Fóssil e elétrico: Dois caminhos para a catástrofe climática

O Ocidente se apega aos combustíveis fósseis, enquanto a China busca o “capitalismo elétrico”. Nenhum dos dois resolverá os problemas ambientais

Mineração de minério de vanádio no estado da Bahia, Brasil. O metal raro é necessário para a produção de aço, mas sua extração está associada a significativas consequências ambientais.

Mineração de minério de vanádio no estado da Bahia, Brasil. O metal raro é necessário para a produção de aço, mas sua extração está associada a significativas consequências ambientais. Foto: AFP/YASUYOSHI CHIBA 

Por Birgit Mahnkopf para “Neues Deutschland”

Estamos testemunhando um colapso climático global que era quase inimaginável até recentemente. De acordo com dados atuais da ONU, o aumento dos gases de efeito estufa continua desenfreado, mesmo no ano da 30ª Conferência Mundial sobre o Clima. Os oceanos estão aquecendo, as fontes de água doce estão desaparecendo e as florestas tropicais estão sendo destruídas. Em grande parte despercebida pela maioria das pessoas, está ocorrendo a sexta extinção em massa da história da Terra. Esses desenvolvimentos catastróficos são acompanhados pela disseminação imparável dos chamados “químicos perenes”, as substâncias per e polifluoroalquiladas (PFAS), encontradas em inúmeros produtos de uso diário que utilizamos em massa e que são extremamente persistentes.

Quase todos os limiares ou pontos de inflexão para ecossistemas que os cientistas determinaram com relativa precisão já foram atingidos ou ultrapassados. Se o primeiro estabilizador do sistema terrestre como um todo entrar em colapso, as interações com outros estabilizadores serão inevitáveis, resultando em ciclos de retroalimentação que não podem ser anulados por nenhuma ação humana. As descobertas científicas mais recentes indicam que pelo menos um ponto de inflexão, a saber, a morte dos corais tropicais, já foi ultrapassado. Outros sistemas terrestres estão à beira do colapso: as calotas polares, a floresta amazônica e a circulação oceânica (especialmente a troca de massas de ar quente e frio sobre o Atlântico).

Nesse contexto, é definitivamente uma afirmação falsa – ou, nas palavras de Hannah Arendt, uma “mentira organizada” – quando políticos, a mídia, organizações de lobby da oligarquia financeira e todas as empresas que têm o maior interesse em manter o capitalismo industrial moderno disseminam a suposição de que as “mudanças climáticas” ainda podem ser interrompidas pela expansão das tecnologias de geração de energia renovável.

Mesmo dentro do movimento climático, há muitos atores que preferem disseminar esse otimismo contrafactual. Às vezes, eles até se envolvem ativamente na propagação desses mitos, principalmente quando promovem “Acordos Verdes” ou “Acordos Limpos”. A principal mensagem desse mito é: na verdade, não seria preciso mudar muita coisa em nosso modo de produção, nossa comunicação, nossos padrões de consumo, nossa mobilidade e hábitos de moradia e, claro, nem nas relações de propriedade existentes, se apenas — com subsídios públicos maciços e investimento privado voluntário — a produção, o transporte, a habitação e até mesmo partes da guerra fossem movidas a eletricidade proveniente de fontes de energia renováveis.

As críticas que identificam a dinâmica da acumulação capitalista e a produção de valor como motores da catástrofe ecológica são sistematicamente bloqueadas pela “mentira organizada” de uma suposta “transformação” em curso do nosso sistema energético rumo ao uso de fontes de energia renováveis. De fato, essa narrativa fabricada é considerada indispensável – por todos os partidos políticos – em nome da “paz social”.

A produção de um único quilograma de vanádio gera nada menos que nove toneladas de “resíduos”

É preciso enfatizar, no entanto, que o que vem sendo descrito com o termo enganoso “transição energética” também tem consequências devastadoras. A produção e operação de usinas de energia solar e eólica, a eletrificação planejada dos transportes, o aquecimento e resfriamento de residências, o uso crescente de robôs na indústria, os serviços digitais de saúde e educação, a segurança cibernética, a biotecnologia e a nanoeletrônica continuarão a exigir todos os metais sem os quais o capitalismo industrial moderno é impossível: ferro, ouro, prata, cobre e alumínio. Além disso, quantidades inimaginavelmente grandes dos chamados elementos de terras raras também serão necessárias para a modernização tecnológica.

