Em editorial, “The Lancet” abre exceção, aborda eleição presidencial no Brasil e diz que país precisa de mudança urgente

Novos começos para a América Latina?

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Editorial

As apostas são altas para as próximas eleições presidenciais do Brasil. Se as previsões atuais estiverem corretas, o presidente Jair Bolsonaro será derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva, seja no primeiro turno, em 2 de outubro, ou no segundo turno, em 30 de outubro. . Há temores no país de que Bolsonaro, conhecido por sua volatilidade e incitação indireta à violência, não vá em silêncio. Ele já criticou o sistema de votação eletrônica do Brasil na presença de embaixadores estrangeiros.

O manejo desastroso de Bolsonaro com a pandemia de COVID-19 e seu desrespeito às mulheres, minorias étnicas, povos indígenas e meio ambiente são amplamente conhecidos. Durante o reinado de Bolsonaro, as medidas de proteção social foram prejudicadas pelo financiamento reduzido, as desigualdades e a pobreza aumentaram acentuadamente, e o Brasil voltou a aderir ao Mapa da Fome da ONU. De acordo com dados da 2ª Pesquisa Nacional de Insegurança Alimentar divulgados em junho, estima-se que 30,7% dos brasileiros estejam passando por insegurança alimentar moderada ou grave devido à combinação da pandemia, aumento do desemprego, enfraquecimento de programas sociais e desmantelamento de políticas de bem-estar. Mais de 3,5 anos do regime de Bolsonaro deixaram o Brasil em sua pior posição em décadas. As questões perenes de desigualdade, pobreza, e a corrupção continuam a prejudicar os brasileiros e sua saúde. A violência baseada em gênero e com armas ainda é galopante e a decisão de Bolsonaro de relaxar as leis de armas foi um passo na direção errada. Correspondência publicada emThe Lancet descreveu como cientistas e instituições científicas foram prejudicados. O Brasil precisa de uma mudança urgente.

Se as previsões para a eleição do Brasil estiverem corretas, ela se juntará a outros países latino-americanos onde há uma esperança renovada de mudança social progressiva. Os dois líderes mais recentemente eleitos na América Latina são Gustavo Petro (na Colômbia), ex-guerrilheiro que assumiu em agosto, e Gabriel Boric (no Chile), no cargo desde 11 de março. promessas de renovar a saúde e a educação, combater a corrupção e a pobreza e proteger os direitos dos trabalhadores, muitos ainda não produziram mudanças substanciais. Como Boric e Petro diferem está na inclusão de proteção climática e sustentabilidade, proteção dos direitos das mulheres e inclusão política de minorias étnicas em seus manifestos.

Pela primeira vez na história do Chile, a maior parte do gabinete e metade dos ministros são mulheres. A vice-presidente é Francia Márquez, ativista ambiental e de direitos humanos afro-colombiana. Boric tem uma forte agenda ambiental com um claro entendimento de que os combustíveis fósseis pertencem ao passado, uma espécie de exceção em uma região onde muitos governos ainda apoiam as exportações de mineração e petróleo. Em 4 de setembro, os chilenos votarão em um referendo sobre uma nova constituição, que inclui o direito ao aborto eletivo e afirma que o sistema nacional de saúde é universal. A Petro se comprometeu a combater a desigualdade fornecendo educação universitária gratuita, reformas previdenciárias e altos impostos sobre terras improdutivas. Os desafios são enormes,

A região também precisa de uma organização de saúde forte e líder para apoiar os Estados membros em seus esforços para melhorar a saúde e o bem-estar de suas populações. Um novo diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) será escolhido em votação secreta na 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana de 26 a 30 de setembro. Brasil, Colômbia, México, Panamá, Haiti e Uruguai têm todos os candidatos indicados e o novo diretor começará um mandato de 5 anos em 1º de fevereiro de 2023. A estabilidade financeira está no topo da agenda dos candidatos, pois a OPAS estava perto da insolvência em 2020 , durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19, com os estados membros atrasando os pagamentos e os EUA sob o presidente Trump interrompendo seu apoio à OMS. Mas a OPAS também precisa de uma agenda claramente priorizada, mais urgentemente, para examinar as lições aprendidas e as mudanças necessárias para a região após a pandemia.

