O levante da ciência

cientistas engajados

Por Herton Escobar, jornalista especializado em Ciência e Meio Ambiente e repórter especial do “Jornal da USP”

“Sempre que a ciência for atacada, temos que nos levantar.” Palavras do professor Ricardo Galvão, proferidas em 16 de agosto de 2019, no auditório do Conselho Universitário da USP, poucos dias após ter sido removido pelo ministro Marcos Pontes da cadeira de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que ele ocupava legitimamente desde 2016. Motivo da exoneração: Galvão se levantou. Fez o que o próprio ministro não teve coragem (ou talvez interesse) de fazer: defendeu a ciência brasileira do negacionismo e das mentiras lançadas contra ela pelo então presidente da República, Jair Bolsonaro.

O caso é bem conhecido. Logo nos primeiros meses do governo, aconteceu o que todo mundo previa que iria acontecer: o desmatamento da Amazônia começou a crescer. Pressionado, o presidente colocou em prática a sua especialidade: negar a realidade. Em vez de demonstrar preocupação e anunciar providências, disse que os dados do Inpe eram “mentirosos” e acusou o diretor do Inpe (Galvão) de estar a serviço de ONGs internacionais, conspirando contra o seu governo. Galvão poderia ter ficado calado para se preservar no cargo, mas não. Rebateu publicamente o presidente, defendeu os dados do Inpe e desafiou Bolsonaro a comprovar suas acusações (o que nunca aconteceu). Depois, ainda enfrentou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em diversas ocasiões tentou, também, desacreditar publicamente o trabalho do Inpe.

Galvão perdeu o cargo, mas caiu de pé. Se o objetivo era desmoralizá-lo, aconteceu o contrário. Galvão virou um símbolo de inconformismo e resistência ao negacionismo científico e ao obscurantismo intelectual que permearam os quatro anos do governo Bolsonaro. Um governo que negou a realidade do desmatamento, negou o perigo das mudanças climáticas, negou a gravidade da pandemia (até o final), negou a segurança das vacinas, negou a necessidade das máscaras, promoveu falsos tratamentos e vendeu falsas soluções para todo tipo de problema, na área ambiental, na área social, na saúde, na educação, na segurança pública, e por aí vai. Gastamos quatro anos lutando contra inimigos imaginários — ameaça comunista, ideologia de gênero, banheiro unissex, satanismo — enquanto o vírus, a pobreza, a fome e outros problemas do mundo real eram simplesmente negados ou ignorados.

Quantas vidas humanas foram perdidas sem necessidade na pandemia em função disso? Quantos quilômetros quadrados de floresta foram desmatados impunemente? Quantos indígenas morreram de fome, sitiados pelo garimpo? Quantas armas foram parar nas mãos de pessoas violentas? Quantos jovens tiveram seus sonhos jogados na lata de lixo? Quantas universidades foram sucateadas? Quantos cérebros deixaram de ser formados ou foram embora para nunca mais voltar? Quantas pesquisas importantes deixaram de ser feitas? Quantas crianças deixaram, e ainda deixarão, de ser vacinadas por conta das mentiras e do medo que o governo semeou na mente de seus pais? Quantas decisões erradas foram tomadas, apesar do conhecimento disponível para evitá-las?

O negacionismo científico não é apenas uma questão acadêmica, de caráter teórico; é um problema real, com consequências práticas e nefastas para toda a sociedade, que precisa ser combatido com urgência e com inteligência.

O saldo desses últimos quatro anos foi desastroso para a ciência brasileira: orçamento esmagado, cientistas perseguidos, universidades e institutos de pesquisa abandonados, cérebros em fuga. Mas poderia ter sido muito pior, se Galvão e tantos outras lideranças e organizações não tivessem se levantado contra o desmonte. Entre elas, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciência (ABC), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e várias outras entidades que, individualmente ou coletivamente, atuaram para reverter, amenizar, ou ao menos retardar, os impactos dos muitos ataques à ciência e às universidades públicas proferidos nesse período.