No caso do vanádio, por exemplo, o mineral azul-prateado “divinamente belo” — usado na produção de aço particularmente durável e valorizado por sua alta condutividade elétrica — a produção de apenas um quilograma gera nada menos que nove toneladas de “resíduos”. Isso se refere ao solo e aos organismos que ele contém. Dados da Agência Internacional de Energia indicam que a extração de apenas um quilograma de gálio, essencial para a indústria de semicondutores, muitos dispositivos eletrônicos, a produção de células solares e as comunicações militares por satélite, exige que 50 toneladas de solo sejam dinamitadas e “descartadas”.

Além disso, a produção dessas “terras raras” requer um processo de refino que consome muita energia e água e emite grandes quantidades de gases prejudiciais ao clima. As nações industrializadas ocidentais agora terceirizam ambas as etapas — a extração e o refino das matérias-primas — para empresas chinesas, evitando assim ter que prestar contas pelos danos ambientais associados à produção desses recursos tão procurados. Mais de 90% das atividades poluentes envolvidas na produção de vanádio, gálio e outras “terras raras” são realizadas na China ou por empresas chinesas em outros países.

Sob as condições da nova geopolítica do século XXI, em que tanto os EUA quanto a potência mundial emergente, a China, precisam de enormes quantidades de energia adicional em sua luta pela hegemonia para alcançar a liderança tecnológica em inteligência artificial e computação em nuvem, a escassez de recursos minerais e/ou o acesso economicamente viável a eles também ameaçam levar a conflitos armados.

O Ocidente continua dependente de combustíveis fósseis

No entanto, seria um erro atribuir o fim de facto de todos os esforços sérios em prol de uma “política climática” coordenada e com partilha de responsabilidades à vitória eleitoral de Donald Trump. Tal interpretação desvia a atenção do fracasso de todos os partidos que detiveram a responsabilidade governamental em ambos os lados do Atlântico na década de 2000. A mudança de poder do democrata Joe Biden para o republicano Donald Trump não “acabou com a liderança dos EUA na proteção climática”, como alguns comentadores afirmam. Porque essa liderança nunca existiu — nem sob o governo do presidente Barack Obama, nem sob o de Biden.

Este último deixou isso inequivocamente claro em seu discurso sobre o “Estado da União” em fevereiro de 2023: “Precisaremos de petróleo e gás por um tempo… pelo menos uma década”, e então, assim como Trump, defendeu a “perfuração de mais poços” — ou seja, o desenvolvimento de mais reservas de petróleo. Tanto sob Obama quanto sob Biden, os EUA também se concentraram em produzir o máximo possível de petróleo e gás não convencionais para reduzir a dependência dos Estados do Golfo (especialmente do parceiro de longa data, a Arábia Saudita) e influenciar o preço do petróleo e do gás — e garantir que o pagamento continuasse sendo feito em dólares americanos.

Mas mesmo na Europa, a catástrofe climática recebe pouca atenção. Políticos de (quase) todos os partidos estão interessados ​​apenas em suas perspectivas eleitorais individuais; a grande maioria dos eleitores está preocupada principalmente com o aumento do custo de vida e se sente ameaçada pela (drasticamente reduzida) migração para a Europa. Eles tentam ignorar as consequências das “mudanças climáticas” e estão cada vez menos convencidos pelas metas de emissões líquidas zero da Comissão Europeia.

Embora o amplamente divulgado Pacto Ecológico Europeu já fosse uma cortina de fumaça destinada a obscurecer os interesses comerciais das empresas europeias, essa cortina de fumaça se transformou, nos últimos anos, em um verdadeiro autoengano. O chamado Regulamento Omnibus de 2025 da Comissão Europeia pretende facilitar “tudo” para “todas” as empresas: suas obrigações de reporte, de acordo com as (já brandas) normas de reporte de sustentabilidade, serão implementadas com a máxima flexibilidade. Isso significa que as normas provisórias para a proteção do meio ambiente e dos trabalhadores — cuja negociação levou muitos anos — evaporarão em questão de semanas. Também estão em debate a proteção florestal, a planejada eliminação gradual dos motores de combustão interna até 2035 e outras normas que, embora não resultem em uma “transição verde”, ao menos tornariam a intenção de alcançá-la mais crível.

Ao mesmo tempo, a OTAN aprovou um acordo de reforço de armamentos amplamente aclamado, comprometendo a UE a gastar 5% de sua produção econômica (atualmente equivalente a cerca de 800 bilhões de euros) em despesas militares dentro de dez anos; isso representaria aproximadamente 500 bilhões de euros a mais do que em 2024. Para a Alemanha, isso significaria que um terço de toda a receita estatal futura que o orçamento federal poderia esperar teria que ser alocado exclusivamente para a manutenção da prontidão militar. A situação para medidas necessárias nas políticas sociais, de saúde ou educação provavelmente pioraria em relação à atual.