Há uma chance sem precedentes de novos começos na América Latina; uma oportunidade de fazer mudanças positivas para aliviar a profunda negligência, desigualdade e violência. Esperemos que o Brasil escolha aproveitar esta oportunidade.

Para mais informações sobre a pobreza alimentar no Brasil, consulte https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf

Para saber mais sobre como os cientistas e a ciência brasileiros foram prejudicados, veja Correspondence Lancet 2021; 397: 373–74 e Correspondência Lancet 2022; 399: 23-24

Para saber mais sobre o programa tributário da Columbia, consulte https://www.ft.com/content/35d3eae3-5166-42f6-b0b0-a66c6c709116

Para mais informações sobre os candidatos a Diretor da OPAS, consulte World Report Lancet 2022 399: 2337–38

Para acessar o arquivo pdf deste artigo basta clicar Aqui!


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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela revista “The Lancet” [Aqui! ].

The Lancet: 21 cientistas rejeitaram uma das maiores honrarias científicas do Brasil, depois que o presidente Bolsonaro vetar dois agraciados

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Por Lise Alves de São Paulo

Um grupo de cientistas brasileiros agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico decidiu recusar a homenagem, depois que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, retirou dois de seus nomes da lista.

Um comunicado dos destinatários afirma: “Estamos extremamente honrados com a possibilidade de recebermos um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber no nosso país. No entanto, a homenagem oferecida por um governo federal que não só ignora a ciência, mas boicota ativamente as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não condiz com nossa trajetória científica. Em solidariedade com os colegas que foram sumariamente excluídos da lista de destinatários, e em conformidade com a nossa postura ética, renunciamos coletivamente a esta nomeação. ”

O presidente Bolsonaro concedeu a 25 cientistas um dos maiores méritos científicos do país no dia 3 de novembro, apenas para excluir os nomes de Adele BenzakenSBP e Marcus Vinícius Lacerda da lista de homenageados 2 dias depois. Após o afastamento, 21 cientistas da lista divulgaram comunicado no qual renunciaram à homenagem. Eles também criticaram “a negação em geral, a perseguição a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para ciência e tecnologia”, que dizem ter prejudicado avanços importantes da comunidade científica brasileira.

Um dos que renunciaram ao prêmio foi Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (RS). Victora disse ao The Lancet que escreveu uma carta ao Ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil renunciando à homenagem antes mesmo de tomar conhecimento da decisão do presidente de retirar o prêmio de Benzaken e Lacerda. “Como cientista e epidemiologista, tornei público por meio de palestras e artigos científicos minha completa oposição à forma como a pandemia de COVID-19 tem sido tratada por este governo”, disse Victora em sua carta.

Benzaken e Lacerda, ambos pesquisadores da Fiocruz-Amazônia, acham que sua retirada da lista se deve à divergência entre seu trabalho e a visão do governo Bolsonaro.

Benzaken, diretor da Fiocruz-Amazônia, se surpreendeu ao receber o prêmio em primeiro lugar. “Devo confessar que não pensei que o atual governo tivesse realmente me selecionado para esse prêmio”, disse Benzaken ao The Lancet . No entanto, ela criticou a remoção de seu nome. Benzaken foi demitido do Ministério da Saúde durante a primeira semana do governo Bolsonaro por publicar um panfleto que fornecia informações sobre saúde sexual para homens transexuais. Funcionários do Ministério da Saúde disseram que o panfleto continha linguagem vulgar e ofensiva. “Achei muito deselegante para o governo brasileiro. É como convidar alguém para uma festa e 2 dias depois não convidar ”, disse Benzaken, que passou a maior parte de sua vida profissional estudando, prevenindo e ajudando pessoas com HIV / AIDS.

Lacerda disse ao The Lancet que também ficou surpreso ao saber que estava na lista. “Causou um certo estranhamento porque o presidente e sua família já haviam falado coisas negativas sobre mim e espalhado notícias falsas sobre meu primeiro estudo com cloroquina e COVID-19 aqui em Manaus”, disse. Em março de 2021, Lacerda conduziu um estudo que concluiu que a cloroquina era ineficaz contra o COVID-19. O medicamento contra a malária foi promovido pela administração Bolsonaro como um medicamento milagroso para a COVID-19.

