O agro é tóxico, com STF, com tudo

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de dar um gordo presente de Natal aos fabricantes e grandes usuários de agrotóxicos ao julgar improcedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5553 7755, que questionavam benefícios fiscais concedidos à comercialização de agrotóxicos.   

Com isso, como já mostrado aqui no Blog do Pedlowski, continuaremos sendo vítimas de uma combinação mortífera entre farra fiscal e envenenamento por agrotóxicos banidos em outras partes do mundo por sua alta periculosidade ambiental e para a saúde humana.

O ministro Nunes Marques, último a votar, coroou o julgamento ao destacar que “desonerações a insumos agrícolas são prática comum em outros países para garantir competitividade internacional e que o ordenamento jurídico brasileiro tem mecanismos adequados de controle dessas políticas”.  O curioso é que enquanto boa parte dos países da Europa estão não apenas restringindo, mas objetivamente diminuindo o uso de agrotóxicos, o Brasil não apenas se tornou o epicentro mundial do consumo de agrotóxicos altamente perigosos, mas também faz isso concedendo isenções mais do que generosas para empresas multicionais virem aqui para despejar substâncias que ninguém mais que usar.

Há ainda que se notar que enquanto se permite a continuidade dessa farra fiscal que gera adoecimento em massa, temos, por outro lado, o encurtamento das verbas para a saúde. Assim, enquanto se multiplicam casos de câncer e de outras doenças causadas pelo contato direto e indireto com esses venenos agrícolas, a maioria da população fica sem ter como cuidar daquilo que resulta do uso excessivo e abusivo de agrotóxicos.

Há ainda que se ressaltar que perto de 80% dos agrotóxicos utilizados no Brasil são para as monoculturas de exportação, o que beneficia os grandes latifundiários brasileiros. Esse é um tipo explícito de injustiça tributária, na medida em que o Brasil possui uma lógica tributária regressiva onde os mais pobres são os que mais pagam impostos.  Por outro lado, os latifundiários ainda possuem outras vantagens para aumentarem suas fortunas, como é o caso da Lei Kandir que os isenta de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) para aquilo que é exportado.

Como já escrevi em outras ocasiões, a questão do combate aos agrotóxicos deveria ser uma das pautas fundamentais para quem se dizer da esquerda no Brasil. É que não há nada mais aviltante para a classe trabalhadora do que ter que ter de suar sangue por salários miseráveis e ainda ser contaminado por venenos podersos via a ingestão de alimentos e água que estão contaminados por agrotóxicos.

Finalmente, para aqueles que depositam suas esperanças no poder moderador do STF, fica evidente com esse julgamento o erro desse tipo de aposta. É que a despeito de votações aqui e acolá, esse é um tribunal conservador e alinhado com as forças agrárias que estão hoje na raiz da destruição dos biomas florestais e da contaminação ambiental que estão transformando o Brasil em uma imensa lixeira química de agrotóxicos indesejados em outras partes do mundo.

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro e as celebrações não nos livrarão da extrema-direita

Advogados alegaram saúde fragilizada do ex-presidente para pedir, ao Supremo, a prisão humanitária -  (crédito: Sergio Lima/AFP)

Prisão preventiva para coibir risco de fuga pode ser temporária

Hoje é inevitável falar da prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas eu não vou cair na tendência de muita gente que, pela esquerda, celebra o encarceramento (tardio, convenhamos) daquele que nos liderou em meio a uma pandemia mortífera e contribui para que o Brasil fosse um dos países mais duramente atingidos pelo vírus SARS-COV-2.

E desse aspecto que eu quero falar. Como muitos já notaram, não é por isso que Bolsonaro está sendo encarcerado preventivamente, o que se revela um desses absurdos óbvios que cercam a existência de instituições democráticas mal formadas. Fosse este um país onde as instituições funcionassem, não apenas o ex-presidente estaria preso, mas seus ministros e até seu vice-presidente. 

É que o que aconteceu durante o período da pandemia foi o somatório não apenas do que pensava e ordenava Bolsonaro, mas teve a participação de muitas outras figuras que hoje estão ocupando cargos públicos, no congresso nacional e até no próprio governo Lula.

Assim, pensar que a prisão de Jair Bolsonaro representa algum ponto de viragem nas relações de classe no Brasil é um grande desserviço não apenas para os esforços em torno da defesa da classe trabalhadora e da juventude, mas, sobretudo, na necessária reparação que merecem as centenas de milhares de famílias que perderam membros por causa das ações negacionistas que contribuíram para a tragédia nacional durante a pandemia da COVID-19.

Tenho que notar ainda que sendo essa uma prisão preventiva e não uma em que a pena definida para que Jair Bolsonaro cumpra por causa da tentativa de um golpe de estado sangrento, eu não me surpreenderia que ele volte para casa em breve. Bons advogados e dinheiro para contratar tantos outros não faltam para Jair Bolsonaro e família.  Mas mais ainda, a base política sobre a qual ele chegou ao poder e ainda controla parte significativa do congresso nacional se mantém razoavelmente intacta.

Assim, as celebrações pela prisão de Jair Bolsonaro me parecem exageradas, especialmente se continuarmos com a crença que é o Supremo Tribunal Federal que nos salvará da extrema-direita. O que nos salvará é a mobilização autônoma da classe trabalhadora e da juventude, é preciso se lembre sempre.  Em outras palavras, as celebrações por essa prisão podem até ocorrer, mas terão pouco ou nenhum impacto nas disputas políticas que realmente importam.

Lixeira química: “É uma vergonha o Brasil comprar agrotóxicos perigosos, banidos em outros países, e que aqui nem pagam impostos”, alerta especialista

Professora aposentada da UFSC referência em estudos sobre o tema, Sonia Corina Hess defende tributação, com os recursos destinados a descontaminação e políticas de saúde 

Por Cida de Oliveira*

Nuvem de agrotóxicos em lavoura no Mato Grosso. Foto: Documentário Juruena Rastros do Veneno

As liberações desenfreadas de agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor mundial, e as isenções tributárias que beneficiam seus fabricantes multibilionários voltaram a ser criticadas pela engenheira química Sonia Corina Hess. Professora aposentada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a engenheira química que se dedica a estudar esses produtos e seus impactos à saúde e meio ambiente, reitera críticas à opção dos governos pela importação de substâncias altamente tóxicas para satisfazer o agronegócio. “Hoje o Brasil é a maior lixeira química do mundo. A gente paga caro em agrotóxicos que foram banidos na União Europeia e em outros países porque os consideram um lixo”, afirma, em vídeo de alerta sobre a gravidade da situação, que você pode conferir ao longo da reportagem.