Menos ainda se pode esperar de uma resposta minimamente adequada às consequências previsíveis da catástrofe climática, quanto mais de medidas que possam ao menos retardá-la – absurdamente, nem mesmo na Europa, o continente que está aquecendo mais rapidamente do que outros.


Fonte: Neues Deustchland

Lula sabe que todo mundo já “meteu a mão” em nossos minerais estratégicos, inclusive com apoio do seu governo

Lula em lançamento de investimentos da Vale no Pará / Ricardo Stuckert

Por Maurício Ângelo* 

É comum que aquilo se fala em cima de um palanque tenha um tom exaltado acima do normal. O que não dá para ignorar é quando esse discurso se descola da realidade. O presidente Lula incorreu neste erro ao elencar, aos gritos, os recursos brasileiros que são alvo do interesse internacional, especialmente dos Estados Unidos e de Donald Trump no atual contexto geopolítico, dizendo que “ninguém põe a mão” nos nossos minérios estratégicos e que “esse país é do povo brasileiro”.

Esses arroubos de soberania podem inflamar a militância, mas não tem amparo na história passada e atual. Pelo contrário: Lula sabe bem que todo mundo já “meteu a mão” nos minerais nacionais, inclusive com apoio recorrente do seu governo – e de todos os governos anteriores – em atrair empresas estrangeiras, investidores, abrir novas áreas de exploração, expandir áreas em operação e criar políticas e programas de incentivo ao setor mineral, além do empréstimo direto, sobretudo via BNDES.

política de conceder suas riquezas minerais para outros países no mercado internacional é, aliás, a base da própria política mineral brasileira desde sempre.

A indústria nacional ganhou impulso com a criação das então estatais Vale e CSN durante o governo de Getúlio Vargas no período da Segunda Guerra Mundial justamente para fornecer minérios para o complexo industrial-militar da época em acordo com os Estados Unidos, com dinheiro americano.

Multinacionais canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas e de várias outras nacionalidades dominam o mercado brasileiro. Investidores e acionistas estrangeiros estão por trás de todas essas empresas. A produção mineral brasileira segue sendo majoritariamente para exportação, com baixíssimo processamento interno. Somos mais exportadores de commodities hoje do que éramos há 20 anos atrás, no primeiro governo Lula.

Os recursos minerais, constitucionalmente, são da União. Portanto, do povo brasileiro. O Executivo concede para as mineradoras o direito de explorar determinado mineral. Na prática, o que existe é uma sociedade entre governo federal e capital privado global. O governo atua diuturnamente para facilitar a vida das mineradoras, criar e ampliar empréstimos, subsídios, benefícios, programas e simplificar o licenciamento ambiental, com apoio do Congresso dominado pelo lobby minerador, como o caso do PL da Devastação ilustra perfeitamente.

Mas também nas mudanças infralegais praticadas pela Agência Nacional de Mineração e Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, seguindo orientações da OCDE ou por conta própria, o que não precisa passar pelo Congresso. E os governos estaduais, todos eles cooptados pelo dinheiro da mineração e a dependência forjada e alimentada do modelo mineral, seguem na mesma página.

Repito, não é exclusividade de Lula III, mas de todos os presidentes que passaram pelo cargo e todos os governadores em todos os estados, não importa o espectro político.

Fonte: Anuário Mineral Brasileiro

Brasil-EUA firmaram acordo para explorar minerais nos últimos anos

É compreensível que as ameaças de Donald Trump, um neofascista convicto, que tem usado o poder geopolítico americano para se apropriar (ou tentar) de reservas minerais na Ucrânia, Groenlândia e em outros países, assim como tentar anistiar Jair Bolsonaro e ameaçar o mercado brasileiro e de vários países com tarifas absurdas, inflame os ânimos.

Importa pouco também que Elon Musk, outrora braço direito, tenha rompido com Trump. Escrevi aqui em abril de 2024 como Musk quer mesmo é garantir o suprimento de minerais estratégicos para os seus negócios, o mesmo interesse que inclui todos os magnatas das big techs que financiaram a eleição de Trump e continuam próximos do presidente americano.

No dia a dia da política, porém, a relação BR-EUA é bem mais amistosa.

 

Não faz muito tempo, no fim de 2024, Brasil e Estados Unidos, ainda sob Biden em fim de governo e Trump já eleito, assinaram um acordo durante o G20 para exploração de minerais críticos que, detalhamos aqui, foi cercado de sigilo e com pontos nebulosos como a ausência de salvaguardas ambientais, as contrapartidas sociais e medidas que ajudem na reindustrialização do país.