No momento em que se espalhou a notícia da retirada dos dois nomes da lista de premiados, a comunidade científica brasileira criticou a decisão. “Esse ato, inédito no país e típico de regimes autoritários, é mais um atentado à ciência, inovação e inteligência do país”, disse em nota Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Ciência e inovação estão sendo fragilizadas por uma política econômica equivocada, que olha para o horizonte imediato, com medidas que prejudicam o futuro do Brasil. Atitudes de negação, com ataques irresponsáveis ​​às evidências científicas, prejudicam o desenvolvimento nacional e afetam diretamente a saúde da população ”.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também divulgou nota: “É evidente que o governo federal procedeu ao cancelamento ao saber que os dois renomados cientistas faziam pesquisas cujos resultados contradiziam os interesses das políticas governamentais, atuando como um censor da pesquisa, sem o devido respeito à verdade científica e à diversidade ”.

De acordo com a SBPC, todos os nomes para a premiação foram apresentados por uma comissão técnica formada por membros da SBPC e do ABC. O gabinete do presidente não deu uma razão para remover os nomes e não respondeu aos pedidos de comentários do The Lancet.

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela “The Lancet” [Aqui!].

The Lancet: nenhum sistema de saúde do mundo está preparado para as mudanças do clima

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Todos os países – ricos ou pobres – têm sistemas de saúde precários frente aos desafios que as mudanças climáticas já começam a impor. Esta é a principal mensagem da edição 2020 do relatório Contagem Regressiva Lancet (Lancet Countdown), um estudo sobre a relação entre mudança climática e saúde. O levantamento acompanha 40 indicadores nesse tema, e a edição lançada hoje (2/12) apresenta as perspectivas mais preocupantes até o momento.

Os novos dados mostram que apenas metade dos países pesquisados elaboraram planos nacionais de saúde e clima, com apenas quatro informando financiamento nacional adequado, e menos da metade dos países realizou avaliações de vulnerabilidade e adaptação para a saúde. Enquanto isso, dois terços das cidades globais pesquisadas esperam que a mudança climática comprometa seriamente a infraestrutura de saúde pública.

Segundo o relatório, nas últimas duas décadas houve um aumento de 54% de mortes relacionadas ao calor entre idosos, com um recorde de 2,9 bilhões de dias adicionais de exposição a ondas de calor afetando quem tem mais de 65 anos em 2019 – quase o dobro da alta anterior. Nesse mesmo período, o Brasil experimentou 39 milhões de dias a mais de exposição às ondas de calor afetando sua população idosa em comparação com o início dos anos 2000. O cálculo da exposição de populações vulneráveis a ondas de calor é expresso em dias/pessoa, ou seja, o número de dias de ondas de calor em relação ao número de pessoas afetadas.

O documento ainda destaca que o calor e a seca provocaram aumento acentuado de exposição a incêndios, causando danos ao coração e ao pulmão devido à fumaça, além de queimaduras e deslocamentos de comunidades. Esse cenário foi especialmente devastador no Brasil em 2019, que devido às queimadas na Amazônia viu saltar em 28% o número de dias em que sua população esteve exposta a um risco de incêndio de muito alto a extremo desde o início do século.

“A pandemia nos mostrou que quando a saúde é ameaçada em escala global, nossas economias e modos de vida podem chegar a um impasse”, diz Ian Hamilton, diretor executivo da Lancet Countdown. “Os incêndios devastadores dos EUA e as tempestades tropicais deste ano no Caribe e no Pacífico, coincidindo com a pandemia, ilustraram tragicamente que o mundo não tem o luxo de lidar com uma crise de cada vez”.

