Artigo na “The Lancet” aponta para necessidade global de combater ação corporativa em prol dos alimentos ultraprocessados

O aumento do consumo de alimentos ultraprocessados ​​(AUPs) na dieta humana está prejudicando a saúde pública global. No entanto, as respostas políticas ainda estão surgindo — assim como os esforços de controle do tabaco décadas atrás — indicando a necessidade de compreender as causas profundas e acelerar a ação global. Este artigo, o terceiro de uma série de três partes publicada no Lancet , dá vários passos para ampliar o conhecimento sobre essas causas e para fundamentar uma resposta global de saúde pública. Primeiro, os autores mostram  que a indústria de AUPs é um fator-chave do problema, uma vez que suas principais corporações e atores interdependentes expandiram e reestruturaram os sistemas alimentares em quase todo o mundo, favorecendo dietas ultraprocessadas.

A maior lucratividade dos AUPs em comparação com outros tipos de alimentos alimenta esse crescimento, incentivando financeiramente o modelo de negócios ultraprocessado em detrimento de alternativas e gerando recursos para a expansão contínua. Segundo,  os autores do artigo destacam que a principal barreira para o avanço das respostas políticas são as atividades políticas corporativas da indústria, coordenadas transnacionalmente por meio de uma rede global de grupos de fachada, iniciativas multissetoriais e parceiros de pesquisa, para neutralizar a oposição e bloquear a regulamentação.

Essas atividades incluem lobby direto, infiltração em agências governamentais e litígios; promoção de modelos de governança favoráveis ​​às corporações, formas de regulamentação e sociedades civis; e direcionamento do debate, geração de evidências favoráveis ​​e fomento de dúvidas científicas. Em terceiro lugar, os autores apresentam estratégias para reduzir o poder da indústria de alimentos ultraprocessados ​​nos sistemas alimentares e para mobilizar uma resposta global de saúde pública. Para eles, reduzir o poder da indústria de alimentos ultraprocessados ​​envolve romper com o modelo de negócios de alimentos ultraprocessados ​​e redistribuir recursos para outros tipos de produtores de alimentos; proteger a governança alimentar da interferência corporativa; e implementar salvaguardas robustas contra conflitos de interesse na formulação de políticas, pesquisas e práticas profissionais. 

O artigo aponta para a necessidade de mobilizar uma resposta global inclui enquadrar os alimentos ultraprocessados ​​como uma questão prioritária de saúde global; construir coalizões de defesa poderosas em nível global e nacional; gerar capacidades jurídicas, de pesquisa e de comunicação para fortalecer a defesa e impulsionar mudanças nas políticas; e garantir uma transição justa para dietas com baixo teor de alimentos ultraprocessados. Uma resposta global coordenada e bem financiada é essencial — uma resposta que confronte o poder corporativo, recupere o espaço das políticas públicas e reestruture os sistemas alimentares para priorizar a saúde, a equidade e a sustentabilidade em detrimento do lucro corporativo.

É importante lembrar que este é o terceiro de uma série de três artigos sobre alimentos ultraprocessados ​​e saúde humana. Todos os artigos desta série da “The Lancet” estão disponíveis em Aqui!

Estudo da Lancet aponta que o número oficial de mortos em Gaza provavelmente está subestimado em 41%

gaza deathsUma mãe chora após seu filho ser morto por um ataque aéreo israelense em Deir al-Balah, Gaza, em 9 de janeiro de 2025. (Foto: Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images)

Por Jake Johnson para “Common Dreams”

Uma análise revisada por pares publicada na The Lancet na quinta-feira descobriu que o número oficial de mortos em Gaza relatado pelo Ministério da Saúde do enclave entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024 foi provavelmente uma subcontagem de 41%, uma descoberta que ressalta a devastação causada pelo ataque de Israel ao território palestino e as dificuldades de coletar dados precisos em meio a bombardeios implacáveis.

Durante o período examinado pelo novo estudo, o Ministério da Saúde de Gaza (MoH) relatou que 37.877 pessoas foram mortas em ataques israelenses. Mas a análise da Lancet estima que o número de mortos durante esse período foi de 64.260, com mulheres, crianças e idosos respondendo por quase 60% das mortes para as quais os detalhes estavam disponíveis.

Essa contagem inclui apenas “mortes por ferimentos traumáticos”, deixando de fora mortes por fome, frio e doenças.

Para chegar à sua estimativa, os autores do novo estudo “compuseram três listas a partir de dados sucessivos coletados pelo Ministério da Saúde sobre necrotérios hospitalares, uma pesquisa on-line do Ministério da Saúde e obituários publicados em páginas públicas de mídia social” e “extraíram manualmente informações de plataformas de mídia social de código aberto, incluindo páginas específicas de obituários paraGaza Shaheed, mártires de Gaza, eO Centro de Informações Palestino criará nossa terceira lista de captura e recaptura.”

“Essas páginas são espaços de obituário amplamente usados, onde parentes e amigos informam suas redes sobre mortes, oferecem condolências e orações e homenageiam pessoas conhecidas como mártires (aqueles mortos na guerra)”, escrevem os autores. “As plataformas abrangem vários canais de mídia social, incluindo X (antigo Twitter), Instagram, Facebook, WhatsApp e Telegram. Durante todo o período do estudo, essas páginas foram atualizadas periodicamente e consistentemente, fornecendo uma fonte abrangente de informações sobre vítimas. Os obituários normalmente incluíam nomes, idade na morte e data e local da morte, e eram frequentemente acompanhados por fotografias e histórias pessoais. Traduzimos postagens em inglês para o árabe para corresponder nomes em listas e excluímos mortes atribuídas a ferimentos não traumáticos.”