Em 17 de janeiro deste ano, Galvão foi apresentado como o novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um dos cargos mais importantes e prestigiados da ciência brasileira. Vai trabalhar de mãos dadas com a nova presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília, que também atuou fortemente em defesa da ciência e da educação nos últimos quatro anos. Duas indicações qualificadas, do ponto de vista técnico, e carregadas de simbologia.

“Hoje é o dia que se faz justiça à ciência brasileira, o dia em que viramos a página do negacionismo, que não pode ser esquecido, para que não volte a acontecer”, disse a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Luciana Santos.

Galvão, que é professor aposentado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, se emocionou várias vezes durante a cerimônia, especialmente ao lembrar do seu discurso de 2019 na USP. “Prezada ministra, de fato o povo brasileiro não se calou”, disse. “Essa cerimônia, e a indicação da professora Mercedes Bustamante para a Capes, são a comprovação de que nossa ciência sobreviveu ao cataclisma político promovido por um governo negacionista, que empreendeu um verdadeiro desmonte das políticas públicas em diversas áreas.” E concluiu: “No dia de hoje viramos essa página triste de nossa história, com a convicção de que a ciência voltará a promover grandes avanços para a nossa sociedade”.

Se essa página foi virada, de fato, só o tempo dirá. O negacionismo perdeu a eleição, mas não desapareceu. Assim como o vírus da covid, é um inimigo que chegou para ficar, altamente infeccioso e resiliente, especialmente quando transmitido via WhatsApp, acoplado ao vírus da desinformação.

Desenvolver uma vacina eficaz contra essa doença é um desafio imenso, prioritário e de caráter multidisciplinar, que exige a participação de toda a sociedade — cientistas, professores, médicos, jornalistas, comunicadores, advogados, empresários, poder público. É impossível erradicar o vírus — sempre haverá pessoas dispostas a inventar e disseminar mentiras —, mas, com boa informação, boa educação e um mínimo de bom senso, é possível conter a sua disseminação. Diante desse quadro, só há uma opção daqui para frente: permanecer de pé.

(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


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Este texto foi inicialmente publicado pelo “Jornal da USP” [Aqui!].

Amazônia brasileira com escalada recorde de incêndios

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Por Washington Castilhos para a SciDev

As queimadas na Amazônia brasileira aumentam a cada mês, e o acumulado anual segue a mesma tendência. Somente em setembro de 2022, às vésperas das eleições presidenciais brasileiras realizadas em 2 de outubro, foram detectados 41.282 focos de incêndio no bioma, número 146% superior ao registrado no mesmo mês de 2021 (16.742 focos).

Esse é o pior índice desde 2010, quando foram registrados 43.933 focos no mesmo mês, segundo dados do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Desde então, apenas três setembros (2017, 2020 e 2022) ultrapassaram 30 mil incêndios, dois desses meses foram durante anos de governo do atual presidente Jair Bolsonaro, agora candidato à reeleição.

Os incêndios acumulados em 2022 (89.285 focos até 5 de outubro) já superam o total registrado em 2021 (75.090). Agosto também foi o mês com o maior número de incêndios nos últimos 12 anos, com 41% mais focos do que no mesmo mês de 2021.

No ritmo atual, espera-se que os incêndios de 2022 ultrapassem a marca de 100.000 surtos em um ano. Apenas a primeira semana de setembro, com 18.374 focos, já havia superado o total de 2021.

Mapa mostrando a localização do “arco do desmatamento da Amazônia” no Brasil

Cientistas dizem que o aumento dos incêndios nos últimos meses está relacionado ao relaxamento das ações de controle no atual governo e também às expectativas sobre o resultado das eleições.

“Historicamente, na Amazônia durante os anos eleitorais há um aumento de incêndios devido à incerteza de como o próximo governo vai agir na frente ambiental”, disse Rômulo Batista, biólogo do Greenpeace Brasil , ao SciDev.Net .