“A pandemia da COVID-19 lançou um holofote sobre a capacidade atual dos sistemas de saúde para lidar com choques futuros que a mudança climática já começa a gerar”, afirma Hugh Montgomery, co-presidente da Lancet Countdown e doutor em terapia intensiva na University College London. Para ele a mudança climática amplia as desigualdades existentes na saúde entre os países e dentro deles. “Nosso relatório mostra que, assim como na Covid-19, os idosos são particularmente vulneráveis, e aqueles com uma gama de condições pré-existentes, incluindo asma e diabetes, correm um risco ainda maior”.

O relatório – uma colaboração entre especialistas de mais de 35 instituições, incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Banco Mundial e liderado pelo University College London – vem a público às vésperas do 5º aniversário do Acordo de Paris, quando o mundo se comprometeu a limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2ºC.

“Chegamos ao 5º aniversário do Acordo de Paris enfrentando as piores perspectivas para a saúde pública que nossa geração já viu”, lamenta Wenjia Cai, diretora do recém-lançado Centro Regional Lancet Countdown para a Ásia, sediado na Universidade de Tsinghua, em Pequim. “O não cumprimento de nossos compromissos climáticos pode tirar alguns objetivos-chave de desenvolvimento sustentável do alcance, assim como nossa capacidade de limitar o aquecimento.”

Riscos no Brasil

Um destaque que diz respeito ao Brasil são as mortes relacionadas à dieta alimentar: no Brasil são muito significativas – quase 248 mil por ano, dos quais quase 38 mil estão ligadas ao consumo excessivo de carne vermelha.

A poluição que causa milhares de mortes prematuras por inalação partículas finas (PM2,5) também é apontado no relatório com um problema crítico no país, sendo o transporte movido a combustíveis fósseis o principal responsável.

O relatório aponta ainda que houve um aumento das horas de trabalho perdidas devido ao calor extremo na América Latina – foram mais de 4 bilhões de horas perdidas em 2019 no Brasil, e as perdas médias nos últimos quatro anos são 36% maiores do que no início da década de 90. Enquanto isso, a dengue avança no continente, com o mosquito Aedes aegypti se adaptando cada vez mais aos ambientes urbanos de Brasil e Peru, ajudado, segundo o relatório, pelo armazenamento improvisado de água em resposta às estiagens e cortes de abastecimento.

Retomada Verde

Um editorial da Lancet publicado junto com o novo relatório destaca que a mudança climática e o risco de pandemia zoonótica compartilham os mesmos fatores, tornando-os inextricavelmente entrelaçados, de modo que devem ser tratados em conjunto.

Os 120 acadêmicos e médicos por trás do novo relatório dizem que se forem tomadas medidas urgentes para enfrentar a mudança climática – implementando planos para cumprir os compromissos de limitar os aumentos de temperatura global a bem abaixo de 2ºC – será possível mitigar esses choques e obter benefícios econômicos e de saúde. Ao mesmo tempo, estas ações poderiam reduzir o risco de futuras pandemias, porque os motores da mudança climática também podem impulsionar o risco de pandemia zoonótica (doenças infecciosas causadas por microorganismos que saltam de animais não humanos para humanos).

“Se quisermos reduzir o risco de futuras pandemias, devemos priorizar a ação sobre a crise climática – uma das forças mais poderosas que impulsionam as zoonoses hoje”, declara Richard Horton, editor-chefe da The Lancet. Para ele, este é o momento de proteger a biodiversidade e fortalecer os sistemas naturais dos quais depende nossa civilização. “Assim como vimos com a COVID-19, uma ação retardada causará mortes evitáveis.”

Os 7 milhões de mortes anuais por poluição do ar associadas à queima de combustíveis fósseis em todo mundo dão um exemplo desse potencial. Na Europa, modestos passos para promover setores de energia e transporte mais limpos viram as mortes por poluição atmosférica PM2,5 cair de 62 por 100 mil em 2015 para 59 por 100 mil em 2018. Globalmente, as mortes por PM2,5 ambientais associadas ao carvão caíram em 50 mil no mesmo ano.

Os ganhos de saúde, por sua vez, poderiam gerar muitos bilhões em benefícios econômicos. Por exemplo, a melhoria marginal da qualidade do ar da União Européia nos cinco anos até 2019 poderia valer cerca de US$ 8,8 bilhões por ano, se mantida constante.

