Mal encerrada a Cúpula da Amazônia, a Bloomberg acaba de publicar uma matéria informando que o governo Lula decidiu acionar a Advocacia Geral da União para que esta emita um parecer Ad para que Petrobras faça prospecção de petróleo sem estudo amplo de impacto ambiental (ver imagem abaixo).
Segundo a Bloomberg, o “escritório do advogado-geral, ou AGU, emitirá um parecer de que não é necessário que a Petrobras conduza um estudo de impacto ambiental significativo para começar a prospecção de petróleo na Foz do Amazonas”.
Na prática isto significa que o governo Lula, apesar de todo o discurso supostamente voltado para a busca de um equilíbrio entre crescimento e proteção ambiental, decidiu que a Petrobras deve fazer prospecção de petróleo em uma área não apenas ecologicamente sensível, mas de vasta importância socioambiental, principalmente para as populações tradicionais que obtém seu sustento na foz do Rio Amazonas.
É preciso lembrar que o Ibama, bloqueou no início deste ano os planos da Petrobras de iniciar perfurações exploratórias offshore na região por considerar que a empresa não tinha produzido estudos que fossem tecnicamente aptos, especialmente quando se leva em conta que a área que abriga um rico sistema de recifes de coral com aproximadamente 9.500 quilômetros quadrados.
Não me custa lembrar, enquanto morador do município de Campos dos Goytacazes que foi abastecido com bilhões de reais com royalties do petróleo que este aporte de recursos vindos da exploração da bacia de Campos não mudou substancialmente em nada a maioria da população, já que a maior parte da riqueza gerada ficou com as grandes petroleiras e seus acionistas.
Essa opção por usar a AGU explica a reação pouco amistosa do governo Lula com o pronunciamento do presidente colombiano Gustavo Petro que pediu a suspensão de projetos petrolíferos na Amazônia.
A empresa de energia Petrobras diz que qualquer óleo vazado não chegaria à costa brasileira, mas os cientistas estão preocupados com um vasto recife nas proximidades
A água corre com grande força do rio Amazonas para o mar em sua foz. Crédito: Universal Images Group North America LLC/Alamy
Por Meghie Rodrigues para a Nature
A Petrobras quer perfurar poços exploratórios de petróleo no oceano perto da foz do Amazonas, um dos maiores rios do mundo. Embora a agência de proteção ambiental do Brasil tenha rejeitado até agora o pedido da estatal, os pesquisadores temem que o plano possa um dia ser aprovado, incentivando novas perfurações offshore na área. Em particular, eles estão preocupados com os efeitos da perfuração – e inevitáveis vazamentos de petróleo – em um vasto sistema de recifes nas proximidades.
“Há um risco palpável de derramamento de óleo se as atividades prosseguirem – o fato de ser um poço exploratório para estudar o potencial de petróleo da região em águas profundas não o isenta de acidentes”, diz Carlos Rezende, biólogo marinho da Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goytacazes.
Em maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recusou o pedido da Petrobras para perfurar o bloco FZA-M-59, um terreno marinho a cerca de 175 quilômetros da costa do norte do Brasil, perto da fronteira com a Guiana Francesa, e a cerca de 540 quilômetros da foz do rio Amazonas. O órgão disse que a avaliação de impactos ambientais da empresa e seu plano emergencial em caso de vazamento são insuficientes. A Petrobras, que tem sede no Rio de Janeiro, já recorreu e entrou com um novo pedido.
A empresa se defendeu à Nature, dizendo que, no local de perfuração planejado, “não há registro de nenhuma unidade de conservação próxima, nem está localizada perto de rios, lagos, várzeas ou sistemas recifais”. Mas Rezende argumenta que o Sistema de Grandes Recifes da Amazônia fica a apenas cerca de 50 quilômetros do local, e que o óleo na água poderia percorrer essa distância.
Fonte: Adaptado de L. S. Araujo et al., março Pol. 128, 104465 (2021)
As ameaças ao sistema recifal, que fica a 70 a 220 metros abaixo da superfície do oceano, são de grande preocupação para alguns cientistas. Tem sido difícil explorar a área por causa das águas turbulentas, mas estudos estimam que o recife se estenda entre 9.500 e 56.000 quilômetros quadrados em toda a foz do Amazonas1,2. Quando foi descrita pela primeira vez por cientistas, na década de 1970, os pesquisadores não observavam uma rica biodiversidade. Mas estudos em 20162 e 20193 encontrou um ecossistema próspero que abriga corais, esponjas e comunidades de peixes.
“É enorme e sensível”, diz Ronaldo Francini-Filho, pesquisador de ecossistemas marinhos da Universidade de São Paulo. “E não sabemos nem 5% do que está lá embaixo.”
Rodrigo de Moura, ecologista marinho da Universidade Federal do Rio de Janeiro que mapeou recifes na foz do Amazonas, concorda. “Há muitas incógnitas conhecidas lá”, diz ele. Como os pesquisadores não sabem muito sobre os habitats e a circulação da água do recife, “uma avaliação abrangente dos riscos da exploração de petróleo e gás é atualmente impossível”, acrescenta.
Um bloco promissor
Se o projeto for aprovado, pode abrir um precedente para permitir a perfuração em outros 15 locais de águas profundas próximos que estão sinalizados para exploração, diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas do Observatório do Clima, uma coalizão da sociedade civil com sede no Rio de Janeiro focada em políticas de mudanças climáticas.
