhadores na gestão do neoliberalismo no Brasil.

A ascensão do “progressismo”, conjunto de forças que reuniu desde a centro-esquerda moderada até forças mais radicais, nacional-populares e latino-americanistas, a partir da crise do neoliberalismo na virada do século XXI, e a conjuntura internacional favorável marcada pelo boom das commodities e pelo forte ingresso de capitais estrangeiros reestabeleceram a dinâmica de crescimento econômico. Proporcionaram a elevação do emprego qualificado e formal, do salário-mínimo e do emprego público possibilitando uma nova ofensiva dos movimentos sociais no Brasil que se iniciou em 2008 e se prolongou até 2015/16, despencando com o golpe de Estado. Nessa nova ofensiva, os trabalhadores da educação e da saúde públicas cumpriram papel estratégico lançando uma expressiva ofensiva político e ideológica contra o neoliberalismo. Eles colocaram em xeque a herança neoliberal dos governos de Fernando Henrique Cardoso incorporada nos governos petistas e manifesta no tripé macroeconômico: superávits fiscais para pagar juros da dívida, taxas de juros muito superiores ao crescimento do PIB e câmbio flutuante e sobrevalorizado. As greves de 2012, impulsionadas pelos servidores públicos, alcançaram o movimento estudantil e o setor privado provocando as explosões de massa de 2013, nas quais a reivindicação da gratuidade do transporte público para estudantes cumpriu o papel detonador. O número de horas paradas saltou de aproximadamente 25.000 para cerca de 90.000 entre 2008-2012, e se estendeu para mais de 110.000 em 2013. E o número de greves subiu de aproximadamente 400 para 900 entre 2008 e 2012, alcançado mais de 2.000 em 2013.

Atemorizada com a nova ofensiva popular, Dilma derrotou as paralisações do funcionalismo federal, ameaçou instituir uma lei de greve para o setor público e elevou sistematicamente as taxas de juros Selic para produzir uma recessão e reduzir a pressão social. Em contradição com a campanha eleitoral de 2014, em seu segundo mandato, a Presidente impulsionou a financeirização. Ela nomeou um antigo secretário de política econômica do governo FHC, Joaquim Levy, como seu ministro da Fazenda, e elevou a taxa de juros Selic, entre maio de 2013 e dezembro de 2014, de 8% a.a. a 11% a.a., mantendo a trajetória de subida até agosto de 2015, quando atingiu 14,25%. A taxa de desemprego saltou de 6,6%, no trimestre das eleições presidenciais, para 9,1%, em outubro-dezembro de 2015, quando se iniciou o processo de impeachment, e alcançou 11,9% quando esse se concluiu. O PIB per capita decresceu em 2,38% a.a. em 2014-15, em dólares constantes de 2015 (UNCTAD) e o país chegou a pagar 10,2% do PIB em juros anualizados de dezembro de 2015, caindo para 9,5% em agosto de 2016. A ofensiva do movimento popular seguiu até 2016 quando o golpe de Estado e a aprovação da Emenda Constitucional 95, que pretendeu congelar por 20 anos os gastos públicos primários, limitando-os à variação da inflação, converteram a recessão em política de Estado. As horas paradas alcançaram o máximo em 2016, quando superaram 140.000, e a quantidade de greves se aproximou de 2.200, desmoronando a seguir.

Sem o suporte do gasto público, a economia brasileira estagnou no período de crise orgânica do neoliberalismo, a partir de 2015, quando este perdeu o suporte do dinamismo do mercado internacional e dos fluxos internacionais de capitais. Se entre 2016-2022, o PIB per capita da economia brasileira cresceu 0,08% a.a., entre 2003-2014 o fez em 2,45% a.a. (UNCTAD). Se tomarmos como referência o intervalo de 2014-2022, a taxa de decrescimento anual é de 0,47%.  A eleição de Jair Bolsonaro, a gestão ultraneoliberal de Paulo Guedes e a repressão e intimidação dos movimentos sociais aprofundaram o descenso da onda de greves, paralisações e protestos. A taxa de desemprego aberto alcançou o seu valor máximo em julho-setembro de 2020, quando atingiu 14,9%, impulsionada pela resistência de Bolsonaro e Guedes em tomar as medidas de expansão do gasto público para conter os efeitos sociais e econômicos deletérios da pandemia. As horas paradas caíram para aproximadamente 45.000 em 2019 e 20.000 em 2020 e o número de greves desabou para pouco mais de 1.100 em 2019 e quase 700 em 2020.