O grupo de autores — que inclui acadêmicos do Reino Unido, Estados Unidos e Japão — disse que as descobertas “mostram uma taxa de mortalidade excepcionalmente alta na Faixa de Gaza durante o período estudado” e destacam “a necessidade urgente de intervenções para evitar mais perdas de vidas e esclarecer padrões importantes na condução da guerra”.

Estabelecer uma contagem precisa do número de pessoas mortas no ataque de 15 meses de Israel à Faixa de Gaza, que começou na esteira de um ataque mortal liderado pelo Hamas, foi extremamente difícil devido ao bombardeio incessante e à destruição da infraestrutura médica do enclave pelo exército israelense. Também há dezenas de milhares de pessoas que se acredita estarem desaparecidas sob as ruínas de casas e edifícios em Gaza.

O estudo da Lancet observa que “a escalada das operações militares terrestres israelenses e os ataques a instalações de saúde interromperam severamente” os esforços de coleta de dados das autoridades de Gaza. Antes de 7 de outubro de 2023, o MoH “tinha alcançado boa precisão na documentação de mortalidade, com subnotificação estimada em 13%”, observa a nova análise, e seus números foram amplamente considerados confiáveis .

Mas desde que Israel lançou sua resposta catastrófica ao ataque liderado pelo Hamas, os legisladores e líderes dos EUA que apoiaram o ataque de Israel — incluindo o presidente Joe Biden — lançaram abertamente dúvidas sobre os dados do ministério. Atualmente, o MoH estima que mais de 46.000 palestinos foram mortos desde 7 de outubro de 2023.

No mês passado, o Congresso dos EUA aprovou um amplo projeto de lei de política militar que incluía uma disposição impedindo o Pentágono de citar publicamente como “autoritários” os números de mortes do Ministério da Saúde de Gaza. Biden sancionou a medida em lei em 23 de dezembro.

“Esta é uma anulação alarmante do sofrimento do povo palestino, ignorando o custo humano da violência contínua”, disse a deputada Ilhan Omar (D-Minn.), que votou contra a legislação, ao The Intercept após a aprovação da medida pela Câmara.


Fonte: Common Dreams

Guerra em Gaza: The Lancet estima que mais de 186 mil palestinos podem ter sido mortos no atual conflito

Contagem de mortos em Gaza: difícil mas essencial

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Por Rasha Khatib,  Martin McKee e Salim Yusuf para o “The Lancet”

Até 19 de junho de 2024, 37.396 pessoas foram mortas na Faixa de Gaza desde o ataque do Hamas e a invasão israelense em outubro de 2023, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, conforme relatado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.
Os números do Ministério foram contestados pelas autoridades israelitas, embora tenham sido aceites como precisos pelos serviços de inteligência israelitas.
a ONU e a OMS. Esses dados são apoiados por análises independentes, comparando as mudanças no número de mortes de funcionários da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) com aquelas relatadas pelo Ministério,que considerou as alegações de fabricação de dados implausíveis.

A coleta de dados está se tornando cada vez mais difícil para o Ministério da Saúde de Gaza devido à destruição de grande parte da infraestrutura.

O Ministério teve que aumentar seus relatórios habituais, com base em pessoas morrendo em seus hospitais ou trazidas mortas, com informações de fontes confiáveis ​​da mídia e socorristas. Essa mudança inevitavelmente degradou os dados detalhados registrados anteriormente. Consequentemente, o Ministério da Saúde de Gaza agora relata separadamente o número de corpos não identificados entre o número total de mortos. Em 10 de maio de 2024, 30% das 35.091 mortes não eram identificadas.

Alguns funcionários e agências de notícias usaram esse desenvolvimento, projetado para melhorar a qualidade dos dados, para minar a veracidade dos dados. No entanto, o número de mortes relatadas é provavelmente uma subestimação. A organização não governamental Airwars realiza avaliações detalhadas de incidentes na Faixa de Gaza e frequentemente descobre que nem todos os nomes de vítimas identificáveis ​​estão incluídos na lista do Ministério.

Além disso, a ONU estima que, até 29 de fevereiro de 2024, 35% dos edifícios na Faixa de Gaza foram destruídos,portanto, o número de corpos ainda enterrados nos escombros é provavelmente substancial, com estimativas de mais de 10.000.

Conflitos armados têm implicações indiretas na saúde além do dano direto da violência. Mesmo que o conflito termine imediatamente, continuará a haver muitas mortes indiretas nos próximos meses e anos por causas como doenças reprodutivas, transmissíveis e não transmissíveis. Espera-se que o número total de mortos seja grande, dada a intensidade deste conflito; infraestrutura de assistência médica destruída; escassez severa de alimentos, água e abrigo; a incapacidade da população de fugir para lugares seguros; e a perda de financiamento para a UNRWA, uma das poucas organizações humanitárias ainda ativas na Faixa de Gaza.

Em conflitos recentes, tais mortes indiretas variam de três a 15 vezes o número de mortes diretas. Aplicando uma estimativa conservadora de quatro mortes indiretas por uma morte direta para as 37 396 mortes relatadas, não é implausível estimar que até 186 000 ou até mais mortes poderiam ser atribuídas ao conflito atual em Gaza. Usando a estimativa populacional da Faixa de Gaza de 2022 de 2 375 259, isso se traduziria em 7,9% da população total na Faixa de Gaza. Um relatório de 7 de fevereiro de 2024, na época em que o número direto de mortos era de 28 000, estimou que sem um cessar-fogo haveria entre 58 260 mortes (sem uma epidemia ou escalada) e 85 750 mortes (se ambas ocorressem) até 6 de agosto de 2024.

