“Aconteceu o esperado: Eneva e IPAAM não reconheceram existência de indígenas na região de Silves”, aponta líder dos Mura, Munduruku e Gavião

Audiências públicas irregulares para debater projeto petroleiro no Amazonas também apontam contratação de funcionários de fora da região de Silves e Itapiranga, contrariando promessa da empresa

Eneva-Fonte-Exame

Manaus, 21 de junho de 2023 – “Aconteceu o esperado. A empresa Eneva e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) alegaram que não há indígenas no município de Silves, embora vivamos lá há mais de 40 anos. Mas, se o governo federal não nos reconhecesse como indígenas, por que faria um investimento grande em sete aldeias nossas?”, questiona o cacique Jonas Mura, líder da Associação dos Mura.

Representante de 190 famílias indígenas que vivem em Silves (AM), Jonas Mura reclamou da falta de reconhecimento da existência de sua comunidade por parte da petroleira Eneva e da agência ambiental do Estado do Amazonas. 

Em Silves e na vizinha Itapiranga, ocorreram, respectivamente, no sábado (17) e no domingo (18), audiências públicas para debater o polêmico projeto da Eneva, que inclui a extração e o escoamento de gás e petróleo desde há cerca de dois anos, além da possível construção de uma usina termelétrica. Todas essas atividades vêm ocorrendo sem a consulta às comunidades impactadas nem realização de audiências públicas com ampla publicidade dos elementos fundamentais para o licenciamento dessa atividade altamente poluidora.

Em maio, a Associação dos Mura e a Associação de Silves de Preservação Ambiental e Cultural (Aspac), com o apoio da organização global 350.org, deram entrada na seção judiciária federal no Amazonas em um pedido de Ação Civil Pública (ACP). As associações alegam que a Eneva e o IPAAM vem descumprindo a legislação ambiental. O Instituto, de âmbito estadual, está licenciando um projeto que, em verdade, deveria ser apreciado pelos órgãos federais Ibama e Fundação Nacional do Índio (Funai). Este último, especificamente, precisa ser ouvido quando populações indígenas são impactadas.

Nem a Eneva nem o IPAAM até o momento apresentaram o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de Campo do Azulão – ou Complexo do Azulão, como por vezes se referenciam representantes da empresa, quando mencionam a possibilidade de construção de uma usina associada ao projeto, além de um gasoduto.

Nas audiências, segundo relato dos participantes, houve uma forte reclamação sobre a baixa contratação de mão de obra local, contrariando os discursos anteriores de que esses empreendimentos iriam gerar centenas ou milhares de empregos para os municípios afetados.

“São um projeto e um licenciamento ambiental muito controversos e até certo ponto sigilosos, o que é inconcebível na legislação brasileira. Isso deixa muitas dúvidas sobre o que a Eneva está fazendo e o que vai fazer, incluindo o passivo ambiental que ela vai deixar”, avalia Luiz Afonso Rosário, responsável de campanhas e especialista em povos e comunidades tradicionais da 350.org.

“Esperamos que o Ministério Público Federal e a Funai, que estiveram presentes à audiência, deem uma resposta. Esperamos uma audiência dirigida aos povos indígenas e povos tradicionais. Em Silves, tivemos apenas um minuto para falar sobre o impacto ambiental que teremos ao longo do tempo da exploração do gás e petróleo, apesar de a empresa já estar trabalhando dentro da nossa área”, continuou Jonas Mura. “Não somos contra investimentos, mas precisamos ser ouvidos”, ressaltou.

Em audiências públicas neste fim de semana, comunidades questionam operação da Eneva no Amazonas

Sob “medidas policiais protetivas” para garantir a segurança dos participantes, indígenas, ribeirinhos e associações locais denunciam impactos da extração de gás

Eneva-Fonte-Exame

Manaus, 16 de junho de 2023 – Centenas de pessoas – entre povos indígenas, ribeirinhos e membros de associações locais – são aguardadas nas audiências públicas que ocorrem neste sábado e domingo em Silves e Itapiranga, no Amazonas, para questionar o projeto de expansão da exploração de gás e petróleo nos dois municípios. Conhecida como Campo do Azulão, a obra pertence à empresa Eneva, que não apresentou Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ignora a presença de indígenas e comunidades tradicionais nas áreas impactadas. Os organizadores da participação popular observam que a principal preocupação é com o tráfego na ida e na saída de Silves e Itapiranga, e não somente no espaço das audiências.

