PL dos planos de saúde acessíveis beneficia operadoras e prejudica usuários

hospitalFoto: HUSH NAIDO / UNSPLASH

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Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei dos Planos de Saúde Acessíveis (PL n. 7.419/2006) propõe novas modalidades de planos e mudanças na regulação do setor. O projeto traz benefícios às operadoras em detrimento dos usuários e impacta negativamente também no Sistema Único de Saúde (SUS), com propostas como o aumento da coparticipação para 50% e a flexibilização dos procedimentos e eventos assegurados pelo plano, sem seguir a cobertura mínima determinada pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Assim, o usuário arca com a falta e dificuldade de acesso a procedimentos, demanda que é absorvida pelo setor público. A análise é de pesquisadores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), publicada na sexta (11) na “Revista de Direito Sanitário”.

Os pesquisadores examinaram documentos oficiais relativos ao projeto, considerando suas justificativas econômicas e possíveis impactos das medidas no acesso à saúde. Mesmo se não aprovado, o PL é representativo de pautas comumente defendidas como solução para problemas característicos do setor, assim como das possíveis consequências de reformas para a efetivação do direito constitucional à saúde. Tal discussão ganhou mais espaço com a queda no número de beneficiários de planos privados, que se intensificou com a crise econômica de 2016 e com a pandemia.

Considerando o caráter emblemático do projeto, o relatório teve como objetivo averiguar a suposta eficiência econômica das propostas, defendida em seu lançamento, e prever possíveis efeitos práticos no sistema de saúde brasileiro. A pesquisadora Ana Luisa Romão, autora do artigo e doutoranda em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da USP, afirma que as novas modalidades de planos podem parecer atraentes em um primeiro momento, mas servem muito mais ao interesse das operadoras de saúde do que da população. “Este setor atrai cortando custos, a partir do oferecimento de modalidades de plano de saúde mais baratas e simplificadas. Mas elas vêm com um preço, na queda de cobertura e na dificuldade de obter atendimento. É importante que a sociedade tenha ciência disso, de que algo que é teoricamente para aumentar o acesso do cidadão à saúde, na verdade, diminui”, diz.

A falta de cobertura do sistema privado também impacta o sistema público, aumentando filas e gastos: “O consumidor paga o plano e, na hora que precisa, tem uma cobertura deficitária e é obrigado a usar o serviço público. Os serviços básicos ficam no atendimento privado e os de maior complexidade, que são áreas historicamente deficitárias, são jogados para o sistema público, que também perde com esse gasto”, explica Romão.

A pesquisadora afirma que é necessário acompanhar os projetos legislativos e de mudanças na regulação do setor, avaliando as propostas para além do que é mais aparente. “Nem sempre colocar algo como acessível necessariamente trará o benefício de acessibilidade aos serviços. É uma briga que vai continuar, e a que se precisa estar atento para não se deixar levar por discursos muito fáceis, de que se é barato, é bom. Não necessariamente. Às vezes, o barato sai caro”, conclui Romão.

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Este foi publicado originalmente pela Agência Bori [Aqui!].

Democracia tutelada: Estudo mostra crescimento de doações de empresas de saúde privada nas campanhas eleitorais

Doações da saúde suplementar nas eleições aumentaram 32 vezes em 12 anos

Estudo de Lígia Bahia e Mário Scheffer identificou grupos de interesse e políticos privilegiados com contribuições nas eleições de 2014

Amil, Bradesco Saúde, Qualicorp e grupo Unimed doaram, juntas, quase R$ 52 milhões para as campanhas eleitorais de 2014. O valor representa mais de 95% do total doado pelo setor de saúde suplementar no pleito do ano passado. O total doado contribuiu com 131 candidaturas de 23 partidos em todos os pleitos, das quais alcançaram vitória a presidente da República, três governadores, três senadores, 29 deputados federais e 24 deputados estaduais. Os dados são do estudo Representação política e interesses particulares na saúde- A participação de empresas de planos de saúde no financiamento de campanhas eleitorais em 2014, de Lígia Bahia e Mário Scheffer, membros da Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Abrasco e, respectivamente, professores do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ) e do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP-FM/USP).

A metodologia utilizada foi o cruzamento de informações de receitas e arrecadações das campanhas políticas disponíveis no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral com o CNPJ e razão social de 1.047 operadoras médico-hospitalares registradas oficialmente na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), segundo cadastro de dezembro de 2014. O total doado foi de  R$ 54.902.441,22.

A primeira observação é o crescimento exponencial de valores doados em comparação aos repassados em 2002, 2006 e 2010, quando os professores realizaram levantamentos similares. O estudo aponta que houve aumento de quase cinco vezes do que foi investido no pleito de 2010 e de 32 vezes, com valores corrigidos, às doações referentes a 2002. Foram pesquisados e documentados os dados fornecidos pelo TSE até o dia 20 de janeiro de 2015.

Diferentes valores, diferentes funções

Outro importante apontamento do estudo diz sobre as diferentes naturezas das doações, no qual, segundo Lígia e Scheffer, é possível identificar padrões diferenciados de financiamento. As grandes contribuições tendem ao apoio mais concentrado em partidos que estão à frente de governos e em candidatos majoritários, como a doação da Amil em prol das campanhas de Dilma Roussef à presidência da República e de Geraldo Alckmin ao governo do Estado de São Paulo, ou compor estratégias mais elaboradas de financiamento, como a da Bradesco Saúde, que compõe o plano de financiamento eleitoral do Grupo Bradesco. Os pesquisadores destacam ainda o apoio a candidatos proporcionais comprometidos com interesses que mesclam agendas corporativas, de entidades médicas e do empresariamento da saúde, como as Unimeds ou de perfil mais “paroquial”, este enquadrado na relação de pequenas operadoras a candidatos próximos, seja por localização geográfica ou por pertencimento a redes relacionais ou societárias.

Para os pesquisadores, o crescimento das doações mostra a força que operadoras, seguradoras e empresas de medicina de grupo articulam seus interesses políticos, além de ser antidemocrática e preservar a sub-representação de segmentos populacionais historicamente carentes e excluídos de direitos. “Deputados federais e senadores eleitos com apoio dos planos de saúde tendem a integrar bancadas mobilizadas para apresentar projetos de lei, relatórios, pareceres, requerimentos e votações em defesa dos interesses dos planos de saúde. Também atuam para vetar proposituras que contrariam esses mesmos interesses ou em manifestações de descrédito dirigidas à saúde pública”. Acesse o escudo completo.

FONTE: http://www.abrasco.org.br/site/2015/02/doacoes-da-saude-suplementar-nas-eleicoes-aumentam-mais-de-32-vezes-em-12-anos/