Sonia Hess destaca que, da lista dos 10 princípios ativos mais vendidos no Brasil, 7 foram proibidos na União Europeia ou que nem chegaram a ser registrados por lá. Segundo dados mais recentes do Ibama, de 2023, os 10 campeões de venda são, pela ordem: Glifosato, Mancozebe, 2,4 -D, Acefato, Clorotalonil, Atrazina, S-Metolacloro, Glufosinato de Amônio, Malationa e Dibrometo de Diquate. Os grafados em vermelho são os banidos.

“O Mancozebe, uma molécula perigosa, é o segundo mais vendido no Brasil. Mais de 50 mil toneladas foram jogadas aqui. O Acefato, banido em 2003, uma molécula velha, uma substância perigosíssima. A Atrazina, uma porcaria que se acumula na água. Intoxica populações de maneira crônica, causando uma série de problemas de saúde, vários tipos de câncer, infertilidade, e continua sendo vendida no Brasil mesmo tendo sido banida na Europa em 2004. É grande a lista das substâncias que foram banidas e que aqui continuam a ser vendidas a preço de ouro”, alerta.

Em seu recado contundente e necessário, a professora lembra ainda outro absurdo: os benefícios tributários concedidos há décadas. “Não pagam impostos, não pagam. Agora está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) se obriga ou não os agrotóxicos a pagar imposto. Além de a gente ter de lutar para banir aqui essas substâncias banidas em outros lugares, temos de lutar para que pelo menos paguem impostos para diminuir o dano financeiro ao país”, diz, com indignação. “É uma vergonha a gente pagar caro por esse lixo que não paga imposto”.

Professora Sonia Corina Hess faz mais um alerta sobre a farra dos agrotóxicos no Brasil

Indústrias nadam de braçada no oceano de benefícios fiscais

A professora se refere a subsídios tributários a esses produtos concedidos há quase 30 anos. A inconstitucionalidade de dispositivos legais que garantem enormes descontos no ICMS, principal fonte de arrecadação dos estados, está sendo questionada no Supremo há quase 10 anos. O plenário da Corte deve retomar hoje (22) o julgamento de ações que questionam a legalidade de benefícios concedidos à comercialização. Em seu voto, o ministro relator Edson Fachin reconheceu que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional.  Já o ministro Gilmar Mendes acolheu argumentos de representantes do agronegócio e votou pela manutenção dos benefícios. Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli seguiram Gilmar. 

Em reportagem do Blog do  Pedlowski publicada em agosto, fica claro que o buraco de recursos públicos é mais embaixo. E não se limita a isenções e redução de alíquotas do ICMS. Os fabricantes de agrotóxicos se beneficiam também das isenções em impostos e contribuições federais, que foram sendo concedidas a partir da década de 1990: o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Importação (II), Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e as Contribuição Social dos Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). A alíquota zero dessas contribuições, aliás, impediram os cofres públicos de arrecadar R$ 8,9 bilhões de 2010 a 2017, conforme um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU).

Segundo dados divulgados pela Receita Federal com base em informações declaradas pelas empresas sobre créditos tributários decorrentes de benefícios fiscais, de janeiro a agosto de 2024 os agrotóxicos deixaram de pagar mais de R$ 10,7 bilhões em impostos federais. A Syngenta deixou de recolher R$ 4 bilhões, a Bayer R$ 2,11 bilhões e a Basf, R$ 1,87 bi. Se nada for feito, as benesses terão continuidade mesmo com a entrada em vigor da reforma tributária, graças ao lobby onipresente e onipotente do agronegócio.

Câncer, malformações fetais, autismo, Alzheimer, Parkinson…..

Os impactos à saúde e meio ambiente dessa festa que essas empresas fazem no Brasil, com as bênçãos dos poderes, estão na pesquisa à qual Sonia Hess se dedica atualmente. Trata-se de um trabalho meticuloso, que o Blog do Pedlowski divulgou em primeira mão neste domingo (19). O objetivo é catalogar pesquisas científicas sobre os efeitos toxicológicos dos princípios ativos banidos lá fora e recebidos no Brasil como salvadores da lavoura. O trabalho em andamento já reúne dados alarmantes. Dos 570 ingredientes ativos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 429 são ativos químicos, dos quais 228 (53%) foram banidos ou não têm registro na União Europeia.

A professora já levantou estudos toxicológicos referentes a 48 deles desses ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos. Os dados, parciais, apontam para a relação da exposição crônica a esses agentes com uma infinidade de problemas de saúde graves, incapacitantes e letais. São pelo menos 10 tipos de câncer associados, malformações congênitas, alterações no sistema hormonal, infertilidade e muitos outros distúrbios.

Câncerígenos (próstata, ovário, estômago, tireóide, linfoma não-Hodgkin, cérebro, colorretal, leucemia, sarcoma de tecidos moles e fígado). Segundo o levantamento, estão associados ao Acefato, Ametrina, Atrazina, Clorpirifós, Propiconazol, Epoxiconazol, Imazetapir, Mancozebe e Simazina.

Genotóxicos – causam danos ao material genético das células, como o DNA e os cromossomos, capazes de desenvolver câncer e até mesmo doenças hereditárias. Acefato, Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Imadacloprido, Permetrina e Sulfentrazona.

Desreguladores endócrinos – alteraram a produção, função e ação de hormônios. Entre eles estão o Profenofós, Propamil e Tibutiurom.

Teratogênicos – causam malformações congênitas, atraso no crescimento fetal, disfunções funcionais e até mesmo a morte. Atrazina, Clorpirifós, Cumatetradil e Flocumafeno.

Danos ao sistema imunológico de bebês expostos durante a gestação: Alfa-cipermetrina, Bendiocarbe, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina, Propanil, Sulfometurom-Metílico, Temefós e Tiodicarbe.

Danos metabólicos – ou seja, às reações químicas que envolvem o funcionamento das células: Alfa-cipermetrina, Bifentrina, Clotianidina, Fenitrotiona, Imidacloprido, Permetrina, Praletrina e Temefós.