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Baseada nos assédios e ameaças já perpetradas em audiências que aconteceriam em maio, Juliana Marques, coordenadora do do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PEPDDH – AM), solicitou “disponibilização de medidas policiais protetivas” à Secretaria Estadual de Segurança (SSP-AM). A SSP-AM encaminhou o pedido ao Comando da PM estadual “para conhecimento e adoção das providências pertinentes, no âmbito daquela Corporação”, conforme o Ofício nº 1.257/2023-GS/SSP.

Em maio, foram convocadas e depois suspensas pela seção da Justiça Federal no AM duas audiências com igual objetivo. Mesmo com a suspensão, o prefeito de Silves, Raimundo Grana, e o deputado estadual e presidente do PT-AM, Sinésio Campos, assediaram e ameaçaram a Associação de Silves de Preservação Ambiental e Cultural (Aspac) e a Associação dos Mura, representante de 190 famílias indígenas dos povos Mura, Munduruku e Gavião Real. A Aspac e a Associação dos Mura assinaram o pedido para que a Justiça suspendesse aquelas audiências.

Audiência pública em Silves

17/06, às 9h

Escola Municipal Professora Alda Amazonas Martins – rua Luis Magno Grana, s/n, bairro Governador Plínio Coelho

Audiência pública em Itapiranga

18/06, às 9h

Ginásio Poliesportivo D. Jorge Marskell – rua Urucurituba, s/n, bairro Gilberto Mestrinho

Inconsistências e desinformações no licenciamento

Técnicos que trabalham em apoio às comunidades impactadas levantaram a existência de várias inconsistências e desinformações no processo de licenciamento ambiental, irregularmente emitido pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). Também causou surpresa a realização das audiências sem a prévia divulgação e debate sobre o EIA.

Em pedido de Ação Civil Pública (ACP), a Aspac e a Associação dos Mura anteriormente argumentaram:

a) Que o licenciamento seja feito pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), devido à complexidade e sensibilidade ambiental da bacia hidrográfica;

b) que seja realizada a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e demais populações tradicionais, localizadas na área de influência do empreendimento;

c) que seja elaborado estudo específico de Componente Indígena e do Componente Quilombola, ausentes em todas as fases do licenciamento ambiental e tampouco apreciado no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentado pelo empreendedor, além da identificação dos impactos do empreendimento pela ENEVA e a implementação dos planos de gestão econômicos e demais medidas mitigatórias e compensatórias; e

d) que seja dada ampla publicidade ao EIA, conforme determina a Resolução 237 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

EIA não foi divulgado; povos tradicionais não foram ouvidos

“A audiência pública não atende aos princípios básicos da consulta livre e informada às comunidades ribeirinhas, povos indígenas e quilombolas, além de não ter sido divulgado o EIA que precede a apresentação do RIMA. Existem potenciais riscos de contaminação das águas superficiais e subterrâneas da Bacia Amazônica, o que causaria grandes problemas de saúde e até morte das populações”, estima a bióloga Marcia Ruth Martins da Silva, da ASPAC, uma das autoras do pedido de ACP.

“A Eneva nunca ouviu os povos tradicionais que moram aqui na região. Ela não tem nenhum respeito ao povo indígena que mora no município de Silves”, avalia o Cacique Jonas Mura, que também assina o pedido.

“É inconcebível ainda explorarmos novas áreas de combustíveis fósseis, ainda mais numa região tão sensível como a Bacia Amazônica. O Campo de Azulão está recebendo do IPAAM um licenciamento no mínimo controverso, sem a participação popular, sem informações técnicas, comprometendo uma região cuja beleza cênica e a riqueza ambiental, fala por si só. Tanto o órgão ambiental como a Eneva esqueceram que lá existem gente, povos indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais e ribeirinhos que vivem e subsistem, há centenas de anos, com os recursos naturais renováveis da região em um equilíbrio harmônico”, observa Luiz Afonso Rosário, coordenador de campanhas da 350.org, que, juntamente com a ASPAC, a Associação dos Mura e a Rede GTA, integra a rede Resistência Amazônica.

“Apesar de ameaças sociais e ambientais, a audiência dupla é realizada após o empreendimento receber as licenças prévia, de instalação e de operação sem apontar aspectos como a ameaça social – afinal, um município com 12 mil habitantes irá receber 5 mil homens, com efeitos na vida das mulheres, na prostituição infantil, na gravidez precoce, nas doenças e tudo mais. E, ainda mais grave, no risco dos danos ambientais. As entidades registram estranheza e perplexidade na atitude do órgão ambiental estadual IPAAM e o empreendedor Eneva sequer apresentarem antes à sociedade o EIA mesmo após requerido pelas organizações sociais, “rasgando” a Resolução Conama 237 que trata dessa matéria”, avalia Sila Mesquita, presidenta da Rede GTA e membro da coordenação da organização Terrazul.