Um cessar-fogo imediato e urgente na Faixa de Gaza é essencial, acompanhado de medidas para permitir a distribuição de suprimentos médicos, alimentos, água limpa e outros recursos para as necessidades humanas básicas. Ao mesmo tempo, há uma necessidade de registrar a escala e a natureza do sofrimento neste conflito. Documentar a verdadeira escala é crucial para garantir a responsabilização histórica e reconhecer o custo total da guerra. Também é um requisito legal. As medidas provisórias estabelecidas pela Corte Internacional de Justiça em janeiro de 2024 exigem que Israel “tome medidas eficazes para impedir a destruição e garantir a preservação de evidências relacionadas a alegações de atos dentro do escopo da Convenção sobre Genocídio”.

O Ministério da Saúde de Gaza é a única organização que conta os mortos. Além disso, esses dados serão cruciais para a recuperação pós-guerra, restauração de infraestrutura e planejamento de ajuda humanitária.

MM é membro do conselho editorial do Israel Journal of Health Policy Research e do International Advisory Committee do Israel National Institute for Health Policy Research. MM foi copresidente da 6ª Conferência Internacional de Jerusalém sobre Política de Saúde do Instituto em 2016, mas escreve a título pessoal. Ele também colabora com pesquisadores em Israel, Palestina e Líbano. RK e SY declaram não haver conflitos de interesses. Os autores gostariam de agradecer aos membros da equipe do estudo Shofiqul Islam e Safa Noreen por sua contribuição na coleta e gerenciamento dos dados para esta Correspondência.

Nota editorial: O Lancet Group assume uma posição neutra em relação a reivindicações territoriais em textos publicados e afiliações institucionais.


Fonte: The Lancet

Em editorial, “The Lancet” abre exceção, aborda eleição presidencial no Brasil e diz que país precisa de mudança urgente

Novos começos para a América Latina?

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Editorial

As apostas são altas para as próximas eleições presidenciais do Brasil. Se as previsões atuais estiverem corretas, o presidente Jair Bolsonaro será derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva, seja no primeiro turno, em 2 de outubro, ou no segundo turno, em 30 de outubro. . Há temores no país de que Bolsonaro, conhecido por sua volatilidade e incitação indireta à violência, não vá em silêncio. Ele já criticou o sistema de votação eletrônica do Brasil na presença de embaixadores estrangeiros.

O manejo desastroso de Bolsonaro com a pandemia de COVID-19 e seu desrespeito às mulheres, minorias étnicas, povos indígenas e meio ambiente são amplamente conhecidos. Durante o reinado de Bolsonaro, as medidas de proteção social foram prejudicadas pelo financiamento reduzido, as desigualdades e a pobreza aumentaram acentuadamente, e o Brasil voltou a aderir ao Mapa da Fome da ONU. De acordo com dados da 2ª Pesquisa Nacional de Insegurança Alimentar divulgados em junho, estima-se que 30,7% dos brasileiros estejam passando por insegurança alimentar moderada ou grave devido à combinação da pandemia, aumento do desemprego, enfraquecimento de programas sociais e desmantelamento de políticas de bem-estar. Mais de 3,5 anos do regime de Bolsonaro deixaram o Brasil em sua pior posição em décadas. As questões perenes de desigualdade, pobreza, e a corrupção continuam a prejudicar os brasileiros e sua saúde. A violência baseada em gênero e com armas ainda é galopante e a decisão de Bolsonaro de relaxar as leis de armas foi um passo na direção errada. Correspondência publicada emThe Lancet descreveu como cientistas e instituições científicas foram prejudicados. O Brasil precisa de uma mudança urgente.

Se as previsões para a eleição do Brasil estiverem corretas, ela se juntará a outros países latino-americanos onde há uma esperança renovada de mudança social progressiva. Os dois líderes mais recentemente eleitos na América Latina são Gustavo Petro (na Colômbia), ex-guerrilheiro que assumiu em agosto, e Gabriel Boric (no Chile), no cargo desde 11 de março. promessas de renovar a saúde e a educação, combater a corrupção e a pobreza e proteger os direitos dos trabalhadores, muitos ainda não produziram mudanças substanciais. Como Boric e Petro diferem está na inclusão de proteção climática e sustentabilidade, proteção dos direitos das mulheres e inclusão política de minorias étnicas em seus manifestos.

Pela primeira vez na história do Chile, a maior parte do gabinete e metade dos ministros são mulheres. A vice-presidente é Francia Márquez, ativista ambiental e de direitos humanos afro-colombiana. Boric tem uma forte agenda ambiental com um claro entendimento de que os combustíveis fósseis pertencem ao passado, uma espécie de exceção em uma região onde muitos governos ainda apoiam as exportações de mineração e petróleo. Em 4 de setembro, os chilenos votarão em um referendo sobre uma nova constituição, que inclui o direito ao aborto eletivo e afirma que o sistema nacional de saúde é universal. A Petro se comprometeu a combater a desigualdade fornecendo educação universitária gratuita, reformas previdenciárias e altos impostos sobre terras improdutivas. Os desafios são enormes,

A região também precisa de uma organização de saúde forte e líder para apoiar os Estados membros em seus esforços para melhorar a saúde e o bem-estar de suas populações. Um novo diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) será escolhido em votação secreta na 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana de 26 a 30 de setembro. Brasil, Colômbia, México, Panamá, Haiti e Uruguai têm todos os candidatos indicados e o novo diretor começará um mandato de 5 anos em 1º de fevereiro de 2023. A estabilidade financeira está no topo da agenda dos candidatos, pois a OPAS estava perto da insolvência em 2020 , durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19, com os estados membros atrasando os pagamentos e os EUA sob o presidente Trump interrompendo seu apoio à OMS. Mas a OPAS também precisa de uma agenda claramente priorizada, mais urgentemente, para examinar as lições aprendidas e as mudanças necessárias para a região após a pandemia.