Rins – danos ao órgão estão relacionados ao Dibrometo de Diquate, Tiodicarbe e Triflumurom.

Fígado – Alterações em células hepáticas humanas e no órgão em ratos podem ser causadas pelo Tidiocarbe e Triflumurom.

Parkinson – Atrazina, Clorpirifós, Metomil e Simazina.

Alzheimer – Clorpirifós e Metomil.

Autismo – Clorpirifós, Imidacloprido e Permetrina.

Desordem do Déficit de Atenção – Clorpirifós e Imidacloprido.

Infertilidade e baixa qualidade do sêmen – Atrazina e Clorpirifós.

Tóxico para abelhas – Atrazina, Bifentrina, Flubendiamida, Novalurom, Diafenturom, Dinotefurono, Flubendiamida, Imidacloprido, Picoxistrobina e Tiametoxam.

Tóxico para peixes – Ametrina, Diafenturom, Diurom, Hexazinona, Imizapique, Imazapir, Metomil, Tibutiurom e Tidiocarbe.


*Cida de Oliveira é jornalista

A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro explicita o fosso do tratamento dado a brasileiros enrolados com a justiça

Prisão domiciliar de Bolsonaro foi motivada por videochamadas | O TEMPO

O ministro Alexandre de Moraes decretou ontem a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro por violações dos termos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto perdure o trâmite do processo que ele responde por tentativa de golpe de Estado.

Pois bem, ainda que os apoiadores do ex-presidente possam estar furiosos com a medida, o fato é que a decretação de uma prisão domiciliar para alguém, independente de quem seja, que esteja enrolado com a justiça apenas explicita o fosso que separa os ricos e poderosos da maioria pobre da nossa população.

É que se fosse um “Zé das Couves” que tivesse sido flagrado cometendo violações de disposições que o mantinham em liberdade enquanto respondesse um processo em liberdade, o destino desse brasileiro comum seria ocupar uma cela superlotada em alguma masmorra desprovida das condições mínimas de dignidade, como, aliás, se encontram hoje milhares de brasileiros que sequer foram indiciados por algum crime.

E curiosamente certamente não haverá qualquer apoiador de Jair Bolsonaro que venha a público reclamar dessa óbvia disparidade de tratamento, ainda que tenham se manifestado em posição contrária em um passado nada distante para mecanismos pontuais destinados a aliviar a superlotação das cadeias. É que para a extrema-direita cana dura mesmo só se for pobre.

Mas aguardemos os próximos capítulos, pois mesmo que essa prisão domiciliar seja cumprida em uma das mansões da família Bolsonaro, o mais certo é que Jair e seus filhos não se emendem e continuem a atacar as ações do STF, sempre contando com o apoio do governo de Donald Trump. Como diria William Shakespeare, o enredo se adensa…

Jair Bolsonaro de tornozeleira é prenúncio de possível ajuste de contas inédito na história brasileira

Ao colocar tornozeleira eletrônica no ex-presidente Jair Bolsonaro, o STF pode estar prestes a promover um inédito ajuste com golpistas na história do Brasil

A notícia sendo disseminada pela mídia corporativa brasileira em relação às medidas adotadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF)  para impedir a eventual fuga do ex-presidente Jair Bolsonaro para os EUA e para coibir supostas ações para coagir testemunhas é um fato inédito na história do Brasil em relação a tentativas de derrubada do Estado democrático.

O fato é que ao longo da duração do período republicano ocorreram diversos golpes de Estado nos quais os executores não sofreram punições pela interrupção da democracia. Os executores do golpe cívico- militar de 1964, por exemplo, continuam sendo celebrados com seus nomes colocados em todo tipo de próprio público, incluindo edífícios e rodovias; além dos títulos honoríficos em universidades federais.

É preciso que se diga que as medidas sendo tomadas contra Jair Bolsonaro se tornaram necessárias a partir das ações explícitas de seu filho transfuga, o ainda deputado federal Eduardo Bolsonaro, que usa de sua presença em território estadunidense para articular prejudiciais aos interesses nacionais com o clar intuito não de apenas impedir o andamento dos trâmites da judicia brasileira, mas de interditar a própria justiça, visando facilitar a fuga do seu pai para os EUA, país onde já se encontram diversos dos mentores e apoiadores do golpe frustrado de 8 de janeiro de 2023.

Como alguém que testemunhou a agonia do regime de 1964 e suas medidas para impedir o devido ajuste de contas com a história, penso que o destino sendo dado a Jair Bolsonaro é um pouco tardio. Tivesse o alto comando do Exército punido Bolsonaro com a prisão e não com a aposentadoria com promoção quando tramou para explodir repartições militares, é bem provável que não tivéssemos tido a sua presença no alto mais alto da república. 

Mas agora é possível que estejamos fechando o capítulo Bolsonaro e próximos de finalmente começara fechar o relativo ao golpe cívico-militar de 1964. Afinal de contas, um é descendente do outro, juntos e misturados.

OAB Barro Preto realiza Audiência Pública sobre o Tema 1389 no STF, que legaliza a pejotização como forma ampla de contratação

Tema 1389 do STF: O que está em jogo na discussão sobre vínculo de emprego  em contratos de franquia e pejotização | Grossi & Bessa Advogados

A Subseção Barro Preto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) vai realizar a Audiência Pública ‘’Não à Pejotização e à Precarização do Trabalho’’, no dia 27 de junho de 2025. O evento acontecerá no auditório da Faculdade Arnaldo ( Praça Arnaldo Janssen, 200, Funcionários, Belo Horizonte – MG), das 9h às 18h e reunirá juristas, advogadas/os, estudantes, sindicalistas, trabalhadores e demais interessados.

Organizada pela Comissão de Direito do Trabalho e Direitos Sociais e de Direito Sindical da subseção, contando com o apoio da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABDJ Minas Gerais) e do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (MATI), a Audiência integra a Mobilização da Frente Mineira Contra o Tema 1389.