Como a produção de alimentos é a fonte de um quarto das emissões mundiais de gases de efeito estufa, o relatório sugere que existe uma oportunidade semelhante para tratar de algumas das 9 milhões de mortes anuais ligadas à má alimentação. Com a pecuária sendo particularmente intensiva em emissões, o relatório examinou as mortes causadas pelo excesso de consumo de carne vermelha e constatou que a mortalidade aumentou 70% nos últimos 30 anos. Uma dieta com menos carne bovina teria portanto benefícios de saúde diretos e também indiretos, pela diminuição das emissões.

“Há uma oportunidade genuína de alinhar as respostas à pandemia e à mudança climática para proporcionar uma tripla vitória: melhorar a saúde pública, criar uma economia sustentável e proteger o meio ambiente”, afirma Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial da Saúde. “Mas o tempo é curto. A incapacidade de enfrentar essas crises convergentes de modo simultâneo pode elevar a produção de combustíveis fósseis, colocando a meta mundial de 1,5ºC fora do alcance e condenando o mundo a um futuro de choques de saúde induzidos pelo clima.”

Quem desejar acessar o relatório publicado pela “The Lancet”, basta clicar [Aqui! ].  Já para baixar o editorial do “The Lancet” sobre a relação entre a COVID-19 e a crise climátic, basta clicar [Aqui!].

Na “The Lancet”, médicos brasileiros desafiam os fatos e defendem as ações do governo Bolsonaro no controle da COVID-19

hospitais covid-19

Na “The Lancet”,  médicos brasileiros defendem as ações do governo Bolsonaro no (des) controle da pandemia da COVID-19, em que pese os mais 135 mil mortes ocorridas no Brasil

Há quem não entenda algumas situações envolvendo a falta de reação da comunidade médica brasileira às ações do governo Bolsonaro no (des) controle da pandemia da COVID-19 no Brasil, especialmente quando o presidente Jair Bolsonaro está a meses defendendo um medicamento, a cloroquina, que não possui nenhuma comprovação de que tenha qualquer utilidade no combate ao coronavírus.

Mas uma carta publicada hoje pela revista “The Lancet” lança luz sobre essa situação ao publicar uma carta assinada por um coletivo de médicos brasileiros (alguns detentores de títulos de doutorado) que não só defendem ardorosamente as ações do governo Bolsonaro, como também exigem que uma das principais revistas científicas da área médica do mundo retire do ar um editorial em que critica duramente as ações do governo Bolsonaro.

Em meio ao bombardeio de declarações pseudo-nacionalistas, uma me chamou a atenção. É que aquela que afirma que “Brasil está se saindo melhor do que o Reino Unido em resposta à pandemia COVID-19. Os casos, óbitos e taxas de letalidade do COVID-19 ajustados pela população são muito mais elevados no Reino Unido do que no Brasil.”

Essa afirmação por si só já deve ter divertido os editores da “The Lancet” a ponto deles decidirem publicar uma carta que, se por um lado tem elementos que envergonham os autores da mesma, por outro, oferecem uma rara entrada no que pensam respeitáveis representantes da classe médica brasileira.

Quem se der ao trabalho de ler a “resposta” abaixo, notará que não se pode culpar os pobres pela eleição e manutenção de Jair Bolsonaro no posto de presidente do Brasil. É que a defesa apaixonada que emerge do texto nos mostra quem racionalmente opta por defender as práticas indefensáveis de um governo indefensável.

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Resposta COVID-19 do Brasil

Por Mauro RN Pontes e Julio Pereira Lima

Foi decepcionante ler o Editorial 1  sobre a resposta do Brasil ao COVID-19, criticando o presidente brasileiro que “desencorajou [ed] as medidas sensatas de distanciamento físico e bloqueio”. Sim, ele insistiu que o bloqueio é ineficaz e terrível para a economia. 

As evidências sugerem que ele estava certo. Um estudo europeu concluiu que o bloqueio pode não ter salvado vidas.

2 Um estudo brasileiro descobriu que um aumento de 1,0% na taxa de desemprego estava associado a um aumento de 0,5% na mortalidade por todas as causas.