Há uma chance sem precedentes de novos começos na América Latina; uma oportunidade de fazer mudanças positivas para aliviar a profunda negligência, desigualdade e violência. Esperemos que o Brasil escolha aproveitar esta oportunidade.

Para mais informações sobre a pobreza alimentar no Brasil, consulte https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf

Para saber mais sobre como os cientistas e a ciência brasileiros foram prejudicados, veja Correspondence Lancet 2021; 397: 373–74 e Correspondência Lancet 2022; 399: 23-24

Para saber mais sobre o programa tributário da Columbia, consulte https://www.ft.com/content/35d3eae3-5166-42f6-b0b0-a66c6c709116

Para mais informações sobre os candidatos a Diretor da OPAS, consulte World Report Lancet 2022 399: 2337–38

Para acessar o arquivo pdf deste artigo basta clicar Aqui!


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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela revista “The Lancet” [Aqui! ].

The Lancet: 21 cientistas rejeitaram uma das maiores honrarias científicas do Brasil, depois que o presidente Bolsonaro vetar dois agraciados

ordem do mérito

Por Lise Alves de São Paulo

Um grupo de cientistas brasileiros agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico decidiu recusar a homenagem, depois que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, retirou dois de seus nomes da lista.

Um comunicado dos destinatários afirma: “Estamos extremamente honrados com a possibilidade de recebermos um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber no nosso país. No entanto, a homenagem oferecida por um governo federal que não só ignora a ciência, mas boicota ativamente as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não condiz com nossa trajetória científica. Em solidariedade com os colegas que foram sumariamente excluídos da lista de destinatários, e em conformidade com a nossa postura ética, renunciamos coletivamente a esta nomeação. ”

O presidente Bolsonaro concedeu a 25 cientistas um dos maiores méritos científicos do país no dia 3 de novembro, apenas para excluir os nomes de Adele BenzakenSBP e Marcus Vinícius Lacerda da lista de homenageados 2 dias depois. Após o afastamento, 21 cientistas da lista divulgaram comunicado no qual renunciaram à homenagem. Eles também criticaram “a negação em geral, a perseguição a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para ciência e tecnologia”, que dizem ter prejudicado avanços importantes da comunidade científica brasileira.

Um dos que renunciaram ao prêmio foi Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (RS). Victora disse ao The Lancet que escreveu uma carta ao Ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil renunciando à homenagem antes mesmo de tomar conhecimento da decisão do presidente de retirar o prêmio de Benzaken e Lacerda. “Como cientista e epidemiologista, tornei público por meio de palestras e artigos científicos minha completa oposição à forma como a pandemia de COVID-19 tem sido tratada por este governo”, disse Victora em sua carta.

Benzaken e Lacerda, ambos pesquisadores da Fiocruz-Amazônia, acham que sua retirada da lista se deve à divergência entre seu trabalho e a visão do governo Bolsonaro.

Benzaken, diretor da Fiocruz-Amazônia, se surpreendeu ao receber o prêmio em primeiro lugar. “Devo confessar que não pensei que o atual governo tivesse realmente me selecionado para esse prêmio”, disse Benzaken ao The Lancet . No entanto, ela criticou a remoção de seu nome. Benzaken foi demitido do Ministério da Saúde durante a primeira semana do governo Bolsonaro por publicar um panfleto que fornecia informações sobre saúde sexual para homens transexuais. Funcionários do Ministério da Saúde disseram que o panfleto continha linguagem vulgar e ofensiva. “Achei muito deselegante para o governo brasileiro. É como convidar alguém para uma festa e 2 dias depois não convidar ”, disse Benzaken, que passou a maior parte de sua vida profissional estudando, prevenindo e ajudando pessoas com HIV / AIDS.

Lacerda disse ao The Lancet que também ficou surpreso ao saber que estava na lista. “Causou um certo estranhamento porque o presidente e sua família já haviam falado coisas negativas sobre mim e espalhado notícias falsas sobre meu primeiro estudo com cloroquina e COVID-19 aqui em Manaus”, disse. Em março de 2021, Lacerda conduziu um estudo que concluiu que a cloroquina era ineficaz contra o COVID-19. O medicamento contra a malária foi promovido pela administração Bolsonaro como um medicamento milagroso para a COVID-19.

No momento em que se espalhou a notícia da retirada dos dois nomes da lista de premiados, a comunidade científica brasileira criticou a decisão. “Esse ato, inédito no país e típico de regimes autoritários, é mais um atentado à ciência, inovação e inteligência do país”, disse em nota Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Ciência e inovação estão sendo fragilizadas por uma política econômica equivocada, que olha para o horizonte imediato, com medidas que prejudicam o futuro do Brasil. Atitudes de negação, com ataques irresponsáveis ​​às evidências científicas, prejudicam o desenvolvimento nacional e afetam diretamente a saúde da população ”.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também divulgou nota: “É evidente que o governo federal procedeu ao cancelamento ao saber que os dois renomados cientistas faziam pesquisas cujos resultados contradiziam os interesses das políticas governamentais, atuando como um censor da pesquisa, sem o devido respeito à verdade científica e à diversidade ”.

De acordo com a SBPC, todos os nomes para a premiação foram apresentados por uma comissão técnica formada por membros da SBPC e do ABC. O gabinete do presidente não deu uma razão para remover os nomes e não respondeu aos pedidos de comentários do The Lancet.

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela “The Lancet” [Aqui!].