O objetivo é discutir abertamente os impactos desse Tema, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e ameaça legalizar a pejotização como uma forma ampla de contratação. A decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu todos os processos em tramitação sobre o tema até o julgamento definitivo da Corte, é visto como um ataque à proteção social garantida pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e à competência da Justiça do Trabalho. A preocupação é que o julgamento abra caminho para a substituição da relação de emprego por contratos de pessoa jurídica, sem garantias como férias, 13º salário ou aposentadoria.

A Frente Nacional Contra o Tema 1389, na qual a OAB Barro Preto faz parte, é composta por dezenas de entidades representativas da advocacia brasileira, do sistema de justiça, sindicatos, universidades e organizações da sociedade civil. A Frente publicou, em maio deste ano, um manifesto nacional denunciando que o julgamento representa “um abalo sistêmico da ordem democrática” e “a inefetividade plena dos direitos trabalhistas, conduzindo milhões de pessoas à exploração sem limites, ao sofrimento e à completa indigência”. O documento reforça que os direitos sociais são cláusulas pétreas da Constituição de 1988 e que o Supremo Tribunal Federal não pode reescrever a ordem constitucional com base em critérios de mercado.

A programação do evento contará com palestras, debates e participantes de destaque na área trabalhista, como a professora de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Valdete Souto Severo, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dr. José Luiz Quadros de Magalhães, o Dr. Isac Moreno Falcão Santos do Observatório Brasileiro do Sistema Tributário e a procuradora do Trabalho aposentada e integrante da Coordenação Executiva Nacional da ABJD Elaine Nassif Noronha.

O presidente da OAB Barro Preto Candido Antonio de Souza Filho destaca os perigos do Tema 1389 aos direitos sociais e trabalhistas brasileiros. Ele afirma que a tentativa de constitucionalizar a pejotização pode desfigurar por completo o Direito do Trabalho e eliminar a relação de emprego como categoria central das relações laborais. Para ele, “a Justiça do Trabalho é a Justiça que defende os direitos fundamentais contidos na Constituição” e, por isso, “jamais pode acabar e/ou perder a sua competência”. Também reforça que a reforma trabalhista de 2017 abriu espaço para a precarização e que, agora, o STF pode aprofundar esse processo por meio de uma decisão de repercussão geral.

Serviço

 OAB Barro Preto realiza Audiência Pública Não à Pejotização e à Precarização do Trabalho’’, com o objetivo de protestar contra a aprovação do Tema 1389, que está em tramitação no STF. O Tema ameaça legalizar a pejotização em massa, desmontar a proteção social garantida pela CLT e promover a precarização do trabalho e das relações trabalhistas no Brasil.

Data: 27 de junho de 2025

Hora: 9h às 18h

Local: Auditório da Faculdade Arnaldo ( Praça Arnaldo Janssen, 200, Funcionários, Belo Horizonte – MG)


Fonte: Ascom – OAB Barro Preto

MAB publica carta aberta ao STF sobre legitimidade do MP na atuação dos casos de reparação coletiva dos atingidos

O Movimento dos Atingidos por Barragens defende a legitimidade do Ministério Público para garantir o acesso à justiça e a reparação efetiva das populações atingidas por barragens

Ato dos atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho (MG) / Foto: Nívea Magno / MAB

Por ASCOM MAB

Em carta sobre o Tema 1.270 no Supremo Tribunal Federal (STF), o MAB denuncia o risco enfrentado por milhões de pessoas atingidas por barragens e a impunidade das empresas causadoras de danos. O movimento pede que o STF não dificulte o acesso à justiça para essas populações e defende a atuação do Ministério Público em ações judiciais de reparação coletiva.

O Tema 1.270 discute a legitimidade do Ministério Público (MP) para promover a liquidação coletiva de sentenças proferidas em ações civis públicas sobre danos sofridos individualmente pelas vítimas ou seus sucessores, em casos como os de rompimentos de barragens, após uma decisão judicial geral já ter reconhecido a responsabilidade da empresa ou do causador do dano.

O tema teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF em setembro de 2023, o que significa que a decisão tomada neste caso terá impacto em todos os processos semelhantes no país. O Recurso Extraordinário que deu origem ao Tema 1.270 tem como relator o Ministro Dias Toffoli e ainda aguarda julgamento. Se o STF reconhecer a legitimidade do MP, pode facilitar e agilizar o processo de reparação para um grande número de pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis, que podem ter dificuldades em buscar seus direitos individualmente contra grandes empresas. Leia a carta completa abaixo.

Carta do Movimento dos Atingidos por Barragens à justiça brasileira e aos ministros do Supremo Tribunal Federal

O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, movimento social que luta há mais de 30 anos na defesa dos direitos das populações atingidas por barragens em todo o Brasil, vem a público e se dirige, respeitosamente, a cada Ministro/a do Supremo Tribunal Federal, em especial ao Exmo. Relator Ministro Dias Toffoli, para denunciar o risco enfrentado por milhões de pessoas atingidas por barragens, empreendimentos, desastres e violações de direitos em massa, bem como a impunidade das empresas geradoras de danos, diante da decisão sobre o Tema 1.270.

O STF vai decidir se o Ministério Público é, ou não, legítimo para promover ações judiciais de liquidação coletiva. Esses procedimentos procuram estabelecer como deve ser a reparação de cada pessoa atingida por danos causados por uma mesma situação, como danos a consumidores, rompimento de barragens, poluição ambiental e obras de infraestrutura. Define-se quem deve ser indenizado e quais os parâmetros que essa indenização deve ter. A decisão, porém, pode impedir os MPs nos estados de realizar esse procedimento de liquidação coletivamente.

O STF está diante da sobrevivência para as famílias atingidas pela Vale S.A em Brumadinho/MG, pela Samarco em Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, pela Braskem em Maceió (AL) e por tantos outros desastres e empreendimentos passados, atuais ou futuros.

Nesses casos, embora se possa reconhecer a responsabilidade das empresas, é extremamente difícil o reconhecimento de todos os danos sofridos, todas as pessoas atingidas e os valores justos de reparação, que se refletem na punição adequada às empresas. Esse reconhecimento só é possível através das ações judiciais que, neste momento, se debate se o Ministério Público pode, ou não, promover.