 3 A taxa de desemprego esperada (23%) causaria 120 mil mortes no Brasil, segundo projeções dos autores. 3 Portanto, o governo brasileiro implementou medidas de proteção; distribuiu US $ 5,6 bilhões às cidades, estados e diretamente à população por meio de um salário de salvamento de emergência; criaram leitos para unidades de terapia intensiva; e entregou equipamentos de proteção e ventiladores. Esta resposta mostra um “vácuo de ações políticas”?1

Até o momento, o Brasil está se saindo melhor do que o Reino Unido em resposta à pandemia COVID-19. Os casos, óbitos e taxas de letalidade do COVID-19 ajustados pela população são muito mais elevados no Reino Unido do que no Brasil. O Lancet deveria criticar seu próprio país, antes de criticar o nosso.

Sentimos que o preconceito abundou durante a editoria de Richard Horton, incluindo o imbróglio da vacina MMR4(colocando a vida das crianças em risco) e a correspondência incendiária sobre a situação em Gaza5O Lancet elogiou a resposta chinesa à pandemia de COVID-19, mesmo depois que a China foi acusada de encobrir a propagação inicial e a transmissão de humano para humano de COVID-19. O Lancet foi mais duro com o Brasil, sugerindo que deveríamos expulsar o presidente de sua cadeira.

Desconsideramos seu editorial desinformador, 1 que sentimos ser claramente tendencioso contra nosso governo de direita. Infelizmente, o The Lancet não publicou nada contra o governo de esquerda brasileiro, que priorizou estádios de futebol em vez de hospitais.

Como médicos brasileiros, damos a vocês uma resposta clara: o Editor do The Lancet deve abandonar o viés político, retratar o Editorial,1  e focar na ciência, ou então ele “deve ser o próximo a ir”.1

Declaramos não haver interesses conflitantes. Os signatários desta correspondência estão listados no apêndice

“The Lancet” publica artigo negando benefícios da cloroquina no combate à COVID-19

Did chloroquine really fail a COVID-19 study—or was the trial ...Estudo científico mostra que cloroquina e hidroxicloroquina são ineficazes no combate à COVID-19, com ou sem o acompanhamento de antibióticos

Uma das principais, senão a principal, revista científica na área da Medicina, a “The Lancet” acaba de publicar um artigo que nega quaisquer benefícios associados ao uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19.

cloroquina trial

De autoria de pesquisadores ligados ao  Brigham and Women’s Hospital Heart  e ao Vascular Center and Harvard Medical School (Massachusets, EUA),  à Surgisphere Corporation (Illinois, EUA), à University Heart Center, University Hospital Zurich (Suiça), ao Department of Biomedical Engineering da Universidade de Utah (Utah, EUA), e ao HCA Research Institute (Tennessee, EUA), o artigo aponta de forma categórica que “não foi possível confirmar o benefício da hidroxicloroquina ou cloroquina, quando usado isoladamente ou com um macrólido (pertencentes a um grupo de antibióticos de amplo espectro), nos resultados hospitalares do COVID-19. Cada um desses esquemas medicamentosos foi associado à diminuição da sobrevida hospitalar e a um aumento da frequência de arritmias ventriculares quando usado no tratamento do COVID-19“.

Este novo estudo é provavelmente um dos (senão o mais) robustos realizados sobre o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, na medida em que inclui resultados obtidos com 96.032 pacientes (idade média 53,8 anos, 46,3% mulheres) que tiveram COVID-19  e foram hospitalizados durante o período do estudo, tendo preenchido critérios de inclusão. Os autores informam ainda que 14.888 pacientes analisados estavam nos grupos de tratamento (1868 receberam cloroquina, 3783 receberam cloroquina com um macrólido, 3016 receberam hidroxicloroquina e 6221 receberam hidroxicloroquina com um macrólido, sendo que  81.144 pacientes foram colocados no chamado grupo de controle. O resultado final é que 10.698 (11,1%) pacientes morreram no hospital.