The Lancet: nenhum sistema de saúde do mundo está preparado para as mudanças do clima

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Todos os países – ricos ou pobres – têm sistemas de saúde precários frente aos desafios que as mudanças climáticas já começam a impor. Esta é a principal mensagem da edição 2020 do relatório Contagem Regressiva Lancet (Lancet Countdown), um estudo sobre a relação entre mudança climática e saúde. O levantamento acompanha 40 indicadores nesse tema, e a edição lançada hoje (2/12) apresenta as perspectivas mais preocupantes até o momento.

Os novos dados mostram que apenas metade dos países pesquisados elaboraram planos nacionais de saúde e clima, com apenas quatro informando financiamento nacional adequado, e menos da metade dos países realizou avaliações de vulnerabilidade e adaptação para a saúde. Enquanto isso, dois terços das cidades globais pesquisadas esperam que a mudança climática comprometa seriamente a infraestrutura de saúde pública.

Segundo o relatório, nas últimas duas décadas houve um aumento de 54% de mortes relacionadas ao calor entre idosos, com um recorde de 2,9 bilhões de dias adicionais de exposição a ondas de calor afetando quem tem mais de 65 anos em 2019 – quase o dobro da alta anterior. Nesse mesmo período, o Brasil experimentou 39 milhões de dias a mais de exposição às ondas de calor afetando sua população idosa em comparação com o início dos anos 2000. O cálculo da exposição de populações vulneráveis a ondas de calor é expresso em dias/pessoa, ou seja, o número de dias de ondas de calor em relação ao número de pessoas afetadas.

O documento ainda destaca que o calor e a seca provocaram aumento acentuado de exposição a incêndios, causando danos ao coração e ao pulmão devido à fumaça, além de queimaduras e deslocamentos de comunidades. Esse cenário foi especialmente devastador no Brasil em 2019, que devido às queimadas na Amazônia viu saltar em 28% o número de dias em que sua população esteve exposta a um risco de incêndio de muito alto a extremo desde o início do século.

“A pandemia nos mostrou que quando a saúde é ameaçada em escala global, nossas economias e modos de vida podem chegar a um impasse”, diz Ian Hamilton, diretor executivo da Lancet Countdown. “Os incêndios devastadores dos EUA e as tempestades tropicais deste ano no Caribe e no Pacífico, coincidindo com a pandemia, ilustraram tragicamente que o mundo não tem o luxo de lidar com uma crise de cada vez”.

“A pandemia da COVID-19 lançou um holofote sobre a capacidade atual dos sistemas de saúde para lidar com choques futuros que a mudança climática já começa a gerar”, afirma Hugh Montgomery, co-presidente da Lancet Countdown e doutor em terapia intensiva na University College London. Para ele a mudança climática amplia as desigualdades existentes na saúde entre os países e dentro deles. “Nosso relatório mostra que, assim como na Covid-19, os idosos são particularmente vulneráveis, e aqueles com uma gama de condições pré-existentes, incluindo asma e diabetes, correm um risco ainda maior”.

O relatório – uma colaboração entre especialistas de mais de 35 instituições, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Banco Mundial e liderado pelo University College London – vem a público às vésperas do 5º aniversário do Acordo de Paris, quando o mundo se comprometeu a limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2ºC.

“Chegamos ao 5º aniversário do Acordo de Paris enfrentando as piores perspectivas para a saúde pública que nossa geração já viu”, lamenta Wenjia Cai, diretora do recém-lançado Centro Regional Lancet Countdown para a Ásia, sediado na Universidade de Tsinghua, em Pequim. “O não cumprimento de nossos compromissos climáticos pode tirar alguns objetivos-chave de desenvolvimento sustentável do alcance, assim como nossa capacidade de limitar o aquecimento.”

Riscos no Brasil

Um destaque que diz respeito ao Brasil são as mortes relacionadas à dieta alimentar: no Brasil são muito significativas – quase 248 mil por ano, dos quais quase 38 mil estão ligadas ao consumo excessivo de carne vermelha.

A poluição que causa milhares de mortes prematuras por inalação partículas finas (PM2,5) também é apontado no relatório com um problema crítico no país, sendo o transporte movido a combustíveis fósseis o principal responsável.

O relatório aponta ainda que houve um aumento das horas de trabalho perdidas devido ao calor extremo na América Latina – foram mais de 4 bilhões de horas perdidas em 2019 no Brasil, e as perdas médias nos últimos quatro anos são 36% maiores do que no início da década de 90. Enquanto isso, a dengue avança no continente, com o mosquito Aedes aegypti se adaptando cada vez mais aos ambientes urbanos de Brasil e Peru, ajudado, segundo o relatório, pelo armazenamento improvisado de água em resposta às estiagens e cortes de abastecimento.

Retomada Verde

Um editorial da Lancet publicado junto com o novo relatório destaca que a mudança climática e o risco de pandemia zoonótica compartilham os mesmos fatores, tornando-os inextricavelmente entrelaçados, de modo que devem ser tratados em conjunto.

Os 120 acadêmicos e médicos por trás do novo relatório dizem que se forem tomadas medidas urgentes para enfrentar a mudança climática – implementando planos para cumprir os compromissos de limitar os aumentos de temperatura global a bem abaixo de 2ºC – será possível mitigar esses choques e obter benefícios econômicos e de saúde. Ao mesmo tempo, estas ações poderiam reduzir o risco de futuras pandemias, porque os motores da mudança climática também podem impulsionar o risco de pandemia zoonótica (doenças infecciosas causadas por microorganismos que saltam de animais não humanos para humanos).

“Se quisermos reduzir o risco de futuras pandemias, devemos priorizar a ação sobre a crise climática – uma das forças mais poderosas que impulsionam as zoonoses hoje”, declara Richard Horton, editor-chefe da The Lancet. Para ele, este é o momento de proteger a biodiversidade e fortalecer os sistemas naturais dos quais depende nossa civilização. “Assim como vimos com a COVID-19, uma ação retardada causará mortes evitáveis.”