O que querem as empresas que buscam impedir o MP de promover essas ações? A permanência da impunidade. Que sua responsabilidade em tantas violações de direitos, adoecimentos e mortes não resulte em nenhuma reparação ou punição, tornando impossível que as pessoas recebam o valor devido individualmente. Buscam criar mais uma barreira ao acesso à justiça, impedindo que um órgão com experiência, corpo técnico e papel consolidado na proteção do meio ambiente, dos vulneráveis e fiscal da lei, apoie a população atingida na luta por seus direitos. Querem exigir que cada pessoa atingida entre sozinha na justiça e seja obrigada a se informar, contratar e custear sua defesa jurídica, produzir e apresentar provas e enfrentar, individualmente, algumas das maiores empresas do mundo.

O que nós, movimento e pessoas atingidas em todo o Brasil, pedimos? Que não sejam colocadas ainda mais barreiras no acesso à justiça para as populações atingidas e vulneráveis em todo o país, que já sofrem demais por conta de crimes, desastres e violações que jamais cometeram, que aguardam e lutam há anos pela sua reparação. A reparação integral que defendemos deve ter a participação informada das pessoas atingidas, garantindo indenizações individuais justas, e todo o conjunto das indenizações sendo direcionado para as comunidades atingidas. O Ministério Público deve ser fortalecido para ser um ator nessa construção, atuando junto com as comunidades atingidas.

Assim, pedimos que haja sensibilidade no julgamento que se aproxima, que sejam ouvidos aqueles que representam as pessoas atingidas e todas as possíveis consequências catastróficas para tantos casos em que o Movimento dos Atingidos por Barragens atua.


Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB


Fonte: ASCOM MAB

Ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro é acusado de planejar golpe de Estado

A polícia federal acusa 37 pessoas de crimes, incluindo conspiração e tentativa de derrubar uma das maiores democracias do mundo

homem de camisa de futebol amarela fala no microfone

Jair Bolsonaro se dirige a apoiadores durante comício em São Paulo, Brasil, em 25 de fevereiro de 2024. Fotografia: André Penner/AP 

Por Tom Phillips para o “The Guardian” 

O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e alguns de seus aliados mais próximos estão entre dezenas de pessoas formalmente acusadas pela Polícia Federal de fazerem parte de uma conspiração criminosa criada para destruir o sistema democrático brasileiro por meio de um golpe de Estado de direita.

A polícia federal confirmou na quinta-feira que os investigadores concluíram sua longa investigação sobre o que chamaram de uma tentativa coordenada de “desmantelar violentamente o estado constitucional”.

Em um comunicado, a polícia disse que o relatório — que foi encaminhado à Suprema Corte — acusou formalmente um total de 37 pessoas de crimes, incluindo envolvimento em uma tentativa de golpe, formação de uma organização criminosa e tentativa de derrubar uma das maiores democracias do mundo.

Os acusados ​​incluem Bolsonaro, um capitão do exército desonrado que se tornou político populista, que foi presidente de 2018 até o final de 2022, bem como alguns dos membros mais importantes de seu governo de extrema direita.

Entre eles estavam o ex-chefe de espionagem de Bolsonaro, o deputado de extrema direita Alexandre Ramagem; os ex-ministros da Defesa, general Walter Braga Netto e general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres; o ex-ministro da Segurança Institucional, general Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos; o presidente do partido político de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto; e Filipe Martins, um dos principais assessores de política externa de Bolsonaro.

Também foi citado o blogueiro de direita, neto do general João Baptista Figueiredo, um dos militares que governaram o Brasil durante a ditadura de 1964-85.

A lista contém um nome não brasileiro: o de Fernando Cerimedo, um guru argentino de marketing digital que foi responsável pelas comunicações do presidente da Argentina, Javier Milei , durante a campanha presidencial de 2023 no país. Cerimedo, que mora em Buenos Aires, é próximo de Bolsonaro e de seus filhos políticos.

A tão esperada conclusão do inquérito policial acontece poucos dias depois de policiais federais terem efetuado cinco prisões como parte de uma operação contra supostos integrantes de um complô para assassinar o sucessor de esquerda de Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu vice-presidente de centro-direita, Geraldo Alckmin, além do desembargador Alexandre de Moraes.

Pouco antes de a polícia anunciar o fim do inquérito, Lula expressou gratidão pelo fracasso da tentativa de envenená-lo. “Estou vivo”, disse o esquerdista de 79 anos durante um discurso.

O Gen Mario Fernandes, uma das cinco pessoas presas pelo suposto plano de assassinato “Adaga Verde e Amarela”, também estava entre as 37 pessoas nomeadas pela polícia federal na quinta-feira – e, como os outros, foi formalmente acusado de fazer parte de uma tentativa criminosa de golpe. “Estamos em guerra”, Fernandes teria dito em uma mensagem descoberta por investigadores da polícia.

Bolsonaro negou anteriormente envolvimento em uma tentativa de anular o resultado da eleição de 2022, que ele perdeu para Lula. Falando a um jornalista do site de notícias brasileiro Metrópoles depois que ele foi nomeado no relatório policial, o ex-presidente disse que precisava ver o que estava na investigação. “Vou esperar o advogado”, acrescentou Bolsonaro.

Braga Netto, Heleno e outros nomes proeminentes na lista não fizeram comentários imediatos sobre as acusações no relatório da polícia federal, que o comunicado policial disse ser baseado em um grande acervo de evidências coletadas por meio de acordos de delação premiada, buscas e análise de registros financeiros, de internet e telefônicos. Mas políticos pró-Bolsonaro proeminentes criticaram o relatório, com Rogério Marinho, o líder da oposição no senado, atribuindo-o à “perseguição incessante” visando a direita do Brasil. “Quanto mais perseguem Bolsonaro, mais forte ele fica”, tuitou Sóstenes Cavalcante, um deputado bolsonarista do Rio.

A suposta tentativa de golpe pró-Bolsonaro teria ocorrido durante os turbulentos dias finais de seu governo de quatro anos, que chegou ao fim quando ele foi derrotado por Lula no segundo turno da eleição presidencial de 2022.

Na preparação para essa votação decisiva, um manifesto assinado por quase um milhão de cidadãos alertou que a democracia brasileira estava enfrentando um momento de “imenso perigo à normalidade democrática” em meio a suspeitas generalizadas de que havia planos em andamento para ajudar Bolsonaro a se agarrar ao poder, mesmo se ele perdesse.