Como se vê, quando submetido a uma análise  rigorosa, o mito da utilidade da cloroquina e da hidroxicloroquina para combater a COVID-19 se esfarela rapidamente, não resistindo ao exame próprio de quem realmente tem a capacidade de analisar dados científicos. Por isso, enquanto a comunidade cientifica não produz as alternativas eficazes contra a COVID-19, a melhor alternativa continua e continuará sendo o isolamento social, independente do que pensem os bufões que eventualmente são eleitos para presidir países como o Brasil (Jair Bolsonaro) e os EUA (Donald Trump).

Pesquisadores publicam artigo na “The Lancet” alertando para possível catástrofe na saúde brasileira

 

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O artigo abaixo foi publicado na respeita revista científica “The Lancet” e traça um cenário sombrio para a saúde dos brasileiros e mfunção das políticas ultraneoliberais que estão sendo executadas pelo “governo de facto” de Michel Temer.

Os autores são respectivamente professores do Departmento da Universidade de Cambridge (Reino Unido), da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (Brasil), e do Departamento de Economia da Universidade de Massachusets (EUA). 

A gravidade do que está apontado neste artigo é tamanha que deveríamos todos parar de fazer o jogo de quem não quer que discutamos as reais repercussões do desmanche do Estado brasileiro que está em curso por um governo que não foi eleito pela maioria do povo brasileiro para, de uma vez por todos, nos concentrar nos debates que deverão definir o destino do Brasil como nação.

Para os interessados em ler o artigo na sua versão original, basta clicar [Aqui!]

Uma catástrofe está sendo produzida na saúde dos brasileiros

Por Katarzyna Donie,  Rafael Dall’Alba e Lawrence King*

As crises políticas e econômicas do Brasil estão desviando a atenção da retomada de um modelo neoliberal de atenção à saúde por seu governo. Aqui resumimos brevemente as reformas de saúde e suas possíveis implicações em longo prazo. As novas políticas podem ser vistas a partir de três perspectivas: austeridade, privatização e desregulamentação.

Em primeiro lugar, o governo do país introduziu um dos mais severos conjuntos de medidas de austeridade na história moderna. A emenda constitucional aprovada em dezembro de 2016, chamada PEC-55, congela o orçamento federal, incluindo os gastos com saúde, em seu nível de 2016 por 20 anos [1].  Além disso, em 2017, pela primeira vez em quase 30 anos, o governo não superou o mínimo orçamento da saúde garantido pela Constituição em R $ 692 milhões (aproximadamente US $ 210 milhões)  [2, 3]. Outros setores relacionados à saúde, como educação e ciência, também enfrentam cortes de gastos: até 45% em pesquisa científica e 15% em  universidades públicas [4, 5, 6].

O governo brasileiro está gradualmente se retirando do plano-chave de proteção social, Brasil Sem Miséria, que forneceu apoio financeiro, acesso a produtos básicos e serviços para populações vulneráveis por meio de mais de 70 programas especializados. Muitos programas de assistência social, complementando os cuidados de saúde preventivos e reduzindo as desigualdades, estão passando por cortes no orçamento. Em 2017, mais de 1 milhão de famílias foram excluídas do Programa Bolsa Família, visando a erradicação da pobreza e da fome por meio de transferência direta de renda condicional para as famílias mais pobres [7]. Segundo prognósticos de Rasella e colegas, medidas de austeridade sofridas por É provável que o programa exacerbará a morbidade e a mortalidade infantil na próxima década [8].

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que envolve funções como educação rural, abastecimento de água e criação de empregos, foi um dos principais. As forças que estão por trás da remoção do Brasil do mapa mundial da fome do Programa Mundial de Alimentos estão seriamente comprometidas.  O Programa Cisternas, com acesso a água potável para comunidades rurais empobrecidas, perdeu mais de 90% de seus fundos. Dado que uma das principais causas de crimes violentos nas comunidades rurais é o conflito pelo acesso à água, o encerramento do programa  é uma ameaça para a segurança dessas comunidades. O financiamento do Programa de Aquisição de Alimentos, compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar para a redistribuição entre os pobres, foi reduzido em 99%%. Tais mudanças drásticas na direção das políticas sociais provavelmente reverterão o progresso social que foi feito ao longo das duas últimas décadas, que tirou 28 milhões de pessoas da pobreza e 36 milhões para a classe média.