Segundo o físico e ex-diretor do Inpe, Ricardo Galvão, isso se deve à relação direta entre queimadas e desmatamento. Nesse processo, as árvores são derrubadas e secas e, em seguida, o fogo é usado para “limpar” o local para pastagem e agricultura.

Galvão observa que quem desmata se sente pressionado com a possibilidade de mudar sua política, o que torna suas ações ainda mais poderosas. “Como a Amazônia é desmatada para queimar e limpar, tentamos desmatar o mais rápido possível”, disse Galvão, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) . SciDev.Net .

Os pesquisadores ressaltam que, apesar de ser um período quente e sem chuva na Amazônia, não há espaço para argumentos de que o fogo seja espontâneo por conta do calor. Segundo o engenheiro ambiental Alberto Setzer, que desenvolveu o sistema de monitoramento de incêndios do Inpe, 99% dos incêndios são causados ​​por ação humana, sendo a maioria ações ilegais facilitadas pelo controle negligente.

“As imagens estão sendo feitas em tempo real, os satélites mostram quando e onde esses crimes ocorrem. Se continuam a acontecer, é porque deve haver interesses para que a situação continue”.

Alberto Setzer, Coordenação Geral de Ciências da Terra do Inpe

“De um lado está a legislação e de outro a falta de controle. O controle depende da vontade política”, disse Setzer ao SciDev.Net . “As imagens estão sendo feitas em tempo real, os satélites mostram quando e onde esses crimes ocorrem. Se continuarem acontecendo é porque deve haver interesses para que a situação continue”, acrescenta o pesquisador da Coordenação Geral de Ciências da Terra do Inpe.

A situação tem recebido atenção mundial. Em artigo publicado às vésperas das eleições brasileiras, a revista Nature observou como o atual governo “incentivou a mineração em toda a floresta amazônica ao mesmo tempo em que reduziu a fiscalização das leis ambientais, resultando em um aumento acentuado do desmatamento”.

Segundo os cientistas, os sucessivos cortes no orçamento do Ministério do Meio Ambiente do Brasil refletiram diretamente nas ações de seus órgãos de fiscalização e controle na Amazônia, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama).

E, segundo eles, com a recente eleição de um número significativo de senadores e deputados alinhados à política do atual governo, as perspectivas não são animadoras.

“Há projetos de lei extremamente prejudiciais ao meio ambiente e há pressão para que esses deputados e senadores eleitos aprovem esses projetos”, disse Galvão, que foi demitido da Diretoria do Inpe por Jair Bolsonaro em julho de 2019 por divulgar dados sobre desmatamento. pela agência.

“Existem, por exemplo, projetos de lei que buscam abrir terras indígenas para exploração por não indígenas e tentativas de flexibilização das licenças ambientais”, acrescentou Batista.

Cientistas concordam que a questão ambiental não foi debatida como deveria no primeiro turno das eleições presidenciais e esperam que no segundo turno, a ser realizado em 30 de outubro, as propostas ambientais dos dois candidatos —o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva e o atual presidente Bolsonaro – podem ser apresentados à população com maior clareza.

O problema, segundo especialistas, é que isso acontece porque ainda não há uma percepção pública clara dos malefícios das atuais políticas sobre o meio ambiente, o que fez com que a maioria das candidaturas comprometidas com as questões ambientais não fossem vitoriosas. “Essa mensagem não penetrou na população brasileira”, lamentou Galvão.

Este artigo escrito originalmente em espanhol foi produzido pela edição da América Latina e Caribe do SciDev.Net [Aqui!].