Depois de perder sua tentativa de reeleição, Bolsonaro voou para o exílio temporário nos EUA enquanto milhares de apoiadores se reuniam em frente a bases militares no Brasil para exigir uma intervenção militar que nunca aconteceu.

A tentativa frustrada de anular a vitória de Lula culminou nos tumultos de 8 de janeiro de 2023 na capital, Brasília, quando bolsonaristas radicalizados invadiram o palácio presidencial, o congresso e o supremo tribunal.

Quase dois anos depois, Lula está no poder, mas a ameaça da extrema direita à sua administração continua. Na quarta-feira passada à noite, um membro do partido político de Bolsonaro foi morto após aparentemente se explodir com explosivos caseiros enquanto atacava a Suprema Corte.

Durante uma busca no trailer do homem, a polícia teria encontrado um boné estampado com o slogan do movimento de extrema direita de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.”

Em uma declaração em vídeo, Paulo Pimenta, ministro das Comunicações de Lula, disse que o governo estava “completamente perplexo e indignado” com as revelações de que o ex-presidente e membros das Forças Armadas supostamente estavam conspirando para derrubar a democracia brasileira “com uma audácia quase inacreditável”.

“São crimes gravíssimos [e] acusações gravíssimas”, acrescentou Pimenta, que disse que o governo Lula agora esperaria o Ministério Público decidir qual dos 37 seria processado e levado a julgamento. Os condenados teriam que pagar pelos crimes que cometeram contra a democracia, contra a constituição e contra o povo brasileiro, disse Pimenta. “Bolsonaro na cadeia”, escreveu o ministro ao lado do vídeo, ecoando um chamado de muitos brasileiros progressistas.


Pearl Harbor, Tonelero, 11/9 e o atentado a bomba ao STF: A História como palco de oportunidades para oportunistas

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Por Douglas Barreto da Mata

Não cabem aqui teorias de conspirações.  Alguém já disse que para sustentar grandes teses conspiratórias necessitamos de provas igualmente robustas.  Por óbvio, não as temos. O folclore alega que o governo dos EUA sabia, ou ao menos ignorou sinais de que japoneses atacariam a base no Havaí, em 1941, assim como a administração Bush Jr fez ouvidos moucos para os alertas de ameaça crescente em relação a alvos em solo estadunidense. Tudo isso para que esses governos pudessem justificar as guerras que seguiram, nos séculos XX e XXI.

Como disse antes, ninguém provou tais hipóteses, mas é fato que esses governos aproveitaram tais eventos para consolidar poderosas coesões nacionais, em torno de inimigos comuns.  Estes processos costumam dar poderes inimagináveis aos governantes e suas correntes políticas, e no caso dos EUA, esse empoderamento resulta em mudanças dramáticas em todo mundo. Foi assim no pós 45, e também no pós 11/09/2001.

No Brasil, um evento que teve, talvez, o mesmo peso foi o atentado a Carlos Lacerda, ferrenho opositor de Getúlio Vargas, que balançava no cargo, acossado pela mesma direita golpista de sempre.  A tentativa de um auxiliar de Gregório Fortunato, o anjo negro de Getúlio, matou um major da aeronáutica. O final sabemos, Vargas se matou, adiou o golpe, porém não o evitou, consumado em 64. Na época, Vargas teria dito: “esse tiro me acertou pelas costas”.

Como sempre acontece nesse tipo de situação, a busca por uma narrativa que favoreça a essa ou aquela facção política obscurece uma apuração correta.  Nunca se chega a uma versão mais próxima da verdade.  Dizem que foi o próprio Lacerda que, ao tentar reagir, atingiu o major Vaz. Ao mesmo tempo, a imobilização com gesso em ferimento por disparo de arma de fogo não seria compatível.  Nunca se soube quem estava por trás do atentado. Nenhuma das especulações foi afastada ou confirmada, mas a principal construção prevaleceu: Vargas era o culpado, apesar do inquérito policial militar (uma instância totalmente inadequada) nunca ter concluído nada nessa direção.

Bem, ontem, um atentado a bomba sacudiu Brasília, quando um ex-candidato a vereador pelo PL de uma cidadezinha em Santa Catarina (ninho de nazistas?).  As conexões, as motivações, enfim, a dinâmica, preparação e execução do delito, se foi um ato individual ou de grupo, tudo isso merece investigações equilibradas.  No entanto, o fato é que esse ataque pode levar ao fortalecimento de um estranho consenso em torno do  Supremo Tribunal Federal (STF) e do poder judiciário.

Consenso, aliás, que o presidente Lula tem ajudado a formar desde 8 de janeiro, quando se acovardou de seu papel político de líder de uma nação.  Preferiu terceirizar a tarefa, em nome de uma governabilidade que nunca se sustenta, e cujos cafetões exigem sempre mais para garanti-la.

Repito que esse crime tem que ser rigorosamente escrutinado, e nenhum poder constituído deverá funcionar sob assédio violento.  Muito cuidado é exigido, porque há a tentação permanente de que se aproveite fatos dramáticos para a consecução de objetivos políticos específicos.

O poder judiciário brasileiro já deu, recentemente, provas cabais de promiscuidade com correntes políticas, ao mesmo tempo que esse mesmo poder, aqui citamos o STF, foi incapaz de frear esses movimentos, seja no chamado mensalão, seja na lava jato.  A sedução dos holofotes fez Rosa Weber condenar um réu “porque a literatura permitia, não pelas provas”.  Essa mesma sede de protagonismo levou a Power Point, com suposições e convicções sem suporte probatório. Juízes sem competência julgaram.

Prisões serviram para coagir futuros delatores, cujos relatos eram pré-estabelecidos com advogados obedientes, que fizeram fortunas com esse negócio. A Presidenta Dilma Rousseff foi deposta, o então ex-presidente Lula preso. A luz das câmeras de TV foram tão fortes que transpassaram a venda da deusa Themis.  O curso da história foi alterado. No lugar das reparações devidas, com as devidas responsabilizações, o Brasil passou pano, e varreu tudo para baixo do tapete. Do mesmo jeito que fez com o regime militar, e a anistia, o país ignorou o triste papel desempenhado pelo poder judiciário.

Além de não cobrarmos dos juízes do supremo que, não só permitiram, mas se acumpliciaram aos movimentos golpistas desde 2006, que chegaram ao ápice em 2018, com a eleição de Bolsonaro, vamos dar a esse mesmo poder judiciário a condição de “vítima principal”.