Em segundo lugar, o governo pretende introduzir planos comerciais de saúde (Planos Populares), destinados a substituir funções anteriormente desempenhadas, gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde [9].  Planos comerciais oferecem um escopo mais restrito de serviços do que o mínimo oferecido pelo SUS e estão sujeitos a menos escrutínio regulatório, o que geralmente resulta em má qualidade de serviço e altos custos diretos [10].

Em terceiro lugar, estados e municípios têm sido obrigados, até o momento, a investir recursos federais, através dos chamados “blocos financeiros”, em áreas estratégicas de saúde, incluindo atenção primária à saúde e saneamento. As novas regulamentações liberam as administrações regionais de aderirem a essa disciplina de gastos [11], investindo quantias especificadas em áreas estratégicas de saúde, o que pode contribuir para a deterioração do SUS e para as desigualdades regionais em saúde. Além disso, novas regulamentações diminuem o número obrigatório de médicos em unidades de emergência e de pessoal nas unidades básicas de saúde [12], incluindo a redução do número obrigatório de agentes comunitários de saúde. Essa reorganização da atenção primária não só dá mais poder ao setor privado do que antes, ao diminuir a qualidade dos serviços públicos, mas também reduz a capacidade do SUS de uma gestão eficaz de emergências, prevenção e promoção da saúde. O enfraquecimento do setor público também afetou a cobertura de vacinação e a vigilância sanitária, resultando em um recente surto de sarampo [13].

Essas ações mostram que o governo do Brasil está se afastando dos princípios fundamentais da atenção universal à saúde, apesar de ser um direito constitucional. Políticas de saúde neoliberais, combinadas com a desregulamentação das leis trabalhistas [14],  em meio à grave crise econômica, não só agem contra a ideia de justiça social, mas também exacerbam duas grandes preocupações de saúde pública do país: desigualdades socioespaciais e socioeconômicas na saúde e a alta taxa de homicídio. Esperamos que esta carta estimule o debate sobre a crise sistêmica da atenção à saúde no Brasil e contribua para o escrutínio rigoroso das tendências neoliberais nas políticas de saúde pública e seus efeitos em todo o mundo [15].


Referências

  1. Brasil Ministério de Desenvolvimento Social. Informações do projeto de lei orçamentária anual 2017.
  2. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: Ministério do Planejamento. Nota técnica: número 28.
  3. Collucci, C. Tamanho do SUS precisa ser revisto, diz novo ministro da Saude. Folha de São Paulo (São Paulo)May 17, 2016;
  4. Angelo, C. Brazilian scientists reeling as federal funds slashed by nearly half. NatureApril 3, 2017;
  5. Angelo, C. Scientists plead with Brazilian government to restore funding. NatureOct 4, 2017;
  6. G1. MEC prevê orçamento 15% menor para universidades federais em 2017.
  7. Brasil Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Base de dados do Programa Bolsa Família.
  8. Rasella, D, Basu, S, Hone, T, Paes-Sousa, R, Ocké-Reis, CO, and Millett, C. Child morbidity and mortality associated with alternative policy responses to the economic crisis in Brazil: a nationwide microsimulation study. PLoS Medicine201815e1002570
  9. Brasil Agência Nacional de Saúde Suplementar. Portaria número 8.851.
  10. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Crise econômica, austeridade fiscal esaúde: que lições podem ser aprendidas? Relatório número 26, Brasília.
  11. Brasil Ministério da Saúde and Gabinete do Ministro. Portaria número 381 de 6 de Fevereiro de 2017.
  12. Brasil Ministério da Saúde and Gabinete Ministerial. Portaria número 10, de 3 de Janeiro de 2017.
  13. Estados enfrentam surto de sarampo, que volta a ameaçar o Brasil. Jornal NacionalJuly 7, 2018;
  14. Casa Civil, Brasil. Law número 13.467.
  15. Stuckler, D and Basu, S. The body economic: why austerity kills. PenguinLondon2013

* Os autores são respectivamente professores do Departmento da Universidade de Cambridge (Reino Unido), da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (Brasil), e do Departamento de Economia da Universidade de Massachusets (EUA).