A saga dos dois Ricardo (um cientista laureado e outro um ex-antiministro que fingia ter diploma da Yale University) como síntese do drama político brasileiro

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Na esquerda, o cientista Ricardo Galvão demitido do cargo por defender o rigor científico dos dados do desmatamento na Amazônia. Na direita, o antiministro que só saiu do governo ao ser flagrado em relações pouco republicanas na comercialização de madeira extraída ilegalmente também na Amazônia

Postei mais cedo aqui  neste blog, a informação que o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o respeitado e laureado pesquisador Ricardo Galvão lançou sua candidatura a deputado federal pela Rede para ser representante de São Paulo na Câmara Federal. Pois bem, depois dessa postagem li informações de que outro Ricardo, no caso o ex-antiministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, o Salles, envolveu-se em uma altercação de rua quando realizava sua campanha também a deputado federal por São Paulo, só que pelo PL, o mesmo do presidente Jair Bolsonaro (ver imagem do embate abaixo com Salles com dedo em riste).

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Com o dedo em riste, o ex-antiministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, discute com um candidato a deputado estadual pelo PSOL na cidade de  Franca (SP)

Mas mais do que estarem separados por partidos, os dois Ricardo estão separados pela trajetória que cumpriram no governo Bolsonaro. É que enquanto o primeiro Ricardo (o Galvão) foi demitido por defender de forma arrojada a qualidade dos dados científicos gerados pelo Inpe sobre o desmatamento na Amazônia, o segundo Ricardo (o Salles) só saiu do cargo de antiministro do Meio Ambiente quando sua posição se tornou insustentável após ser flagrado em relações pouco republicanas na venda internacional de madeira extraída ilegalmente na mesma Amazônia.

Se essa trajetória dentro do governo Bolsonaro (lembrando que o cargo de diretor do Inpe nunca foi cargo de confiança de indicação do presidente da república e o de ministro do meio ambiente é) não sintetiza de forma lapidar o duro contexto político brasileiro do momento não sei mais o que poderia fazer isso. 

O cientista laureado versus o antiministro que dizia que tinha, mas nunca teve, um diploma da Yale University

Mas me ocorre lembrar que o primeiro Ricardo (o Galvão) após obter seu título de doutor pelo Massachusets Institute of Technology (MIT), logrou construir uma respeitabilíssima carreira científica dentro de instituições públicas como, por exemplo, a Universidade de São Paulo (USP); enquanto que o segundo Ricardo (o Salles) passou anos alardeando uma pós-graduação na Yale University que depois veio a se descobrir nunca havia sido sequer cursada, sendo basicamente um blefe que visou apenas dar ao antiministro um aura de competência acadêmica que ele jamais teve.

A questão que se coloca então, apesar de minhas poucas ilusões com o parlamento burguês, é de como se poderá agir para eleger o Ricardo cientista e impedir que o ex-antiministro consiga imunidade parlamentar pelo voto popular. Nada mais exemplarmente lapidar dos desafios existentes para os brasileiros neste momento.

Ricardo Galvão, ex-diretor do INPE, lança sua candidatura a Deputado Federal pela Rede, em São Paulo

O pesquisador que confrontou e foi exonerado por Bolsonaro promete combater o negacionismo e colocar a ciência a serviço de São Paulo e do Brasil

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Indignação e coragem para combater o negacionismo à Ciência são as palavras que podem definir uma das principais motivações do professor e pesquisador Ricardo Galvão ao decidir lançar seu nome para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados.

Depois de questionar as mentiras perpetradas pelo governo quanto aos índices de desmatamento, Galvão manteve durante vários dias um embate em rede nacional tanto com o Presidente Bolsonaro quanto com o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Por manter suas convicções baseadas nos irretocáveis dados do desmatamento levantados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que dirigia, Ricardo Galvão foi demitido em agosto de 2019, ainda no primeiro ano deste governo.

“É necessário reagir com contundência. Fiz isso, mesmo sabendo que assim seria exonerado. Valeu a pena, pelo objetivo de defender a ciência perante o obscurantismo e o autoritarismo que caracterizam o círculo próximo ao presidente”, afirmou o professor Galvão em artigo publicado na revista Veja.

No mesmo ano, ele foi escolhido pela prestigiosa revista Nature, um dos 10 especialistas destaques da ciência em todo o mundo.