Os 7 milhões de mortes anuais por poluição do ar associadas à queima de combustíveis fósseis em todo mundo dão um exemplo desse potencial. Na Europa, modestos passos para promover setores de energia e transporte mais limpos viram as mortes por poluição atmosférica PM2,5 cair de 62 por 100 mil em 2015 para 59 por 100 mil em 2018. Globalmente, as mortes por PM2,5 ambientais associadas ao carvão caíram em 50 mil no mesmo ano.

Os ganhos de saúde, por sua vez, poderiam gerar muitos bilhões em benefícios econômicos. Por exemplo, a melhoria marginal da qualidade do ar da União Européia nos cinco anos até 2019 poderia valer cerca de US$ 8,8 bilhões por ano, se mantida constante.

Como a produção de alimentos é a fonte de um quarto das emissões mundiais de gases de efeito estufa, o relatório sugere que existe uma oportunidade semelhante para tratar de algumas das 9 milhões de mortes anuais ligadas à má alimentação. Com a pecuária sendo particularmente intensiva em emissões, o relatório examinou as mortes causadas pelo excesso de consumo de carne vermelha e constatou que a mortalidade aumentou 70% nos últimos 30 anos. Uma dieta com menos carne bovina teria portanto benefícios de saúde diretos e também indiretos, pela diminuição das emissões.

“Há uma oportunidade genuína de alinhar as respostas à pandemia e à mudança climática para proporcionar uma tripla vitória: melhorar a saúde pública, criar uma economia sustentável e proteger o meio ambiente”, afirma Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial da Saúde. “Mas o tempo é curto. A incapacidade de enfrentar essas crises convergentes de modo simultâneo pode elevar a produção de combustíveis fósseis, colocando a meta mundial de 1,5ºC fora do alcance e condenando o mundo a um futuro de choques de saúde induzidos pelo clima.”

Quem desejar acessar o relatório publicado pela “The Lancet”, basta clicar [Aqui! ].  Já para baixar o editorial do “The Lancet” sobre a relação entre a COVID-19 e a crise climátic, basta clicar [Aqui!].

Na “The Lancet”, médicos brasileiros desafiam os fatos e defendem as ações do governo Bolsonaro no controle da COVID-19

hospitais covid-19

Na “The Lancet”,  médicos brasileiros defendem as ações do governo Bolsonaro no (des) controle da pandemia da COVID-19, em que pese os mais 135 mil mortes ocorridas no Brasil

Há quem não entenda algumas situações envolvendo a falta de reação da comunidade médica brasileira às ações do governo Bolsonaro no (des) controle da pandemia da COVID-19 no Brasil, especialmente quando o presidente Jair Bolsonaro está a meses defendendo um medicamento, a cloroquina, que não possui nenhuma comprovação de que tenha qualquer utilidade no combate ao coronavírus.

Mas uma carta publicada hoje pela revista “The Lancet” lança luz sobre essa situação ao publicar uma carta assinada por um coletivo de médicos brasileiros (alguns detentores de títulos de doutorado) que não só defendem ardorosamente as ações do governo Bolsonaro, como também exigem que uma das principais revistas científicas da área médica do mundo retire do ar um editorial em que critica duramente as ações do governo Bolsonaro.

Em meio ao bombardeio de declarações pseudo-nacionalistas, uma me chamou a atenção. É que aquela que afirma que “Brasil está se saindo melhor do que o Reino Unido em resposta à pandemia COVID-19. Os casos, óbitos e taxas de letalidade do COVID-19 ajustados pela população são muito mais elevados no Reino Unido do que no Brasil.”

Essa afirmação por si só já deve ter divertido os editores da “The Lancet” a ponto deles decidirem publicar uma carta que, se por um lado tem elementos que envergonham os autores da mesma, por outro, oferecem uma rara entrada no que pensam respeitáveis representantes da classe médica brasileira.

Quem se der ao trabalho de ler a “resposta” abaixo, notará que não se pode culpar os pobres pela eleição e manutenção de Jair Bolsonaro no posto de presidente do Brasil. É que a defesa apaixonada que emerge do texto nos mostra quem racionalmente opta por defender as práticas indefensáveis de um governo indefensável.

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Resposta COVID-19 do Brasil

Por Mauro RN Pontes e Julio Pereira Lima

Foi decepcionante ler o Editorial 1  sobre a resposta do Brasil ao COVID-19, criticando o presidente brasileiro que “desencorajou [ed] as medidas sensatas de distanciamento físico e bloqueio”. Sim, ele insistiu que o bloqueio é ineficaz e terrível para a economia. 

As evidências sugerem que ele estava certo. Um estudo europeu concluiu que o bloqueio pode não ter salvado vidas.

2 Um estudo brasileiro descobriu que um aumento de 1,0% na taxa de desemprego estava associado a um aumento de 0,5% na mortalidade por todas as causas.

 3 A taxa de desemprego esperada (23%) causaria 120 mil mortes no Brasil, segundo projeções dos autores. 3 Portanto, o governo brasileiro implementou medidas de proteção; distribuiu US $ 5,6 bilhões às cidades, estados e diretamente à população por meio de um salário de salvamento de emergência; criaram leitos para unidades de terapia intensiva; e entregou equipamentos de proteção e ventiladores. Esta resposta mostra um “vácuo de ações políticas”?1

Até o momento, o Brasil está se saindo melhor do que o Reino Unido em resposta à pandemia COVID-19. Os casos, óbitos e taxas de letalidade do COVID-19 ajustados pela população são muito mais elevados no Reino Unido do que no Brasil. O Lancet deveria criticar seu próprio país, antes de criticar o nosso.