Paradoxalmente, os que investiram contra o STF foram alimentados por eles mesmos.  Pior ainda é considerar que o poder judiciário é o guardião e símbolo do estado de direito e da nossa ideia de democracia.  O risco que corremos com esse atentado de ontem é esse.

Por fim, parece certo que tais explosões atingiram em cheio as pretensões de anistia do ex-presidente e de seu grupo.  A questão central não é se a anistia é juridicamente ou politicamente possível. O grave é que o STF já tenha declarado sua posição sem ter sido provocado para tanto, revelando uma contaminação óbvia de um sentimento perigoso, o direito penal do inimigo.

O inimigo pode ser qualquer um.

Subsídios mortais: qual a lógica de subsidiar os agrotóxicos?

O STF decide entre o país e o agronegócio

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Por Jean Marc von der Weid

O STF estará julgando, no próximos dias, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.553) impetrada pelo PSOL, questionando o projeto de lei 6.299/2002 que modifica a legislação sobre agrotóxicos vigente, visando ampliar os subsídios e isenções fiscais no Brasil. O agronegócio brasileiro já é há alguns anos o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, sendo que pelo menos um terço com alto grau de toxidade e muitos deles proibidos por órgãos reguladores tanto nos Estados Unidos como na União Europeia. As reduções de impostos têm um papel importante neste processo, mas o agronegócio quer mais, sobretudo reduzir em 60% o ICMS e zerar o IPI sobre os agrotóxicos.  

Em outras manobras legislativas, a bancada ruralista almeja facilitar ainda mais a liberação de novos agrotóxicos, apesar de estar conseguindo colocar estes produtos cada vez mais rapidamente no mercado interno, na base de centenas a cada ano, oito vezes mais ligeiro do que na União Europeia. Isto se faria pela retirada da competência da ANVISA e do IBAMA do sistema de aprovação, entregando-o estritamente nas mãos da complacente e cúmplice burocracia do MAPA. 

O agronegócio brasileiro argumenta que sem estes e outros subsídios (sobretudo para fertilizantes e sementes) não conseguiriam competir no mercado internacional e que teriam que cotejar as eventuais vantagens apontadas pelo agrobusiness com os impactos negativos (custos externos) das suas atividades. 

Com toda a propaganda de alta qualidade e alto custo na mídia brasileira (“agro é pop, agro é tec, agro é tudo…”) o nosso agronegócio confessa a sua ineficiência quando cobra do erário o custo da sua sobrevivência. 

O argumento da preocupação com a alta do custo dos alimentos é pura falácia. O aumento dos preços do arroz com feijão, que usaremos como indicativo da base de uma dieta nacional desejável, não é provocado principalmente pelos custos de produção (inclusive dos agrotóxicos), mas pela baixa oferta dos produtos no mercado interno. 

A oferta per capita de arroz e de feijão vem caindo regularmente ao longo dos últimos 50 anos. Entre 1977 e 2022, o consumo per capita de arroz caiu de 79 para 49 quilogramas por ano, uma redução de 38%. O de feijão caiu de 24,7 kg para 14 kg, 43% a menos.  

O consumo de outros alimentos básicos da dieta tradicional brasileira (aquela entronizada na lei do salário-mínimo de Getúlio Vargas nos anos trinta e que está longe de ser a mais correta do ponto de vista nutricional), como o milho e a mandioca, seguiram o padrão do arroz e feijão. Em 2022, o milho usado para consumo humano não superou os 8,7 kg per capita no ano, um sétimo do que foi consumido por animais sob forma de ração e a metade do que foi usado para produzir biodiesel. Ficou muito para trás o tempo em que a broa de milho era o pão de boa parte dos brasileiros 

Para apontar o destino da produção agropecuária brasileira de forma mais geral, basta olhar a área cultivada dos produtos dirigidos principalmente para o mercado interno e os dirigidos principalmente para as exportações. Entre os 22 cultivos mais importantes, ocupando em 2022/2023 perto de 88 milhões de hectares de lavouras, soja e milho (em grande parte exportados quer em grãos, farelo ou para a engorda de frangos, suínos e bovinos, também exportados em grande parte) ocuparam 71% da área total. Mais 15% da área foi destinada para outros produtos de exportação como cana de açúcar, algodão, café, cacau e fumo. Apenas 11,5 % da área de lavouras foi destinada a cultura alimentares do mercado interno, como arroz, feijão, trigo, mandioca, banana, batata, aveia, cebola, tomate, etc.). 

Este processo de internacionalização do nosso agro não é novo. Afinal de contas, o país nasceu e cresceu sob o signo da exportação de produtos agrícolas, açúcar, café, algodão, cacau e outros, nos famosos ciclos econômicos que só tiveram um período em que foram os minerais (ouro) que dominaram a exportação. O que é novo é que, depois de um período de desenvolvimento industrial acelerado iniciado nos governos de Vargas, mas que tiveram continuidade até no regime da ditadura militar, voltamos a ser essencialmente um país exportador de produtos primários, agrícolas e minerais, com a produção industrial caindo a pouco mais de 12 % do PIB.  

Esta regressão tem um efeito brutal no custo da alimentação dos brasileiros. Neste século, tivemos 6 anos apenas em que a inflação geral medida pelo IPCA ficou acima da inflação de alimentos (60% mais alta em média), enquanto nos outros 18 anos esta última bateu a primeira mais ou menos com a mesma média anual. 

Descartemos, portanto, o argumento de que os subsídios se dirigem a baratear a alimentação dos brasileiros. Eles se dirigem a aumentar a competitividade dos nossos produtos no mercado internacional, deixando o consumo interno de alimentos em permanente insuficiência frente às necessidades dos consumidores.  

Para dar uma ideia aproximada do problema, é só lembrar que a demanda anual reprimida de arroz (em casca) é de 18 milhões de toneladas, extrapolação realizada pelo autor a partir do consumo desejável indicado em pesquisa do Instituto de Nutrição da UERJ, publicada na Revista de Saúde Pública. A demanda anual reprimida de feijão é de 7,6 milhões de toneladas, pelo mesmo critério. Isto significa a necessidade de se multiplicar a produção de arroz por 2,8 e a de feijão por 3,4 para alimentar corretamente os brasileiros (sem contar, é claro, vários outros produtos alimentares necessários e igualmente deficitários). E, enquanto os preços da soja e do milho nos mercados internacionais de comodities forem mais altos do que os do feijão e arroz no mercado interno, a orientação do agronegócio será a de privilegiar as exportações. 