Mesmo antes dessa exposição não intencional, Galvão já possuía uma sólida carreira na área acadêmica como professor do Instituto de Física da USP (agora aposentado) e experiência na administração pública.

E neste conturbado ano de 2022 decidiu que era o momento de contribuir com sua experiência para o bem dos brasileiros e brasileiras.

Entre as suas principais bandeiras estão a enfática defesa da democracia, a valorização da educação, as ações no combate ao desmatamento e em prol da preservação ambiental, o desenvolvimento sustentável e colocar a ciência no centro da elaboração de políticas públicas desde a sua base de atuação no estado de São Paulo. “A criação de conhecimento científico e as plataformas de tomada de decisão precisam estar intrinsecamente ligadas. Só assim o Brasil conseguirá crescer sustentavelmente”, ressalta.

Para Galvão é fundamental que se faça um enfrentamento às mazelas do país e de São Paulo por meio de ações e políticas que se baseiam em informações e dados científicos, o que tem sido totalmente ignorado pelo atual governo. “Durante a pandemia vimos os males que um governo que despreza a ciência traz para um país. Não podemos correr esse risco. É preciso que tenhamos uma bancada do conhecimento e da ciência para a construção de um Brasil justo e próspero”, afirma o candidato da Rede por São Paulo.

Perfil Ricardo Galvão

É cientista e professor aposentado da IF-USP, e candidato a deputado federal pela Rede Sustentabilidade. Possui graduação em Engenharia Elétrica pela UFF (Universidade Federal Fluminense), mestrado em Engenharia Elétrica pela UNICAMP e é Doutor em Física de Plasmas pelo MIT. Também exerceu cargos de Diretor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), de Presidente da SBF (Sociedade Brasileira de Física) e de Diretor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). É membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu diversas honrarias durante a sua carreira, sendo a mais recente o Prêmio para Liberdade Científica e Responsabilidade, em 2021, da Associação Americana para o Avanço da Ciência.

Ricardo Galvão também ficou conhecido internacionalmente por defender os dados do INPE sobre o desmatamento da Amazônia, tendo por isso sido exonerado pelo Presidente Bolsonaro. Luta contra o negacionismo e defende a educação pública de qualidade, políticas públicas baseadas na ciência e o desenvolvimento sustentável.

Ex-presidente do INPE, físico Ricardo Galvão, ganha prêmio internacional “de Liberdade Científica e Responsabilidade” pela defesa dos dados de desmatamento da Amazônia

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Ricardo Galvão em frente do no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, onde trabalha desde 1983. | SEESP

Por  Adam D. Cohen

Ricardo Galvão, o físico brasileiro que perdeu o cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) após defender seus dados sobre o desmatamento na floresta amazônica, receberá o prêmio 2021 de Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação América para Avanço da Ciência (AAAS).

O Prêmio AAAS de Liberdade e Responsabilidade Científica homenageia cientistas que demonstraram liberdade científica e / ou responsabilidade em circunstâncias particularmente desafiadoras, às vezes em risco para sua segurança profissional ou física. Quando o presidente brasileiro Jair Bolsonaro atacou a legitimidade de um relatório destacando um aumento dramático no desmatamento na Amazônia, Galvão se manteve atrás dos números, uma decisão que lhe custou o emprego.

“O professor Galvão defendeu a ciência sólida em face da hostilidade”, disse Jessica Wyndham, diretora do Programa de Responsabilidade Científica, Direitos Humanos e Direito da AAAS. “Ele agiu para proteger o bem-estar do povo brasileiro e da imensa maravilha natural que é a floresta amazônica, um patrimônio mundial.”

O  INPEj, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do país, tem reputação internacional como líder no uso de satélites para detectar extração ilegal de madeira e queimadas em florestas tropicais. O Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real da agência pode detectar o desmatamento ilegal com rapidez suficiente para dar às autoridades policiais a chance de pará-lo.