Sentimos que o preconceito abundou durante a editoria de Richard Horton, incluindo o imbróglio da vacina MMR4(colocando a vida das crianças em risco) e a correspondência incendiária sobre a situação em Gaza5O Lancet elogiou a resposta chinesa à pandemia de COVID-19, mesmo depois que a China foi acusada de encobrir a propagação inicial e a transmissão de humano para humano de COVID-19. O Lancet foi mais duro com o Brasil, sugerindo que deveríamos expulsar o presidente de sua cadeira.

Desconsideramos seu editorial desinformador, 1 que sentimos ser claramente tendencioso contra nosso governo de direita. Infelizmente, o The Lancet não publicou nada contra o governo de esquerda brasileiro, que priorizou estádios de futebol em vez de hospitais.

Como médicos brasileiros, damos a vocês uma resposta clara: o Editor do The Lancet deve abandonar o viés político, retratar o Editorial,1  e focar na ciência, ou então ele “deve ser o próximo a ir”.1

Declaramos não haver interesses conflitantes. Os signatários desta correspondência estão listados no apêndice

“The Lancet” publica artigo negando benefícios da cloroquina no combate à COVID-19

Did chloroquine really fail a COVID-19 study—or was the trial ...Estudo científico mostra que cloroquina e hidroxicloroquina são ineficazes no combate à COVID-19, com ou sem o acompanhamento de antibióticos

Uma das principais, senão a principal, revista científica na área da Medicina, a “The Lancet” acaba de publicar um artigo que nega quaisquer benefícios associados ao uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19.

cloroquina trial

De autoria de pesquisadores ligados ao  Brigham and Women’s Hospital Heart  e ao Vascular Center and Harvard Medical School (Massachusets, EUA),  à Surgisphere Corporation (Illinois, EUA), à University Heart Center, University Hospital Zurich (Suiça), ao Department of Biomedical Engineering da Universidade de Utah (Utah, EUA), e ao HCA Research Institute (Tennessee, EUA), o artigo aponta de forma categórica que “não foi possível confirmar o benefício da hidroxicloroquina ou cloroquina, quando usado isoladamente ou com um macrólido (pertencentes a um grupo de antibióticos de amplo espectro), nos resultados hospitalares do COVID-19. Cada um desses esquemas medicamentosos foi associado à diminuição da sobrevida hospitalar e a um aumento da frequência de arritmias ventriculares quando usado no tratamento do COVID-19“.

Este novo estudo é provavelmente um dos (senão o mais) robustos realizados sobre o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, na medida em que inclui resultados obtidos com 96.032 pacientes (idade média 53,8 anos, 46,3% mulheres) que tiveram COVID-19  e foram hospitalizados durante o período do estudo, tendo preenchido critérios de inclusão. Os autores informam ainda que 14.888 pacientes analisados estavam nos grupos de tratamento (1868 receberam cloroquina, 3783 receberam cloroquina com um macrólido, 3016 receberam hidroxicloroquina e 6221 receberam hidroxicloroquina com um macrólido, sendo que  81.144 pacientes foram colocados no chamado grupo de controle. O resultado final é que 10.698 (11,1%) pacientes morreram no hospital.

Como se vê, quando submetido a uma análise  rigorosa, o mito da utilidade da cloroquina e da hidroxicloroquina para combater a COVID-19 se esfarela rapidamente, não resistindo ao exame próprio de quem realmente tem a capacidade de analisar dados científicos. Por isso, enquanto a comunidade cientifica não produz as alternativas eficazes contra a COVID-19, a melhor alternativa continua e continuará sendo o isolamento social, independente do que pensem os bufões que eventualmente são eleitos para presidir países como o Brasil (Jair Bolsonaro) e os EUA (Donald Trump).

Pesquisadores publicam artigo na “The Lancet” alertando para possível catástrofe na saúde brasileira

 

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O artigo abaixo foi publicado na respeita revista científica “The Lancet” e traça um cenário sombrio para a saúde dos brasileiros e mfunção das políticas ultraneoliberais que estão sendo executadas pelo “governo de facto” de Michel Temer.

Os autores são respectivamente professores do Departmento da Universidade de Cambridge (Reino Unido), da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (Brasil), e do Departamento de Economia da Universidade de Massachusets (EUA). 

A gravidade do que está apontado neste artigo é tamanha que deveríamos todos parar de fazer o jogo de quem não quer que discutamos as reais repercussões do desmanche do Estado brasileiro que está em curso por um governo que não foi eleito pela maioria do povo brasileiro para, de uma vez por todos, nos concentrar nos debates que deverão definir o destino do Brasil como nação.

Para os interessados em ler o artigo na sua versão original, basta clicar [Aqui!]

Uma catástrofe está sendo produzida na saúde dos brasileiros

Por Katarzyna Donie,  Rafael Dall’Alba e Lawrence King*

As crises políticas e econômicas do Brasil estão desviando a atenção da retomada de um modelo neoliberal de atenção à saúde por seu governo. Aqui resumimos brevemente as reformas de saúde e suas possíveis implicações em longo prazo. As novas políticas podem ser vistas a partir de três perspectivas: austeridade, privatização e desregulamentação.

Em primeiro lugar, o governo do país introduziu um dos mais severos conjuntos de medidas de austeridade na história moderna. A emenda constitucional aprovada em dezembro de 2016, chamada PEC-55, congela o orçamento federal, incluindo os gastos com saúde, em seu nível de 2016 por 20 anos [1].  Além disso, em 2017, pela primeira vez em quase 30 anos, o governo não superou o mínimo orçamento da saúde garantido pela Constituição em R $ 692 milhões (aproximadamente US $ 210 milhões)  [2, 3]. Outros setores relacionados à saúde, como educação e ciência, também enfrentam cortes de gastos: até 45% em pesquisa científica e 15% em  universidades públicas [4, 5, 6].