Enquanto isso, a produção de soja cresceu de 12 para 153 milhões de toneladas, entre os anos de 1977 e 2022. A de milho de 19 para 125. Ambos os produtos, como vimos acima, dirigidos essencialmente para o mercado externo sob diversas formas, grãos, farelo e carnes de frango e de suínos. 

O agronegócio é “tec”, como ele autoproclama na sua propaganda? Nem tanto. A produtividade da soja brasileira iguala a americana e supera a da Argentina, dois grandes exportadores, mas com uso mais intensivo de insumos. Já a produtividade do milho é muito menor: 2,78 e 1,7 vezes mais baixa do que nos Estados Unidos e na Argentina. Os nossos concorrentes têm algumas vantagens naturais de clima e de solos, mas isto não explica o nosso atraso em termos de produtividade. Entretanto, o Brasil hoje produz e exporta mais do que qualquer outro e não só nestes dois produtos dominantes. Como explicar? 

É simples. Por um lado, a legislação ambiental e a sanitária nos EUA e na União Europeia implicam em custos mais altos na aplicação das mesmas tecnologias. Temos custos bem menores pela fragilidade da aplicação da nossa legislação ambiental, cada dia mais permissiva. E temos custos de mão de obra também muito mais baixos. Mas, sobretudo, nós temos disponibilidade de terras baratas para expandir a produção, algo que falta para os concorrentes. Enquanto a demanda continuar aquecida pelas compras chinesas estaremos bombando com preços compensadores, mas com qualquer redução das cotações nós seremos os primeiros a perder mercado pois nossos custos de produção são mais altos. Como nossa produtividade é mais baixa, nem o custo quase zero da ocupação de terras griladas na Amazônia ou o trabalho mal pago compensará os custos maiores de produção. 

É claro que existem setores do agronegócio mais tecnificados e competitivos, mas a maioria vive de explorar as vantagens naturais e humanas locais sem pensar no amanhã. Se fossem de fato “high tec”, como proclamam, já estariam aplicando as tecnologias disponíveis para reduzir o uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, ao invés de lutar para facilitar o uso de produtos cada vez mais perigosos … e caros. 

Na verdade, a experiência internacional mostra que o agronegócio é igual em todo o mundo. Os produtores americanos só adotam técnicas mais racionais e de menor risco ambiental ou para a saúde quando a pressão de legisladores ou do mercado os obriga. 

Um exemplo do outro lado do mundo é dos mais ilustradores deste axioma. Nas Filipinas dos anos 90, a FAO convenceu o governo da hora a montar um plano de redução do uso dos agrotóxicos na cultura do arroz, central na economia e na sociedade do país. O projeto visava não a erradicação do uso de agrotóxicos, mas o seu uso racional, na forma do manejo integrado de pragas ou IPM, na sigla em inglês. O programa dirigiu-se a agricultores de pequeno, médio e grande porte, mas seu sucesso inicial se deu principalmente no primeiro grupo. Os pequenos produtores, com menos acesso a recursos financeiros, perceberam a oportunidade de reduzir custos sem perder produtividade e filiaram-se ao programa em grandes números. Já os médios e grandes produtores só aderiram quando o governo filipino retirou os subsídios para o uso de agrotóxicos na produção de arroz. Em dez anos, as Filipinas reduziram o emprego de agrotóxicos no arroz a menos de 20% dos volumes anteriormente empregados. Com ganhos de produtividade e menores custos.  

O programa da FAO ganhou prêmios de excelência e passou a ser disseminado na Ásia e na África com apoio do Banco Mundial, que estava carente de alguma coisa para melhorar a sua imagem junto aos ambientalistas. Embora o IPM esteja longe de ser um programa agroecológico e que ele nem sequer imagine outros componentes de racionalização do uso de insumos, o resultado, embora estrategicamente diminuto, aponta na direção correta. Ele ficou ainda mais relevante com a escalada dos preços dos agrotóxicos e dos adubos químicos nas últimas décadas e que tende a se intensificar ainda mais. 

Ao que eu saiba, não existe no Brasil um cálculo sobre os custos indiretos do uso de agrotóxicos nos sistemas produtivos do agronegócio. Sabe-se que cerca de 25% das amostras de alimentos contêm, em média, doses de agrotóxicos acima do tolerável, segundo as definições da ANVISA. Também é sabido que a contaminação de trabalhadores agrícolas é um recorde mundial contínuo. Mas não se sabe quanto isto custa em termos de gastos privados ou do SUS. Os impactos ambientais sobre fauna e flora são constatados em grande escala, mas também sem avaliações de custos. A única indicação encontrada foi de um estudo da cooperação técnica da Alemanha, apontando para um custo indireto (abrangendo todos os impactos) de 20,00 reais para cada real de faturamento do agronegócio. Não tive acesso ao estudo, somente às suas conclusões que me parecem algo exageradas, mas por comparação com estudos em outros países estes “custos externos” apontados pelo estudo podem estar corretos. 

O que temos que entender no caso brasileiro é que o caráter predador e imediatista do nosso agronegócio só pode ser parado com maiores controles de seus impactos ambientais e na saúde e não com o programa da bancada ruralista que é desmontar a legislação e os instrumentos estatais de controle para poderem devastar a seu talante. 

Sem sombra de dúvida, o maior freio possível no uso dos agrotóxicos é o financeiro, na forma da diminuição paulatina até a eliminação dos subsídios existentes. O STF tem nas mãos a possiblidade de colocar limites nesta fúria devastadora, já que o governo Lula ou bem resolveu se aliar com o agronegócio, na ilusão de amansar a besta ou bem capitulou frente a bancada ruralista por total falta de poder de fogo. 

Resta saber se os votos restantes no STF (em seções anteriores suas excelências já votaram a favor do agronegócio por 6×2) vão equilibrar o resultado e estimular algum dos anteriores a se penitenciar e rever sua posição, talvez pensando no bem do Brasil, do seu povo e de sua fauna. 


Fonte: 68naluta