Em 4 de julho de 2019, liderado por Galvão, o INPE publicou relatório mostrando que houve um aumento de 88% no desmatamento na Amazônia em junho de 2019 em comparação com o mesmo mês do ano anterior. O relatório citou uma possível ligação entre a eleição de Bolsonaro e o aumento pronunciado da degradação da terra. Bolsonaro concorreu à presidência em uma plataforma pró-desenvolvimento e começou a afrouxar as regulamentações ambientais imediatamente após assumir o cargo no início de 2019.

Em comentários feitos a jornalistas em 19 de julho, Bolsonaro acusou Galvão de mentir e estar “a serviço de alguma organização não governamental”. Na época, dados do INPE mostravam que um total de 4.701 km2 de terras haviam sido desmatados no primeiro semestre de 2019, um aumento drástico em relação aos 2.809 quilômetros quadrados que haviam sido desmatados no primeiro semestre de 2018. Galvão negou veementemente as afirmações de Bolsonaro , chamando-os de “não adequados para um presidente do Brasil”.

Bolsonaro, no entanto, continuou o ataque. Durante entrevista coletiva em 1º de agosto, ele afirmou que os números foram fabricados “para atacar o nome do governo e do Brasil”. Em seguida, o INPE divulgou nota para “reafirmar sua confiança na qualidade dos dados”, e Galvão foi demitido no dia 2 de agosto. Ele continua a atuar como professor de física aplicada na Universidade de São Paulo, onde trabalha desde 1983.

Desde sua saída do INPE, Galvão não para de se pronunciar contra o que considera a hostilidade de Bolsonaro à ciência. A revista Nature nomeou o físico brasileiro como das “pessoas que mais importavam em ciência em 2019.”

“Não apenas como cientista, mas como cidadão brasileiro, estou muito preocupado com o aumento da taxa de desmatamento na Amazônia”, disse Galvão em uma entrevista de agosto de 2019 ao Eos . “O líder de qualquer país deve estar ciente de que em assuntos científicos não há autoridade acima da soberania da ciência.”

AAAS estabeleceu o Prêmio de Liberdade e Responsabilidade Científica em 1980. As realizações que reconhece incluem agir para proteger a saúde, segurança ou bem-estar do público; concentrar a atenção do público em questões importantes relacionadas à pesquisa científica, educação e políticas públicas; e estabelecer precedentes importantes no desempenho das responsabilidades sociais dos cientistas ou na defesa da liberdade profissional dos cientistas e engenheiros.

Ricardo Galvão receberá o prêmio em uma cerimônia virtual no dia 10 de fevereiro, durante a 187ª Reunião Anual da AAAS. AAAS começará a aceitar nomeações para o prêmio de 2022 em 15 de abril. Mais informações sobre os requisitos de elegibilidade podem ser encontradas  aqui.

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Este texto foi originalmente escrito em inglês e publicado no site oficial da AAAS [Aqui!].

Governo Bolsonaro comete equívoco estratégico ao precarizar o INPE

ministro-astronautaO ex-astronauta e vendedor de travesseiros Marcos Pontes é um dos artífices dos ataques perpetrados pelo governo Bolsonaro ao Inpe

A inconformidade do alto escalão do governo Bolsonaro com a ciência produzida pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) ficou evidente com a demissão do seu então diretor, o físico Ricardo Galvão em agosto de 2019.

De lá para cá, uma série de movimentos indicam que a opção preferencial do presidente Jair Bolsonaro, secundado pelo ministro “lost in space“, o ex-astronauta e atual vendedor de travesseiros, o oficial da reserva Marcos Pontes, é de asfixiar financeiramente o Inpe, na provável e vã esperança de que não haverá mais monitoramento de qualidade na mudança da cobertura vegetal da Amazônia brasileira.

A coisa é tão explícita que a Agência Espacial Brasileira decidiu cortar para zero o orçamento de pesquisa, desenvolvimento e capital humano do Inpe  para 2021.  Com isso, não haverá para que os pesquisadores do instituto possam aprimorar suas capacidades para responder aos crescentes desafios científicos que estão emergindo por causa do avanço da franja de desmatamento e degradação dos ecossistemas amazônicos.