Foi uma tratativa direta entre Planalto e Casa Branca, afirmou o próprio MME ao Observatório da Mineração. Desde 2020, na realidade, durante o governo Bolsonaro, foi criado um GT entre Brasil e Estados Unidos para discutir justamente a exploração de minerais críticos. Nestes 5 anos, porém, o tal GT pouco avançou.

Sob Donald Trump, alertamos, tais acordos seguiriam repletos de incerteza. Os movimentos recentes ilustram esses desdobramentos.

Embora haja ruídos significativos nas chantagens feitas por Trump ao Brasil, é bem provável que o pragmatismo, a pressão e a interlocução da indústria minero-siderúrgica imperem para que um meio termo seja alcançado.

É curioso como a mídia não especializada está tratando as reuniões do IBRAM, que representa 90% da produção privada mineral no Brasil e tem entre as suas associadas as mesmas multinacionais que dominam o mercado global, com representantes dos Estados Unidos. O IBRAM está fazendo o que sempre faz. Negociando os seus interesses com quem precisa. E de modo geral bem alinhado com o MME, ANM e os parlamentares que apoia no Congresso.

Foto: Ricardo Stuckert

Grandes bancos e fundos de investimento americanos, como JP Morgan, BlackRock, Vanguard e outros, são acionistas e investidores de empresas como a própria Vale, maior mineradora brasileira e entre as maiores do mundo. A BlackRock, maior fundo do planeta, detém 5,9% da Vale, que, de capital brasileiro, ainda tem a Previ (8,6%), além de outros investidores e das “golden shares” que o governo brasileiro tem direito. Lula foi o primeiro presidente, em muito tempo, a visitar as instalações da Vale no Pará no anúncio de grandes investimentos para os próximos anos.

Em 2021, após décadas, o BNDES zerou a sua participação na Vale, tornando o capital estrangeiro maioria na empresa. Mas o mesmo BNDES emprestou mais de R$ 25,5 bilhões para mineradoras, boa parte multinacionais, entre 2002 e 2022, como revelamos exclusivamente aqui.

O mesmo BNDES que lançou um fundo para minerais críticos em parceria com a Vale e segue emprestando valores significativos para mineradoras estrangeiras, como a Sigma Lithium, sediada no Canadá, que recebeu quase R$ 500 milhões após alterações nas regras do Fundo Clima. A Sigma também foi lançada na bolsa americana Nasdaq com participação direta do MME e de membros do governo Lula.

Dinheiro norte-americano segue inundando o setor mineral brasileiro, como a Mosaic Fertilizantes, empresa dos Estados Unidos, entre as maiores do planeta, que detém grandes minas de fertilizantes (fosfato) no Brasil, inclusive com problemas crônicos em barragens e conflitos com agricultores em Goiás e MG. Fertilizantes que, da lista de minerais considerados estratégicos pelo Brasil – quase tudo, diga-se – são uma das únicas substâncias que o Brasil realmente depende de importação.

A exploração de terras raras no Brasil, ainda incipiente e que ocupa os holofotes da vez, ameaça por exemplo assentamentos rurais no Nordeste e em Goiás, a agricultura familiar e o maior pau-brasil já descoberto, no sul da Bahia, como mostramos no início do mês, o que parece não levantar uma rusga de preocupação em quase ninguém.

Além dos EUA, o governo Lula anda fazendo uma série de acordos envolvendo minerais críticos com a China e ditaduras árabes, por exemplo. Todos bastante nebulosos, sem transparência clara, regras na mesa, comunicados detalhados, mas que colocam a tal soberania nacional no colo e nas mãos de outras potências mundiais. Essa foi a tônica desde o início do atual governo.

No PDAC, realizado anualmente no Canadá, maior evento da mineração mundial, o governo Lula, em comitiva junto de empresários do setor, participa de um legítimo roadshow” em apresentações para captar investimentos estrangeiros no Brasil, igualzinho fazia o governo Bolsonaro.

Lula sabe bem, reforço, que todo mundo já meteu a mão nos minerais brasileiros e seguirão abocanhando a riqueza nacional, com baixíssimo retorno para a sociedade. E que essa é uma política de Estado que atravessa décadas, com gigantesco empenho de políticos das mais variadas origens, que jamais foi questionada ou interrompida.

Pelo contrário: é a própria base da política mineral brasileira, estender o tapete vermelho para o dinheiro americano e para quem mais quiser.

*Maurício Angelo é fundador e Diretor Executivo do Observatório da Mineração. Doutorando em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (PROCAM-USP). Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (CDS-UnB). Professor e palestrante. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional. Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2022 e 2021. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).


Fonte: Observatório da Mineração