
A ex-atriz e latifundiária Regina Duarte parece estar fazendo escola em Campos dos Goytacazes
Como estudioso dos assentamentos de reforma agrária no Norte Fluminense, sempre me pergunto o porquê da luta pela criação de mais unidades desse gênero não ser uma prioridade do governo federal, responsável constitucional pelo cumprimento da função social da terra no Brasil via o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra. Afinal, por aqui sobram grandes propriedades improdutivas e propriedades cujos donos somam dívidas vultosas com a União. Se fosse seguido o exemplo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) que se aproveitou das dívidas existentes pelos latifundiários para criar o Assentamento Zumbi dos Palmares, a produção familiar já estaria transformando terras improdutivas em celeiros de produção de alimentos.
Uma das razões para a paralisação da reforma agrária no Norte Fluminense, que teve a última criação de assentamento há mais de 10 anos com o estabelecimento do Assentamento Osvaldo de Oliveira em Macaé, foi a diminuição da presença do MST cujas atividades de mobilização ocorridas entre 1997 e 2007 resultaram na criação de 12 assentamentos de reforma agrária, fato que beneficiou diretamente 1.200 pobres que puderem retornar à terra para se envolver na produção de alimentos, como já foi documentado pelo meu grupo de pesquisas na Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Agora, após mais de uma década de paralisia, a luta pela reforma agrária está de volta com o aparente retorno do MST à região. Com isso, o que está se vendo é uma espécie de pânico das entidades ligadas ao patronato rural. Isso ficou mais que evidente em uma curiosa reunião ocorrida no dia de ontem (07/6) na sede do “Sindicato Rural” e que contou com a presença até do ilustre desconhecido senador Carlos Portinho (PL/RJ).
Lendo relatos da cobertura feita pela mídia corporativa local do evento, só posso chegar à conclusão de que a simples menção da volta do MST está causando uma espécie de síndrome de Regina Duarte (aquela que instala medo e pavor nas mentes e corações em face de adversários reais ou imaginados) nos latifundiários campistas ou, pelo menos em suas lideranças. Pelo menos, é o que pode se depreender, por exemplo, da fala registrada do presidente do Sindicato Rural, que teria afirmado que “não somos favoráveis a isso. Não queremos isso por aqui, porque isso traz insegurança para a gente. A gente não consegue trabalhar, os funcionários das propriedades ficam com medo desse pessoal do MST, que ameaça de morte os funcionários e até proprietários. A gente precisa dar um freio nisso, não tem condição. A gente se sente ameaçado porque a todo momento você pode receber uma visita, com o pessoal querendo invadir a sua propriedade, sem nenhum critério para a invasão“.

Ocupação no Distrito de Morro do Côco serviu para disparar a síndrome de Regina Duarte nos latifundiários campistas
Aqui vale algumas observações sobre a fala do presidente do Sindicato Rural. Não haveria qualquer motivo para insegurança se as terras altamente concentradas nas mãos do latifúndio (5% das maiores propriedades em Campos controlam 59,05% do estoque de terras) estivessem cumprindo sua função social. É que os movimentos que lutam pela reforma agrária não perdem tempo com a ocupação de terras produtivas, pois sabem que jamais conseguirão sua desapropriação. Ocupação de terra se dá sempre em propriedade improdutiva o que, convenhamos, há de sobra no Norte Fluminense. Além disso, quem teve diversas lideranças assassinadas nos últimos anos foi o MST, sendo o caso de Cícero Guedes apenas o mais emblemático. Por outro lado, quem deveria ter medo dos funcionários (ou pelo menos preocupação) são os latifundiários, já que as fileiras dos que lutam pela reforma agrária estão cheias de ex-empregados que se cansaram de não receber direitos devidos e resolveram se integrar aos movimentos sociais. E para dar um freio na situação a coisa é bem simples: que se comece a fazer o uso produtivo das terras, de preferência sem os gordos subsídios oferecidos pelos cofres públicos.
Já em relação às demais falas, a que merece uma ênfase é o desconhecido senador Portinho. Em uma das falas retratadas pela mídia campista, Portinho teria dito que “Eu vi aqui uma grande união, o que é muito positivo, porque geralmente dá resultado, juntando federação, sindicatos dos produtores rurais e muitas autoridades que a gente conseguiu trazer pra esse evento (…) E aqui a gente pôde entender o problema dessa tensão no campo, que não é exclusividade da região, é do país. Infelizmente, o produtor rural está sendo muito sacrificado por políticas econômicas e por insegurança no campo (…) E eu acredito muito na força do nosso interior e aqui é o grande vetor de desenvolvimento do nosso estado”.
Ora, esse tipo de fala parece vinda de quem nunca pisou em uma área rural e chega aqui para reproduzir um discurso que passa ao largo da realidade. Se fosse para falar de tensão no campo, haveria que abordar a criação em certos estados de milicias rurais que atacam assentados, indígenas e quilombolas para invadir terras de usufruto coletivo. É dessas milícias que parte a violência e não dos assentados e membros de comunidades tradicionais. Além disso, se tem uma coisa que o latifúndio não tem no Brasil é alguma ideia de sacrifício. Historicamente os latifundiários viveram e vivem sob as asas protetoras do estado brasileiro que lhes oferece todo tipo de regalias, desde as financeiras, entrega de maquinários e a proteção policial. Quem entende mesmo de sacrifício são os assentados de reforma agrária, indígenas e quilombolas que juntos produzem os alimentos que chegam nas mesas dos brasileiros.
Por isso tudo, essa repetina síndrome de Regina Duarte pode até servir para agitar discursos feitos em auditórios apertados, mas está longe de explicitar os reais problemas que estão borbulhando nas entranhas da sociedade brasileira, e especificamente no Norte Fluminense. O fato inescapável é que enquanto terra improdutiva sobrando, haverá combustível pela luta pela reforma agrária.