Outra colossal e onerosa besteira que bem exemplifica a disposição de sabotar o Inpe foi o gasto de R$ 145 milhões pelo Ministério da Defesa para a aquisição de microssatélites para fazer um serviço que já é feito com mais qualidade e precisão em São José dos Campos. 

O pior é que brevemente ficará dolorosamente evidente que o governo brasileiro precisará cada vez mais da expertise e da respeitabilidade internacional que o Inpe e seus pesquisadores possuem, até para se defender de novas descobertas que virão a público sobre o grau de destruição dos ecossistemas amazônicos.

A verdade é que o governo Bolsonaro, ao sabotar abertamente a capacidade funcional do Inpe, está dando um tiro (de bazuca) no próprio pé. É que em todos os anos em que foi permitido que desenvolvesse suas pesquisas sem graves intromissões ideológicas, os pesquisadores do Inpe atuaram não apenas como um instituto de excelência científica, mas com um órgão de Estado. 

E há que se notar que, por mais que se queira impedir o avanço da ciência, as rodas que movem o avanço do conhecimento científico sempre são mais fortes do que os desejos dos governantes de plantão. Em outras palavras, não há como brecar o avanço da ciência, e quando muito pode-se torná-lo mais lento.

Finalmente, há que ficar claro que a defesa do Inpe sintetiza hoje a defesa da ciência nacional e as possibilidades de que o Brasil possa ter um destino que não seja apenas ser terra arrasada pela dependência na venda de commodities agrícolas e minerais.

Dados científicos e não balela de Twitter: a explosão do desmatamento na Amazônia é real

Ricardo-Galvão-Abril‘Nós usamos ciência, não balela de Twitter’, disse ex-diretor do Inpe ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles em debate na GloboNews.

O físico Ricardo Galvão, diretor exonerado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aproveitou de um espaço televisivo na GloboNews para expor a incapacidade argumentativa do ministro (ou seria anti-ministro) do Meio Ambiente, o improbo Ricardo Salles, e, por extensão, do presidente Jair Bolsonaro na discussão acerca da validade dos dados científicos que mostram uma explosão do desmatamento na Amazônia (ver vídeo abaixo).

Um dos muitos pontos altos das posições oferecidas por Ricardo Galvão foi demonstrar que a capacidade e correção científica dos pesquisadores do Inpe possui lastro em um longa experiência com a análise dos dados produzidos por satélites desde a década de 1970. Nesse sentido, Ricardo Galvão apontou para o caráter simplesmente ideológico dos ataques que foram desferidos contra os estudos do Inpe pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo próprio Ricardo Salles.

Pressionado pelos argumentos sólidos de um cientista de renome internacional como Ricardo Galvão, sobrou para Ricardo Salles a prática de atitudes deselegantes e a exposição de um sorriso amarelo toda vez que seus argumentos falaciosos eram destroçados de forma clara e calma por um oponente que se mostrou não apenas superior intelectualmente, mas também no quesito defesa dos interesses nacionais. 

Em relação ao aspecto da defesa dos interesses nacionais sobrou para Ricardo Salles a inglória tarefa de acusar Ricardo Galvão de ser um nacionalista ferrenho que teria ojeriza ao que vem de fora.  Ao fazer isso, Ricardo Salles não só demonstrou o caráter entreguista das suas ações, mas também foi de encontro ao amplo reconhecimento internacional que a alta expertise científica dos pesquisadores do Inpe desfruta em toda a comunidade cientifica internacional.

Por último, ressalto que o professor Ricardo Galvão mostrou nesse debate como deve ser a postura dos cientistas brasileiros ao se defrontarem com a enxurrada de fake news que está sendo produzida para desvalorizar o conhecimento científico com o objetivo de fazer prevalecer balelas produzidas e disseminadas por robôs da internet.