Até o momento, 95 poços exploratórios foram perfurados na região sem atingir muito petróleo; Alguns depósitos de gás natural foram encontrados, mas nenhum grande o suficiente para fins comerciais. Esses poços estavam todos em águas rasas, mas o FZA-M-59 está a uma profundidade de 2.800 metros, em uma parte do oceano que alguns pesquisadores acreditam ser mais promissora. Egberto Pereira, geoquímico orgânico da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diz que é possível que o petróleo esteja abaixo do FZA-M-59, porque a paisagem e a composição rochosa da área são semelhantes às de uma região rica em petróleo ao largo da Guiana, onde a petroleira ExxonMobil opera desde 2015.
O Sistema de Grandes Recifes da Amazônia é o lar de esponjas marinhas e outros organismos.Crédito: Greenpeace
A perfuração offshore foi benéfica para o Brasil no passado: em particular, a perfuração na costa sudeste em bacias próximas a São Paulo e Rio de Janeiro trouxe um lucro inesperado. Em 2010, a Petrobras captou mais de US$ 25 bilhões para perfurações exploratórias na região. Aloizio Mercadante, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, estimou que a Margem Equatorial — região que se estende por mais de 2.200 quilômetros ao longo da costa norte do Brasil e inclui o FZA-M-59 — poderia render entre 10 bilhões e 30 bilhões de barris de petróleo.
Mas os pesquisadores acham prematuro fazer essas estimativas quando o petróleo ainda não foi encontrado. E não estão convencidos de que a Petrobras tenha avaliado adequadamente o impacto da perfuração. A empresa diz que a modelagem de vazamento de óleo atende aos requisitos do Ibama. “Os resultados indicam que não há probabilidade de [o petróleo] tocar a costa brasileira” em caso de vazamento, diz a Petrobras.
Mas a modelagem mostrou que o petróleo poderia chegar à Guiana Francesa, Guiana, Suriname e Caribe, ressalta Rezende. Ele diz ainda que os modelos utilizados pela Petrobras “não consideram as ondas geradas pelo vento, que são bastante intensas na região e certamente puxariam petróleo para o litoral”. A Petrobras defende sua modelagem, dizendo que utiliza as “mais modernas técnicas e sistemas”.
Os pesquisadores temem que, se o petróleo chegar à costa, possa danificar os manguezais na foz do Amazonas. “A região abriga a segunda maior área contínua de manguezais do mundo”, diz Francini-Filho. “Como é altamente sensível, a contaminação por óleo seria catastrófica.”
Um futuro mais verde?
A Petrobras diz à Nature que perfurou quase 3.000 poços em locais de águas profundas sem nenhuma complicação, e que estes, “somados ao conhecimento técnico e à experiência acumulados ao longo de 70 anos, permitem à empresa abrir novas fronteiras com total segurança em relação à sensibilidade ambiental da Margem Equatorial”.
Mas mesmo que a perfuração possa ser feita com segurança, os pesquisadores ainda questionam a ideia de explorar novas reservas de petróleo – o que criaria emissões de carbono – enquanto o mundo luta contra as mudanças climáticas. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez campanha como um cruzado ambientalque protegeria a biodiversidade e a saúde do país. Permitir a perfuração no FZA-M-59 poderia colocar em dúvida sua sinceridade.
“É isso que queremos como país?”, questiona Araújo. Se aprovado, o projeto só começaria a produzir petróleo em 2030. “Quanto valerá um barril até lá, quando as nações deveriam estar se convertendo em energia renovável?”, questiona. “Deveríamos estar pensando em um plano de desenvolvimento para o século XXI.”
O Ibama diz que está analisando o último pedido da Petrobras, mas não definiu data para uma decisão.
Sistema de recifes descoberto em 2019 está sob grave risco por causa das atividades da Petrobras no delta do Amazonas
Em setembro de 2019, o “Blog do Pedlowski” publicou uma nota sobre a publicação de um artigo científico pela revista “Nature” dando conta da existência de um rico sistema de corais no delta do Rio Amazonas que mudou tudo o que se suponha conhecer acerca da existência desse tipo de ecossistema marinho. Quase um ano depois da publicação daquele artigo que mudou o paradigma científico acerca dos recifes de corais, a empresa petrolífera francesa Totalnoticiou o abandono da sua intenção de explorar petróleo na área em que o sistema recifal amazônico está localizado por causa da devastação ambiental que suas atividades poderiam causar.
Pois bem, agora a paraestatal petrolífera brasileira Petrobrasestá anunciando que vai tocar sozinhao projeto que francesa Total abandonou por causa dos problemas ambientais, em um total desprezo às implicações destrutivas que a extração de petróleo vai inevitavelmente causar no sistema de recifes do delta do Amazonas (ver imagem abaixo).
Como o anúncio é de que as perfurações no delta do Amazonas, região onde se encontra o sistema recifal em sistema lamoso descoberto em 2019, deverão ser iniciadas em novembro de 2022, há que se começar um amplo movimento político para impedir mais este crime ecológico que ameaça um sistema ecológico singular e de vital importância para a biodiversidade marinha.
E sim, quando se pensa que sob o governo Bolsonaro já cometeram todos os absurdos contra o patrimônio ecológico brasileiro, a realidade vem mostra que sempre pode se cavar um poço mais fundo.