As pressões sociais para o aumento do gasto público incidiram sobre o governo federal e o Parlamento e possibilitaram furos no teto de gasto para gerir a situação de calamidade pública, permitindo alguma recuperação da economia. Esse cenário se combinou com a crise política do governo Bolsonaro e as eleições presidenciais de 2022 para estabelecer uma retomada ainda incipiente do ativismo dos movimentos sociais. As horas paradas mais que duplicaram para cerca de 55.000 e o número de greves alcançou mais de 1.100 em 2022. No descenso e na recuperação do número de horas paradas e de greves cumpriu papel principal a atuação do funcionalismo público, a sua retração ou retomada. Entretanto, essa reativação se choca com a estratégia de Lula e do núcleo dirigente do Partido dos Trabalhadores para o Estado brasileiro.

Lula e o círculo dirigente do PT centraram sua estratégia de governabilidade na aliança com as principais frações do grande capital, os neoliberais, os militares  e até mesmo no acercamento a forças emergentes, como as empresas neopentecostais. Sua leitura é de que as falhas no diálogo e aproximação com estes grupos estão entre as principais razões do golpe de Estado. Na disputa dessa aliança com os fascistas, Lula oferece paz e tranquilidade política, o que exige desmontar as pressões sociais que pedem o combate ao neoliberalismo, a transformação do padrão de acumulação hegemônico e mudanças nas estruturas organizacionais do Estado brasileiro que desafiem os privilégios do capital financeiro, do rentismo, do agronegócio e do monopólio midiático, o poder burguês na sociedade civil, a superexploração dos trabalhadores, o vínculo das forças armadas ao golpe de 1964 e a teologia da prosperidade. Torna-se crucial nessa perspectiva impedir uma nova ofensiva dos movimentos sociais, similar a que ocorreu entre 1983-90 e 2008-16. O governo dedica-se então a cooptar lideranças, desmobilizar organizações, pressionar e desqualificar movimentos sociais e abandonar temas históricos dos movimentos populares. O descarte do projeto do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, a desmobilização do ato das centrais sindicais no 1º maio, as metas agressivas de austeridade fiscal maiores que as expectativas do Congresso Nacional e do mercado financeiro, as articulações para desvincular os gastos em saúde e educação de um percentual fixo da arrecadação da União, a mediocridade do orçamento destinado às universidades federais, e a tentativa de desqualificar as greves dos trabalhadores da educação pública, desautorizando o ANDES, sindicato dos docentes de ensino superior, são evidências dessas diretrizes. Na negociação com as greves no ensino superior, Lula apresentou índices extremamente reduzidos de recomposição das perdas salariais acumuladas no segundo mandato de Dilma e nos governos Temer e Bolsonaro. Propôs em seu quadriênio um reajuste muito mais próximo do congelamento de perdas que da recuperação do poder aquisitivo dos salários. Caso a inflação de 2023 se repita nos próximos anos do mandato de Lula, o governo terá proposto um reajuste médio de 5%, bastante abaixo dos 26% a 30% necessários para recompor os salários dos professores de ensino superior aos valores de março de 2014.

Lula reaparece em seu terceiro mandato como um personagem com escassa relação com o seu passado de lutas, expressas em sua atuação como líder sindicalista das greves do ABC de 1978-80, deputado federal constituinte e candidato a Presidente da República de 1989. Se naquele período apoiou as lutas de massas para transformar a institucionalidade, agora ressurge buscando controlá-las e limitá-las e defendendo um conceito de democracia restrita, de baixa densidade social, muito próximo ao reivindicado por Fernando Henrique Cardoso para países periféricos e dependentes. Para Cardoso as democracias latino-americanas devem ser protegidas de lideranças populistas e de qualquer iniciativa que indique capitalismo de Estado, isto é, um padrão de acumulação no qual o Estado atue com relativa independência para exercer papel estruturante e promotor do desenvolvimento de setores, produtos e serviços que não interessem ao grande capital em seu conjunto oferecer.  Se em seu segundo mandato, Lula impulsionou uma expansão anual dos investimentos federais de 27,6% garantindo para o Estado um papel de indutor do desenvolvimento, a partir da ascensão do movimento de massas e das críticas da oposição liberal, em que se destacou a voz do próprio ex-presidente da República do PSDB, o petismo hegemônico cedeu. Frente às pressões crescentes dos movimentos populares, Cardoso requentou suas teses clássicas dos anéis burocráticos, que associam o autoritarismo na América Latina a um suposto domínio do corporativismo estatal sobre a sociedade civil, para condenar a expansão do gasto público em favor de elites empresariais específicas, setores mais pobres da população e dos projetos de permanência da liderança político-partidária petista. O governo Dilma reduziu em seu primeiro mandato os investimentos federais à expansão anual de 1,0% e em seu segundo mandato a um decrescimento de -28,4% ao ano. O resultado não foi a democracia, mas o golpe de Estado do qual o próprio Fernando Henrique Cardoso participou como ideólogo e articulador. 