O governo brasileiro está gradualmente se retirando do plano-chave de proteção social, Brasil Sem Miséria, que forneceu apoio financeiro, acesso a produtos básicos e serviços para populações vulneráveis por meio de mais de 70 programas especializados. Muitos programas de assistência social, complementando os cuidados de saúde preventivos e reduzindo as desigualdades, estão passando por cortes no orçamento. Em 2017, mais de 1 milhão de famílias foram excluídas do Programa Bolsa Família, visando a erradicação da pobreza e da fome por meio de transferência direta de renda condicional para as famílias mais pobres [7]. Segundo prognósticos de Rasella e colegas, medidas de austeridade sofridas por É provável que o programa exacerbará a morbidade e a mortalidade infantil na próxima década [8].

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que envolve funções como educação rural, abastecimento de água e criação de empregos, foi um dos principais. As forças que estão por trás da remoção do Brasil do mapa mundial da fome do Programa Mundial de Alimentos estão seriamente comprometidas.  O Programa Cisternas, com acesso a água potável para comunidades rurais empobrecidas, perdeu mais de 90% de seus fundos. Dado que uma das principais causas de crimes violentos nas comunidades rurais é o conflito pelo acesso à água, o encerramento do programa  é uma ameaça para a segurança dessas comunidades. O financiamento do Programa de Aquisição de Alimentos, compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar para a redistribuição entre os pobres, foi reduzido em 99%%. Tais mudanças drásticas na direção das políticas sociais provavelmente reverterão o progresso social que foi feito ao longo das duas últimas décadas, que tirou 28 milhões de pessoas da pobreza e 36 milhões para a classe média.

Em segundo lugar, o governo pretende introduzir planos comerciais de saúde (Planos Populares), destinados a substituir funções anteriormente desempenhadas, gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde [9].  Planos comerciais oferecem um escopo mais restrito de serviços do que o mínimo oferecido pelo SUS e estão sujeitos a menos escrutínio regulatório, o que geralmente resulta em má qualidade de serviço e altos custos diretos [10].

Em terceiro lugar, estados e municípios têm sido obrigados, até o momento, a investir recursos federais, através dos chamados “blocos financeiros”, em áreas estratégicas de saúde, incluindo atenção primária à saúde e saneamento. As novas regulamentações liberam as administrações regionais de aderirem a essa disciplina de gastos [11], investindo quantias especificadas em áreas estratégicas de saúde, o que pode contribuir para a deterioração do SUS e para as desigualdades regionais em saúde. Além disso, novas regulamentações diminuem o número obrigatório de médicos em unidades de emergência e de pessoal nas unidades básicas de saúde [12], incluindo a redução do número obrigatório de agentes comunitários de saúde. Essa reorganização da atenção primária não só dá mais poder ao setor privado do que antes, ao diminuir a qualidade dos serviços públicos, mas também reduz a capacidade do SUS de uma gestão eficaz de emergências, prevenção e promoção da saúde. O enfraquecimento do setor público também afetou a cobertura de vacinação e a vigilância sanitária, resultando em um recente surto de sarampo [13].

Essas ações mostram que o governo do Brasil está se afastando dos princípios fundamentais da atenção universal à saúde, apesar de ser um direito constitucional. Políticas de saúde neoliberais, combinadas com a desregulamentação das leis trabalhistas [14],  em meio à grave crise econômica, não só agem contra a ideia de justiça social, mas também exacerbam duas grandes preocupações de saúde pública do país: desigualdades socioespaciais e socioeconômicas na saúde e a alta taxa de homicídio. Esperamos que esta carta estimule o debate sobre a crise sistêmica da atenção à saúde no Brasil e contribua para o escrutínio rigoroso das tendências neoliberais nas políticas de saúde pública e seus efeitos em todo o mundo [15].


Referências

  1. Brasil Ministério de Desenvolvimento Social. Informações do projeto de lei orçamentária anual 2017.
  2. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: Ministério do Planejamento. Nota técnica: número 28.
  3. Collucci, C. Tamanho do SUS precisa ser revisto, diz novo ministro da Saude. Folha de São Paulo (São Paulo)May 17, 2016;
  4. Angelo, C. Brazilian scientists reeling as federal funds slashed by nearly half. NatureApril 3, 2017;
  5. Angelo, C. Scientists plead with Brazilian government to restore funding. NatureOct 4, 2017;
  6. G1. MEC prevê orçamento 15% menor para universidades federais em 2017.
  7. Brasil Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Base de dados do Programa Bolsa Família.
  8. Rasella, D, Basu, S, Hone, T, Paes-Sousa, R, Ocké-Reis, CO, and Millett, C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. PLoS Medicine201815e1002570
  9. Brasil Agência Nacional de Saúde Suplementar. Portaria número 8.851.
  10. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Crise econômica, austeridade fiscal esaúde: que lições podem ser aprendidas? Relatório número 26, Brasília.
  11. Brasil Ministério da Saúde and Gabinete do Ministro. Portaria número 381 de 6 de Fevereiro de 2017.
  12. Brasil Ministério da Saúde and Gabinete Ministerial. Portaria número 10, de 3 de Janeiro de 2017.
  13. Estados enfrentam surto de sarampo, que volta a ameaçar o Brasil. Jornal NacionalJuly 7, 2018;
  14. Casa Civil, Brasil. Law número 13.467.
  15. Stuckler, D and Basu, S. The body economic: why austerity kills. PenguinLondon2013

* Os autores são respectivamente professores do Departmento da Universidade de Cambridge (Reino Unido), da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (Brasil), e do Departamento de Economia da Universidade de Massachusets (EUA).