Lula voltou à vida política eleitoral para o seu terceiro mandato presidencial dando centralidade à austeridade fiscal, descartando qualquer perspectiva de capitalismo de Estado e aprofundando a política de compressão e cortes ao custeio da máquina administrativa federal. Mesmo a nova política industrial, financiada pelo BNDES, maneja recursos modestos. Sabemos que estamos avançando para novas etapas da revolução científico-técnica e que o setor de serviços assume protagonismo no mundo contemporâneo, tanto na produção de bens e serviços quanto nas lutas sociais. Dois são os projetos em confronto para a economia política do século XXI: um prioriza a saúde, a educação, a ciência, a tecnologia, a infraestrutura, a ecologia e o lazer e está baseado nas lutas nacionais e populares dos trabalhadores e em sua internacionalização; outro prioriza o capital financeiro, o rentismo, seus lucros extraordinários e fictícios, submetendo o mundo da vida, isto é, dos trabalhadores e das pequenas e médias empresas, à expropriação para a realização de suas expectativas de rentabilidade. Ao optar por uma estratégia de governabilidade pelo alto para supostamente garantir a estabilidade da democracia liberal brasileira, Lula e o núcleo dirigente do PT desenham para o seu partido o lugar de braço operário do grande capital no país. O fazem, todavia, em um país dependente que sofre transferências negativas de mais-valor e durante uma conjuntura internacional de crise orgânica e terminal do padrão neoliberal. Trata-se do projeto de uma tecnoburocracia de origem operária que prioriza a partilha da gestão do Estado com o grande capital e os cargos e salários a que esta dá acesso. Afasta qualquer interesse popular que crie turbulências políticas e lhe prejudique na disputa com o fascismo por essa aliança. Os montantes destinados às universidades públicas no orçamento federal, inferiores aos do governo Temer e à média do governo Bolsonaro, não apenas aprofundam a dependência científico-tecnológica, mas atingem a reprodução de um dos segmentos da classe trabalhadora mais capacitados para produzir uma alternativa à hegemonia das políticas neoliberais no Brasil. Este segmento junto com os demais trabalhadores da educação, os trabalhadores  da saúde e demais serviços públicos têm liderado as paralisações no Brasil no século XXI.  

Entre as principais condições para a ascensão do fascismo estão o declínio do liberalismo político e a submissão das esquerdas às suas políticas públicas e projetos. A aproximação do PT às concepções estratégicas da social-democracia europeia que vem se submetendo ao neoliberalismo e ao imperialismo liberal estadunidense indicam que o caminho escolhido para combater o fascismo é equivocado. Entre 2004 e 2024, a participação da social-democracia no parlamento europeu caiu sistematicamente, desabando de 27,3% para 18,8%, enquanto a extrema-direita cresceu, principalmente na França, na Itália e na Alemanha. As contradições entre as massas e uma política social-democrata subordinada à austeridade se agravam em um país cujo padrão de acumulação se baseia na superexploração dos trabalhadores. A aproximação do PT com os neoliberais, cuja impopularidade impediu que o PSDB e o PFL/DEM lançassem candidatos competitivos à Presidência da República desde o fim do governo FHC, abre o espaço para que o fascismo utilize sua retórica demagógica sobre as massas desorganizadas para se colocar como antissistêmico, aprofundando o neoliberalismo, mas se lançando contra a democracia política, alvejada pelos acordos de cúpula que suas formas liberais-oligárquicas têm ensejado no país.

A conjuntura brasileira exige atenção e uma avaliação cuidadosa dos setores vinculados às políticas nacionais-democráticas e de emancipação popular. Não se poderá combater a extrema-direita sem conflitos e lutas contra as estruturas seculares da opressão do povo brasileiro que se aprofundam. Qualquer alternativa que busque contornar esta necessidade poderá desmoralizar as esquerdas e gerar resultados bastante negativos.

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Carlos Eduardo Martins é professor associado UFRJ, editor de Reoriente: estudos sobre marxismo, sistemas-mundo e dependência e pesquisador do CLACSO. Membro do conselho editorial da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, é autor, entre outros, de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção, em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009).


Fonte: Blog da Boitempo